Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0709/19.5BELRS
Data do Acordão:10/06/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:TAXA DE PUBLICIDADE
RENOVAÇÃO
Sumário:I - Do facto de o regulamento de publicidade municipal prever que o licenciamento da publicidade se renova automaticamente não deriva que o tributo cobrado aquando da renovação não tenha carácter bilateral, sinalagmático ou comutativo nem resulta, por conseguinte, que o tributo respectivo tenha a natureza de um imposto.
II - Do artigo 6.º do RGTAL deriva que o elemento material da incidência das taxas de publicidade, aquando da renovação da licença respectiva, não se reconduz a uma actividade de reavaliação da verificação dos pressupostos que determinaram o seu licenciamento.
III - Correspondendo à cobrança da taxa de publicidade (no momento do licenciamento e nas suas sucessivas renovações) a contraprestação do dever de sujeição em que fica o Município de suportar a actividade comunicacional, isto é, o dever de suportar o uso do espaço de comunicação levado a cabo pela Recorrente com a actividade publicitária, não existe fundamento para que se julgue desrespeitado o princípio da equivalência consagrado no artigo 4.º do RGTAL.
Nº Convencional:JSTA000P28222
Nº do Documento:SA2202110060709/19
Data de Entrada:07/12/2021
Recorrente:A............, S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE LISBOA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1.A…………, S.A.”, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente improcedente a Impugnação Judicial que tinha por objecto a liquidação por parte do Município de Lisboa das taxas devidas pela renovação, para o ano de 2018, do licenciamento da publicidade instalada em espaços publicitários pertencentes à Companhia de Carris de Ferro de Lisboa, colocados em meios de transporte colectivos da cidade de Lisboa, de cuja concessão a Impugnante é titular, no valor global de € €86.960,51 (oitenta e seis mil, novecentos e sessenta euros e cinquenta e um cêntimos).

1.2. Admitido o recurso e apresentadas alegações, consta destas, a final, o seguinte quadro conclusivo:

«a) Conforme resulta das presentes alegações de recurso, o Tribunal Tributário de Lisboa através de sentença proferida em 15 de março de 2021 julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente e que tinha por objeto a liquidação, por parte do Município de Lisboa, das taxas devidas pela renovação, para o ano de 2018, do licenciamento da publicidade instalada em espaços publicitários pertencentes a Companhia de Carris de Ferro de Lisboa, colocados em meios de transporte coletivo da cidade de Lisboa;

b) O facto tributário discutido nos presentes é a renovação da licença de publicidade da Recorrente para o ano de 2018;

c) A Câmara Municipal de Lisboa fundamentou a liquidação aqui em causa no artigo 20.º do Regulamento de Publicidade;

d) Conforme já referido na petição inicial, as taxas são receitas públicas estabelecidas como retribuição pelos serviçais prestados individualmente aos particulares no exercício de uma atividade pública, como contrapartida da utilização de bens do domínio público ou semipúblico ou da remoção de um limite jurídico à atividade dos particulares;

e) O caráter bilateral, sinalagmático ou comutativo das taxas implica que a obrigação de pagamento pelo sujeito passivo tenha como pressuposto uma prestação administrativa concreta, específica, determinada ou individualizada, de tal forma que se possa assegurar que o sujeito passivo é o seu efetivo causador ou beneficiário e como finalidade compensar o ente público por essa mesma prestação;

f) O artigo 36º n.º 1 da LGT estabelece que é com o facto tributário que se constitui a relação jurídica tributária (cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul no processo n.º 08300/14, de 10 de março de 2015 e Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Vol. I. FDL, 1981. pp. 247 e ss.;

g) A propósito da estrutura da norma tributária, a prestação administrativa consubstancia a previsão (ou pressuposto de facto) por contraposição à estatuição, esta última representada pela obrigação de pagamento da taxa, recaindo sobre a Administração Tributária e, em geral, sobre todas as entidades com poderes tributários o ónus da prova da ocorrência do facto tributário, uma vez que é elemento constitutivo do seu direito de exigir o tributo (cfr. artigo 74°. n.º 1, 1ª parte da LGT);

h) No caso específico das taxas de licença, a contraprestação (i.e.. o facto tributário, pressuposto ou previsão) consiste no próprio licenciamento, i.e., no ato administrativo que remove o limite ou obstáculo substantivo ao exercício pelo particular de uma determinada atividade;

i) No entanto, se é inegável a existência de um ato administrativo suscetível de configurar uma contraprestação tributável com uma taxa no momento da emissão da licença, o mesmo não se pode dizer acerca da renovação das licenças, pelo menos no caso da CM;

j) Com efeito, o artigo 20.º do Regulamento de Publicidade da CML deixa claro que uma vez emitida uma licença com duração igual ou superior a 30 dias a sua renovação no termo do prazo é automática, ou seja, ocorre independentemente de qualquer impulso do particular ou da própria edilidade;

k) O que significa que é o próprio Regulamento de Publicidade que estabelece que no ato de renovação da licença a CML não realiza qualquer atividade no sentido de averiguar se as mensagens publicitárias afetam a estética ou ambiente dos lugares ou da paisagem, ou causam danos a terceiros, ou de assegurar que não são afixadas em locais, edifícios ou monumentos de interesse histórico, cultural, arquitetónico ou paisagístico, ou de garantir que não prejudicam a segurança das pessoas e bens, nem a iluminação pública ou a visibilidade de sinais de trânsito, entre outros fatores;

l) Ou seja, aquando da renovação das licenças, em causa nos presentes autos, a CML não realiza ao sujeito passivo das taxas (i.e., à ora Recorrente) uma atividade que possa consubstanciar uma prestação individualizada e concreta que sirva de pressuposto ou facto tributário de uma taxa;

