Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0612/15
Data do Acordão:02/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:DISPENSA DE COIMA
PREJUÍZO PARA A RECEITA TRIBUTÁRIA
DEDUÇÃO INDEVIDA DE IVA
Sumário:I - A graduação da coima faz-se em função da gravidade do facto, da culpa do agente, da sua situação económica, tentando, sempre que possível exceder o benefício económico retirado pelo infractor com a prática do ilícito.
II - Sendo a empresa infractora credora de imposto sobre o valor acrescentado sobre o estado, em valor superior ao indevidamente deduzido, não houve, em concreto, qualquer prejuízo efectivo para a receita tributária.
III - O estado não deve ter uma situação de devedor em relação aos contribuintes, como estes a não devem ter para com aquele.
IV - Mas, quando por razões atinentes ao sistema de processamento do imposto sobre o valor acrescentado tal situação de superavit do estado sobre o contribuinte se verificar, qualquer dedução indevida que se contenha dentro do valor desse excesso não causa prejuízo para a receita tributária.
V - O valor em excesso não é uma receita tributária mas um valor detido pelo estado, transitoriamente, com obrigação de o devolver ao contribuinte a quem pertence.
VI - A situação de credor do estado na conta-corrente de imposto sobre o valor acrescentado, permite a dispensa de coima prevista no art.º 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, verificados que estejam os demais pressupostos, sendo esta medida a que melhor preenche, no caso concreto, os condicionalismos do art.º 27.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, dando particular destaque ao diminuto grau de culpa e à circunstância de a arguida não ter, de facto, obtido benefício económico da prática da infracção.
Nº Convencional:JSTA00070026
Nº do Documento:SA2201702150612
Data de Entrada:05/14/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., SA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TTRIB LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR SANCIONATÓRIO
Legislação Nacional:LGT98 ART116
RGIT01 ART27 ART32 ART119 N1
CIVA08 ART19 N2 A N6 ART36 N5
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC05/13 DE 2013/04/03; AC STA PROC0356/10 DE 2010/07/07; AC STA PROC044/08 DE 2008/04/16; AC STA PROC025939 DE 2002/02/14; AC STA PROC026216 DE 2002/02/06; AC STA PROC026413 DE 2001/12/19; AC STA PROC026414 DE 2001/11/07
Aditamento:
Texto Integral:
RECURSO JURISDICIONAL
Decisão recorrida – Tribunal Tributário de Lisboa
. 15 de Janeiro de 2015.

Julgou procedente e provado o recurso e absolveu a arguida da contra-ordenação que lhe é imputada.
Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário
do Supremo Tribunal Administrativo:


A Representante da Fazenda Pública, veio interpôr o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no processo de recurso de decisão que aplicou a coima n.º 2616/12.3OBELRS em que é arguida A………………, SA. tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

A. A douta sentença ao declarar procedente e provado o recurso, absolvendo a arguida da contra ordenação que lhe é imputada, incorreu o tribunal em erro de julgamento.

B. No caso sub judice, a factualidade imputada à Recorrida traduz-se na dedução indevida de IVA no período de Dezembro de 2010, no valor de 147.966,19 €, sendo que as normas legais tidas como violadas pela decisão administrativa são as dos artigos 87°, n.° 2 do CIVA, punível pelo art. 114.°, n.°1 e 2 e art.º 26.°, n° 4, ambos do RGIT.

C. Temos que a conduta ali tipificada como contra-ordenação consiste na não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei.

D. O art. 114°, n.º 3 e 5, al. a) do RGIT, prevê que a dedução indevida de imposto, isto é, sem observância dos termos legais, é punível como falta de entrega da prestação tributária, o que corresponde à situação tributária acima descrita, pelo que os factos descritos no Auto de Notícia, no entendimento da AT, configuram a infracção prevista e punível pelos n° 1 e 2 do art. 114° do RGIT.

E. Contudo, o Tribunal “a quo” faz depender a equivalência prevista pela lei de que a dedução sem observância dos termos legais é punível como falta de entrega da prestação tributária do facto da conta corrente de IVA ter um crédito ou não de imposto.

F. Ora, o art. 114º do RGIT é totalmente omisso relativamente a esta matéria, não fazendo qualquer referência à conta corrente de IVA. Antes, pelo contrário, no n° 3 do citado artigo, de forma expressa, “considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela".

G. Assim sendo, tendo o douto Tribunal decidido não se encontrar verificada a prática da contra-ordenação a que se reporta o art. 114°, n°1 e 2 do RGIT por não se verificar um dos elementos objectivos do tipo de contra-ordenação, i. e., que a dedução indevida tenha originado a falta de entrega da prestação tributária, salvo melhor entendimento, incorreu em erro de julgamento, por incorrecta interpretação da referida norma.

