Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0925/09
Data do Acordão:02/10/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ALFREDO MADUREIRA
Descritores:IRC
LIQUIDAÇÃO ADICIONAL
FUSÃO DE SOCIEDADES
Sumário:I – A extinção da personalidade jurídica de sociedade incorporada por fusão não tem por efeito a extinção dos seus direitos e deveres.
II – Estes, por expressa disposição legal, a saber artigos 97º e 112º do CSC, transmitem-se para a sociedade incorporante.
III – Assim, desta pode a AF exigir o pagamento respectivo quando munida de titulo executivo em que figure como devedora a sociedade extinta.
Nº Convencional:JSTA000P11459
Nº do Documento:SA2201002100925
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Em conferência, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
Inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A… contra liquidação de IRC, respeitante ao ano de 1996, dela interpôs recurso jurisdicional o Representante da Fazenda Pública junto daquele Tribunal.
Apresentou as suas alegações de recurso formulando, a final, as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IRC, no valor de 123 978 955$00, referente ao ano de 1996, por, na apreciação do fundamento invocado de nulidade ou inexistência jurídica do acto de liquidação, considerar que a notificação efectuada a uma sociedade que havia sido incorporada por fusão, e que por isso se encontrava extinta, não foi devidamente efectuada.
B. Contrariamente ao doutamente decidido, perfilha-se o entendimento de que, a liquidação efectuada em nome da sociedade incorporada, é eficaz, respondendo pela dívida a sociedade incorporante, por força da fusão operada.
C. A impugnante recepcionou no ano 2001, diversas notificações de actos e procedimentos dirigidos à sociedade “B…”, sem que suscitasse a questão ora posta, tendo sempre assumido ser a respectiva destinatária, (cf. “C”, “E” e “F” do probatório);
D. A impugnante até requereu a fundamentação do acto tributário de liquidação (cf. “D” do probatório),
E. Porque a recebeu.
F. Tais comportamentos ocorreram vários anos após a fusão por incorporação, ocorrida em 30/11/96.
G. De conformidade com o previsto no artigo 112° do CSC, a sociedade incorporada só se extingue com a inscrição da fusão no registo comercial, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante.
H. Tendo em conta que, a fusão implica a perda de personalidade jurídica da sociedade fundida, mas não implica o desaparecimento da realidade empresarial e económica que ela constituía, que nesta medida, não se extinguiu mas antes sofreu uma alteração, uma vez que continua a existir integrada na nova sociedade, decorre que,
I. Liquidado adicionalmente IRC relativamente à sociedade incorporada, referente a exercício anterior à data da fusão, tal liquidação é eficaz relativamente à sociedade incorporante que responde por aquela dívida.
J. Não pode falar-se de nulidade ou inexistência jurídica do acto de liquidação, dado que se mostram cumpridas as condições de existência do acto tributário de liquidação, os seus elementos essenciais, incluindo a de, ter sido levado ao conhecimento do destinatário
K. Ocorre nulidade da sentença por excesso de pronúncia, na parte em que o Juiz conheceu da existência de vício decorrente de falta de audição prévia, nos termos do consignado n° 2 in fine do artigo 125° do CPPT, na alínea d) do n° 1 do art.° 668° e n° 2 do artigo 660°, ambos do CPC, vício este que não foi oportunamente invocado na PI. pela impugnante (cf. art.° 108°, n° 1 CPPT).
L. A liquidação impugnada deve ser mantida, por se encontrar demonstrada a sua validade e justeza.
M. A douta sentença sob recurso violou as disposições legais supra citadas.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.
Contra-alegou a recorrida A…, formulando, por sua vez, as seguintes conclusões:
141. A interposição do recurso, e as respectivas alegações da FP, são extemporâneas e, por isso, o recurso deve ser julgado deserto (artigo 282° n° 2, 3 e 4 do CPPT).
142. Não pode o contribuinte, em abstracto, dispor de um prazo de apenas 10 dias para interpor recurso, e de um prazo de apenas 15 dias para apresentar as respectivas alegações de recurso,
143. enquanto a FP dispõe, para o mesmo efeito, dos prazos de 11 e 16 dias, respectivamente.