m) O artigo 20.º do Regulamento de Publicidade estabelece, pois, expressamente que a renovação da licença é automática, pelo que não implica a intermediação dos agentes públicos ou a prática de atos administrativos;

n) Existe, pois, no momento da renovação apenas uma operação aritmética de apuramento da taxa, sendo que a renovação não é precedida de uma atuação dos agentes camarários destinada a avaliar se cada um dos anúncios publicitários licenciados observa as condições previstas no Código da Publicidade e no regulamento da CML;

o) De facto, não há quaisquer indícios de que antes de cada renovação a Recorrida realize diligências com vista a comprovar que os pressupostos existentes à data da emissão da licença inicial se mantêm. Ou seja, não existe procedimento administrativo e, por maioria de razão, ato administrativo (cfr. neste sentido também acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferido, em 18 de maio de 2015, no processo n.º 01176/04);

p) Mas mais: não se pode dizer que a renovação automática da licença consubstancia um ato administrativo, pois este, por definição, exprime uma decisão do ente público destinada a produzir efeitos numa situação individual e concreta, contém menções obrigatórias e é devidamente fundamentado, requisitos que não se compaginam com o automatismo das renovações nem com o teor da “Relação Valorizada" (cfr artigos 148.º, 150.° a 153.º do CPA).

Estamos, na verdade, perante um simples prolongamento de uma situação preexistente sem que o seu conteúdo seja por qualquer meio reapreciado pelo município e dê origem a uma decisão.

q) O ato de licenciamento inicial não se repete nem se reforma anualmente, sendo antes um ato único cujos efeitos de protelam indefinidamente no tempo. Ou seja, a ora Recorrida não pratica um novo ato administrativo de licenciamento:

r) O que significa que através de um único ato administrativo de licenciamento a autarquia cobra múltiplas vezes a mesma taxa, numa duplicação indevida da tributação que fere o princípio geral de direito conhecido como non bis in indem;

s) Admitindo, que o encargo cobrado tenha a natureza de taxa (e não de imposto) - o que aqui se admite, sem conceder, por mera cautela de patrocínio - então, ao decidir como decidiu, a Sentença recorrida violou o princípio da equivalência, o que também ficou inequivocamente demonstrado através das presentes alegações de recurso:

t) Na verdade, o mencionado princípio (contido no artigo 4.º, n.º 1, do RGTAL), determina que a finalidade da taxa cobrada resida na compensação da prestação administrativa efetuada e, por conseguinte, que o seu quantum seja fixado de forma proporcional e adequada a esse fito compensatório (equivalência económica):

u) Ora, inexistindo no caso vertente um ato administrativo ou uma atividade pública efetiva e especificamente direcionada à Recorrente no momento da renovação da licença, que a legislação municipal classifica como automática e sucessiva, não há, por maioria de razão, qualquer custo para o ente público que tenha de ser compensado mediante o pagamento de uma taxa;

v) E mesmo que se aplicasse no caso o chamado princípio do benefício, haveria sempre dificuldade de princípio porque na renovação das licenças de publicidade não se descortina uma prestação administrativa dirigida ao sujeito passivo que constitua o pressuposto de facto da cobrança da taxa;

w) Em virtude do exposto, a taxa liquidada é ilegal na medida em que o seu quantum não tem em vista compensar custos efetivamente provocados pelo sujeito passivo, nem remunerar o valor de uma prestação que lhe é dirigida, o que afronta o princípio da equivalência e a regra contida no n.º 1 do artigo 4.º do RGTAL, expressão do princípio constitucional da igualdade e critério material de repartição dos encargos públicos aplicável às taxas:

x) Concluindo-se que a Sentença a quo ofende o princípio da equivalência contido no n.º 1 do artigo 4º do RGTAL;

y) Com vista à suspensão do processo de execução fiscal n.º 110620180100956, a ora Recorrente prestou em 28 de junho de 2018 a garantia bancária n.º 00125-02-2114631, emitida pelo Banco Comercial Português, S.A., com o valor de € 110.481,36 (cfr. alíneas H) e I) da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida), pelo que estão reunidos os pressupostos para que em caso de procedência do presente recurso, a Recorrida seja condenada no pagamento à Recorrente da indemnização prevista nos artigos 53.º da LGT e 171º do CPPT».

1.3. O Município de Lisboa, notificado da interposição do recurso contra-alegou, formulando, a final, as seguintes conclusões:

«A. A douta Sentença Recorrida analisou a questão que identificou, face ao enquadramento de facto e de direito da mesma, e apoiando-se em jurisprudência consolidada e uniforme sobre a matéria, decidiu pela natureza de taxa do tributo impugnado. O Tribunal Tributário de Lisboa reafirma o entendimento materializado nos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Outubro de 2020, proferido no Processo n.º 01711/11.0BELRS, e de 8 de Junho de 2011, exarado no Processo n.º 0300/11, que se dedicam a taxa consequente de renovação de licenciamento de publicidade exibida em veículos particulares, tendo em vista uma resposta uniformizada à questão subjacente, decidindo pela improcedência da impugnação Judicial;

B. A natureza jurídica da taxa de publicidade foi há muito resolvida com a prolação do Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 177/2010, de 5 Maio 2010, por unanimidade, que veio a decidir não julgar inconstitucionais as normas que prevêem a cobrança de taxas pela afixação de publicidade em prédio pertencente a particular. Passou a entender-se que os parâmetros jurídicos para a solução da questão se tinham alterado após a consagração do conceito jurídico de taxa no art. 4º, n.º 2 LGT e no art. 3.º do RGTAL, orientação perfilhada em várias decisões sumárias posteriores daquele Tribunal, bem como do Supremo Tribunal Administrativo, que vem, igualmente, a reconhecer a natureza de taxa ao tributo em causa;