H. O douto Tribunal para além de ter declarado que, no caso concreto, não se encontra verificada a prática da contra-ordenação a que se reporta o art. 114°, n°1 e 2 do RGIT, concluiu ainda que se encontravam reunidos ao pressupostos de que faz depender o disposto no n° 1 do art. 32° do RGIT para dispensa da coima.

I. Também aqui não podemos concordar com a conclusão do Tribunal “a quo” de que resultam provados os pressupostos enumerados pelo art. 32.º, n° 1 do RGIT, nomeadamente o pressuposto de inexistência de prejuízo efectivo à receita tributária.

J. Não esquecendo o que foi dito relativamente ao facto da lei considerar prestação tributária a dedução efectuada por conta daquela, é nosso entendimento que o simples facto de ter sido apurado, em sede de inspecção, imposto (IVA) a favor do Estado, no montante de € 147966,19, o mesmo corresponde a efectivo prejuízo à receita tributária.

K. Por isso, a exigência cumulativa de que esteja regularizada a falta cometida e que a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária conduz à conclusão de que, para ocorrer dispensa, não basta a regularização da falta, sendo necessário que se esteja perante uma situação em que não chegou a produzir-se prejuízo, antes de ocorrer a regularização.

L. Assim, é condição da dispensa de coima que não tenha sido ocasionado prejuízo, não sendo relevante para preenchimento dessa condição o eventual ressarcimento do prejuízo provocado pela conduta que constitui contra-ordenação (entrega de declaração de substituição).

M. Aliás é jurisprudência consolidada do STA no sentido de que a falta de entrega da prestação tributária nos cofres do Estado no prazo legal ocasiona prejuízo efectivo para a receita tributária, que preclude a possibilidade de dispensa da aplicação da coima, independentemente do eventual diminuto grau de culpa evidenciado pelo comportamento do arguido (cfr. acs. do STA, de 7/11/2001, rec. nº 26414; de 6/2/2002, rec. n°26216; e de 14/2/2002, rec. n° 25939; e acs. do TCA, de 1415/02, Rec. 6.268 e de 18/6/2002; bem como a anotação de Lima Guerreiro - LGT Anotada).

N. Por isso, no caso em apreço, tendo ocorrido prejuízo para a Fazenda Pública, antes da regularização, está afastada a possibilidade de dispensa de aplicação de coima, pelo que a sentença em apreço violou o disposto no n° 1 do art. 32° do RGIT, por não estarem verificados os requisitos legais previstos nesse normativo.

O. Face ao exposto, que a douta sentença proferida pelo Mm°. Juiz a quo fez, a nosso ver, relativamente às questões aqui tratadas, uma incorrecta interpretação das normas legais e da ratio legis que as fundamentam, incorrendo assim em erro de julgamento, violando o disposto nos artigos 114° e 32, do RGIT.


Requereu que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida.

A empresa arguida apresentou contra-alegações que terminam com as seguintes conclusões:
A. O Recorrido considera que resulta da situação de facto subjacente a inexistência de qualquer falta de entrega da prestação tributária nos moldes cominados pelo artigo 114. do RGIT.

B. Esta norma determina que a falta de entrega da prestação tributária pode, igualmente, resultar de dedução indevida de imposto sem observância dos termos legais.

C. Contudo, tal só se verifica o quando contribuinte, em virtude de dedução indevida de imposto, passe de uma situação pagadora para uma situação credora de imposto.

D. Ora, resulta dos autos que tal não se verificou na situação concreta do Recorrido.
E. Na verdade, caso o Recorrido não tivesse deduzido o IVA com base em facturas que não preenchiam o disposto no n.º 5 do artigo 36.º do Código deste imposto permaneceria em situação de crédito de imposto face ao Estado.

F. Por conseguinte, a referida dedução indevida de IVA não suscitou falta de entrega da prestação tributária.

G. Por fim, o Recorrido não causou qualquer prejuízo à receita tributária.

H. Em face do que antecede, o Recorrido entende não se verificar erro de julgamento por parte do tribunal a quo.

Termos em que, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, não deve ser dado provimento ao recurso deduzido pela Fazenda Pública, e se pugna pela manutenção da sentença recorrida.


O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da revogação da sentença recorrida e da atenuação especial da coima.


A Sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

1. Em 10/02/2011, a ora recorrente, entregou (via internet) a declaração periódica de IVA, apresentando um crédito de imposto a recuperar no valor de € 251.218,48 — cfr. fls. 24 a 25 e 29 dos autos;

2. Em ação interna com vista a informação sobre reembolso de IVA do período de 03/2011, a A.T. verificou que a, ora recorrente, deduziu IVA em factura (n° 1200001 de 31/12/2010) que não obedecia ao disposto no n°5 do art. 36° do CIVA, não se encontrando emitida sob a forma legal, designadamente por falta de observação da al. b) da referida disposição legal que determina que as faturas ou documentos devem conter a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável, facto que origina que o IVA liquidado em documentos não emitidos em forma legal, não seja dedutível, nos termos da al. a) do n°2 e do n° 6 do art. 19° do CIVA- cfr. fls. 6 e 14 dos presentes autos;

3. A fatura com n° 1200001, em causa, apresentava IVA liquidado no valor de € 148.160,32 — cfr. fls. 6 dos presentes autos;

4. Em 30/09/2011, foi levantado auto de notícia, ao sujeito passivo A……………., SA., com a seguinte descrição dos factos:
Aos trinta dias do mês de Setembro de dois mil e onze, pelas dez horas, no Serviço de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, da Direcção Geral dos Impostos, sito na Alameda dos Oceanos, lote 1.06.1.2, em Lisboa, onde eu, …………….., Inspectora Tributária Assessora, me encontrava no exercício das minhas funções, numa acção de inspecção interna, para informação do reembolso de IVA, do período 2011-03, no valor de 190.000,00 (euros) do sujeito passivo A………………, SA, NIPC: ……. com sede na ………… - ………….. 2560-…….. ……….. o qual se encontra colectado no serviço de Finanças de Torres Vedras 1589), pela actividade de COMÉRCIO POR GROSSO FRUTA E PROD. HORTÍCOLAS, EXCEPTO BATATA a que corresponde o CAE 046311 verifiquei pessoalmente que:
1 - O sujeito passivo deduziu indevidamente no campo 20 da declaração periódica, do período 2010-12, IVA no valor de 147.966,19, conforme extracto da conta 24322131 e cópia da factura n.° 1200001, porque da análise à referida factura, verificou-se que a mesma não obedece ao disposto no n.° 5 do art.° 36° do CIVA, não se encontrando emitida sob forma legal, designadamente por falta de observação da alínea b) da referida disposição legal, que determina que as facturas ou documentos equivalentes devem conter «a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável» facto que origina que o IVA liquidado em documentos não emitidos em forma legal, não seja dedutível, nos termos da alínea a) do n.° 2 e do n.° 6 do art.° 19° do CIVA. (Anexo 1).
Acresce que, a inexactidão praticada na declaração periódica acima referida é punível pelo n.° 1 do art.° 119° do RGIT.— cfr. fls. 2-B dos presentes autos;

5. Face aos factos descritos no ponto anterior, o auto de notícia refere que, o sujeito passivo deduziu indevidamente no período de 2010/12; imposto no valor de € 147.966,19, tendo infringido o art. 87°, n° 2 CIVA, sendo esta falta punível nos termos do n° 2 do art. 114° e art. 26°, n° 4 do RGIT (Entrega D.P. c/ omissões inexatidões, prejuízo para o Estado) — cfr. fls. 2B dos presentes autos;

6. Em 26/10/2011, a A……………., SA., apresentou declaração periódica de substituição, relativa ao mesmo período em que apurou um crédito de imposto no valor de 63.922,49 — cfr. fls. 30 dos presentes autos;

7. Em 26/10/2011, com base no Auto de Notícia, foi instaurado à, ora arguida, processo contraordenacional com o n° 1589201106065058 - cfr. fls. 2A dos presentes autos;

8. Em 19/11/2011, é realizada à A……………., SA., a liquidação adicional de IVA n° 11165425 pelo valor de € 147.966,19 - cfr. fls. 10 e 64 dos presentes autos;

9. É ainda realizada a liquidação de juros compensatórios com n° 102411116542609, incidentes sobre o valor de IVA referido no ponto anterior, no valor de €4.183,59 — cfr. fls. 79 dos presentes autos;

10. A, ora recorrente, deduz reclamação graciosa daquela liquidação adicional e juros compensatórios, referidos nos pontos anteriores - cfr. fls. 65 e segs. dos presentes autos;

11. Em 20/02/2012, é feita a compensação a favor do Estado, a pedido do sujeito passivo, com vista à regularização do imposto apurado — cfr. fls. 32 dos presentes autos;

