Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01188/02
Data do Acordão:06/18/2003
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:SANTOS BOTELHO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL.
RESPONSABILIDADE POR ACTO LÍCITO.
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ.
PRINCÍPIO DA PROTECÇÃO DA CONFIANÇA.
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
PRINCÍPIO DA IGUALDADE.
MATÉRIA DE FACTO.
GRAVAÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL.
BANCA NACIONALIZADA.
PRIVATIZAÇÃO.
Sumário:I - A gravação da prova assume-se como uma garantia tendente a possibilitar, de alguma maneira, um segundo grau de jurisdição em matéria de facto.
II - Porém não se pode olvidar que o registo magnético da prova, pela sua própria natureza não pode reproduzir todas as circunstâncias em que um determinado depoimento se processou, não podendo explicitar tudo aquilo que é perceptível apenas através do concretizar do principio da imediação da prova, deste modo não revelando todos os elementos que, porventura, tivessem sido susceptíveis de influenciar a convicção do tribunal da 1ª instância, assim não tornando acessível ao tribunal Superior o controlo de todo o processo que habilitou o tribunal "a quo" a decidir como decidiu, o que tudo aconselha um particular cuidado aquando do uso pelo tribunal "ad quem" dos poderes de reapreciação dos pontos controvertidos da matéria de facto.
III - O principio da boa fé assume-se como um dos princípios gerais que servem de fundamento ao ordenamento jurídico.
IV - Tal principio apresenta-se como um dos limites da actividade discricionária da Administração.
V - Um dos corolários do principio da boa-fé consiste no principio da protecção da confiança legitima, incorporando a boa-fé o valor ético da confiança.
VI - A exigência da protecção da confiança é também uma decorrência do principio da segurança jurídica, imanente ao principio do Estado de Direito.
VII - Contudo, a aplicação do principio da protecção da confiança está dependente de vários pressupostos, desde logo, o que se prende com a necessidade de se ter de estar em face de uma confiança "legitima" o que passa, em especial, pela sua adequação ao Direito, não podendo invocar-se a violação do principio da confiança quando este radique num acto anterior claramente ilegal, sendo tal ilegalidade perceptível por aquele que pretenda invocar em seu favor o referido principio.
VIII - Por outro lado, para que se possa, válida e relevantemente, invocar tal principio é necessário ainda que o interessado em causa não o pretenda alicerçar apenas, na sua mera convicção psicológica, antes se impondo a enunciação de sinais exteriores produzidos pela Administração suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde seja razoável ancorar a invocada confiança.
IX - As meras expectativas fácticas não são juridicamente tuteladas.
X - O cuidado e as precauções a exigir da parte que reivindica a protecção da sua boa-fé serão tanto maiores quanto mais avultados forem os investimentos feitos com base na confiança, já que se não pretende tutelar o "excesso de confiança".
XI - Por outro lado, mesmo em sede do principio da boa-fé, a Administração terá sempre de valorar os condicionantes que entretanto, se tenham produzido, sendo que a mudança do circunstancialismo em que se tivesse baseado numa anterior conduta, poderá legitimar à luz da vinculação ao principio da legalidade e da prossecução actualizada do interesse público, uma alteração aos critérios anteriormente assumidos não estando, assim, a Administração impedida de avaliar a nova situação que, porventura, se tivesse desenvolvido, por forma a melhore acautelar os interesses que lhe incumbisse defender.
XII - Por obediência ao principio da proporcionalidade a Administração deverá escolher dentro dos diversos meios ou medidas idóneas e congruentes do que disponha aqueles que sejam menos gravosos ou que causem menos danos.
XIII - Estamos aqui no domínio do principio da intervenção mínima por forma a que se consiga compatibilizar o interesse publico e os direitos dos particulares, de modo a que o principio da proporcionalidade jogue como um factor de equilíbrio garantia e controlo dos meios e medidas.
XIV - O principio da igualdade é de conteúdo pluridimencional, postulando várias exigências, sendo que, no fundo, o que se pretende evitar é o arbítrio, mediante uma diferenciação de tratamento irrazoável, a que falte inequivocamente apoio material e constitucional objectivo.
XV - A ilicitude não se basta com a genérica anti-juridicidade, tudo se devendo centrar nas especificas relações eventualmente existentes entre as normas ou princípios tidos por violados e a esfera jurídica do Particular, devendo existir como que uma conexão da ilicitude entre a norma ou o principio e a posição juridicamente protegida do Particular.
XVI - Ou seja, nem toda a ilegalidade implica ilicitude, para efeitos indemnizatórios, devendo o conceito de ilicitude ser integrado pela já apontada exigência de violação de uma posição jurídica substantiva do Particular.
XVII - O principio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos constitui o fundamento da responsabilidade por actos lícitos, acolhida no art.º 9.º do D. Lei 48051 de 21/XI/67.
Nº Convencional:JSTA00060046
Nº do Documento:SA12003061801188
Data de Entrada:06/28/2002
Recorrente:A...
Recorrido 1:ESTADO
Votação:UNANIMIDADE
Ref. Acórdãos:
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAC PORTO.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - RESPONSABILIDADE EXTRA.
Legislação Nacional:DL 48051 DE 1967/11/21 ART2 ART9.
DL 20-A/95 DE 1995/01/30 ART1.
L 11/90 DE 1990/04/05 ART6 ART8 ART13.
CPA91 NA REDACÇÃO DO DL 6/96 DE 1996/01/31 ART6-A.
CONST96 ART296.
Jurisprudência Nacional:AC TC 287/90 IN BMJ N400 PAG214.; AC TC 302/90 IN BMJ N401 PAG130.; AC TC 70/92 IN BMJ N414 PAG130.; AC STAPLENO PROC32156 DE 1996/12/11.; AC STAPLENO PROC40313 DE 1999/12/17.; AC STAPLENO PROC47275 DE 2003/04/30.; AC STA PROC17429 DE 1983/03/24.; AC STA DE 1984/06/06 IN AD N289 PAG62.; AC STA PROC24979 DE 1988/02/02.; AC STA PROC716/02 DE 2002/05/23.; AC STA DE 1989/12/12 IN RLJ ANO125 PAG84.
Referência a Pareceres:P PGR 138/79 IN BMJ N298 PAG21.
P PGR 162/80 DE 1982/06/11.
P PGR 187/83 DE 1984/02/07.
Referência a Doutrina:AFONSO QUEIRÓ ESTUDOS DE DIREITO PÚBLICO V2 PAG179.
ESTEVES DE OLIVEIRA E OUTROS CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO 2ED PAG91-108.
FREITAS DO AMARAL DIREITO ADMINISTRATIVO V3 PAG348.
REBELO DE SOUSA O CONCURSO PÚBLICO NA FORMAÇÃO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO PAG52.