C. E a circunstância de a liquidação impugnada se reportar a renovação da licença de publicidade inscrita em veículos particulares, não afasta o entendimento respeitante à publicidade afixada em edifícios particulares, porquanto a taxa é devida desde que visível da via pública, independentemente do local de suporte publicitário e respectiva titularidade. E, no caso dos veículos automóveis é indubitável a sua circulação na via pública, podendo as mensagens publicitárias ser percepcionadas por quem nela passa;

D. A questão do licenciamento da publicidade afixada em veículos e do tipo tributário da receita cobrada na sequência da mesma e respectivas renovações foi também ampla e claramente analisada pelo Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão, de 5 de Fevereiro de 2015 (Processo n.º 0333/14), que respeita precisamente a Recurso deduzido pelo Município de Lisboa, em que estava em apreciação a natureza jurídica da quantia liquidada, pela renovação do licenciamento da publicidade em veículos privados;

E. Os doutos Acórdãos citados na Sentença a quo debruçam-se sobre liquidações de taxas consequentes de renovações de licenciamentos de publicidade anteriores. Perante tais Decisões e, designadamente, uma Decisão do Tribunal Constitucional, proferida em Plenário, como acontece com o douto Acórdão n.º 177/2010, cumpre que a mesma seja acompanhada pelos Tribunais, atenta a sua especial qualidade de verdadeiro precedente, em obediência ao n.º 3 do art. 8.º do CC. De acordo com tal normativo “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma Interpretação e aplicação uniformes do direito.”, o que sucedeu com a douta Sentença Recorrida que seguiu de perto os referenciados Acórdãos deste Supremo Tribunal, que acolhe a linha jurisprudencial, entretanto consolidada e uniforme, e se dedica a taxa consequente de renovação de licenciamento de publicidade exibida em veículos particulares;

F. É precisamente atendendo ao disposto naquela norma, que privilegia uma interpretação e aplicação uniforme do direito em todos os casos que mereçam tratamento análogo, e não existindo quaisquer especificidades no caso concreto que justifiquem uma solução diversa da proferida nos referenciados Arestos, que se impõe a adopção da mesma decisão na presente acção, bem como considerando o real enquadramento da liquidação impugnada e o conceito de sinalagma que vem sendo construído pelos nossos tribunais, com estrito assento na lei;

G. Com efeito, a liquidação da taxa de publicidade sub judice foi efectuada em obediência aos normativos constitucionais que atribuem aos municípios a possibilidade de disporem de poderes tributários próprios e, ainda, de receitas tributárias próprias (arts. 238º, n.º 4, 254.º e 241.º da CRP). O Município de Lisboa, habilitado constitucional e legalmente para o efeito, regulamentou sobre esta matéria e a taxa a cobrar, pelo que foi aprovado, em execução da L n.º 97/88, de 17 de Agosto, o Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa [al, d) do art. 14º, al. b) do art. 15.º e nºs 1 e 2 do art. 20º, ambos da L n.º 73/2013, de 3 de Setembro; als. b), c) e g) do n.º 1 do art. 25º e al. k) do n.º 1 do art 33.º, ambos da L n.º 75/2013, de 12 de Setembro; e art. 11.º da L n.º 97/88, de 17 de Agosto, alterada pela L n.º 23/2000, de 23 de Agosto];

H. É atribuição própria dos municípios o licenciamento da afixação de mensagens de cariz publicitário, bem como a liquidação e cobrança de taxas inerentes a tal licenciamento, nos termos que forem fixados em regulamentos da sua autoria, neste caso, o Regulamento de Publicidade. De acordo com este instrumento regulamentar, a afixação ou inscrição de mensagens publicitárias em bens ou espaços afectos ao domínio público, ou deles visíveis, fica sujeita a licenciamento prévio da Câmara Municipal (art. 3.°), assim como a inscrição ou afixação de mensagens publicitárias em veículos automóveis (art. 47.°), sendo aplicáveis ao licenciamento e renovações previstos neste Regulamento as taxas estabelecidas na TTORM (art. 16.º, n.º 1);

I. Nesta conformidade, a liquidação foi efectuada na sequência da renovação da licença concedida no âmbito do pedido de licenciamento de publicidade, com carácter anual, impulsionado e instruído pela ora Recorrente, pedido esse que foi deferido pela CML e que deu lugar à emissão da respectiva licença;

J. As renovações de licenças operam, automática e sucessivamente, desde que se mantenha a afixação da publicidade, visível do espaço público, devidamente titulada por licença (anteriormente) concedida pelos serviços competentes do Recorrido, como o foi, no caso dos autos, e por aquela requerida, como efectivamente ocorreu, por um período superior a 30 dias [art. 20º, al. b) do Regulamento de Publicidade], a que acresce a inexistência de oposição de qualquer um dos sujeitos da relação jurídica subjacente à sua renovação. Mantendo-se a licença, há lugar à liquidação e cobrança das respectivas taxas, conforme imposição regulamentar (n.º 2 do art 18.º do Regulamento), sendo condição para o titular da licença poder exercer os direitos inerentes à mesma o pagamento da respectiva taxa estabelecidas na TTORM em vigor aquando do mesmo (art. 16.° do Regulamento);

K. Com a manutenção da licença da publicidade é facultada uma utilização individualizada do domínio público, configurada no veicular da mensagem (publicitária) que pretende transmitir, aos particulares que circulam no espaço público, onde aquela é exibida, e onde é visível. A razão pela qual é pretendido o licenciamento da publicidade é precisamente, o facto de todo e qualquer cidadão poder circular livremente na via pública e, por conseguinte, ser potencialmente receptivo ao conteúdo das mensagens publicitárias. Até porque, com toda a certeza, a Recorrente não teria qualquer interesse na exibição de publicidade se esta não fosse visível da via pública, de modo a ser percepcionada pelo público em geral. Ora, tal efeito produz-se, precisamente, pelo facto de os potenciais clientes circularem na via pública;

