Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0146/12
Data do Acordão:06/27/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
AVALIAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
COEFICIENTE DE LOCALIZAÇÃO
Sumário:1 – O dever legal de fundamentação deve responder às necessidades de esclarecimento do destinatário, informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do respectivo acto e permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito que determinaram a sua prática.
2.1. O coeficiente de localização previsto no art. 42º do CIMI é um valor aprovado por Portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU na fixação do qual se têm em consideração, nomeadamente, as características referidas no nº 3 desse normativo legal.
2.2. O zonamento (determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização em cada município, bem como as percentagens a que se refere o nº 2 do art. 45º do CIMI) são, igualmente, aprovados por Portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU.
2.3. Tratando-se de parâmetros legais fixados e previstos na lei [determinados de acordo com os critérios constantes dos nºs. 2 e 3 do art. 45º e nº 3 do art. 42º, ambos do CIMI, e fixados anualmente por Portaria do Ministro das Finanças, sob proposta da CNAPU (arts. 60°, nº 1, al. d) e nº 3, do CIMI)], a fundamentação exigível para a aplicação destes valores apenas se pode circunscrever à identificação geográfica/física dos prédios no concelho e freguesia respectivos, à especificação dos coeficientes de localização e dos restantes valores referidos e à invocação do quadro legal que lhes é aplicável.
3. Não tendo a decisão recorrida fixado a matéria de facto pertinente à apreciação das questões cuja apreciação foi julgada prejudicada pela solução encontrada pela 1ª instância para o litígio (cfr. art. 715º, nº 2, do CPC) fica o Tribunal de recurso impedido de conhecer em substituição, impondo-se, nesse caso, a baixa dos autos à instância (arts. 729º e 730º do CPC).
Nº Convencional:JSTA00067700
Nº do Documento:SA2201206270146
Data de Entrada:02/09/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IMI
Legislação Nacional:CPPTRIB99ART280 N1
CPC96 ART715 N1 N2 ART726 ART729 ART730
LGT98 ART60 N1 B
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC382/11 DE 2011/06/22; AC STA PROC862/10 DE 2011/03/10; AC STA PROC1130/11 DE 2012/04/19; AC STAPLENO PROC307/11 DE 2012/05/02
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, julgou procedente a impugnação judicial que a sociedade A……, Lda., com os demais sinais dos autos, deduziu contra o acto de segunda avaliação das fracções autónomas designadas pelas letras A, B, C, E e L do prédio urbano inscrito na matriz respectiva da freguesia da … sob o artigo 7814.

1.2. O recurso foi inicialmente interposto para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) onde o Exmo. relator, por despacho proferido em 7/12/2011 (fls. 94 a 99), veio a declarar esse TCAS incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, dado o seu objecto respeitar, apenas, a matéria de direito.