144. Entender o contrário significa violar o princípio fundamental da igualdade das partes, designadamente ao nível das respectivas faculdades e prazos processuais, prescrito no artigo 3°-A do CPC.
145. Padecem mesmo de inconstitucionalidade material quaisquer normas que porventura se interpretem e apliquem no sentido da tempestividade de um recurso da FP interposto, e respectivas alegações de recurso apresentadas, depois de decorrido o prazo legal para o efeito (cfr. artigos 55° da LGT e 266° n°2 da CRP).
Sem prejuízo,
146. A dívida tributária emergente da liquidação já prescreveu, pelo que o processo deve ser extinto, por inutilidade superveniente da lide, com fundamento em prescrição (artigos 34° do CPT, n° 1 e 6° do DL 398/98, de 17/12, 297° n° 1 do CC, 48° n° 1 e 49° nº 1 da LGT, e 287° e) do CPC).
147. Com efeito, o prazo de prescrição aplicável, no caso, é o prazo de 8 anos, por ser o mais curto.
148. A prescrição interrompeu-se com a instauração da presente impugnação judicial, em 30.07.2001.
149. Este processo de impugnação esteve parado por mais de um ano, a partir de 03.01.2002, por motivo não imputável ao contribuinte.
150. Logo, e para efeitos do cômputo da prescrição, há que considerar todo o tempo decorrido entre 01.01.1997 e 30.07.2001, por um lado, e, por outro, entre 03.01.2003 e a presente data.
151. Tendo já decorrido quase 11 anos.
152. Pelo que a divida tributária já prescreveu.
153. A instauração da execução, ou a citação para a execução, não voltaram a interromper a prescrição.
154. A citação para a execução não constituía sequer facto interruptivo da prescrição, à luz do CPT (cfr. artigo 34° n° 3 do CPT).
155. Sendo certo que o facto jurídico-tributário materialmente relevante, no caso, verificou-se em 31.12.1996, altura em que estava em vigor o CPT e não a LGT.
156. A lei reguladora do instituto da prescrição, designadamente ao nível dos respectivos factos interruptivos, é aquela que vigora à data da factualidade jurídico fiscal a partir da qual se conta essa mesma prescrição (cfr. artigos 12° da LGT e 12º nº 1 do CC)
157. Aplicar lei não vigente em questões jurídico-fiscais materiais significa violar o princípio legal fundamental da proibição da retroactividade das normas em geral, e da lei fiscal em particular (artigo 103° n° 3 da CRP).
158. A lei não admite interrupções sucessivas da prescrição.
159. Em Setembro de 2001 ainda não havia cessado o efeito interruptivo da prescrição provocado pela dedução da impugnação judicial em 30.07.2001.
160. No sentido ora propugnado, pode ver-se, por todos, o douto Acórdão do Pleno desta Secção de Contencioso Tributário do STA, de 24.10.2007, Proc. 0244/07.
161. No sentido que anteriormente lhe era conferido pela generalidade da Doutrina e da Jurisprudência, o artigo 89° da Lei n° 53-A/2006, de 29/12, veio dar nova redacção ao artigo 49° n° 3 da LGT, segundo o qual “a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar’.
162. Assumindo, assim, esta nova redacção, carácter interpretativo e, por isso, “retroactivo” (cfr. artigo 13° n° 1 do CC).
163. Contrariamente ao decidido, nem a citação, nem a instauração da execução, produziram novo efeito interruptivo da prescrição.
164. Não pode considerar-se que o decurso da prescrição está suspenso até trânsito em julgado deste processo judicial impugnatório.
165. Nunca existiram, na lei, quaisquer causas de “suspensão” do decurso do prazo de prescrição.
172. Nos termos dos artigos 259º do CPPT, o Tribunal conhecerá oficiosamente da prescrição, se os serviços da administração fiscal não o houverem feito.
173. A prescrição não foi objecto de conhecimento por parte da AF.
174. E a divida não foi paga.
175. Por conseguinte, e contrariamente ao decidido, que deve ser declarada a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, com fundamento na prescrição da divida decorrente da liquidação aqui impugnada (artigo 287º e) do CPC).