L. Por seu turno, o art 3.º do RGTAL, define as taxas das autarquias locais como tributos que assentam na utilização de bens do domínio público local ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, acrescendo que as taxas municipais incidem sobre utilidades prestadas aos particulares ou geradas pela actividade dos municípios, designadamente pela concessão de licenças e pela utilização de bens do domínio público municipal [als. b) e c) do art 6.º do mesmo diploma legal];

M. No art. 4.º da LGT, sob a epígrafe "pressupostos dos tributos”, estabelece-se que "as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares”, sendo identificadas três situações que podem, alternativa e legitimamente, dar origem à liquidação e cobrança de taxas; o tributo ora em causa configura um deles, pois é liquidado e cobrado como contrapartida pela renovação de licença/remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares;

N. A Recorrente beneficia de uma contraprestação decorrente do licenciamento da publicidade, na medida em que, não só a habilitação daquela para a afixação das mensagens publicitárias decorre da emissão e subsequentes renovações e manutenção de licença, concedida pelo Município, mas, igualmente, porque a exibição das mensagens publicitárias consubstancia, para a Recorrente uma utilização individualizada do domínio público municipal, uma vez que as mensagens publicitárias são exibidas e visíveis da via pública/domínio público municipal, a qual é remunerada pelo pagamento da taxa. O licenciamento e sucessivas renovações removem o obstáculo jurídico a tal actividade e permitem à Recorrente a exibição de publicidade e, consequentemente, o uso privativo do domínio público municipal, em determinados termos, definidos naqueles. A necessidade de tal protecção, imprimida pelo legislador, tem origem no facto de a publicidade, relativamente proibida, ter o seu impacto no domínio público, razão pela qual é exigido o licenciamento de tal actividade, que configura assim um obstáculo real a tal actividade e resultante da lei;

O. Com a renovação do licenciamento de exibição de publicidade, para o ano de 2018, está assente que a Recorrente ficou habilitada a manter a exposição da publicidade, naquele período, usufruindo, em pleno, da contrapartida/sinalagma exigido pelo conceito de taxa e correspondente, reitera-se, à remoção do obstáculo jurídico que impedia aquela exibição, no referido período;

P. Aliás, no caso, das normas aplicáveis ao licenciamento de publicidade conclui-se que, não se mantivessem as condições do licenciamento, e o mesmo seria cancelado pelo Município, já que aquela manutenção é uma das realidades que obsta à renovação, determina a caducidade do licenciamento. E, não é o facto de se tratar de uma renovação de licenciamento anteriormente concedido que retira tais qualidade e natureza à taxa de publicidade, como bem frisou o Tribunal Constitucional e o Supremo Tribunal Administrativo, nos Acórdãos com os quais a douta Decisão Recorrida alinhou a sua posição;

Q. Na perspectiva da remoção do limite à exibição da publicidade, não existem diferenças entre o licenciamento e a renovação; ambos são condição absoluta daquele. Todo o enquadramento supra, no que respeita à emissão e renovação de licença de publicidade pela CML, preenche o conceito de taxa estabelecido no nosso ordenamento jurídico, sendo por esse motivo plenamente legais e eficazes as disposições constantes nos arts. 3.º e 16.º e, ainda, no art. 20º, todos do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, bem como as constantes da Tabela de Taxas;

R. Em suma, o deferimento do pedido de licenciamento e a emissão da correspondente licença e as renovações subsequentes, que venham a ocorrer, consubstanciam, em si, a remoção do obstáculo jurídico à actividade da Recorrente que, a partir desse momento fica habilitada a afixar a publicidade pretendida, nos termos aprovados; fica, porém, igualmente sujeita ao pagamento das taxas devidas nos termos da lei. Consequentemente, o tributo incidente sobre a renovação do licenciamento de publicidade instalada em transportes colectivos tem a natureza de taxa, e não de imposto, não se verificando qualquer ilegalidade;

S. A demonstrada existência de contrapartida e evidente benefício que é concedido à Recorrente, por via da renovação do licenciamento, correspondente à exibição da publicidade, por determinado período, não diverge do inicialmente concedido, e constitui a demonstração da não violação do princípio da equivalência, consagrado no art 4.°do RGATL;

T. São impostos limites ao valor da taxa, que tem como propósito a compensação do ente público do custo do bem utilizado ou do serviço prestado, não podendo ser ultrapassado o custo da actividade pública local ou o benefício auferido pelo particular, tendo de existir uma equivalência entre o valor da taxa e a prestação correspondente;

U. No caso da taxa de publicidade, decorrente da remoção de um obstáculo jurídico, a equivalência é medida pelo valor prestado ao sujeito passivo, que, in casu, é a obtenção da licença e, caso pretenda continuar a exibir a publicidade findo o prazo da mesma, a sua renovação; facto que assume absoluto relevo e, manifestamente, a Recorrente pretende depreciar;

V. A liquidação da taxa de publicidade, como contrapartida da renovação do licenciamento, é válida e eficaz, como se conclui de todo o enquadramento legal e regulamentar descrito, actuando a CML no exercício de competências que lhe são constitucional e legalmente atribuídas, em consonância com o conceito de taxa adoptado pelo legislador ordinário e de harmonia com regulamentos municipais aprovados na sequência de lei habilitante expressa, improcedendo por completo os fundamentos do presente Recurso;

