Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0276/16
Data do Acordão:10/12/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA
NOTIFICAÇÃO
Sumário:Na impugnação judicial da liquidação da denominada «taxa de segurança alimentar mais», prevista no DL n.º 119/12, de 15/6, e porque não há caso omisso quanto à matéria da representação em juízo da entidade liquidadora desse tributo, também não há que recorrer subsidiariamente ao regime constante do art. 11.º do CPTA, pois que nos termos da aI. a) do n.º 1 do art. 15.º do CPPT, compete ao Representante da Fazenda Pública «representar a administração tributária e, nos termos da lei, quaisquer outras entidades públicas no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal». (*)
Nº Convencional:JSTA000P20960
Nº do Documento:SA2201610120276
Data de Entrada:03/04/2016
Recorrente:MIN DA AGRICULTURA E DO MAR
Recorrido 1:A...., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

O Ministério da Agricultura e do Mar recorre do despacho que, proferido pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, no processo de impugnação que ali corre termos sob o n.º 282/13.8BEMDL, deduzido pela impugnante A………., SA., contra a liquidação da denominada «Taxa de Segurança Alimentar Mais», determinou a notificação do mesmo Ministério da Agricultura e do Mar, para contestar a impugnação, na consideração de que é ao recorrente que cabe assegurar a representação em juízo “…dada a inexistência de norma legal expressa que atribua competências de representação no âmbito das impugnações judiciais da taxa impugnada à representação da Fazenda Pública”.

Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1. Requerido pelo MAM que fosse dada sem efeito a sua notificação para contestar a ação de impugnação da taxa de segurança alimentar mais sob epígrafe, e para o mesmo fim fosse notificado o representante da FP, devia o Exmo. Juiz ter atendido tal pretensão, porque lho impunha o art. 110º, n.º1 do CPPT;
2. Ao indeferir essa pretensão, sinteticamente como argumento de que cabia ao MAM assegurar aquela representação em juízo, por o Fundo Sanitário de Segurança Alimentar Mais carecer de personalidade jurídica; este ter sido criado no âmbito do MAM; e inexistir “norma legal expressa que atribua competências de representação no âmbito das impugnações judiciais da taxa impugnada à representação da Fazenda Pública”.
O Mmo. Juiz a quo fez errada interpretação do disposto nos arts. 15º, n.º 1, al. a) do CPPT e 1º, n.º 3 da LGT, que violou;
Assim como violou o disposto nos arts. 110º, n.º 1 do CPPT e 9º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho;
3. E em consequência, ao condenar o MAM em custas “pelo incidente”, a douta decisão fez errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 527º, n.ºs. 1 e 2 do CPC e 7º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O MP emitiu Parecer no sentido do provimento do recurso, apoiando-se na doutrina que resulta dos acórdãos deste Supremo Tribunal, datados de 19/11/2014, de 17/06/2015 e de 28/10/2015, respectivamente, recursos n.ºs. 0994/14, 0762/14 e 0535/15.

Corridos os vistos legais, cabe decidir.

O despacho recorrido tem o teor seguinte:
Requerimento que antecede:
O Ministério da Agricultura e do Mar, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 110.° do CPPT, vem solicitar que se dê sem efeito a notificação efetuada, e que a mesma seja ordenada ao legal representante da Fazenda Pública.
Vejamos.
Nos termos do artigo 110.°, n.º 1 do CPPT, "recebida a petição, o juiz ordena a notificação do representante da Fazenda Pública para, no prazo de 90 dias, contestar e solicitar a produção de prova adicional".
E o artigo 15.° do CPPT determina o seguinte:
Artigo 15.º
Competência do representante da Fazenda Pública
1 - Compete ao representante da Fazenda Pública nos tribunais tributários:
a) Representar a administração tributária e, nos termos da lei, quaisquer outras entidades públicas no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal;
b) Recorrer e intervir em patrocínio da Fazenda Pública na posição de recorrente ou recorrida;
c) Praticar quaisquer outros atos previstos na lei.
2 - No exercício das suas competências, deve o representante da Fazenda Pública promover o rápido andamento dos processos, podendo requisitar às repartições públicas os elementos de que necessitar e solicitar, nos termos da lei, aos serviços da administração tributária as diligências necessárias.
3 - Quando a representação do credor tributário não for do representante da Fazenda Pública, as competências deste são exercidas pelo mandatário judicial que aquele designar.
Da alínea a) do número 1 do artigo 15.° do CPPT decorre que a representação da Fazenda Pública representa em juízo não só a Administração Tributária, mas ainda outras entidades, quando a lei assim o determinar. A representação em juízo pela representação da Fazenda Pública de outras entidades que não a Administração Tributária exige, porém, a existência de norma legal especial que o preveja - cfr. Jorge Lopes de Sousa - Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado e Comentado, vol. I, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, pág. 206.
Assim, a representação da Fazenda Pública representa em juízo, em princípio, apenas a Administração Tributária.
Importa, então, verificar se existe norma específica a atribuir poderes de representação na impugnação judicial à representação da Fazenda Pública na matéria tributária em crise.
Nos presentes autos está em causa a impugnação da taxa de segurança alimentar mais.
A taxa de segurança alimentar mais foi instituída pelo Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho (artigo 1.º).
O Decreto-Lei referido criou também, no âmbito do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais (artigo 1.º).
O mencionado Fundo "é um património autónomo, sem personalidade jurídica e dotado de autonomia administrativa e financeira" (artigo 2.°).
Ora, se o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, entidade que remeteu à impugnante a liquidação em discussão (doc. 2), não está dotado de personalidade jurídica e foi criado no âmbito do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (atualmente Ministério da Agricultura e do Mar), é a este último que cabe assegurar a representação em juízo, dada a inexistência de norma legal expressa que atribua competências de representação no âmbito das impugnações judiciais da taxa impugnada à representação da Fazenda Pública.
Assim, indefere-se o requerimento apresentado, condenando-se a impugnada na respetiva taxa pelo incidente, pelo mínimo legal, nos termos do disposto nos artigos 527.°, n.ºs 1 e 2 do CPC e 7.°, n.º 4 do RCP.
Notifique.