176. Ao decidir contrariamente, a douta Sentença violou as sobreditas disposições legais.
Sem prescindir,
177. No demais, a douta Sentença recorrida não é passível de qualquer censura.
178. Tendo sido efectuada em nome da B…, e sendo relativa ao suposto rendimento desta sociedade a 31.12.1996 (atento o disposto no artigo 8° n° 7 do CIRC),
179. A liquidação é nula ou anulável, por falta ou inexistência do objecto e sujeito a que se reporta (cfr. artigos 15° da LGT, 133° n° 2 c) e 134° do CPA, “ex vi” dos artigos 2° d) do CPPT e 2° c) da LGT).
180. Com efeito, a B… foi objecto de fusão, outorgada, registada e participada à AF, antes de 31.12.1996.
181. Pelo que, em 31.12.1996, momento a que se reporta a liquidação, quer o facto tributário (lucro da B…), quer o sujeito passivo (B…), já não existiam (artigo 112° a) do CSC).
182. Ocorre, por isso, a impossibilidade física e legal da B… ser sujeito (passivo) da obrigação tributária emergente da liquidação em questão.
183. A B…, à data do próprio facto tributário a que se reporta a liquidação, não detinha personalidade ou existência jurídico-tributária para poder ser sujeito passivo de imposto.
184. Muito menos (i) à data em que foi efectuada a liquidação, (ii) quando a DSPIT de Lisboa efectuou a análise interna subjacente à liquidação ou (iii) quando se procedeu à notificação do projecto de correcções, para efeitos do exercício do direito de audição prévia.
185. A liquidação “sub judice” deveria ter tido por sujeito e objecto a totalidade do rendimento da Impugnante em 31.12.1996, ai compreendido o rendimento da B…, entretanto incorporado, por fusão, no património da Impugnante.
186. No caso, a liquidação é referente a exercício posterior à data da fusão: é referente ao exercício findo em 31.12.1996 e, nesta data, já havia sido outorgada e registada a fusão.
187. Daí, a nulidade ou inexistência jurídica da liquidação, por conter objecto física e juridicamente impossível, insanável por natureza (artigo 133° n° 2 c) do CPA, com as consequências do artigo 134° do mesmo diploma legal, “ex vi” dos artigos 2° d) do CPPT e 2° c) da LGT).
Sendo certo que,
188. A Impugnante nunca “assumiu” ser a destinatária das notificações dos actos tributários em questão.
189. Muito pelo contrário, o que se extrai da matéria de facto provada, e o que sempre foi afirmado pela Impugnante, foi que essas notificações tiveram, sempre, por destinatário, a B…, e que, por isso, eram ineficazes em relação à Impugnante.
Acresce que,
190. Interpretar o artigo 37° do CPPT no sentido de que o uso da faculdade aí prevista faz sanar a invalidade da omissão da notificação da fundamentação conjuntamente com a respectiva liquidação, traduz uma inconstitucionalidade material daquele preceito, por violação do artigo 268° n° 3 da CRP.
191. As notificações, seja da liquidação, seja da fundamentação do relatório final, seja do projecto de relatório final (para efeitos de exercício do direito de audição prévia), não poderiam ter sido efectuadas em nome da B… (cfr. artigos 36° n° 1 do CPPT, 15° da LGT e 268° n°3 da CRP).
192. Em particular, o facto da notificação do projecto de relatório, para efeitos do exercício do direito de audição prévia, ter sido efectuada em nome da B…, significa que essa notificação foi e é ineficaz em relação à Impugnante (artigos 36º nº 1 e 2 do CPPT, 77º n.º 6 da LGT e 268º nº 3 da CRP).
193. Ou seja, não produziu quaisquer efeitos jurídicos junto da Impugnante.
194. Pelo que, foi violado o disposto nos artigos 60 n° 1 a) e e) e nº 5 da LGT (cfr. tb. o artigo 36° n° 1 do CPPT), 60 do RCPIT e 267° n° 5 da CRP, com o inerente vício formal do procedimento de liquidação, como bem se concluiu na douta Sentença.