W. Decidindo como decidiu, a douta Sentença a quo está em consonância não só com o n.º 2 do art. 4.º da LGT, bem como com o disposto nos arts. 3.º e 6.º, n.º 1, al. b) do RGTAL, nos arts. 3.º, 16.º, n.º 1, 20.º e 47.º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, e nos arts. 238.º n.º 4 e 241.º ambos da CRP. Aliás, adoptar-se a interpretação preconizada pela Recorrente esvaziaria de conteúdo as mencionadas normas constitucionais que atribuem poderes, tributário e regulamentar, às autarquias locais, interpretação que, a proceder, o que não se concede, redundam em verdadeira inconstitucionalidade por violação daquelas disposições que, na CRP, atribuem aos municípios aqueles poderes, conforme se arguiu, para todos os legais efeitos;

X. Na realidade, caso a licença fosse facultada sem o pagamento de qualquer contrapartida, seria possibilitada à Recorrente, não só uma utilização privativa do domínio público municipal, como a remoção de um obstáculo jurídico ao seu comportamento, relativamente proibido, e, sem que existisse, para o mesmo, a correlativa taxa, em clara violação dos princípios disciplinadores do ordenamento constitucional e jus-tributário em vigor, do qual decorre directa e expressamente, a natureza do tributo liquidado e cobrado à Recorrente;

Y. Reitera-se, a questão da taxa de publicidade muito debatida na numerosa jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Constitucional, impõe aos Tribunais a adopção da mesma solução que tem sido adoptada nos últimos Arestos em que foram apreciadas e julgadas questões semelhantes, em cumprimento do art 8.°, n.º 3 do CC;

Z. Por último, considerando a legalidade da liquidação deve improceder a peticionada condenação do Município no pagamento de indemnização, à Recorrente, pela prestação de garantia;

AA. Por estes motivos e pelos demais de Direito, deverá o Tribunal ad quem julgar improcedente o presente Recurso, mantendo a Sentença Recorrida na ordem jurídica, atenta a legalidade do acto de liquidação sub judice, e, consequentemente julgar improcedente a Impugnação Judicial, mantendo o acto de liquidação impugnado, por total ausência de vícios, em conformidade com a actual posição jurisprudencial não só do Tribunal Constitucional como do Supremo Tribunal Administrativo e em obediência ao estipulado nos referenciados normativos».

1.4. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e apresentados para emissão de parecer ao Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, veio este a pugnar pela improcedência do recurso, convocando para tanto, no essencial, jurisprudência reiterada desta Secção e Tribunal Administrativo, salientando que a mesma se mantém actual, como se constata do recente acórdão proferido no processo n.º 711/11.0BELRS e promovendo que, tal nesse aresto, deve ser afastada a apreciação da questão da violação do princípio da equivalência por constituir questão nova nos autos.

1.5. Cumpre decidir.

2. OBJECTO DO RECURSO

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), desta forma impedindo que voltem a ser reapreciadas por este Tribunal de recurso. Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso concreto, tendo por referência as conclusões formuladas e a delimitação da nossa competência, não existem dúvidas de que a Recorrente pretende que este Supremo Tribunal aprecie quatro questões: (i) o erro de julgamento relativamente à interpretação e aplicação do conceito constitucional de taxa [por entender que dele deriva que o tributo respeitante à renovação automática do licenciamento de publicidade tem a natureza de um imposto - conclusão “s)” enquanto corolário das conclusões que lhe antecedem] (ii) o erro na interpretação e aplicação do conceito jurídico de taxa previsto na lei, em particular, consagrado no artigo 4.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária [invocando ser patente que não existe bilateralidade se o tributo não tem por pressuposto qualquer actividade por parte da Recorrida - ponto A. das alegações de recurso e conclusões “d)” a “r)”]; (iii) o erro na interpretação e aplicação do artigo 4.º, n.º 1, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais [porque, não visando o tributo em contestação nem a compensação de custos efectivamente provocados pelo sujeito passivo nem a remuneração do valor de uma prestação que lhe seja dirigida, afronta o princípio da equivalência que aquele dispositivo legal consagra e que exprime o princípio constitucional da igualdade e critério material de repartição dos encargos públicos aplicável às taxas - ponto “B.” das alegações de recurso e conclusões “s)” a “X)”]; (iv) erro de julgamento quanto ao pedido de indemnização [porque, nos termos do preceituado nos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT, a exigência de prestação de garantia bancária para suspender a execução de um acto ilegal lhe confere o direito a ser indemnizado - ponto “C.” das alegações e conclusão “Y”).

2.3. Das questões que supra enunciamos, logo se constata que, distintamente do que vem defendido no douto parecer da Exma. Procuradora-Geral-Adjunta, no caso, a questão do erro de julgamento na interpretação do artigo 4.º do RGTAL fundada na desconsideração do princípio da equivalência nele consagrado não constitui uma questão nova.

2.4. Na verdade, enquanto no processo n.º 1711/2011 se concluiu que a questão enunciada nunca tinha sido anteriormente suscitada no processo e, consequentemente, que nunca tinha sido objecto de apreciação pelo Tribunal a quo, no caso concreto não é o que sucede, já que, como se constata da leitura da petição inicial e da sentença recorrida, a Recorrente colocou ab initio a questão da exigibilidade de observância do princípio da equivalência imposto pelo artigo 4.º do RGTAL e a sentença apreciou essa questão concreta, julgando que tal princípio se mostrava respeitado.

2.5. Neste contexto, independente da resposta que nos mereça a questão do erro de julgamento quanto à alegada violação do princípio da equivalência, é inquestionável que esta questão integra e pode integrar o objecto do presente recurso.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

Em 1ª instância foi dada como apurada a seguinte factualidade:

A) “A…………, S.A.” dedica-se à exploração de espaços publicitários no interior e exterior de veículos de transporte colectivo e nas instalações pertencentes à Companhia Carris de Ferro de Lisboa (ou Carris) (Informação publicitada em http//publicacões.mj.pt).