12. Em 04/09/2012, é proferido despacho final sobre a reclamação graciosa, deferindo o pedido na parte correspondente aos juros compensatórios, determinando o arquivamento dos autos no que respeita ao IVA liquidado, por redução expressa do objeto da reclamação graciosa — cfr. fls. 84 e 85 dos presentes autos;

13. Aquela decisão, referida no ponto anterior, é sustentada por informação que refere, sucintamente, o seguinte “ (...,) compulsada a conta corrente do sujeito passivo verifica-se que no mês de Dezembro de 2010, encontrava-se com um crédito, no período, sobre o Estado no montante de € 251.318,48. Com a correção efetuada pelos Serviços no montante de € 147.966,19, continua com um crédito a seu favor de € 103.352,29. No mês de Janeiro de 2011, encontrava-se com um crédito sobre o Estado no montante de € 311.394,76. Com a correção efetuada pelos Serviços no montante de € 108.877,05, continua com um crédito a seu favor no período, no montante de € 54.551,52 (€ 147.966,19+€ 108.877,05) pois o reporte do campo 61, encontra-se influenciado por estes dois valores. Nestes termos, sou de parecer que devem ser anuladas as liquidações adicionais de juros compensatórios n° 11165426, referente a Dezembro de 2010 no montante de € 4.183,59 (...) pelo facto de a requerente se encontrar numa situação de crédito sobre o Estado nos dois períodos. (...) Após audição prévia da requerente, tem-se que a mesma vem aceitar as correções efetuadas em sede de IVA, indicando que já terá procedido às respectivas regularizações (...) Desta forma a reclamante pretende limitar o pedido da reclamação graciosa à anulação das respetivas liquidações adicionais de juros compensatórios (...) uma vez que o pedido se limita à anulação das liquidações de juros compensatórios e foi proposta a anulação das mesmas (...) — cfr. fls. 90 dos presentes autos.

14. Em 10/09/2012 foi proferida decisão de aplicação da coima, indicando: a violação do disposto nos arts. 87°, n° 2 do CIVA (Apresentação da declaração periódica (M) c/ omissões, inexatidões, c/ prejuízo para Estado), infração punida pelo art. 114°, n° 2 e 26°, n.º 4 do RGIT (Entrega D.P. c/ omissões inexatidões, prejuízo p/ Estado) — cfr. fls. 35 dos presentes autos;

15. Enunciados os elementos para determinar a gravidade da infração foi expresso na decisão de fixação da coima, o seguinte: não houve ato de ocultação; benefício económico 0,00; a prática da infração foi acidental; negligencia simples; obrigação de não cometer a infração: não; situação económica e financeira: baixa; tempo decorrido desde a prática da infração> 6 meses - cfr. fls. 35 dos presentes autos;

16. A coima foi fixada no montante de €29.593,23, acrescido de € 51,00 devidos a título de custas - cfr. fls. 36 dos presentes autos;