1.3. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
A) A reforma da tributação do património operada pelo D.L. n° 287/2003, de 12 de Novembro acolheu em seu benefício todo um acervo de informações, análises e estudos que a DGCI desde há muito vinha preparando sobre tal matéria.
B) Ocorrendo uma profunda reforma do sistema de avaliação da propriedade, em especial da propriedade urbana, passou o sistema fiscal a ser dotado de um quadro legal de avaliações inteiramente fundado em factores objectivos, de grande simplicidade e coerência interna, e sem espaço para a subjectividade e discricionariedade do avaliador.
C) Neste contexto, o zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município, os quais, aquando da sua fixação pelos próprios municípios, atendem a diversas características da zona em que o prédio se situa, nomeadamente, as acessibilidades, a proximidade de equipamentos sociais, os serviços de transportes públicos e, mesmo, o elevado valor de mercado imobiliário - artigos 42º e 45º/2 e 3 do CIMI.
D) Tais valores são públicos e de consulta facilitada através do site da DGCI ou junto de qualquer Serviço de Finanças.
E) Movendo-se os peritos intervenientes no procedimento de avaliação no domínio de zonas e coeficientes predefinidos, estes caracterizam-se pela sua indisponibilidade para qualquer ponderação ou alteração, mesmo que por si pretendida.
F) Neste contexto tão específico, a fundamentação exigível para a aplicação do Cl em causa, apenas se podia/pode circunscrever à identificação geográfica/física dos prédios na freguesia em causa, ao estabelecimento do Cl aplicável e à invocação do quadro legal que lhe era aplicável.
G) Sendo que os valores em causa são públicos e de consulta facilitada através do site da DGCI ou junto de qualquer Serviço de Finanças, garantindo, desta maneira, o seu conhecimento a todo e qualquer interessado e ao público em geral, embora de um modo desmaterializado.
H) E nem o facto de os concretos zonamentos e os coeficientes de localização, constantes da proposta da CNAPU não terem sido publicados em Portaria não lhes retira eficácia, pois que os interessados foram informados do local onde podem ser consultados, garantindo-lhes assim o conhecimento que se impunha.
l) Pois que o grau de fundamentação deve adequar-se ao tipo concreto do acto praticado e das circunstâncias em que foi praticado, mostrando-se a fundamentação de um acto suficiente sempre que um destinatário normal se aperceba do percurso cognoscitivo e valorativo efectuado pelo autor do acto para proferir a decisão, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
J) Neste sentido, com a devida vénia os Acórdãos do STA de 2010-10-06, processo 0510/10, de 2011-03-17, processo 0964/10 e de 25-5-2011, processo 0239/11.
K) A fundamentação adoptada cumpriu as exigências legais e não merece censura.
L) Donde que não podendo ser apontada qualquer ilegalidade ao procedimento de segunda avaliação, a impugnação deduzida teria de improceder por falta de fundamento que a sustentasse e, consequentemente, mantido o valor patrimonial fixado em sede de segunda avaliação às fracções A, B, C, E, L do prédio urbano inscrito matriz predial da freguesia de … sob o artigo 7814.
M) A sentença sob recurso não pode manter-se por deficiente interpretação e aplicação do art. 268° da Constituição da República Portuguesa, do art. 77° da Lei Geral Tributária e dos artigos 38° e 42° do CIMI.
Termina pedindo o provimento do recurso, com a consequente manutenção do VPT fixado em sede de segunda avaliação.

1.4. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.5. Como acima se referiu, o recurso foi inicialmente interposto para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) onde o Exmo. relator, por despacho proferido em 7/12/2011 (fls. 94 a 99), veio a declarar esse Tribunal incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, dado o seu objecto respeitar, apenas, a matéria de direito.

1.6. Subidos os autos ao STA, foram com Vista ao MP, tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido Parecer nos termos seguintes, além do mais:
«A nosso ver o recurso merece provimento.
Nos termos do estatuído no artigo 77°/1 da LGT a fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa de declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas.
Por força do n° 2 do mesmo artigo a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
De acordo com o art. 125°/1 do CPA, a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso, parte integrante do respectivo acto, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
Ou seja, a fundamentação é suficiente quando proporcione aos destinatários do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente (() Acórdão do STA, de 2009.04.15, proferido no recurso n° 065/09 disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.).
O coeficiente de localização (CL) estatuído no artigo 42° do CIMI é um valor aprovado por Portaria do Ministério das Finanças, sob proposta da CNAPU, na qual se têm em conta, nomeadamente, as características referidas no n° 3 do mesmo artigo.
Por sua vez, o zonamento, ou seja, a determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes CL em cada Município e as percentagens a que se refere o artigo 45°/2 do CIMI, é, de igual modo, aprovado por Portaria do Ministério das Finanças sob proposta da CNAPU, nos termos do disposto nos artigos 60°/1/b) e 62°/a) e b) do CIMI.
Assim sendo, a fundamentação exigida para a aplicação desses valores apenas se circunscreve à identificação geográfica/física dos prédios no Município e freguesia respectivos, à especificação do CL e à invocação do quadro legal que lhes é aplicável. O que, como resulta do probatório, foi cumprido nos presentes autos. (() Neste sentido vai a jurisprudência do STA, nomeadamente, acórdãos de 2011.09.14, 2011.11.23, 2011.12.07, e 2012.01.10, proferidos nos recursos números 0255/11, 0515/11, 0948/11 e 01043/11, disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt.).
O facto dos zonamentos concretos, respectivos coeficientes e percentagens aplicáveis, constantes da proposta da CNPU, não terem sido publicados em Portaria não lhes retira eficácia, uma vez que a lei apenas estabelece a necessidade das propostas da CNAPU a esse respeito serem aprovadas por Portaria do Ministério das Finanças e se publicitou o local em que podem ser consultados, assim se garantindo o seu conhecimento aos interessados.
O zonamento e os coeficientes de localização foram aprovados pelas Portarias 982/2004, 1426/2004 e 1022/2006, de 4 de Agosto, 25 de Novembro e 20 de Setembro, respectivamente e encontram-se publicados no sítio da Internet www.e-financas.gov.pt, onde podem ser consultados por qualquer interessado, estando, ainda, disponíveis em qualquer SLF.
Aos imóveis, em causa corresponde, de facto, o CL de 0,90.
Portanto, ao contrário do decidido em 1ª instância, o CL está, suficientemente, fundamentado, pelo que a sentença merece censura.
Nos termos do estatuído nos artigos 726° e 715°/2 do CPC, entendemos que o STA deve conhecer, em substituição do Tribunal recorrido do outro vício alegado pela recorrida, a saber, a alegada violação do direito de audição prévia prevista no artigo 60°/1/b) da LGT.
Ora, parece-nos certo que este vício não ocorre, uma vez que a 2ª avaliação é realizada por dois peritos regionais e pelo sujeito passivo ou seu representante (artigo 74° do CIMI).
Ora, se o sujeito passivo participa na avaliação, onde é, naturalmente, ouvido, parece-nos não fazer, sequer, sentido falar-se em omissão do direito de audição prévia.
Mas mesmo que assim se não entendesse, a verdade é que a alegada omissão do exercício do direito de audição prévia nunca poderia determinar a anulação do acto sindicado, degenerando, pois, em formalidade não essencial, uma vez que o valor do CL nunca poderia ser diferente do que foi fixado, pois que nenhum outro valor resulta da lei.
Termos em que deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e em substituição do Tribunal recorrido julgar improcedente o alegado vício de preterição de formalidades essenciais, por pretensa omissão do exercício do direito de audição prévia, mantendo-se os actos sindicados na ordem jurídica.»

