Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0159/20.0BEAVR
Data do Acordão:07/13/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS
CONTRA-ORDENAÇÃO
PRAZO
RECURSO
CONTAGEM DE PRAZO
Sumário:O prazo de interposição de recurso da decisão administrativa de aplicação da coima a que alude o artigo 80.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias não se suspende em férias judiciais.
Nº Convencional:JSTA000P28011
Nº do Documento:SA2202107130159/20
Data de Entrada:10/01/2020
Recorrente:A.......S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A………., S.A., com o número de identificação fiscal ………., com sede na ……….., Lote ….., Apartado ………, 3770-……… Oliveira do Bairro, recorre da decisão da Mm.ª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que rejeitou o recurso da decisão de aplicação da coima aplicada no processo de contra-ordenação n.º 01402019060000033873, do Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro, no montante de € 10.482,24.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que condensou nas seguintes conclusões: «(…)

I. Vem o presente recurso interposto da douta decisão que julgou intempestivo o recurso judicial da decisão administrativa de fixação da coima, entendendo-se que foi efetuado um errado julgamento.

II. De acordo com a jurisprudência dos tribunais superiores quando o prazo estabelecido nos artigos 59.º, n.º 3 e 60.º do RGCOC (20 dias úteis) e 80.º do RGIT termine em férias judiciais, o prazo para apresentação do recurso judicial transfere-se para o primeiro dia útil após férias – cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, processos 0318/11 e 0311/14, de 21.09.2011 e 28.05.2014, respetivamente, ambos em www.dgsi.pt, com fundamento na alínea e) do art.º 279.º do CC:

III. De acordo com a alínea e) do artigo 279.º do CC “o prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, (…)”; e “ao prazo estabelecido no art. 59.º, n.º 3, do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, é aplicável o disposto no art. 279.º do CC (RL, 26-5-1993; BMJ, 427.º-573)” – in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 17.ª Edição Revista e Actualizada, Abril 2010, Ediforum – Edições Jurídicas, Lda., p. 192.

IV. A alínea e) do art.º 279.º do CC estabelece como condição para a equiparação das férias judiciais aos “domingos e feriados” que o “acto sujeito a prazo tenha que ser praticado em juízo”.

V. Questão – a de que o recurso judicial da decisão administrativa é um acto que deva ser praticado em juízo – é jurisprudência consolidada – (Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, processos 0318/11 e 0311/14, de 21.09.2011 e 28.05.2014, respetivamente, e assento n.º 1/2001, de 8.03.2001, todos em www.dgsi.pt).

VI. Sendo o recurso judicial da decisão de aplicação da coima um acto a praticar em juízo o princípio da equiparação das férias judiciais a “domingos e feriados”, expressamente previsto na segunda parte da referida alínea e) há aplicar-se não apenas aos casos em que o prazo termina em férias judiciais mas aos demais.

VII. Se a suspensão nas férias judiciais assenta no princípio objectivo da natureza do acto – acto processual praticado em juízo – há-de aquela (suspensão nas férias judiciais aplicar-se a todos os prazos de recurso judiciais da decisão administrativa de aplicação de coima e não apenas aqueles que terminam no decurso das férias judiciais,

VIII. O princípio da legalidade e da igualdade perante a lei assim o exige.

IX. Acresce que, como se defendeu no assento n.º 1/2001, de 08-03-2001 o STJ “(…) é seguro que, ao estipular no artigo 60.º o desconto no prazo do artigo 59.º, n.º 3, de sábados, domingos e feriados, afastou a possibilidade de qualificação desse prazo como substantivo. Tal prazo é, pois, um prazo procedimental, um prazo para a prática de um acto integrado num processo com duas fases distintas (uma administrativa e outra judicial), mas apenas um processo, enquanto conjunto de actos preordenados à produção de uma decisão com força de caso julgado”

E ainda que,

X. «Não parece possível, hoje, admitir-se que o direito contra-ordenacional constitua ou possa constituir ‘ilícito penal administrativo’. Do que se trata é de um verdadeiro ‘direito penal especial’ (Fernanda Palma, ao tratar do direito contra-ordenacional in Direito Penal, Faculdade de Direito de Lisboa, 1993, fala também do ‘direito penal secundário’), disfarçado no poder da Administração Pública, mais por conveniências práticas, do que por preocupações de rigor da sua natureza jurídica (ver nota 23).»