B) Em 1-7-2013 a Impugnante solicitou o licenciamento de publicidade em 579 novas viaturas de transporte colectivo e o cancelamento de 598 viaturas subjacentes às licenças de publicidade existentes – Reg. 1924/POEP/2013 (fls 31, do processo administrativo - Informação nº 26152/INF/DPCO/GESTURBE/2018).

C) O Município de Lisboa liquidou à Impugnante o montante de € 86.960,51 (oitenta e seis mil, novecentos e sessenta euros e um cêntimo) a título de taxas devidas pela renovação, para o ano de 2018, do licenciamento de afixação de publicidade instalada em espaços publicitários pertencentes à Carris, colocados em meios de transportes colectivos da cidade de Lisboa, com data limite de pagamento a 31-3-2018 (liquidação anexa à petição inicial);

D) A 3-4-2018 a Impugnante deu entrada de reclamação graciosa da liquidação das taxas identificada em C), invocando que aquando da renovação não é instaurado um procedimento administrativo de licenciamento e a única actividade consistirá numa operação aritmética de aplicação do valor unitário da taxa ao número de anúncios publicitários e de acordo com a respectiva dimensão, não havendo um mínimo de indícios de que a CML realize diligências para comprovar que os pressupostos existentes à data da emissão da licença inicial se mantém, e ainda que é evidente que a taxa foi liquidada ao arrepio das mais elementares regras de direito tributário, as quais impõem, como pressuposto o lançamento de um tributo, a ocorrência efectiva de um acontecimento previamente definido na lei ou em regulamento e inexistindo uma actividade pública efectiva e especificamente direccionada no momento da renovação da licença, que a legislação municipal classifica como automática e sucessiva, não há qualquer custo para o ente público que tenha de ser compensado mediante o pagamento de uma taxa e nessa medida a liquidação é ilegal por atentar contra o princípio da equivalência, enquanto corolário do princípio constitucional da igualdade e critério material da repartição dos encargos públicos aplicável às taxas (cfr. fls 2 a 6, do processo administrativo).

E) Para análise da reclamação referida em D) foi prolatada a Informação nº INF/927/DRF/DMF/CML/18, junta de fls 32 a 35, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, onde foram formuladas as seguintes conclusões:

Em suma, o título de publicidade, foi legalmente no âmbito do licenciamento da actividade publicitária pelo Município de Lisboa, enquadra-se plenamente na estatuição que a LGT, no seu nº 2 do artigo 4º consagra como pressuposto de taxa na medida em que, se traduz na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.

Assim, a quantia supra identificada foi liquidada ao abrigo dos artigos 3º do RGTAL e artigos 14º e 20º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais, artigo 16º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, publicitado no Edital nº 35/92, de 19 de Março, com as alterações introduzidas pelos Editais nºs 42/95 e 53/95 e nº 4.1.9 da Tabela das Taxas conjugado com o nº 5 do artigo 97º do Regulamento das Taxas, Preços e Outras receitas do Município de Lisboa e do quantitativo estabelecido no nº 5 al a) do art.19º da Tabela de Taxas de 2019”.

F) Sobre a informação identificada em E) foi aposto despacho ordenando a notificação da impugnante para exercer direito de audição, que foi exercido (cfr. fls 32, do processo administrativo).

G) Em 25-10-2019 foi proferido despacho de indeferimento com os fundamentos expressos na informação identificada em E) - (fls 38 a) - verso, do processo administrativo).

H) O Município de Lisboa instaurou o processo de execução fiscal nº 110620180100956, para cobrança coerciva das taxas identificadas em C) (documento nº 6 anexo à petição inicial).

I) Em 28-6-2018 a impugnante prestou garantia bancária nº 00125-02-2114631, emitida pelo Banco Comercial Português, SA (documento nº 7, anexo à petição inicial);

J) Por despacho de 12.07.2018 a garantia bancária identificada em I) foi aceite, tendo o processo de execução fiscal identificado em H) sido suspenso (documento nº 8, anexo à petição inicial);

K) Em 8-4-2019 deu entrada a presente Impugnação Judicial.

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa em três segmentos. O primeiro diz respeito ao julgamento do Tribunal a quo na parte em que, subscrevendo o acórdão proferido por este Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Outubro de 2020, proferido no processo n.º 1711/11, conclui pela existência de uma prestação administrativa apta a constituir pressupostos válido da liquidação e cobrança da taxa e, consequentemente, afasta que a este tributo deva ser atribuída uma qualificação de imposto. O segundo, identificado pelo julgamento de inexistência de violação do princípio da equivalência consagrado no artigo 4.º do RGTAL. O terceiro, e último, corolário de uma eventual procedência de censura dirigida aos segmentos antecedentes, está conexionado com o pedido de indemnização pela prestação de garantia que a Recorrente teve que prestar para alcançar a suspensão da execução do acto ilegal e que ora, em recurso, com a declaração de ilegalidade da taxa impugnada, pretende ver reconhecido.

3.2.2. Antes de recuperarmos o que ficou decidido, importa deixar clara a posição da Recorrente neste recurso e que podemos reconduzir aos seguintes parâmetros:

- A Recorrente não questiona neste recurso, tal como não o fazia na petição e nas suas alegações finais, que no caso específico das taxas de licença, a contraprestação consiste no próprio licenciamento, isto é, no próprio acto administrativo que remove o limite ou obstáculo substantivo ao exercício pelo particular de uma determinada actividade. No que a Recorrente não concede é que esse pressuposto, no caso, esteja presente no momento de renovação das licenças, por o artigo 20.º do Regulamento de Publicidade prever expressamente a sua renovação automática, o que, defende, significa que essa renovação ocorre independentemente de qualquer impulso do particular ou da edilidade, não pressupõe nem exige qualquer avaliação das condições ou impacto gerados pela actividade publicitária ou, dito de forma directa, não implica por parte do Recorrido uma actividade que possa substanciar uma prestação individualizada e concreta que sirva de pressuposto ou facto tributário de uma taxa;

- A Recorrente entende que a taxa impugnada viola o princípio da equivalência (jurídica e económica) consagrado no artigo 4.º, n.º 1 do RGTAL, por, não existindo contrapartida alguma na renovação, não sendo detectável qualquer relação de bilateralidade ou contraprestação, forçosamente se terá que concluir que o quantum da taxa viola aquele princípio e, consequentemente, os princípios da igualdade e da proporcionalidade de que constitui concretização.