195. Entender o contrário, significa interpretar aqueles normativos, artigos 36° n° 1 e 2 do CPPT, 60° n° 1 a) e e) e n° 5 da LGT, 77 n° 6 da LGT e 60° do RCPIT, de forma materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 267° n° 5 e 268° n° 3 da CRP.
Por outro lado,
196. Não ocorre a alegada nulidade da Sentença, por pretenso excesso de pronúncia.
197. Pois aquela matéria — violação do direito de audição prévia - foi oportunamente alegada nos artigos 34°, 35° e 36° da p.i.
198. Conforme, aliás, este Venerando STA já decidiu nos presentes autos, com trânsito em julgado.
Acresce que,
199. Como se refere na douta Sentença, os juros compensatórios não estão nem foram minimamente fundamentados, de facto ou de direito, conforme impunham os artigos 35° n° 9 da LGT e 77° da LGT.
200. Com efeito, em lugar algum foram explicitados o período de cálculo, a taxa de juro e a base de cálculo desses juros em prejuízo do direito de defesa do contribuinte.
201. Nem mesmo na sequência de pedido de fundamentação formulado pelo contribuinte ao abrigo do disposto no artigo 37° do CPPT.
202. Aliás, a FP, nas suas alegações, não impugna sequer a douta Sentença, neste segmento decisório.
203. Pelo que, nesta parte, a douta Sentença transitou em julgado, com a consequente anulação, definitiva, da liquidação, quanto aos juros compensatórios.
Sem prejuízo,
204. Se, por mera hipótese, for dado provimento ao recurso, devem ser conhecidos e apreciados de mérito os demais vícios imputados à liquidação, não considerados na douta Sentença recorrida.
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., declarando a prescrição da dívida tributária emergente da liquidação aqui impugnada e, consequentemente, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, ou negando provimento ao recurso e, consequentemente, mantendo a anulação da liquidação aqui impugnada, V. Exas. farão, como sempre, inteira JUSTIÇA.
Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu depois douto parecer opinando pela confirmação do julgado com base no sustentado entendimento de que:
1º- não só não se verifica a alegada extemporaneidade da interposição do recurso, suscitada em sede de contra-alegações pelo Impugnante e ora Recorrida,
2º - como a agora sindicada sentença enferma de omissão de pronúncia sobre as questões suscitadas pela impugnante A… na petição inicial, causa de nulidade de sentença que, não sendo do conhecimento oficioso, não foi arguida pela Recorrente Fazenda Pública com fundamento do recurso ( art.º 125 n.º 1 do CPPT )
3º - e que o texto e conclusões do recurso são improfícuos para a pretendida revogação da sentença na exacta medida em que impugnam a solução jurídica do acto de liquidação adicional de IRC e arguem a nulidade de sentença ( por excesso de pronúncia sobre a questão da audição prévia do interessado ) sem que a sentença recorrida, pelos motivos enunciados, sobre ela se tenha pronunciado em termos processualmente relevantes.
4º - Adita ainda que a reapreciação da questão da prescrição da obrigação tributária pelo tribunal superior está prejudicada, porque desnecessária em consequência da solução propugnada para a decisão da causa, favorável ao interesse da recorrida ( art.º 864-A n.º 1, último segmento, do CPC ).
Colhidos os vistos legais e porque nada obsta cumpre apreciar e decidir.
Antes de prosseguir importa se deixe consignado, para clarificar, que:
- a sentença impugnada com o presente recurso é a que consta de fls. 348 e seguintes;
- e, como dela consta, com clareza, foi proferida pelo tribunal ora recorrido em cumprimento de julgado anterior desta Secção de Contencioso Tributário que tal determinara – cfr. acórdão de fls. 316 e seguintes;
- dela foi apenas interposto e admitido o presente recurso, em que é recorrente a Fazenda Pública.
- Esta circunstância e a consequente limitação processual que determina em sede do âmbito do conhecimento por este Supremo Tribunal – cfr. artigos 682º e 684º n.º 4 do CPC - não obsta, porém, a que se apreciem e decidam as suscitadas questões ( em sede de contra alegações pela Recorrida ) da alegada deserção do recurso, por extemporaneidade de apresentação das respectivas alegações pela Recorrente Fazenda Pública – cfr. artigo 687º n.º 4 do CPC – e da prescrição da dívida tributária – artigo 684º-A do CPC -.