XI. «O direito contra-ordenacional constitui um género do direito penal, um direito penal especial […] Não é um direito administrativo ou direito penal administrativo […] O direito subsidiário é o direito penal e o direito processual penal e não o direito administrativo (ver nota 24).»

XII. Constituído um género do direito penal deve ser-lhe aplicável o disposto no art.º 103.º do CPP, e consequentemente os “actos processuais se praticam nos “dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais”.».

Pediu a anulação da decisão recorrida e a substituição por outra que julgue tempestivo o recurso seguindo os seus ulteriores termos.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Recebidos os autos neste tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

A Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer «no sentido da improcedência do recurso».

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir, em conferência.



1. É o seguinte o teor da decisão recorrida (transcrição parcial):

«(…) No caso em apreço, a Recorrente foi notificada da decisão administrativa de aplicação da coima, nos termos dos arts. 79.º, n.º 2, e 80.º do RGIT, por notificação eletrónica entregue na sua caixa postal eletrónica do Via CTT, no dia 10/7/2020, e apresentou recurso judicial dessa decisão em 1/9/2020.

Compulsados os autos, verifica-se que o ofício destinado a dar conhecimento à Recorrente da decisão de aplicação de coima objecto do presente recurso foi enviado através de correio registado, com aviso de recepção, tendo o respectivo talão A/R sido assinado em 11/12/2019 (cfr. docs. de fls. 23 a 25 do suporte físico dos autos, que se dão, aqui, por reproduzidos). Já as presentes alegações de recurso deram entrada no serviço de Finanças de Oliveira do Bairro em 22/1/2020, constando do documento de apresentação das mesmas a data de 16/1/2020 (cfr. fls. 6 do suporte físico dos autos).

Sendo assim, considera-se que a Recorrente foi notificada da decisão de aplicação da coima em 11/12/2019, facto pela própria assumido nas respectivas alegações de recurso.

Ora, dispõe o artigo 80.º, n.º 1, do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05.06), que “as decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias podem ser objecto de recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância, no prazo de 20 dias após a sua notificação, a apresentar no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contraordenação”. Tal prazo de 20 dias suspende-se aos sábados, domingos e feriados, transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte se, no último, não for possível durante o período normal a apresentação do recurso (cfr. art. 60.º, n.ºs 1 e 2 do RGCO - Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, aplicável ex vi do artigo 3.º, alínea b), do RGIT). De referir, ainda, que este prazo não possui natureza judicial, pelo que não se lhe aplicam as regras privativas dos prazos judiciais e, como tal, não se suspende nas férias judicias. Porém, entende-se que caso esse prazo termine em férias judicias, o seu término transfere-se para o primeiro dia útil seguinte ao término das férias judiciais (cfr. ac. do STA de 21/9/2011, proferido no proc. n.º 0318/11).

Consequentemente, as presentes alegações de recurso só poderiam ser apresentadas até ao dia 10/1/2020. Porém, como já cima referido, as mesmas foram apresentadas muito depois desta data.

Pelo que, nos termos do artigo 63.º do RGCO, aplicável ex vi do artigo 3.º, alínea b) do RGIT, e com os fundamentos acima expostos, rejeito o presente recurso de contra-ordenação.

Fixo o valor do recurso no valor da coima aplicada: €10.482,24 (cfr. art.º 83.º, n.º 1, do RGIT).

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique. Comunique (art. 70.º, n.º 4, do RGCO, aplicável ex vi do art. 3.º, al. b), do RGIT).».

2. O Direito

Vem o presente recurso interposto do despacho de rejeição do recurso da decisão administrativa de aplicação de coima, com fundamento na sua intempestividade.