3.2.3. Na sentença recorrida, as questões da legalidade da taxa por referência à sua ligação umbilical à mera renovação de licença foi decidida nos seguintes termos:

«Como se escreve no Acórdão do STA de 14-10-2020 (processo n° 01711/11.0BELRS 0489/17), in www.dgsi.pt, que se debruça sobre a questão:

"Ora, como refere o acórdão do Tribunal Constitucional (de 5 de maio de 2010, tirado em plenário, a que foi atribuído o n.º 177/2010), a emissão da licença de publicidade dá origem a uma relação jurídica entre a edilidade e o obrigado tributário distinta da que intercede com a generalidade dos obrigados tributários, no quadro da qual a entidade emitente assume a obrigação de suportar a atividade licenciada e de simultaneamente se assegurar que a fruição do espaço público se contem nos seus limites legais, isto é, dentro dos critérios legais que abrangem não apenas o ato de licenciamento da publicidade, mas também o exercício da atividade licenciada - cfr. o artigo 4.º da lei n.º 97/88, de 17 de agosto. Esta relação jurídica, de natureza bilateral, permanece enquanto durar o licenciamento e atravessa os sucessivos períodos de renovação da licença.

Subjacente a este entendimento está - naturalmente - a ideia de que o pressuposto constitucional das taxas de licença não se esgota no ato de licenciamento, isto é, na atividade administrativa dirigida especificamente à decisão de licenciar, abrangendo também a relação duradoura que se estabelece entre a edilidade e o requerente e que é desencadeada por essa decisão. E que a prestação de um serviço público pressuposta no conceito constitucional da taxa pode ser presumida a partir de um dever legal específico e permanente de fiscalização da atividade licenciada. Como de resto, o Tribunal Constitucional admitiu expressamente, ainda que a propósito de outro tributo (cfr. o acórdão de 1 de abril de 2014, também tirado em plenário - n.º 316/2014).

E, embora possa ser discutível este entendimento, designadamente por erodir o sinalagma inerente ao conceito de taxa que só a atividade administrativa efetivamente prestada e dirigida ao sujeito passivo permite focalizar, a verdade é que a última palavra na definição e interpretação dos conceitos constitucionais pertence aquele Tribunal, devendo este Supremo Tribunal conformar as suas decisões com as respetivas orientações jurisprudenciais, quando esteja em causa a aplicação de preceitos e de princípios constitucionais.

(...) decorre também daquela jurisprudência do Tribunal Constitucional e do acórdão n.º 177/2010 em particular «que a mera inação administrativa em face de uma atividade que interfere no gozo de determinados bens públicos - como o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território ou a gestão do tráfego - possa consubstanciar uma contrapartida da respetiva tributação, satisfazendo o requisito, essencial ao conceito de taxa, de bilateralidade ou comutatividade» (citação extraída do acórdão do mesmo Tribunal de 20 de março de 2019 - n.º 181/2019 - ponto 7.º).

Ou seja, (...), não decorre do mero facto de o Município não realizar atividade alguma no ato de renovação das licenças que não exista o pressuposto de facto das taxas. Porque o pressuposto de facto das taxas devidas pela remoção de um obstáculo jurídico não é - na linha do ali decidido - constituído especificamente pela atividade administrativa dirigida a essa remoção. E a prestação concreta e individualizada de que é beneficiário o sujeito passivo não é o ato administrativo correspondente, mas a prestação de "deixar fazer", a concessão na interferência do gozo do bem público correspondente.”

Transcreve-se ainda o que Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão de 8 de Junho de 2011, escreve no processo n.º 300/11 «o anunciante ganha título para uma activa e particular fruição, em termos comunicacionais, do espaço ambiental, necessária à realização da utilidade individual procurada, a qual não se confunde com o gozo passivo desse espaço, ao alcance da generalidade dos cidadãos (...). Em exclusivo proveito próprio, um sujeito privado - o anunciante - introduz, através da atividade publicitária, mudanças qualitativas na perceção e no gozo do espaço público por parte de todos os que nele se movem, "moldando-o", em função do seu interesse. A constituição da obrigação passiva de se conformar com essa influência modeladora é justamente a contrapartida específica que dá causa ao pagamento da taxa, estruturando, em termos bilaterais, a relação estabelecida com o obrigado tributário»

3.2.4. Considerando que o entendimento firmado na sentença recorrida se esgotou, nesta parte, no acolhimento de jurisprudência produzida por esta Secção e Tribunal, por referência a um recentíssimo acórdão em que igualmente nos limitamos a reafirmar o que há anos vem sendo decidido nesta matéria - em conformidade com o juízo de constitucionalidade que o Tribunal Constitucional vem avançando - e que, sempre com o devido, não logramos identificar nada de novo na argumentação aduzida pela Recorrente capaz de nos determinar a inflectir esse entendimento, limitamo-nos, remetendo também para o aresto convocado, e em conformidade com o artigo 8.º do Código Civil, a confirmar nesta parte, a sentença recorrida.

3.2.5. No que respeita à alegada violação do princípio da equivalência consagrado no artigo 4.º, n.º 1 do RGTAL, conclui igualmente a Meritíssima Juíza que este vício não se verifica.