Prossigamos, então.
O tribunal recorrido deu como assente a seguinte matéria de facto:
• Em 07/09/2001, foi instaurada execução fiscal contra a sociedade “B…” sob o n.° 1821200101043927, por dívidas relativas a IRC, referentes ao exercício de 1996, no montante total de Esc. 123978955$00 (€618404,42).
• A executada foi citada para a execução em 11/09/2001 — cfr. fls. 3 verso do processo de execução fiscal apenso aos autos.
• Este processo de execução fiscal suspendeu-se em 07/01/2002 por efeito de prestação de garantia — seguro caução.
• Em 30/07/2001, foi deduzida a presente impugnação judicial, versando a mesma liquidação de IRC — cfr. carimbo aposto no rosto da petição inicial.
• Nos presentes autos não foram promovidas quaisquer diligências desde 03/01/2002 até 23/02/2004 — cfr. fls. 215 a 220 dos autos.
• A dívida exequenda em causa não se mostra paga.
• A sociedade “B…” extinguiu-se, em resultado da fusão, por incorporação da totalidade do seu património na sociedade “A…”, pessoa colectiva n.° …, com sede no Lugar do …, Via Norte, na Maia — cfr. documento n.° 2 junto com a petição inicial, consubstanciado na escritura pública formalizada em 30/11/1996, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
• Esta fusão foi registada em 09/12/1996 — cfr. documento n.° 3 junto com a petição inicial: cópia da certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial do Porto.
• Em 30/12/1996, a sociedade “B…” apresentou na 1.ª Repartição de Finanças de Matosinhos a respectiva declaração de cessação de actividade, declarando como data de cessação 30/11/1996 — cfr. documento n.° 4 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
• Por escritura designada de “Alteração parcial do contrato de sociedade - cisão-fusão”, outorgada em 30/06/1999, a sociedade “…” alterou a sua firma para “A….” — cfr. documento n.° 5 junto aos autos com a petição inicial.
• Esta alteração da firma foi participada à Administração Fiscal em 26/07/1999 — cfr. documento n.° 6 junto com a petição inicial.
• Em 08/03/2001, foi emitida nota de liquidação, referente à sociedade “B…”, com sede na Rua …, …, na …, respeitante a rendimentos auferidos no ano de 1996, cujo documento de cobrança de IRC se identificou sob o n.° 2001 8310002759 — cfr. documento n.° 1 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
• Neste mesmo documento, apresenta-se indicado o valor de 40.800.662$00 a título de juros compensatórios devidos, não se encontrando discriminada a taxa aplicável ou o período a que se reportam.
Dão-se aqui por integralmente reproduzidos os restantes factos provados constantes da sentença proferida em 29/06/2007 — fIs. 253 a 257 dos presentes autos.
Resultou a convicção do Tribunal da análise dos documentos juntos aos autos, sendo os factos relativos à execução de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do artigo 514.° do Código de Processo Civil (CPC), resultando da análise do processo executivo apenso aos autos.
Globalmente, a matéria de facto apurada assentou na análise de todos os elementos constantes dos autos, incluindo a prova testemunhal produzida.
III – (…)
PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA EXEQUENDA
Neste âmbito, importam os seguintes factos:
• A dívida em causa reporta-se a IRC, relativa ao ano de 1996.
• O processo executivo foi instaurado em 07/09/2001 e os presentes autos em 30/07/2001, tendo esta impugnação judicial estado parada desde 03/01/2002 até 23/02/2004.
Vejamos então.
Em primeiro lugar e prejudicialmente da questão prévia da alegada deserção do recurso da Fazenda Pública pela invocada apresentação tardia e extemporânea das respectivas alegações.
Não é nova a questão assim suscitada. Sobre ela se pronunciou já esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido a fls. 321 verso, para o qual, aqui sem mais e por manifesta economia processual, se remete.