1.7. Notificadas as partes do teor do Parecer do MP e da ali proposta apreciação, em substituição, do vício de preterição de audição prévia e para se pronunciarem, querendo, nos termos do disposto no nº 3 do art. 715º do CPC, nada disseram.

1.8. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) Em 26/08/2004, 07/07/2005, 23/09/2004, 27/05/2005 e 06/08/2005, a impugnante apresentou as declarações modelo 1 de IMI, de fls. 7, 32, 61, 98 e 124 do p.a., que se dão por integralmente reproduzidas, motivadas pela 1ª transmissão na vigência do IMI, das fracções "A", "B", "C", "E" e "L" do prédio sito na …., …, freguesia e concelho da …, inscrito na matriz sob o artigo 7814, destinadas a habitação.
B) Inconformada com os valores atribuídos às identificadas fracções autónomas em 1ª avaliação, a impugnante requereu 2ªs. avaliações - fls. 11, 38, 68, 105 e 130 do p.a.
C) Reunidos os peritos, foram elaborados os Termos de avaliação de fls. 22 a 24, 44 a 47, 78 a 80, 106 a 108 e 137 a 139 do p.a., que também se dão por integralmente reproduzidos, para todos os efeitos legais.
D) A impugnante foi notificada dos actos de avaliação referidos na alínea antecedente, a coberto dos ofícios de fls. 10 a 14, que também se dão por integralmente reproduzidos.
E) Em 20/07/2006, a impugnante requereu certidão dos fundamentos de facto e de direito pelos quais foi fixado o Vc em € 612,50, o Cl em 0,90 e o Cq em 1,07, nos termos do Art. 37° do CPPT - fls. 15.
F) Em resposta, o Serviço de Finanças de Alcobaça emitiu a certidão de fls. 21, que se dá por integralmente reproduzida, da qual se destaca o seguinte:
«(...)
Fracção "A" e Fracção "C" do art. urbano da freguesia da … n° 7814 - VC em € 600,00 vc = valor base dos prédios edificados - art. 39° do Código de Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), custo médio de construção por metro quadrado e a vigorar para o ano de 2004, aprovado pelo n° 6 da Portaria 982/2004 de 4 de Agosto, foi fixado em € 480,00, que acrescido de 25% daquele custo - n° 1 do art. 39° do CIMI, perfaz os € 600,00;
Fracção "B", Fracção "E" e Fracção "L" do art. urbano da freguesia da … n° 7814 - VC em € 612,50 – vc = valor base dos prédios edificados – art. 39° do CIMI, custo médio de construção por metro quadrado e a vigorar para o ano de 2005 aprovado pelo n° 1 da Portaria 99/2005 de 17 de Janeiro, foi fixado em € 490,00 que acrescido de 25% daquele custo - n° 1 do art. 39° do CIMI perfaz os € 612,50;
CL em 0,90 - cl = Coeficiente de localização – art. 42° do CIMI - Anexo 1 à Portaria 982/2004, de 4 de Agosto, fixado para habitação, conforme extracto do SIGIMI anexo;
CQ em 1,07 – cq = Coeficiente de qualidade e conforto - art° 43° do CIMI, no caso em apreço é coeficiente majorativo, sendo que código 3 - garagem individual = 0,04 e código 9 - sistema central de climatização = 0,03, o que totaliza 0,07.
Assim dou por fundamentados os critérios utilizados na avaliação em causa, que aliás decorrem da própria lei.
(...).»