MENEZES CORDEIRO DA BOA FÉ NO DIREITO CIVIL V1 PAG383.
MARGARIDA OLAZABAL CABRAL O CONCURSO PÚBLICO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS PAG92.
BAPTISTA MACHADO IN RLJ ANO117 PAG231-363.
GOMES CANOTILHO O PROBLEMA DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ACTOS LÍCITOS PAG73-78.
RUI MEDEIROS ENSAIO SOBRE A RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ACTOS LEGISLATIVOS PAG168.
MOTA PINTO IN RDES ANO17 N1 PAG90.
VAZ SERRA IN BMJ N68 PAG123-124.
GONZALEZ PEREZ EL PRINCÍPIO GENERAL DE LA BUENA FE EN EL DERECHO ADMINISTRATIVO PAG59.
GARCIA DE ENTERRIA LA LUCHA CONTRA LAS INMUNIDADES DEL PODER 3ED PAG42.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – RELATÓRIO
1.1 “A..., SA.” E “..., SA”, ambas com sede na Via Norte, ..., Maia, recorrem da sentença do TAC do Porto, de 7-3-02, que julgou improcedente a acção que intentaram contra o Estado Português, onde pediam que este fosse condenado a pagar-lhes, a título de indemnização, a quantia que viesse a ser liquidada em execução de sentença, decorrente da prática de vários actos no âmbito da privatização do ...
Nas alegações formulam as seguintes conclusões:
“1ª - O Estado sabia que, com a sua participação no processo de reprivatização do ..., a ... não prosseguia objectivos meramente financeiros e antes encarava a compra de acções do ... como meio de implementar determinado programa, endereçado à realização de certo objectivo – alcançar influência nos destinos do ... e assegurar por essa uma ligação entre o A... e um grupo financeiro (resposta ao quesito 12º) – assim como sabia que esse objectivo só seria alcançável se o processo de reprivatização do ... se orientasse por um modelo de dispersão do capital social, com preferência dos accionistas;
2ª - Foi o próprio Estado que, através e diligências insistentes, sugeriu à ... aquele programa (resposta ao quesito 9º), cuja realização garantiu ser possível através das prestações a que se obrigou;
3ª - Por outro lado, os contactos entre o Estado e o GRUPO PORTUGUÊS desembocaram, sem dúvida, na conclusão de “acordos simples”, de entendimentos, quando não até na celebração de um contrato verdadeiro e próprio;
4ª - O Estado e o GRUPO PORTUGUÊS (... incluída) entraram numa relação particular, por via da qual aquele pretendeu influenciar as decisões e os planos de vida dos respectivos membros através de “declarações comprometedoras” especificamente endereçadas ao mesmo GRUPO PORTUGUÊS, induzindo-os não só a não alienarem das suas acções do ... como a reforçarem as suas participações no Banco, através da “promessa” de que no processo de privatização do ... seria sempre dada preferência aos accionistas e se prosseguiria um objecto de dispersão do capital social.
5ª - A mesma mensagem foi, de resto “irradiada” por outros actos (incluindo actos legislativos) e declarações que, não tendo o GRUPO PORTUGUÊS como destinatário particular, não deixaram, obviamente, pelo seu carácter público de chegar ao conhecimento da ... e dos demais membros do GRUPO PORTUGUÊS e de serem por estes valorados como confirmação e validação pelas das suas expectativas.
6ª - Não pode seriamente questionar-se que a conduta do Estado tinha objectivamente o significado de uma tomada de posição vinculante em relação aos moldes da reprivatização do ... , e que sobre ele pesavam particulares deveres de cautela e de protecção, designadamente deveres de lealdade, que o obrigavam a não frustrar os objectivos das aquisições prosseguidas pela ..., a não diminuir as vantagens alcançadas por esta, nem obstar à obtenção daquelas a que ela podia razoavelmente aspirar;
7ª - Os termos em que o Estado conformou a última fase do processo de reprivatização do ... consubstanciam uma violação patente, grosseria e injustificada dos seus compromissos e da confiança e dos deveres de cuidado acima referida, como aliás foi reconhecido pela Comissão Parlamentar que investigou exaustivamente o dossier;
8ª - O princípio da boa-fé, na sua vertente de protecção de confiança, constitui um princípio geral da actividade administrativa, que só foi consagrado expressamente através do Dec-Lei nº 6/96, de 31 de Janeiro, e da revisão constitucional e 1997, mas que já era aplicável anteriormente por estar implícito no princípio da justiça e no princípio da imparcialidade;
9ª - Na hipótese em que o comportamento lesivo da boa-fé se materializa ou culmina na emanação de um acto administrativo, há ilegalidade desse acto, nada distinguindo neste plano a boa-fé, enquanto subprincípio concretizador da ideia de justiça, dos demais princípios constitucionais e legais que presidem à actividade administrativa, como a igualdade, a proporcionalidade, a imparcialidade, etc., sendo que, de resto, o acto contido no art. 1º do Dec-Lei nº 20-A/95 também infringe os princípios da proporcionalidade e da protecção de direitos e interesses legítimos;
10ª - No mínimo, a violação da confiança cometida pelo Estado gera responsabilidade civil da Administração Pública perante os particulares, visto que estão presentes in specie todos os pressupostos exigíveis (situação de confiança, justificação para essa situação, investimento de confiança, imputação da situação de confiança);
11ª - Por outra via, o acto administrativo de quo agitur viola o art. 296º da Constituição e diversas regras da Lei-Quadro das Privatizações;
12ª - De facto, a modalidade adoptada para a 4ª fase não é a “venda directa, antes constituindo uma modalidade atípica e híbrida (uma espécie de auto-vinculação pública do Estado a aceitar uma OPA lançada no mercado) o que consubstancia uma violação da regra da taxatividade das modalidades de reprivatização;
13ª - Mesmo que se tratasse de uma verdadeira “venda directa”, não estavam verificados os pressupostos legais da sua adopção (pois da acordo com a exigência do nº 1 do art. 13º da LQP, se o Dec-Lei nº 321-A/90 tivesse efectivamente querido acolher essas modalidades de negociação excepcionais, teria de ter previsto expressamente os respectivos fundamentos), e ainda que estes se verificassem, não estariam já, de certo, reflectidos no conteúdo do acto administrativo e do caderno de encargos que lhe vai anexo, nem sequer na fundamentação que em preâmbulo é ensaiada;
14ª - Ainda por outra via, mesmo que aquela especial modalidade adoptada fosse em abstracto permitida, a verdade é que a sua adopção in casu seria sempre contrária à Constituição (alínea a) do art. 296º) e à LQP (art. 6º, nº 2), pois estes normativos estabelecem o recurso preferencial às modalidades regulares, sempre que estas garantam a obtenção de iguais ou melhores resultados, avaliados estes do ponto de visto do Estado;
15ª - Acresce que o quadro jurídico da operação de reprivatização assegurava em abstracto e curou de assegurar em concreto uma posição jurídica e factualmente mais vantajosa aos oferentes iniciais quando comparados com eventuais concorrentes, em flagrante contradição com a garantia constitucional da igualdade de tratamento, como também reconheceu a referida comissão Parlamentar;