A questão que nos vem colocada já não é nova e teve mesmo, por parte deste Supremo Tribunal, resposta diametralmente oposta àquela que lhe foi dada no despacho recorrido, como bem refere o Sr. Procurador-Geral Adjunto.

Escreveu-se no acórdão proferido no recurso n.º 0994/14, que foi subscrito pelos mesmos juízes deste Colectivo:
3.1. De acordo com a alegação do recorrente a decisão recorrida, ao ter determinado não haver lugar, na presente impugnação, à notificação do representante da Fazenda Pública, viola o disposto na al. a) do n.º 1 do art. 15.° e no n.º 1 do art. 110.°, ambos do CPPT, bem como o disposto nos artigos 53.º e 54.º do ETAF.
Na verdade, entendeu-se ali, como resulta da dita decisão (acima transcrita), no que ora releva, que, (i) estando em causa a liquidação da "Taxa de Segurança Alimentar Mais", operada pela Direcção Geral de Alimentação e Veterinária, nos termos do DL n.º 119/12, de 15/6; (ii) tendo este diploma criado (cfr. seu art. 1.º), no âmbito do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar; (iii) sendo este Fundo um património autónomo, sem personalidade jurídica, dotado de autonomia administrativa e financeira; (iv) constituindo o produto daquela taxa receita própria desse Fundo (cfr. arts. 2.° e 4.°, n.º 1, al. b) do citado DL n.º 119/12); e estabelecendo o n.º 1 do art. 9.° da Portaria n.º 215/12, de 17/7 (diploma que regulamentou a visada taxa), que a administração dessa mesma taxa é atribuída à Direcção Geral de Alimentação e Veterinária, “à qual compete nomeadamente assegurar a liquidação e cobrança da taxa”, então, deverá ser notificado o Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, que deve ser representada em juízo por mandatário judicial designado pelo responsável máximo pelos serviços jurídicos desse Ministério (licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito, ou por advogado constituído, nos termos do disposto no art. 11.º, n.ºs 2 e 3 do CPTA, aplicável subsidiariamente ex vi art. 2.°, al. c) do CPPT), atento o disposto no artigo 15.°, n.º 3 do CPPT, e não pelo Representante da Fazenda Pública.
3.2. Ora, atalhando caminho, adianta-se já que se nos afigura que a razão legal está com o recorrente.
O DL n.º 119/12, de 15/6, criou (art. 1.º), no âmbito do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, bem como a taxa de segurança alimentar mais.
Esse «Fundo» tem natureza de «património autónomo, sem personalidade jurídica e é dotado de autonomia administrativa e financeira» (cfr. art. 2.º), sendo as respectivas receitas constituídas pelas que estão enunciadas no art. 4.º do mesmo DL (taxas, contribuições, emolumentos, outras receitas).
E entre as referidas taxas encontra-se a aqui questionada «taxa de segurança alimentar mais», especificada no n.º 1 do art. 11.º nos termos seguintes: «1 — Como contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar é devido o pagamento, pelos estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, de uma taxa anual, cujo valor é fixado entre € 5 e € 8 por metro quadrado de área de venda do estabelecimento, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da agricultura.»
Sendo que, de acordo com o estabelecido no art. 9.° da Portaria n.° 215/2012 [que veio regulamentar a mencionada «taxa de segurança alimentar mais» (Bem como a Portaria n.º 214/2012, também de 17/7 e a Portaria n.º 200/2013, de 31/5.)], a administração desta compete à Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária, à qual cabe assegurar a sua liquidação e cobrança.
3.3. De acordo com o n.º 2 do art. 3.º da LGT os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas.
Ora, não sofre dúvida que o acto de liquidação que está a ser impugnado respeita a um «tributo». Independentemente do «nomen júris» que, apreciada a natureza daquele (verdadeiro imposto, como sustenta a impugnante/recorrida, ou taxa, como a ele se refere o DL n.º 119/12, de 15/6) se lhe deva atribuir.
Por outro lado, também é certo que à luz do disposto no n.º 3 do art. 1.º da LGT, integram a administração tributária, para além da Autoridade Tributária e Aduaneira, outras entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança de tributos.