2.2. Quanto a factos não provados, a sentença exarou:
«Factos não provados:
Com interesse para a decisão não se provaram outros factos.»

3.1. Enunciando como questões a decidir as de saber se relativamente aos impugnados actos de avaliação ocorre vício de forma quer por falta de fundamentação, quer por preterição do direito de audiência prévia, a sentença veio a concluir pela procedência da impugnação, no entendimento de que tais actos enfermam do dito vício de forma substanciado na respectiva falta de fundamentação (na parte relativa à valor do coeficiente de localização (Cl) e considerando, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas (ou seja a alegada falta de fundamentação quanto aos critérios atinentes ao coeficiente de qualidade – Cq – e à área bruta privativa e área bruta dependente, relativamente às áreas declaradas e a também alegada preterição da formalidade legal da audiência prévia do contribuinte).

3.2. Do assim decidido discorda a recorrente Fazenda Pública sustentando, em síntese e no essencial, que a fundamentação exigível para a aplicação do Cl em causa, apenas se podia/pode circunscrever à identificação geográfica/física dos prédios na freguesia em causa, ao estabelecimento do Cl aplicável e à invocação do quadro legal que lhe era aplicável, sendo que os valores em causa são públicos e de consulta facilitada através do site da DGCI ou junto de qualquer Serviço de Finanças, garantindo, desta maneira, o seu conhecimento a todo e qualquer interessado e ao público em geral, embora de um modo desmaterializado, e o facto de os concretos zonamentos e os coeficientes de localização, constantes da proposta da CNAPU não terem sido publicados em Portaria não lhes retira eficácia, pois que os interessados foram informados do local onde podem ser consultados, garantindo-lhes assim o conhecimento que se impunha.
Pelo que a fundamentação adoptada cumpriu as exigências legais e não merece censura.

3.3. Refira-se, em primeiro lugar, que embora o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) se tenha declarado incompetente, em razão da hierarquia, para decidir o presente recurso e declarado competente para o efeito a Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, para onde os autos subiram, não há controvérsia das partes a este propósito, sendo que, na perspectiva considerada pelo TCAS, também aqui se entende que o recurso tem por exclusivo objecto matéria de direito (nº 1 do art. 280º do CPPT) pois as partes não contestam os factos constantes do probatório, divergindo apenas quanto à interpretação das regras jurídicas aplicáveis, sendo a questão a decidir a de saber se os questionados actos de avaliação se encontram fundamentados nos termos legais quanto ao coeficiente de localização aplicado (que, no caso, foi fixado em 0,90).
Vejamos, pois.