16ª - Verifica-se, igualmente, incongruência entre a fundamentação e o conteúdo do acto, pois o Governo invocou a necessidade de garantir a “estabilidade accionista” mas essa não era, na verdade, uma sua autêntica e consistente intenção, pois o conteúdo do acto nada se adequa à prossecução desse objectivo;
17ª - Finalmente, a patente violação do dever de boa administração – que é uma directa emanação do “princípio da prossecução do interesse público, constitucionalmente consagrado” – constitui também fonte de responsabilidade civil da Administração;
18ª - Em matéria de actos jurídicos, o conceito de ilicitude a extrair da interpretação do Dec-Lei nº 48051, de 21 de Novembro tem necessariamente de ser um conceito alargado, face ao disposto no art. 6º desse diploma, justificando-se a presunção de que os actos administrativos ilegais são também actos ilícitos, podendo a presunção ser ilidida apenas se a ilegalidade não gerar invalidade ou se a norma legal violada se orientar clara e exclusivamente para a protecção do interesse geral, sem qualquer refracção nas posições jurídicas dos particulares (direitos subjectivos, interesses legítimos, interesses difusos ou expectativas jurídicas);
19ª - Relativamente ao princípio da boa-fé, na sua vertente de protecção da confiança, é inquestionável que o princípio violado se destina à protecção da esfera jurídica dos particulares, uma vez que a razão de ser do princípio em causa é, precisamente, a de pôr os sujeitos a salvo de condutas lesivas dos seus interesses e, em caso de violação, de lhes conferir meios para reagir adequadamente em defesa desses mesmos interesses;
20ª - O acto de privatização em crise, ao optar pela venda directa, ofende direitos ou interesses legítimos consolidados durante o seu próprio procedimento, quando a Administração foi reduzindo a sua discricionariedade;
21ª - As regras sobre reprivatização não se destinam apenas a proteger o bem comum, o interesse de todos os cidadãos. A sua observância é exigível em nome da tutela dos interesses que já tenham tomado posições no âmbito de um concreto processo de reprivatização. Para além disso, têm de respeitar-se os direitos já constituídos, ao abrigo das fases anteriores ou de acordo conexos.
22ª - A negação da tutela jurisdicional a estas situações subjectivas das Recorrentes – que é o que a sentença do TAC na realidade faz – constitui, aliás, uma violação do direito fundamental de tutela, uma interpretação inconstitucional das regras sobre a privatização em geral e do ... em especial, que, para os devidos efeitos, expressamente aqui se deixa arguida.
23ª - Colocando-nos fora da perspectiva da responsabilidade pré-contratual, para analisarmos o problema na óptica dos vícios do acto (incluindo o que decorre da violação da boa-fé, ou da justiça ou da imparcialidade), e da sua consequência necessária, a da ilegalidade/ilicitude do acto de reprivatização, não há lugar a considerar a questão do dano negativo/dano positivo. Há já que considerar, sim, se o acto de reprivatização provocou prejuízos e, em caso afirmativo, reconhecer o direito à indemnização.
24ª - Sempre que se aplique o regime do Dec-Lei nº 48051, por outras palavras, todos os prejuízos sofridos pelo lesado são indemnizáveis desde que possam ser imputados ao facto lesivo nos termos da doutrina da causalidade adequada;
25ª - De qualquer forma, sempre se dirá que a ideia de limitar a responsabilidade in contrahendo ao chamado interesse negativo vem sendo abandonada pela jurisprudência portuguesa e pela doutrina, maxime para o caso de a conduta culposa consistir na violação do dever de conclusão do negócio, e que, caso se responda afirmativamente ao quesito 143º, como se impõe, o interesse negativo acaba praticamente por coincidir com o interesse positivo, dada a necessidade de indemnizar a “perda de oportunidade”.
26ª - Ora ficou provado que, se o Estado tivesse realizado a última fase do processo de reprivatização em conformidade com os compromissos assumidos e sem infracção da Lei Quadro das Privatizações, a ... que encabeçava a corrida pelo domínio do ..., passaria a desfrutar de uma situação privilegiadíssima no plano do controlo ou do co-controlo dessa instituição, em termos tais que a sua participação de 25,2% seria de imediato vendável a um preço unitário superior a 2.800$00.
27ª - Neste cenário, cada uma das acções valeriam, pois, mais de 2.800$00. Acontece, porém, que dados os termos em que o Estado configurou a 4ª fase, a ... se viu forçada a não exercer as opções de compra e a vender as acções que detinha a um preço de 2.800$00 (pois era seguro que a OPA não deixaria de ter sucesso e que as acções depois da OPA passariam a valer muito menos do que 2.800$00).
28ª - A existência de um prejuízo é indesmentível, pelo que o quesito 146º deve ser havido como provado;
29ª - Além disso, face à prova produzida, tem de considerar-se como adquirido ou pelo menos como muito provável que a ... teria chegado efectivamente ao controlo do ... e implementado uma reestruturação desta instituição incrementadora do respectivo valor (devendo alterar-se, em conformidade, as respostas aos quesitos 152º, 158º, 172º, 177º, 178º) e beneficiado da notável evolução verificada no sector bancário depois de 1995.
30ª - Conforme demonstrado no relatório do ... junto aos autos, o ..., caso se tivesse mantido independente e com uma equipa de gestão profissional, e tendo em consideração o desenvolvimento verificado no sector bancário desde essa data, teria hoje um valor, a preços de 1995, de cerca de 500 milhões de contos (cerca de 4.500$00 por acção); ora as A.../..., não fora o comportamento ilícito do Estado teriam podido chegar aos 50% do ..., adquirindo as acções ao preço de 2.800$00/2.820$00 (ou eram, repete-se, pelo menos muito significativas as probabilidades de que tal viesse a suceder), chamando-se a atenção para o facto de o ... não considerar o valor das sinergias que decorreriam de uma ligação entre o ... e o Grupo A...
31ª - Se é indemnizável a perda de uma chance, entendida como um bem a se, com muito mais fortes razões o será nos casos em que a mesma se repercute no valor de um activo na titularidade do lesado (pois sendo a chance perdida um valor conexo a um bem do lesado, ficam logo esvaziadas à partida quaisquer objecções assentes no facto de a “chance” ser uma expectativa de facto e, como tal, não autonomamente ressarcível);
32ª - Não pode recusar-se a atendibilidade das chances na avaliação de investimentos e designadamente, de empresas e de participações sociais, já que o seu valor é precisamente função dos ganhos esperados, à luz dos diversos cenários possíveis e das probabilidades respectivas.