No caso, a liquidação e cobrança do controvertido tributo competem à Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), que é um serviço central, com autonomia administrativa, integrado na administração directa do Estado, no âmbito do então Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território e, presentemente, no Ministério da Agricultura e do Mar [arts. 1.º e 5.º a 7.º da Portaria n.º 215/2012, de 17/7 (que regulamenta a taxa de segurança alimentar mais), art. 4.º, n.º 1, al. d) do DL n.º 7/2012, de 17/1 (que aprova a Lei Orgânica do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território - MAMAOT), art. 1.º do DR n.º 31/2012, de 13/3 (que criou a DGAV) e 4.º, n.º 1, al. b) do DL 18/2014, de 4/2 (que aprova a nova Lei Orgânica do Ministério da Agricultura e do Mar)].
Assim, como bem salienta o MP, sendo a Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) a entidade pública a quem incumbe liquidar e cobrar o tributo em causa, há-de ser incluída no conceito de Administração Tributária constante do n.º 3 do mencionado art. 1.° da LGT.
Competindo, portanto, ao Representante da Fazenda Pública, nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 15.º do CPPT, «representar a administração tributária e, nos termos da lei, quaisquer outras entidades públicas no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal».
Na verdade, como decorre do disposto na al. a) do n.º 1 do art. 15º do CPPT, é o Representante da Fazenda Pública a entidade que actua processualmente em representação da AT e, como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa, «Em regra, a administração tributária é representada nos processos judiciais tributários pelo representante da Fazenda Pública [arts. 9.°, nº 4, e 15.º, n.º 1, alínea a), do CPPT e arts. 53.º e 54.º do ETAF de 2002]» salientando, igualmente, este autor que, mesmo nos processos a que se aplica a CPTA [como as acções administrativas especiais sobre matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, acções de intimação para a consulta de documentos e passagem de certidões (bem como em alguns processos de execução de julgados e de produção antecipada de prova)], embora seja parte demandada a própria pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o Ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos, a representação processual, mesmo nestes casos, «cabe ao representante da Fazenda Pública, nos termos do arts. 9.º, nº 4, e 15.°, n.º 1, alínea a) do CPPT e arts. 53.º e 54.º do ETAF de 2002», (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Vol. I, Áreas Editora, 6ª ed., 2011, anotação 12 ao art. 6.º, pp. 94/95.) sendo que «… os representantes da Fazenda Pública representam toda a administração tributária que não tiver representação especial prevista na lei e não apenas a que se integra na DGCI e na DGAIEC.» (Ibidem, anotação 3 a) ao art. 15, pp. 198/199.)
Sendo que, apesar de em relação aos Institutos Públicos se dever atender, em primeira linha, como também pondera o mesmo autor, às normas estatuárias especiais que constem de diplomas com valor legislativo, (Entidades que, em geral, são representadas em juízo pelo presidente do conselho directivo, por dois dos seus membros, ou por mandatários especialmente designados (art. 21.º, n.º 1, alínea n) e n.º 3, da Lei Quadro dos Institutos Públicos, aprovada pela Lei n.º 3/2004, de 15/1, e republicada pelo DL n.º 105/2007, de 03/04).) no caso, o Fundo em questão não tem tal natureza jurídica, antes constituindo, como se viu, um património autónomo, sem personalidade jurídica mas, por outro lado, também a DGAV se inclui no conceito amplo de Administração Tributária vertido no n.º 3 do art. 1.° da LGT.
E não havendo, portanto, caso omisso nesta matéria (ou seja, quanto a saber quem representa em juízo a entidade que liquidou o tributo) também não há que recorrer subsidiariamente, como bem aponta o MP, ao preceituado no CPTA, mormente no seu art. 11.°, n.ºs. 2 e 3.”.

Considerando que não ocorreu qualquer alteração do circunstancialismo fáctico, e da legislação reguladora da matéria, que imponha diferente solução a dar a esta questão nos presentes autos, teremos que concluir que também agora se impõe a revogação da decisão recorrida.
Impõe-se, assim, a revogação da decisão recorrida, a ser substituída por outra que determine a notificação do RFP contestar a impugnação, nos termos do art. 110.º, n.º 1 do CPPT e dos demais normativos legais apontados.


Nestes termos acorda-se em conferência em, dando provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido o qual deverá ser substituído por outro que, se a tanto nada mais obstar, determine a notificação do Representante da Fazenda Pública para contestar a impugnação.
Sem custas.
D.n.

Lisboa, 12 de Outubro de 2016. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.