3.2.6. Para fundamentar a sua decisão, o Tribunal a quo, após ter convocado o teor do artigo 4.º do RGTAL - que, sob a epígrafe de "Princípio da Equivalência Jurídica”, determina «que o valor das taxas das autarquias locais é fixado de acordo com o princípio da proporcionalidade, não deve ultrapassar o custo da actividade pública local ou o benefício auferido pelo particular e que respeitada a proporcionalidade, pode ser fixado com base em critérios de desincentivo à prática de certos atos ou operações» -, invocou, em abono do seu julgamento, uma decisão sumária do Tribunal Constitucional (decisão sumária n° 323/10, de 5 de Novembro de 2010, proferida no proc. n° 469/10, da 2- Secção, do Tribunal Constitucional), na qual, a propósito da questão do princípio da equivalência, do que este implica e como ele se concretiza no caso deste tipo de tributos, consta o seguinte:

«"(...) Não está em causa apenas o interesse de integridade dos valores, ambientais, urbanísticos e outros, que poderiam ser afectados por causa da actividade publicitária, interesse esse acautelado através da intervenção administrativa de fiscalização do cumprimento dos deveres específicos de omissão enumerados no artigo 4° da Lei n° 97/86. A emissão da licença, o mesmo é dizer, o levantamento do obstáculo jurídico (que já vimos não ser arbitrário) dá origem a uma relação com o obrigado tributário distinta da que intercede com a generalidade dos administrados, no quadro da qual a entidade emitente assume uma particular obrigação - a duradoura 'obrigação de suportar' (pati) uma actividade que, embora respeitando aqueles deveres, interfere permanentemente com a conformação de um bem público. Com o licenciamento, alteram-se as posições jurídicas recíprocas de administração e administrado, ficando aquela onerada, enquanto a situação persistir, com uma obrigação até aí inexistente. Inversamente, o anunciante ganha título para uma activa e particular fruição, em termos comunicacionais, do espaço ambiental, necessária à realização da utilidade individual procurada, a qual não se confunde com o gozo passivo desse espaço, ao alcance da generalidade dos cidadãos»

«A constituição da obrigação passiva de se conformar com essa influência modeladora é justamente a contrapartida específica que dá causa ao pagamento da taxa, estruturando, em termos bilaterais, a relação estabelecida com o obrigado tributário. Findo o prazo para o qual tinha sido concedida a remoção da proibição do exercício da actividade publicitária, torna-se necessário proceder à reavaliação da situação, do ponto de vista da permanência das condições legais de licenciamento, o que justifica a cobrança de uma nova prestação tributária. Essa reavaliação é um pressuposto da continuidade da fruição, por um novo período, das utilidades propiciadas por tal actividade, no que o particular se mostra interessado. Não faz sentido, atenta essa relação causal, distinguir o licenciamento da sua renovação, ou a contrapartida devida pelo período inicial das que são exigíveis pelos períodos de renovação da licença (…)».

3.2.7. Em suma, o Tribunal a quo, tendo presente o preceito que consagra o princípio da equivalência e a modelação ou densificação que deste princípio, no caso de liquidação e cobrança deste tipo de tributos, vem sendo realizada pelo Tribunal Constitucional desde o ano de 2010 (e que até ao momento, pelo menos de forma clara e inequívoca, não alterou), decidiu que o princípio da equivalência, tal como imposto pelo artigo 4.º do RGTAL, se mostra observado por a taxa ser a contraprestação do dever de sujeição em que o Município fica por ter de suportar a actividade comunicacional, de suportar o uso do espaço de comunicação levado a cabo pela Recorrente com a actividade publicitária. Sujeição que o Tribunal Constitucional e este Supremo Tribunal Administrativo vêm julgando que existe, quer no momento em que há um primeiro licenciamento, quer no momento em que esse licenciamento se renova e enquanto essa e outras renovações ocorrerem.

3.2.9. Em bom rigor, o que cumpre sublinhar, a Recorrente apenas alega que a violação do princípio da equivalência decorre da inexistência de contraprestação e não de uma desproporção no montante da taxa face ao “valor” do benefício. Tal deve-se ao facto de a Recorrente ter erradamente reconduzido a contraprestação de que é beneficiária à emanação de um acto de licenciamento municipal (ou à sua renovação) e não, como deveria, à fruição do já mencionado espaço comunicacional público, que, desde 2010 (data da prolação do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2010), deve ser tida como a efectiva contraprestação da taxa municipal de publicidade. Nesta medida, é essa a dimensão da violação do princípio da equivalência que aqui se aprecia e que se concluiu não proceder.

3.2.9. Em conclusão, para o Tribunal Constitucional, secundado por este Supremo Tribunal Administrativo, o critério do benefício é aferido em função do uso do espaço comunicacional e não do licenciamento, razão pela qual, in casu, face aos factos apurados, há que concluir que a taxa liquidada não padece de qualquer ilegalidade, como decidiu o Tribunal recorrido e neste julgamento de recurso se confirma.

3.2.10. Face ao decidido, julga-se expressamente prejudicada a apreciação da última questão colocada (indemnização pela prestação de garantia indevida), que, lógica e legalmente, estava dependente de uma resposta positiva às questões primeiramente enunciadas.

3.2.11. As custas serão suportadas pela Recorrente, a cujo pagamento a final será condenada, por ter ficado integralmente vencida na sua pretensão recursiva (artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 280.º do CPPT).

4. DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os Juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 6 de Outubro de 2021 - Anabela Ferreira Alves e Russo (Relatora, que consigna e atesta, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, que têm voto de conformidade com o presente acórdão os Conselheiros integrantes da formação de julgamento – José Gomes Correia e Aníbal Augusto Ruivo Ferraz)