33ª - Como a reconstituição da situação hipotética em que as Autores se encontrariam, se não fosse a lesão, depende de muitos factores com uma componente ineliminável de incerteza e de insegurança, o Tribunal deve proceder à fixação da indemnização segundo um critério de equidade (ou remeter a liquidação da mesma para execução da sentença, se não se sentir suficientemente esclarecido sobre o que seriam os resultados de uma gestão do ... numa base stand alone e sob o controlo das Autoras, ou melhor, sobre as diversas variáveis que a propósito cobram relevo, e sobre o qual o seu peso e impacto);
34ª - Por mera cautela, sempre se dirá que o art. 566º, n º3, do C. Cv. é aplicável aos próprios casos em que ao tribunal é impossível determinar se existe um dano (e não apenas o seu montante);
35ª - Entre o facto ilícito e os prejuízos sofridos pelas autoras intercede um evidente nexo de causalidade e é também patente o carácter culposo do acto praticado (sendo certo que a ilegalidade do acto administrativo dispensa o requisito de culpa como um dos qualificativos necessários para efeitos de responsabilidade);
36ª - Não existem quaisquer vantagens de que as Autoras tenham beneficiado em consequência do facto que determinou os prejuízos;
37ª - Por Acórdão proferido em 30 de Abril de 1998, tramitado em julgado, o Supremo já decidiu que, para efeitos do art. 7º do Dec-Lei nº 48051 há que atentar em que “o dano resulta sempre do acto ilícito, que não da negligência processual do lesado não obstante pudesse ter evitado ou reduzido ao extensão do dano”, e que a “não utilização dos meios jurídicos aptos a evitar ou impedir o agravamento dos danos decorrente do acto legal” relevará, havendo “negligência processual do lesado”, em função da “aptidão/causalidade dos meios processuais” ou “na medida em que o dano for agravado”, na determinação “do quantum indemnizatório, em termos semelhantes ao que se dispõe no art. 570º do CCivil;
38ª - Dadas as particularidades do acto administrativo constante do art. 1º do Dec-Lei nº 20-A/95, e a segura ou muito provável ineficiência dos meios processuais abstractamente disponíveis para evitar ou reduzir os prejuízos. Não é censurável a não interposição de recurso daquele acto, acompanhado ou não de uma providência cautelar de suspensão de eficácia;
39ª - Não pode censurar-se às Autoras, de resto, nenhum comportamento positivo ou negativo que tenha contribuído para a produção dos danos ou para o seu agravamento;
40ª - Se se admitisse, por hipótese, que a decisão administrativa de proceder à última fase de reprivatização do ... se deveria considerar válida, verificar-se-iam então os pressupostos da responsabilidade civil por factos lícitos, nos termos do art. 9º do Dec-Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, por isso que aquela decisão foi fonte de prejuízos especiais e anormais para as Autoras;
41ª - Como não há nenhum preceito legal do qual decorra que a indemnização dos danos decorrentes de actos ou actividades licitas deve ser inferior à que resulta dos princípios gerais da responsabilidade civil, todos os prejuízos acima referidos deverão ser ressarcidos, sem qualquer excepção.
42ª - A decisão do tribunal colectivo que considerou não provados os quesitos 143º, 146º, 152º, 158º, 172º, 175º, 177º, 178º, violou por errada interpretação e aplicação o disposto no art. 655º do CPC;
43ª - A sentença recorrida, por sua vez, violou, também por errada interpretação e (des)aplicação, o disposto nos arts. 13º, 22º, 266º e 268º da Constituição, nos arts. 2º, 6º e 9º do Dec-Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, nos arts. 6º, 8º, 13º, nº 1, da Lei nº 11/90, de 5 de Abril, nos arts. 4º 6º e 124º, nº 2, alínea d), do CPA do Código do Procedimento Administrativo, no art. 514º do CPC e nos arts. 227º e 566º do C. Cv..
Nestes termos, deve:
a) alterar-se a decisão do Tribunal Colectivo sobre a matéria de facto, dando-se como provados os quesitos 143º, 146º, 152º, 158º, 172º, 177º, 178º;
b) revogar-se a sentença recorrida e julgar-se a acção procedente e provada, condenando-se o Estado em indemnização fixada segundo a equidade, tendo em conta os factos provados, ou em indemnização a liquidar em execução de sentença. “ – cfr. fls. 2830-2841.
1.2Por sua vez, a Entidade Recorrida, tendo contra-alegado, apresentou as seguintes conclusões:
“1ª O Estado Português está perfeitamente convicto que a procedência da presente acção constituiria um verdadeiro enriquecimento sem causa por parte das Autoras, ora Recorrentes.
2ª Com efeito, é manifesto que a acção é improcedente e o pedido não pode ser deferido, porquanto e desde logo:
a) a matéria de facto fixada pelo Tribunal Colectivo particulariza apenas o Grupo Português no que diz respeito às relações do Estado como os “diversos accionistas do ... em geral”, não emprestando qualquer especificidade à ... ou Grupo A... (não há na realidade um único facto donde possa resultar um qualquer eventual “comprometimento” do Estado relativamente às Autoras);
b) o facto de o Estado ter optado na última fase da reprivatização do ... por vender em OPA a sua posição accionista não causou quaisquer danos ao “Grupo Português em conjunto”, único destinatário das declarações de Governantes, visto que “terão efectuado um bom negócio, alienando as suas acções a 2.800$00”, conforme confessam as próprias Autoras (art. 608 da P.I.) e a ..., por sua vez, não fez um “mau negócio” (respostas aos quesitos 146º e 172º);
c) Ora, não há razão justificativa para que a accionista ... se julgue com direito a uma situação jurídica especial apenas por ter obtido “opções de compra” que lhe permitiriam, segunda as Autoras, atingir o “domínio do Banco”, pelo que haveria uma “perda de chance”.
d) Mas a invocada “oportunidade perdida” é uma situação meramente hipotética, que não encontra fundamento na matéria dada como provada e que não só foi criada pelas próprias Autoras, como, ainda por cima, não se concretizou por culpa delas próprias;
e) Na realidade, as “opções de compra” foram obtidas pelas Autoras já depois de lançada a OPA pelo .../..., julgando já então as Autoras que o Estado ia vender as suas acções na OPA, razão pela qual obtiveram as referidas opções de compra com o exclusivo objectivo de impedirem o sucesso da mesma.