Questão objecto de recurso:
1. Dispensa de coima
2. Atenuação especial da coima.
1.Dispensa de coima
A arguida, ainda que por mera negligência procedeu à dedução de imposto sobre o valor acrescentado no valor de 147.966,19, com base no imposto sobre o valor acrescentado liquidado na factura n.° 1200001 que não cumpria as formalidades legais constantes do n.° 5 do art.° 36° do CIVA, por falta de observação da alínea b) da referida disposição legal, que determina que as facturas ou documentos equivalentes devem conter «a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável». Por essa deficiência da dita factura o imposto sobre o valor acrescentado o IVA nela liquidado não é dedutível, nos termos da alínea a) do n.° 2 e do n.° 6 do art.° 19° do CIVA. Tal infracção é punível pelo n.° 1 do art.° 119° do RGIT.
Assim a sentença recorrida que absolveu a arguida da prática da referida infracção incorreu em erro de julgamento pois estavam preenchidos todos os elementos do tipo legal de contra-ordenação, sendo a conduta imputável à arguida a título de negligência. A conduta imputável à arguida, nos termos da decisão condenatória, é-lhe subjectivamente imputável a título de negligência, sem que haja na matéria provada algo que permita concluir que possa arredar-se essa imputação subjectiva. A infracção verificou-se sendo punível nos termos indicados na decisão administrativa sob recurso.
Mas, aqui chegados, para a determinação da medida da coima, não continuam a ser relevantes os elementos constantes do tipo legal de contra-ordenação como parecem indicar a Representante da Fazenda Pública e o Magistrado do Ministério Público. A graduação da coima faz-se em função da gravidade do facto, da culpa do agente, da sua situação económica, tentando, sempre que possível exceder o benefício económico retirado pelo infractor com a prática do ilícito. Para determinar essa graduação assumem, neste caso particular, relevância os elementos expressos na reclamação graciosa contra o acto de liquidação do imposto devido, por indevidamente pago, o que determinou a que a Administração Tributária anulasse a liquidação de juros compensatórios, e fê-lo tendo em conta que a empresa era credora de imposto sobre o valor acrescentado sobre o estado, em valor superior ao indevidamente deduzido, e manteve-se nessa situação até regularização dessa indevida dedução. Esta questão assume particular relevância no caso concreto porque se verifica que não houve, em concreto, qualquer prejuízo efectivo para a receita tributária pois, se o estado devia à empresa um montante monetário superior àquele que ela deduziu indevidamente a receita tributária ainda se manteve, na relação com o contribuinte, em limite superior ao que deveria estar, apresentando um saldo positivo favorável à arguida. O estado não deve ter uma situação de devedor em relação aos contribuintes, como estes a não devem ter para com aquele. Mas, quando por razões atinentes ao sistema de processamento do imposto sobre o valor acrescentado tal situação de superavit do estado sobre o contribuinte se verificar, qualquer dedução indevida que se contenha dentro do valor desse excesso não causa qualquer prejuízo para a receita tributária. O valor em excesso não é uma receita tributária mas um valor detido pelo estado, transitoriamente, com obrigação deste de a devolver.
Essa situação de credor do estado na conta-corrente de imposto sobre o valor acrescentado, constatada pela própria Administração Tributária e tida em conta em termos de anulação dos juros compensatórios permite a dispensa de coima prevista no art.º 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, verificados que estão os demais pressupostos, como aceite pela recorrente, sendo esta medida a que melhor preenche, no caso concreto, os condicionalismos do art.º 27.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, dando particular destaque ao diminuto grau de culpa e à circunstância de a arguida não ter, de facto, obtido benefício económico da prática da infracção.

Enferma, pois a sentença recorrida de erro de direito a determinar a sua revogação, e, em substituição declarando a dispensa de pena pela prática da contra-ordenação imputada à arguida.



Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, em substituição declarar a dispensa de pena pela prática da contra-ordenação imputada à arguida.
Custas pela recorrente.

(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2017. – Ana Paula Lobo (relatora) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado. (Vencido, conforme declaração de voto junta).


Vencido por não acompanhar a tese do acórdão, e sobretudo a respectiva fundamentação, quanto à interpretação do primeiro dos requisitos do artº 32º , al. a) do RGIT, ou seja que a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária.
É que, como vem afirmando a doutrina e também a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo o conceito de prejuízo efectivo à receita tributária reporta-se a situações existentes antes da regularização da falta.
A exigência cumulativa de que esteja regularizada a falta cometida e que a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária conduz à conclusão de que, para ocorrer dispensa, não basta a regularização da falta, sendo necessário que se esteja perante uma situação em que não chegou a produzir-se prejuízo, antes de ocorrer a regularização.
Assim, é condição da dispensa de coima que não tenha sido ocasionado prejuízo, não sendo relevante para preenchimento dessa condição o eventual ressarcimento do prejuízo provocado pela conduta que constitui contra-ordenação.
Ora, como bem alega a recorrente, o simples facto de ter sido apurado, em sede de inspecção, imposto (IVA) a favor do Estado, no montante de € 147966,19, corresponde a efectivo prejuízo à receita tributária.
No sentido de que a falta de entrega da prestação tributária nos cofres do Estado no prazo legal ocasiona prejuízo efectivo para a receita tributária, que preclude a possibilidade de dispensa da aplicação da coima, independentemente do eventual diminuto grau de culpa evidenciado pelo comportamento do arguido, se tem pronunciado aliás o STA, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos, proferidos também relativamente à norma equivalente que era o art. 116.º da LGT: de 7-11-2001, rec. n.º 26414, AP-DR de 13-10-2003, pág. 2599; de 19-12- 2001, rec. n.º 26413, AP-DR de 13-10-2003, pág. 3125; de 6-2-2002, rec. n.º 26216, AP-DR de 16-2-2004, pág. 377; de 14-2-2002, rec. n.º 25939; de 16-4-2008, rec. n.º 44/08.), de 07.07.2010, recurso 356/10 e de 03.04.2013, recurso 57/13, todos in www.dgsi.pt.
Por isso, no caso em apreço não concederia a dispensa mas sim atenuação especial da pena (32º, nº 2).

Lisboa, 15.02.2017.
Pedro Delgado