Não se olvida que são agora outras as alegações questionadas na sua tempestividade - as de fls. 376 a 382 e não as antes apresentadas a fls. 275 a 279 e consideradas no referido aresto -; é porém a mesma a argumentação sindicante e são as mesmas as razões jurídicas que demandam mais uma vez a sua improcedência.
Ora e como proficientemente acentua a Fazenda Pública na sua resposta – cfr. fls. 452 e 453 - a faculdade concedida pelo artigo 150º n.º 1 al. b) do CPC, permitindo a remessa a juízo das peças processuais das partes pelo seguro do correio, valendo como data da prática do acto respectivo a da efectivação do correspondente registo, vistos os autos, importa antes concluir pela sua tempestividade e consequente improcedência desta alegação.
E porque esta faculdade não constitui privilégio de quem quer que seja, antes integra, isso sim, faculdade ao alcance de qualquer das partes, não ocorre bem manifestamente qualquer violação ou afronta do princípio constitucional invocado, o princípio da igualdade das partes.
Não ocorre pois a alegada deserção do recurso da Fazenda Pública.
Atentemos agora na questão da prescrição.
Com base na apontada factualidade a sindicada sentença, em cumprimento aliás do que se determinara no acórdão desta Secção de fls. 316 e seguintes, concluiu não se verificar a prescrição da dívida exequenda, sendo, portanto, útil a prossecução dos presentes autos.
E o assim decidido não merece reparo ou censura pois, à luz dos factos sobre o ponto fixados, é seguro que o prazo aplicável à contagem do prazo da prescrição é o previsto no artigo 48º da LGT ( cfr. artigo 297º 1 do CCivil ), isto é, oito anos contados a partir da data da entrada em vigor desta, a saber 01.01.1999.
Assim e considerando que por força do disposto artigo 49º da LGT a instauração da presente impugnação judicial em 30.07.2001 interrompeu a prescrição em curso, assim inutilizando para estes efeitos o prazo até então decorrido, e que a subsequente citação, em 11.09.2001, para a respectiva execução fiscal interrompe também e mais uma vez aquele prazo – cfr. n.º 1 do citado preceito da LGT – e ainda que, por efeito da prestação de garantia – seguro caução, em 07.01.2002, no processo de execução fiscal, que, por si só e por força do estabelecido no artigo 169º do CPPT, demanda a suspensão deste processo executivo, só depois de decidido com trânsito em julgado ou equivalente este processo de impugnação de novo se retomará a contagem de todo o prazo de prescrição aqui aplicável – cfr. artigos 326º n.º 1 e 327º n.º 1 do CCivil -.
Os apontados e verificados factos interruptivos e suspensivos conheceram verificação temporal em data anterior à da publicação e entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que, por isso e perante o disposto no n.º 2 do artigo 12º do CCivil e ao menos por agora, não logra aqui aplicação.
Não ocorre pois a invocada prescrição.
Assim é com efeito e como repetidamente vem afirmando a jurisprudência deste Supremo Tribunal – cfr, por todos e por mais recente o acórdão de 13.01.2010, processo n.º 1148/09.
Curemos agora do recurso jurisdicional apresentado pela Fazenda Pública.
A decisão impugnada é, repete-se, a que consta de fls. 348 e seguintes e são seus factos materiais os que constam discriminadamente de fls. 349 e 350, a saber, os primeiros, os apurados e fixados em cumprimento do antes determinado por este Supremo Tribunal no referido acórdão de fls. 316 e seguintes e os demais, os antes fixados na sentença de fls. 253 a 257, que ali se deram por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
Com base neles e por singela remissão para a fundamentação e segmento decisório constantes dessa sentença de fls. 257 a 260 julgou-se procedente a impugnação judicial e em consequência anulou-se a liquidação sindicada.
Não pode deixar de anotar-se que a opção pela remissão para os factos fixados pela sentença de fls. 257 a 260 e segmento decisório respectivo se nos não assemelha como procedimento recomendável, na justa medida em que tal peça processual foi revogada pelo acórdão de fls. 316 a 323, e, tal como acentua o Ilustre Procurador Geral Adjunto, por via disso, erradicada da ordem jurídica.