4.1. A questão que é objecto do presente recurso foi já repetidamente apreciada por este Supremo Tribunal, sendo que, pesem embora o entendimento discordante constante do acórdão de 10/3/2011, proferido no processo nº 862/10, se veio a firmar corrente jurisprudencial uniforme e unânime em sentido contrário ao adoptado na sentença recorrida, como pode ver-se dos acs. de 1/7/2009, rec. nº 239/09; 18/11/2009, rec. nº 765/09; 14/7/2010, rec. nº 377/10; 6/10/2010, rec. nº 510/10; 17/3/2011, rec. nº 964/2010; 25/5/2011, rec. nº 239/11; 22/6/2011, rec. nº 382/11); 6/7/2011, rec. nº 307/11; 14/12/2011, rec. nº 747/11, 12/1/2012, rec. nº 01043/11, 31/1/12, rec. nº 0825/11; 7/3/2012, rec. nº 01100/11; 19/4/2012, rec. nº 01130/11; bem como do Pleno desta Secção do STA, de 2/5/2012, rec. nº 0307/11.
Exara-se, além do mais, no citado rec. nº 382/11, o seguinte:
É entendimento da jurisprudência dos nossos tribunais superiores que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelo agente, permitindo ao interessado conhecer, assim, as razões de facto e de direito que determinaram a sua prática.
E que o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado (v. Ac. deste STA de 11.12.2007, no recurso n.º 615/04).
No que concerne ao grau de fundamentação adequado ao caso em apreço, transcreve-se o que a esse propósito já este Tribunal disse no acórdão de 1/7/2009, proferido no recurso n.º 239/09:
«Como se pode ler no preâmbulo do CIMI, aprovado pelo DL 287/2003, de 12 de Novembro, com a reforma da tributação do património levada a cabo por este diploma, operou-se “uma profunda reforma do sistema de avaliação da propriedade, em especial da propriedade urbana. (…) o sistema fiscal passa a ser dotado de um quadro legal de avaliações totalmente assente em factores objectivos, de grande simplicidade e coerência interna, e sem espaço para a subjectividade e discricionariedade do avaliador.”.
O procedimento de avaliação, configurado nos artigos 38º e seguintes do CIMI, caracteriza-se, assim, agora por uma elevada objectividade, com uma curtíssima margem de ponderação ou valoração por parte dos peritos intervenientes, pretendendo-se que a avaliação assente no máximo de dados objectivos.
Desde logo, o coeficiente de localização previsto no artigo 42º do CIMI é um valor aprovado por Portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU na fixação do qual se têm em consideração, nomeadamente, as seguintes características: acessibilidades, proximidade de equipamentos sociais, serviços de transportes públicos e localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.
Por outro lado, o nº 4 do mesmo preceito legal prevê ainda o zonamento que consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização em cada município e as percentagens a que se refere o nº 2 do artigo 45º do CIMI.
Trata-se, pois, de parâmetros legais de fixação do valor patrimonial com base em critérios objectivos e claros e, por isso, facilmente sindicáveis, bastando a indicação da localização dos prédios e a referência do quadro legal aplicável para que se compreenda como foi determinado o referido coeficiente.
Ou seja, encontramo-nos no domínio de zonas e coeficientes predefinidos e, portanto, indisponíveis para qualquer ponderação ou alteração por parte dos peritos intervenientes no procedimento de avaliação, e isto independentemente de se tratar de primeira ou segunda avaliação, pois não é o facto de se realizar uma inspecção directa ao imóvel a avaliar que pode levar ao desrespeito dos coeficientes predefinidos, mas antes serve essa inspecção para comprovar a justeza dos coeficientes a aplicar.
Neste contexto, a fundamentação exigível para a aplicação do coeficiente de localização apenas se podia circunscrever à identificação geográfica/física dos prédios (…), ao estabelecimento do coeficiente de localização aplicável e à invocação do quadro legal que lhe era aplicável.
Por outro lado, é a própria lei que manda ter em consideração na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação as mesmas características que se têm em consideração na fixação do coeficiente de localização (v. nº 3 do artigo 45º do CIMI)» (…)
Este novo sistema de avaliações, assente em factores objectivos, não tem espaço para a subjectividade e discricionariedade do avaliador, sendo coordenado por uma comissão cuja composição garante a representatividade dos agentes económicos e das entidades públicas ligadas ao sector.
O coeficiente de localização é, assim, fixado de acordo com regras predefinidas, que têm a ver com o exacto local onde se encontra o imóvel a avaliar e têm em conta os elementos a que se refere o artigo 42º do CIMI.
Também o mesmo se passa com o zonamento que consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização em cada município e as percentagens a que se refere o nº 2 do artigo 45º do CIMI e é aprovado por portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU.
A determinação dos valores de zonamento é efectuada em cada município em assembleia camarária cuja materialização corresponde aos mapas informáticos de valor, por zona.
Assim, não é correcto alegar-se que a lei fixa um mínimo e um máximo e que dentro dessa moldura o avaliador tinha que fundamentar a razão por que atendeu ao coeficiente máximo e não ao mínimo.