Com o assim decidido não se conforma a Arguida – ora Recorrente – por entender que o prazo de interposição do recurso judicial se suspende em férias judiciais.

No entendimento da Recorrente, se o prazo se suspende em férias judiciais quando o termo do prazo ocorra em férias judiciais, também se suspende em férias judiciais quando o termo do prazo não ocorre durante estas. Porque o prazo se suspende em domingos e feriados e as férias judiciais se equiparam a domingos e feriados – artigo 279.º, alínea e), do Código Civil; e porque suspender o prazo nuns casos e não suspender nos outros viola o princípio da legalidade e da igualdade.

Mas a Recorrente não tem razão.

Porque o prazo que termine em domingo ou dia feriado não se suspende nesses dias.

Porque, se assim fosse não se transferiria (sempre) para o primeiro dia útil seguinte. Se, por exemplo o penúltimo dia do prazo fosse feriado o e o último dia do prazo fosse domingo, a seguir-se o entendimento da Recorrente, o prazo transferia-se necessariamente para terça-feira. E não é isso que resulta da lei.

Na verdade, dizer que o prazo se transfere para o primeiro dia útil seguinte não equivale a dizer que o prazo esteve suspenso na véspera, tendo um significado bem distinto: o de que a lei estende o prazo, por mais um dia, passando este a ser o último dia do prazo.

Assim sendo, quando a lei [no artigo 279.º, alínea e), segunda parte, do Código Civil] equipara as férias judiciais aos domingos e feriados, também não faz essa equiparação para efeitos de suspensão do prazo, mas para efeitos de extensão do prazo: neste caso, o prazo que terminar em férias estende-se o número dias necessários para que termine sempre no primeiro dia após férias.

Pelo que também não se está a suspender nuns casos (naqueles em, que o termo do prazo ocorre em férias) e a não suspender nos outros (naqueles em que o termo do prazo ocorra em período de funcionamento normal nos tribunais): em qualquer dos casos não há suspensão do prazo.

E, assim sendo não poderia haver violação da invocada regra da equiparação das férias judiciais aos domingos e dias feriados.

Violação do princípio da legalidade também não pode haver, porque este regime deriva diretamente da lei.

E também não se vê que tal entendimento possa resultar em tratamento desigual perante a lei, visto que a todos são aplicadas as mesmas regras. Aliás, no caso dos domingos e feriados, o objetivo da extensão (formal) do prazo é, na prática, o de obstar ao seu encurtamento. Porque aquele que não tenha o último dia do prazo para praticar o ato tem, na prática, menos dias para o praticar.

Quanto à transferência do último dia do prazo para o primeiro dia pós-férias, parece que o que a Recorrente quer dizer é que não faz sentido o fundamento em que o Supremo Tribunal Administrativo se tem apoiado para o concluir, mas faz sentido concluí-lo com outro fundamento, da sua própria lavra.

Com o devido respeito, o que não faz sentido é concluir que suspensão e transferência do prazo significam a mesma coisa quando as expressões têm significados distintos e o legislador as utiliza de forma distinta. Porque isso significa atribuir à lei um sentido que a letra da lei não comporta. E a letra da lei é também um limite da interpretação jurídica, como deriva do artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil.

Na parte final do recurso, a Recorrente deriva para as regras dos prazos processuais, invocando o artigo 103.º, n.º 1, do Código do Processo Penal.

Ora, constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo que o prazo para interposição do recurso da decisão administrativa de aplicação da coima tem natureza substantiva e que a sua contagem se faz nos termos do artigo 60.º do Regime Geral das Contraordenações. Pelo que não se aplicam ao caso as regras da contagem dos prazos judiciais nem há, fundamento, neste particular, para convocar as regras do Processo Penal.

De todo o exposto deriva que o recurso não merece provimento.



3. Conclusão

O prazo de interposição de recurso da decisão administrativa de aplicação da coima a que alude o artigo 80.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias não se suspende em férias judiciais.



4. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 13 de julho de 2021

Assinado digitalmente pelo Relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.

Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Anabela Ferreira Alves e Russo.