f) Por outro lado, a estratégia das Autoras baseada na obtenção das “opções de compra” se não teve êxito não foi por causa da conduta do Estado – aliás o insucesso da OPA não dependia das 24,39% de acções que este era titular – mas sim porque as Autoras, contrariamente ao que elas próprias pretendiam realizar:
. não celebraram acordos de “stand-still” com outros accionistas;
. não exerceram, efectivamente, conforme podiam, as “opções de compra”;
. não tiveram o apoio financeiro e estratégico, conforme pretendiam, do ... e da Argentaria;
. não lançaram uma OPA concorrente (a um preço 5% superior 308 milhões de contos) o que é inacreditável pois defendem agora quer o ..., após restruturação, valia 905 milhões de contos.
g) Verifica-se, deste modo, que a “perda de chance” em que as Autoras baseiam o seu pedido, não pode ser tida em conta – além de tudo o mais que adiante se demonstrará – pois a situação de facto daí decorrente não só não pode ser criada pelas próprias interessadas (as Autoras), como não pode a sua concretização ficar delas dependente;
h) Trata-se, por conseguinte, de situação jurídica não merecedora da “protecção da confiança” nem do “princípio da boa-fé”;
i) Por outro lado, não existe qualquer nexo de causalidade entre o pretenso acto ilícito e os alegados danos resultantes do não cumprimento do modelo de reprivatização anunciado pelo Secretario de Estado das Finanças;
j) Na verdade, se o Estado tivesse vendido as acções do ... “em OPV”, com “forte dispersão do capital social”, o “limite de 10% para aquisição de acções por uma única entidade e preferência para os accionistas” – conforme defendem as Autoras ser seu compromisso – a ... que era accionista do Banco em cerca de 7% nunca poderia, como é evidente, aspirar a ter mais de 10%;
k) Acresce que as Autoras nunca obtiveram a necessária “não oposição”, do Banco de Portugal – nem provaram, antes pelo contrário, terem a possibilidade de a obter – nem a indispensável autorização do Ministro das Finanças, o que significa que as Autoras não provaram poder atingir o “domínio do Banco”, donde resulta, de igual modo, a inexistência de danos;
l) Em qualquer caso, no contexto da responsabilidade pré-contratual sempre estaria apenas em causa o ressarcimento do “interesse contratual negativo”, sendo certo que as Autoras tiveram avultadas mais valias com a sua intervenção no processo de privatização do ...;
m) Cabe ainda assinalar que, conforme está provado pelo tribunal Colectivo, as relações estabelecidas pelo Estado com o Grupo Português, incluindo a ..., não passavam de uma “actuação administrativa informal”, desprovida de forma vinculativa, assumindo-se, por isso, como meros “comportamentos tendencialmente jurídicos”, nas felizes expressões do Prof. Gomes Canotilho.
3ª A matéria de facto fixada pelo Tribunal de 1ª instância não pode ser alterada porque:
a) Tem de prevalecer a “livre apreciação” feita pelo Tribunal – enquanto “uma opinião mais do que a ignorância ou a dúvida” (Prof. Manuel da Andrade) – não sendo suficiente como querem as Autoras, um juízo de simples e eventual “maior probabilidade”;
b) Tem de ser tomado na devida conta o princípio processual da “imediação”, bem como a letra e o espírito do artº 690º-A, do CPC (com referências expressa à necessidade de a alteração da matéria de facto se basear numa imposição motivada por toda a prova gravada e à necessidade de haver “erro”);
c) Tem de se considerar, em consequência, que a tarefa do Tribunal de recurso se deve limitar a um controlo da decisão do Tribunal a quo, seja porque todo o conjunto da prova dos autos impõe uma decisão diversa, seja porque há erro notório na fixação da matéria de facto por parte do Colectivo;
4ª Além disso, não foi feita prova sobre a necessidade de alterar a matéria de facto dada como provada:
a) a resposta ao quesito 143º não deve ser modificada pois dos autos não consta como provada a existência de uma relação causa-efeito entre, por um lado, a confiança depositada pelo Grupo Português, incluindo a ..., de que o Estado prosseguiria o processo de privatização do ... segundo o modelo anunciado e, por outro lado, o facto de o Grupo Português e a ... não terem tido o cuidado de preservar a sua posição “privilegiada” de modo a colocarem-se a coberto de um take-over.
Na verdade, é preciso ter em consideração que as próprias Autoras confessam na P.I.. uma incapacidade financeira para compra de lotes de acções com significativo peso (artºs 92º, 110º, 120º, 246º, 247º, 370º, 371 e 372º). E são os próprios depoimentos invocados no recurso que (em partes propositadamente omitidas da transcrição) levantam as maiores dúvidas: “ficámos com algumas dúvidas”, “se calhar”,...);
b) Também as respostas aos quesitos 146º e 172º não podem ser alteradas visto que da prova efectuada resulta inequivocamente que as Autoras não apresentam indícios sequer que pudessem levar o Tribunal a concluir – apesar das monumentais mais valias realizadas – que fizeram um “mau negócio” – a própria testemunha Dr. ..., em parte não transcrita do seu depoimento, afirma peremptório: “Bom, eu não sou capaz de dizer se fez um bom ou mau negócio porque isso é um problema relativo”;
c) De igual modo, as repostas aos quesitos 175º, 177º e 178º não devem ser alteradas, na medida em que a parte que o Colectivo deu como provada refere-se precisamente a situações hipotéticas, meras “probabilidades” (expressão utilizada em dois desses quesitos), além de que resulta seguramente dos autos que as “opções de compra” que as Autoras obtiveram só existem no contexto da venda em OPA, sendo ainda por cima, certo que outros depoimentos, como o do Prof. António Sousa, invalidam por completo a tese das Autoras;
d) Finalmente, também as respostas aos quesitos 152º e 158º devem ser mantidas: quanto ao quesito 152º porque o Tribunal considerou, e bem, que não tinha sido provado que a ... estaria em condições de proceder à reestruturação do ..., o que resulta, além do mais, da circunstância de essa reestruturação e respectivas sinergias dependerem do Conselho de Administração (de sociedade cotada em Bolsa, independente por natureza e por lei) e não de um accionista, mesmo que majoritário, ou da própria Assembleia Geral, por manifesta ilegalidade de benefício de um accionista em detrimento da própria sociedade;
quanto ao quesito 158º, por, uma vez mais, ser hipotético.
5ª As Autoras são imprecisas na indicação do fundamento jurídico da eventual responsabilidade civil do Estado. Com efeito, para preencher o requisito da ilicitude seria necessário que as Autoras tivessem demonstrado (o que não fizeram):
a) Que norma legal foi violada;
b) Que a norma violada continha a estatuição de um dever da Administração;
c) Que as Autoras faziam parte do círculo das pessoas protegidas abrangido pela norma legal pretensamente violada.
Como diz o Prof. Gomes Canotilho no seu Parecer “Tem de existir sempre uma conexão de ilicitude entre a norma ou o princípio violado e a posição juridicamente protegida do particular”.