4.2. Deste modo, aderindo a esta jurisprudência (que, aliás, já subscrevemos nos apontados arestos de 25/5/2011, 22/6/2011, 6/7/2011 e 14/12/2011, entre outros), temos de concluir que a fundamentação no caso exigível para a fixação do questionado coeficiente de localização, apenas se podia circunscrever à identificação geográfica/física do prédio no concelho e na freguesia aqui em causa e à invocação do quadro legal aplicável.
E, no caso, constando aqueles elementos quer das respectivas fichas de avaliação, quer da notificação da avaliação (cfr. fls. 10 a 20 e 21 dos autos, bem como as als. C) E) e F) do Probatório), não pode manter-se a sentença recorrida, que, decidindo em contrário, julgou pela procedência da impugnação com fundamento em vício de forma por falta de fundamentação na parte referente ao dito coeficiente de localização.
Procedem, portanto, as conclusões do recurso da Fazenda Pública.

5. Em face do provimento do recurso e consequente revogação da sentença recorrida, coloca-se a questão da possibilidade de conhecer, em substituição, das demais questões cuja apreciação foi julgada prejudicada pela solução encontrada pela 1ª instância (cfr. art. 715º, nº 2, do CPC) a saber, quer a invocada preterição de formalidades legais por falta de fundamentação quanto aos coeficientes de qualidade e conforto e vetustez e quanto à divergência encontrada entre as áreas brutas privativas e áreas brutas dependentes declaradas que, exceptuando a fracção “E”, foram corrigidas para mais relativamente às restantes fracções autónomas (“A”, “B”, “C” e “L”), quer a preterição de formalidade legal decorrente da violação do direito de audição prévia.
No seu douto Parecer, o MP pronunciou-se, aliás, por essa possibilidade de se conhecer em substituição, nos termos do disposto nos arts. 726° e 715°/2 do CPC e as partes, notificadas para se pronunciarem, querendo, nos termos do disposto no nº 3 do citado art. 715º, nada disseram.
Todavia, o sentido do Parecer parece assentar na circunstância de ali se entender que a sentença apenas julgou prejudicado o conhecimento do vício decorrente da alegada violação do direito de audição prévia prevista no artigo 60°/1/b) da LGT.
Mas, com o devido respeito, não é assim.
Na verdade, a impugnante invocou na petição inicial da impugnação, para além da preterição de formalidade legal decorrente da violação do direito de audição prévia, também o vício de forma, por falta de fundamentação, não só quanto ao coeficiente de localização, mas, igualmente, quanto ao coeficiente de qualidade e conforto e ao coeficiente de vetustez encontrados, bem como falta de fundamentação no que respeita às divergências encontradas entre as áreas brutas privativas e as áreas brutas dependentes declaradas que, exceptuando a fracção “E”, foram corrigidas para mais, relativamente às restantes fracções autónomas (“A”, “B”, “C” e “L”) – alegando que relativamente a estas fracções foram declaradas as áreas privativas e áreas brutas dependentes, respectivamente, de 150 m2/42; 102 m2/28; 150 m2/0; e 117 m2/32,8, sendo que foram avaliadas as áreas de 169,4 m2/58; 127 m2/40,2; 169,4 m2/62,6 e 153,96 m2/48.
Acontece, no entanto, que na decisão recorrida não foi fixada a matéria de facto pertinente à apreciação desses fundamentos da impugnação judicial, nomeadamente quanto à invocada divergência das áreas brutas privativas e áreas brutas dependentes (cfr. art. 40º do CIMI), o que, considerando que no presente recurso este STA não tem poderes em matéria de facto, o impede de conhecer em substituição, impondo-se, portanto, e visto o disposto nos arts. 729º e 730º do CPC, que ordenar que os autos regressem à 1ª instância, a fim de aí, após julgamento da matéria de facto pertinente, se conhecer desses fundamentos, se a tal nada mais obstar.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em dar provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e, consequentemente, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação quanto ao fundamento ali apreciado e ordenar que os autos regressem à 1ª instância, a fim de aí, após a pertinente fixação da matéria de facto, serem conhecidas as restantes questões suscitadas pela impugnante, se a tanto nada mais obstar.
Custas a final, não sendo devidas as deste recurso, por a recorrida não ter contra-alegado.
Lisboa, 27 de Junho de 2012. – Casimiro Gonçalves (relator) – Lino Ribeiro – Dulce Neto.