Ainda assim e porque continua a constar fisicamente dos presentes autos e enquanto reprodução escrita daquela factualidade e segmento decisório, já perante os princípios da economia processual e da simplificação dos actos e termos processuais, aceita-se aquela indicação como integrando a factualidade interessante e o segmento decisório com a fundamentação que dele consta.
Ora, é contra o assim decidido que, mais uma vez, se insurge a Fazenda Pública, pugnando, de novo, pela validade e justeza da questionada liquidação e consequente revogação desta nova sentença, tudo conforme as conclusões deste seu recurso jurisdicional, que se deixaram transcritas.
Sustenta, em síntese e fundamentalmente, que:
a) se não verifica a invocada nulidade ou inexistência jurídica da liquidação com base na considerada e acolhida ausência de notificação, que a liquidação adicional de IRC relativamente à sociedade incorporada referente a exercício anterior à data da fusão é eficaz relativamente à sociedade incorporante; e que
b) se verifica ocorrer nulidade de sentença por excesso de pronúncia na parte em que o juiz conheceu do vício não oportunamente invocado na PI e decorrente da falta de audição.
A agora sindicada sentença, declarando acompanhar o segmento decisório antes proferido em primeira instância em 29/06/2007, e dando por integralmente reproduzida toda a fundamentação e segmento decisório constante dessa sentença, ínsitos a fls. 257 a 260 dos presentes autos, julgou procedente a impugnação judicial e anulou a respectiva liquidação,
Com base no questionado entendimento de que:
a) - não terá ocorrido notificação válida e eficaz da impugnada liquidação adicional, pela acolhida circunstância de ter sido sempre notificada a B… – que havia cessado a sua actividade e sido incorporada por fusão na C…, desde 30.11.1996.
b) - e que, tendo sempre sido transmitidas as pertinentes comunicações e notificações, ao longo de todo o procedimento inspectivo e liquidador, à sociedade incorporante, a A…, que inclusive fez oportuno uso da faculdade concedida pelo artigo 37º do CPPT, conclui ainda, a administração tributária podia e ainda estaria em tempo de efectuar a notificação devida a esta sociedade e possibilitar o exercício de audição.
c) - e por último ainda porque a sindicada liquidação adicional não discrimina, como deveria, na divida tributária a parte correspondente aos juros compensatórios, a taxa ou taxas aplicáveis e o período de tempo a que se reportam.
Ora, como emerge do relato que antecede, apenas os dois primeiros segmentos decisórios acima sumariados foram objecto de impugnação jurisdicional com o presente recurso e daí que só deles cumpra apreciar e decidir,
Assim considerando já decidida e procedente a ilegalidade da liquidação quanto aos juros compensatórios, por ausência de oportuna e eficaz sindicância jurisdicional. ( aquele é também o entendimento deste STA – cfr. acórdão de 13.11.2004, processo n.º 534/03 ).
Quanto àquele segundo segmento da sindicada sentença, que apontava no sentido de dever a AT proceder à notificação da Impugnante, B…, para, no procedimento de liquidação, exercer o direito de audição a que se refere o artigo 60º da LGT, omissão de formalidade que, na economia da decisão, concorria para o reforço do segmento decisório antes acolhido e pronunciado,
E que a Fazenda Pública considera – Conclusão K - integrar conhecimento de questão jurídica não suscitada pela Impugnante em sede de PI e que assim constituía excesso de pronúncia demandante de nulidade da sentença ( cfr. artigos 125º n.º 2 do CPPT e 660º e 668º n.º 2 do CPC ) –
Entende-se antes que estas referências, considerações e conclusões jurídicas, no ponto desenvolvidas pela sentença impugnada, não assumem autonomia decisória relevante para a economia do decidido, pois se integram antes na decisão já proferida, porventura evidenciando também por isso a bondade e acerto jurídico daquela.
Daí que se julgue improcedente a invocação desta nulidade de sentença.