6ª O Estado português agiu sempre de forma lícita face ao princípio da boa-fé e da protecção da confiança;
a) É falso que o Programa do XII Governo Constitucional, quer o próprio Decreto-Lei nº 321-A/90, que aprovou a alienação pelo Estado as acções representativas do capital social do ..., tenham comprometido o Estado no sentido de dar garantias à ... ou a qualquer outra entidade quanto ao modelo da última fase da reprivatização do ...
Com efeito, o citado Decreto-Lei, tendo previsto a venda das acções do Banco em três fases e regulado a primeira delas, estipula expressamente que “as segunda e terceira fases (serão) ulteriormente estabelecidas mediante diplomas próprios, em condições e segundo qualquer das modalidades admitidas pela Lei nº 11/90, de 5 de Abril”.
O que significa que o Estado apenas se comprometeu com o modelo de reprivatização do ... a adoptar na primeira fase, expressamente declarando, através do DL, que as fases seguintes seguiriam os timing” e os moldes que viesse a ser oportunamente decididos “mediante diplomas próprios”.
b) O Estado não celebrou quaisquer “acordos” ou “entendimentos” com o Grupo Português, pois que não resulta da matéria de facto dada como provada a existência de tais “acordos” e, muito menos, de quaisquer negociações contratuais.
A este respeito, a única matéria que consta dos factos dados como assentes é a seguinte:
. “O Secretário de Estado das Finanças e o Dr. ... efectuaram vários contactos com diversas entidades, incluindo o Eng.º ..., convidando-as a participar na operação de reprivatização do ... (respostas aos quesitos 2º, 3º, 4º e 9º);
. O Secretário de Estado das Finanças, na sessão que culminou na 1ª fase da privatização do ..., anunciou publicamente que “o modelo das privatizações para o sector financeiro se iria manter, através de OPVs e faseadamente” (alínea M) da Especificação);
. O Secretário de estado das Finanças, na sequência da assinatura dos Acordos pelos membros do Grupo Português. “reiterou diante de todos que a privatização do ... se continuaria a efectuar por OPV de forma faseada e orientada num objectivo de forte dispersão do capital social do ..., comprovado pela previsão quer de tranches relativamente elevadas para trabalhadores e pequenos subscritores quer o limite de 10% para a aquisição de acções por uma única entidade e preferência para os accionistas” (resposta ao quesito 52º);
. A ... e os demais representantes do Grupo Português diligenciaram junto do Governo “no sentido de que o que o Secretário de Estado havia reiterado no Palácio da Palmeira fosse reduzida a escrito, de modo a evitar controvérsias e dificuldades probatórias ulteriores acerca da sua realidade e alcance” (resposta ao quesito 53º);
. O Secretário de Estado das Finanças combinou com os representantes do Grupo Português que confirmaria junto destes que a “privatização do ... se continuaria a fazer nos moldes referidos no Palácio da Palmeira, sob pretexto de acusar a recepção de uma cópia do acordo de preferência” (resposta ao quesito 61º);
. O Grupo Português, entretanto, “ficou convencido que a privatização do ... se continuaria a fazer nos moldes referidos pelo Secretário de Estado das Finanças no Palácio da Palmeira” (resposta ao quesito 66º);
. Em 14 de Março de 1994 (isto é, cerca de 15 meses depois da assinatura dos Acordos do Grupo Português e das declarações do Secretário de Estado das Finanças no Palácio da Palmeira e apenas cerca de 10 meses antes da publicação do Decreto-Lei nº 20-A/95 que aprovou a última fase de reprivatização do ...) o Secretário de Estado das Finanças dirigiu ao Grupo Português uma carta em nome do Estado, enquanto accionista do ..., em que são feitas afirmações de ordem geral quanto à necessidade da estabilidade, da capacidade e da identidade nacional do Banco, quanto ao merecimento de os accionistas privados serem considerados “dentro dos limites” legais “preferentes naturais”, bem como quanto à preocupação do Estado em estabelecer consensos com os demais accionistas.
. O teor da carta subscrita pelo Secretário de Estado das Finanças e enviada ao Grupo Português resultou do acordo entre aquele (Secretário de Estado) e este (Grupo Português) – resposta ao quesito 71º)”
Assinale-se, o que é fundamental e decisivo, que, ainda quanto a esta matéria, o Tribunal não considerou provado.
. que houvesse quaisquer “compromissos” assumidos pelo Estado (respostas aos quesitos 52º, 53º, 61º e 63º);
. que o Grupo Português tivesse entendido que a referida carta do Secretário de Estado constituía prova indiciária suficiente dos “compromissos” assumidos pelo Estado, bem como que “estes compromissos fossem para além do que se refere na missiva (resposta ao quesito 71º);
c) Donde se pode concluir a total inveracidade dos pressupostos de que partem as Recorrentes para justificar a aplicação dos princípios da boa-fé e da protecção da confiança, visto a conduta do Estado não ter sido de molde a criar uma situação de “direitos adquiridos” pelas Autoras, merecedora de tutela jurídica.
d) Acresce que as tão faladas declarações do Secretário de Estado das Finanças, Dr. ..., dirigidas tão somente ao Grupo Português, no seu conjunto, e não às Autoras, resumiram-se no fundo a incentivar a constituição de um “núcleo duro” que concorresse à privatização do ... e que deveria obedecer aos seguintes requisitos:
. “investidores idóneos e credíveis” (resposta ao quesito 8º)
. “projecto de longo prazo” (resposta ao quesito 8º)
. “grupo de investidores nacionais” (resposta ao quesito 25º).
. “com objectivos comuns” (resposta ao quesito 25º)
.“criação de uma fórmula que propiciasse estabilidade, entendimento flexível e respeito pelo interesse comum dos accionistas do ...” (resposta ao quesito 33º)
. “confiança na seriedade do seu empenhamento no projecto” (resposta ao quesito 39º)
. “coesão do grupo” (resposta ao quesito 57º)
. “coesão e unidade” (resposta ao quesito 85º)
. “coesão do Grupo Português” (resposta ao quesito 115º
e) Ora, é evidente que o projecto defendido pela .../Grupo A... não dava quaisquer garantias de ser “português” nem de ser de “longo prazo”, visto que, por um lado, as “opções de compra” foram estabelecidas a favor da ... ou “de quem esta indicasse” – o que significa que a pretendida “posição accionista dominante” poderia ficar exclusivamente em mãos estrangeiras, ou de entidades desconhecidas – e, por outro lado, as próprias Autoras confessam que não tinham recursos financeiros suficientes para a operação, pelo que admitiam a “venda, parcial ou total, do capital da ...” a terceiros (alíneas BR)-A e BR)-B da Especificação e respostas aos quesitos 163º, 179º e 180º).
De igual modo, o projecto defendido pela ... também não assegurava a mínima “coesão”, “estabilidade” e “entendimento flexível” do “Grupo Português”, além do mais porque este se dissolveu ao celebrar as “opções de compra” e ao vender as respectivas acções.
Na verdade, todos os outorgantes – sem conhecimento do Estado – decidiram de comum acordo rasgar o Acordo de Preferência em vigor, substituindo-o por “opções de compra” a favor da ... ou de terceiros.
O que significa, indubitavelmente, que os membros do Grupo Português romperam, unilateral e definitivamente, um dos pressupostos em que assentava o seu relacionamento como o Secretário de Estado das Finanças com respeito à reprivatização do ....
Assim, se até então já não era lícito falar de compromisso do Estado, a partir daí é evidente que só ironicamente se pode dizer que o Estado tinha qualquer dever para como o Grupo Português que, por sua livre e unilateral vontade, decidiu “abandonar” o projecto de privatização do ... optando por vender as suas acções na OPA (alíneas BR), BR)-A e BR)-B da Especificação e resposta ao quesito 157º), violando, portanto e além do mais, o princípio sagrado da inalienabilidade das acções, pressuposto essencial da pretendida e indispensável “estabilidade” accionista.
Verifica-se, assim ter havido alteração radical das circunstâncias em que o Estado se relacionou com o grupo Português – cfr. o art. 437º do CC (por analogia).
f) Acresce que a ... não tem qualquer legitimidade para se considerar sucessora dos eventuais direitos do Grupo Português.
As Autoras, ao obterem as “opções de compra” romperam com o Grupo Português que, anteriormente, se dissolveu.
Pretendiam, de seguida, formar um “novo grupo”, constituída por dois ou três antigos membros e dois “investidores”, um nacional e outro estrangeiro.
E, finalmente, anteviam que a “posição dominante” no ... poderia passar a ser controlada por terceiras entidades que exerceriam (elas e não a ...) as “opções de compra” (alíneas BA)-A e BR)-B da Especificação) ou que adquiririam as acções do ... ou da própria ....
Ou seja, as Autoras julgam-se (julgar-se-ão???) com direito a receber as mais valias resultantes de uma “chance” ou “oportunidade” de “domínio do ...”, posição essa que afinal seria conseguida e exercida por um “novo grupo de investidores” ou, até mesmo, por “terceiras entidades”, nacionais ou estrangeiras. Em qualquer caso, totalmente alheias quer aos membros do Grupo Português, quer aos requisitos a que a constituição do mesmo obedecera.
passo de mágica pretendido pelas Autoras de fazerem suceder a ... nos eventuais direitos do Grupo Português é pois altamente grotesco e a análise do contrato de 16.01.95 de que constam as “opções de compra” é a prova disso mesmo.
g) Em qualquer caso, nunca as Autoras poderiam obter mesmo como terceiros) o “domínio do ...” no caso de, conforme defendem, “o Estado ter vendido a sua posição accionista, em OPV, com dispersão do capital e limite de 10% para aquisição das acções por uma única entidade”.
Um modelo de dispersão impediria, até de um ponto de vista lógico, que a ... atingisse a percentagem de capital social do Banco que lhe permitisse uma posição dominante”, conforme agora reclama.
Da resposta ao quesito 7º resulta, aliás, que o Grupo Português, como um todo e incluindo a ..., pensava obter o domínio do ... comprando cerca de 30 a 35% do respectivo capital social. O que torna a posição adoptada pelas Autoras como totalmente absurda!
h) Sublinhe-se, ainda, que a ..., é a única responsável por não ter atingido os objectivos que ora proclama: o domínio do ....
Na realidade, não foi o Estado que impediu o Grupo A.../... de celebrar acordos de stand-still com accionistas do Banco representativos de 25% do respectivo capital social.
Também não foi o Estado que impediu o Grupo A.../... de exercer as suas opções de compra referidas pelos outros accionistas do falecido Grupo Português.
Não foi de igual modo o Estado, conforme ficou provado, nomeadamente pela resposta dada pelo Tribunal aos quesitos 131º e 132º, que impediu o Grupo A.../... de se associar às duas instituições de crédito, uma nacional outra estrangeira, que procurou aliciar para o seu projecto mas que não logrou convencer.
Em suma, não foi o Estado que impediu o Grupo A.../..., através da alegada estratégia, de perfazer os 50,00001% do capital do ... necessários para obstar à obtenção do limite mínimo de sucesso estipulado na OPA pelo .../..., o que, pelos vistos era possível sem a intervenção do Estado.
i) Não houve pois da parte do Estado qualquer violação dos princípios da boa-fé e da protecção da confiança
. por um lado, porque não houve, do lado do Estado, qualquer forma pré-positiva de auto-vinculação;
. por outro lado, porque não houve, do lado das Autoras, quaisquer expectativas dignas de tutela, visto que a auto-declarada “confiança” das ... na adopção de um determinado modelo para a última fase da privatização do ... não era nem justificável, nem razoável, nem objectivamente motivada, nem, em suma, legítima.
Além disso, de acordo com a doutrina, é preciso ter em consideração o comportamento dos pretensos titulares dos direitos adquiridos, pois apenas os actos fundados na boa-fé dos administrados são actos susceptíveis de criar direitos.
7ª Na sua actuação em todo o processo de privatização do ... o Estado revelou sempre o devido respeito pelo princípio da proporcionalidade.
Citando o Prof. Gomes Canotilho, dir-se-ia que
“Qualquer que seja a formulação da teoria da protecção da norma e por mais abrangente que sejam os círculos dos interesses ou posições juridicamente protegidos, não se vislumbra como é que as normas invocadas incluem no seu “fim de protecção” o controle accionista de uma sociedade financeira, legitimando a indemnização por perda da oportunidade de obtenção desse controlo” (pág. 59).
A conclusão não podia ser mais cruel para a pretensão das Autoras, ora Recorrentes.
8ª O DL nº 20-A/95, que estipula a venda da posição accionista do Estado em OPA, não é ilegal por violação do art. 296º da CRP ou da Lei Quadro das Privatizações.
Estes últimos diplomas, conforme a seu tempo escreveu o Prof. Gomes Canotilho, não proibiam, a venda de acções do Estado em OPA lançada por entidades particulares no pressuposto, no caso dos autos, de previamente ser publicado um diploma legal regulador da respectiva fase de privatização do Banco e desde que o Estado não surgisse como actuando em “concertação com o oferente”, de modo a salvaguardar os princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade.
Foi precisamente assim que o Estado agiu, pelo que, observados estes pressupostos de facto e de direito, não havia qualquer obstáculo legal à alienação das acções do Estado na oferta pública de aquisição lançada por uma entidade particular.
Na verdade, no conceito de venda directa da LQP incluem-se os casos de venda de acções pelo Estado ao oferente de uma OPA.