Já quanto ao demais, isto é, quanto à questionada legalidade da liquidação adicional impugnada, à luz dos factos materiais da causa que o probatório descreve, designadamente aos atinentes à Sociedade B… e ao processo da sua fusão por incorporação com a Impugnante A…, tempo, modo e forma, procedem antes as conclusões do presente recurso jurisdicional.
Com efeito, respeitando a liquidação adicional de IRC ao ano de 1996 e vindo estabelecido que a fusão da B… por incorporação na A… se operou em 31.11.1996, nada há a apontar em sede de legalidade desta quando elege como destinatário a referida B….
E já quanto à questionada validade e eficácia decorrente da acolhida deficiente e invalidante notificação, mediante apelo aos artigos 37º e 39º do CPPT e 268º da CRP e invocação do ensinamento de Jorge Sousa in CPPT, anotado, conclui-se que a notificação não foi devidamente efectuada,
Sem que se deixe convenientemente esclarecido quem, na economia da decisão proferida, haveria de ser o notificado, se a extinta B… se a Impugnante A…,
Como sustenta a Recorrente Fazenda Pública e se deixa dito a liquidação efectuada em nome da sociedade incorporada é válida, eficaz e susceptível de demandar a responsabilidade pela liquidação pagamento da respectiva dívida pela sociedade incorporante.
Isso mesmo decorre do disposto nos artigos 97º e 112º do Código das Sociedades Comerciais, como aliás vem sendo reconhecido pelos nossos tribunais superiores – vejam-se os acórdãos de 20.11.2001, processo n.º 5377/01 do TCASul e de desta Secção do STA de 13.04.2005, processo n.º 1265/04, de 12.03.2003, processo n.º 1975/02 e de 16.09.2009, processo n.º 372/09 -.
Dos referidos arestos emerge jurisprudência clara no sentido de que, nos termos das referidas disposições legais, a sociedade extinta continua, de resto, a ser sujeito da relação jurídica tributária, mesmo que a lei designe outros responsáveis pelo respectivo pagamento… nada há na lei que impeça a Administração Fiscal de efectuar um acto tributário de liquidação já depois de extinta a pessoa ( singular ou colectiva ) sujeito passivo da obrigação jurídica tributária. Menos, de exigir o pagamento da obrigação fiscal já liquidada …
A doutrina, por sua vez, apontando a extinção da sociedade incorporada como decorrência da inscrição no registo comercial da operação de fusão, vem acentuando que assim se transmitem os direitos e obrigações daquela para a sociedade incorporante, quer ao abrigo da teoria da sucessão universal, quer da teoria do acto modificativo das sociedades envolvidas – cfr. Menezes Cordeiro in Código das Sociedades Comerciais, anotado, Coimbra, 2009, pag. 323 -,
Vem ensinando que a extinção da personalidade jurídica própria da sociedade incorporada por fusão não tem por efeito a extinção dos seus direitos e deveres, antes, por expressa disposição legal, estes se “transmitem” para a sociedade incorporante, seja porque esta sucede àquela, em conformidade com a teoria da sucessão, seja porque as situações jurídicas de que era titular a sociedade incorporada permanecem inalteradas ao longo do processo de fusão para se reunirem depois na nova entidade, em conformidade com a teoria do acto modificativo. ( excerto do acórdão desta secção de 16.09.2009, processo n.º 372/09. )
Face ao exposto e atentos os factos fixados sob os primeiros 13 pontos da sindicada sentença a fls. 349 dos autos e ainda face aos referidos a fls. 253 a 257 sob as alíneas C), D), E), F), H) e I), julgam-se procedentes as conclusões das alegações de recurso da Fazenda Pública, apenas com excepção do articulado sob a alínea K e, em consequência,
Acordam os Juízes desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo em julgar parcialmente procedente o respectivo recurso jurisdicional, em revogar, consequentemente e em parte, a sindicada sentença, julgando agora improcedente a impugnação judicial deduzida, excepto quanto aos juros compensatórios, segmento decisório da impugnada sentença que haverá de manter-se por não jurisdicionalmente impugnado.
Custas pela Impugnante aqui e na 1ª Instância e na medida do decaimento, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2010. – Alfredo Madureira (relator) - Brandão de Pinho - Pimenta do Vale.