O que é legalmente exigido, nos termos artºs 13º e 8º, nº 2, da LQP, é tão só que seja publicado um Decreto-Lei onde seja fixada a venda directa como modalidade de privatização do ..., contendo a fundamentação desta opção, bem como que seja igualmente publicado um caderno de encargos com indicação de todas as condições da transacção.
9ª Contrariamente ao alegado pelas Autoras, não se verifica falta de fundamentação ao nível do DL nº 20-A/95, pois o preâmbulo do referido diploma legal contém uma exaustiva fundamentação das razões que levam o legislador a optar por vender na OPA as acções do ... de que o Estado ainda era titular.
De resto, mesmo que o DL não estivesse devidamente fundamentado, tratando-se de vício de forma, de tal facto não decorreria, definitivamente, a sua ilegalidade, visto poder sempre ser praticado de novo, precisamente com o mesmo conteúdo desde que com nova e adequada fundamentação.
10ª O DL nº 20-A/95 também não viola o princípio da igualdade de tratamento, pois o Estado decidiu livremente vender sem qualquer concertação com o oferente da OPA.
Acresce que, como ensinam os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa, anotada, 3ª ed. Revista, págs. 127 e 128) “a proibição de discriminações não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciação de tratamento”.
11ª Conforme resulta claramente dos autos, o Estado no processo de privatização do ... teve como preocupação fundamental a de garantir a coesão da estrutura accionista do Banco como elemento essencial da estabilidade da instituição e do próprio sistema financeiro nacional, valores públicos essenciais.
O que fez, através de ponderação permanente e sucessiva, momento a momento, das situações que se prolongam o tempo – assim cumprindo o seu dever de boa administração.
E o tempo deu-lhe razão.
12ª O Estado não agiu culposamente. Nem sequer em violação do cumprimento de qualquer dever, nomeadamente ao publicar o DL nº 20-A/95:
. o Estado, através do referido DL, defendeu o interesse público, bem como o interesse da generalidade dos accionistas do ... que aceitaram com aplauso a decisão;
. o responsável pelo acto administrativo que, segundo as Recorrentes, está consubstanciado no Decreto-Lei nº 20-A/95, não pode deixar de ser o Governo em geral e o Ministro das Finanças em particular;
. a publicação do citado Decreto-Lei nº 20-A/95 foi precedida de consulta, por parte do Ministro das Finanças, a dois conceituados constitucionalistas portugueses – o Prof. Gomes Canotilho e o Prof. Jorge Miranda – que foram de opinião que o Estado poderia vender a participação que lhe restava no capital social do ... desde que o respectivo Decreto-Lei obedecesse a determinados requisitos, o que sucedeu;
. de igual modo, a Comissão de Acompanhamento das Reprivatizações, presidida pelo Ilustre Conselheiro ..., remeteu ao Ministro das Finanças, em data imediatamente anterior à publicação do Decreto-Lei em causa, e no cumprimento de uma obrigação legal, o Parecer nº 262, junto aos autos, em que se dá o acordo da Comissão à venda das acções na OPA, caso se observem, o que foi feito, determinadas condições.
Tudo isto é quanto basta para considerar que a conduta do Ministro das Finanças e do Governo foi para além do que pode ser exigível a um bonus pater familiae.
13ª Conforme já foi sobejamente demonstrado, as Autoras não sofreram quaisquer danos com a sua participação no processo de reprivatização do ..., tendo sim realizado mais valias da ordem dos 6,5 milhões de contos, o que, aliás, elas próprias confessam relativamente aos restantes membros do Grupo Português.
14ª Também não existe, obviamente, nexo de causalidade entre o alegado comportamento do Estado e os imaginados danos,
Efectivamente,
. o referido Decreto-Lei não expropriou as Autoras das suas acções do ...;
. o mesmo Decreto-Lei não obrigou as Autoras a vender as referidas acções;
. nem tão pouco impediu as Autoras de exercer qualquer das opções de compra que afirmavam possuir;
. e, por fim, tal Decreto não proibiu as Autoras de concorrer à aquisição de outras acções emitidas pelo ..., mesmo as que eram titularidade do Estado, nomeadamente lançando uma OPA concorrente.
Acresce que se o Estado tivesse agido de acordo com o que as Recorrentes defendem, elas não teriam nunca, por mais fértil que fosse a sua criatividade hipotética, ultrapassado uma posição accionista à volta dos 10%, ou seja, muito longe do efectivo domínio do Banco.
15ª De qualquer modo, tratando-se de responsabilidade pré-contratual, é insusceptível de indemnização o dano eventualmente sofrido pelo interesse contratual positivo.
Não constitui objectivo da responsabilidade pré-contratual permitir a uma das partes retirar todas as vantagens que poderia esperar da conclusão do negócio.
16ª Segundo o ensinamento do Doutor ..., no seu Parecer, “parece poder concluir-se no sentido de que a invocação de perda de chance, no contexto da presente acção, aparece como desprovido de fundamento”.
Desde logo porque a teoria de “perda de chance” não foi ainda admitida na ordem jurídica portuguesa.
17ª De qualquer modo, sempre uma qualquer eventual responsabilidade civil do Estado deveria ser excluída, nos termos do art. 570º do CC, por culpa do pretenso lesado – As Autoras, ora Recorrentes.
pa das Autoras revela-se a diversos títulos:
. as Autoras são responsáveis por não terem mantido na sua posse as acções do ... de que eram titulares, quando dizem saber que o Banco estava a ser vendido por 308 milhões de contos mas que, uma vez reestruturado, valia 905 milhões de contos.
. As Autoras são responsáveis por não terem conseguido o insucesso da OPA através do exercício das “opções de compra” e do estabelecimento de acordos de “stand-still”, bem como por não terem lançado uma OPA concorrente por preço inferior a metade do valor que atribuem agora ao Banco.
. As Autoras são responsáveis, por, com exclusiva culpa sua, não terem interposto recurso contencioso, nos termos do disposto do art. 7º do DL nº 48051, com as consequências aí mesmo previstas.
18ª O Tribunal só pode fazer uso do poder excepcional previsto o nº 3 do artº 566º do CC – julgamento equitativo do valor da indemnização dentro dos limites que tiver por provados – no caso de haver impossibilidade ou dificuldade de prova sobre o montante da indemnização, mas nunca no caso de impossibilidade ou dificuldade de prova sobre a existência do próprio dano.
....
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão do Tribunal a quo, com todas as consequências legais.” – cfr. fls. 3067-3086.
1.3 Colhidos os vistos cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO
2 – A MATÉRIA DE FACTO
2.1 Nas suas alegações os Recorrentes questionam, desde logo, a decisão do Tribunal “ a quo” em sede da matéria de facto dada como provada.
Com efeito, consideram que à matéria já referenciada na sentença se deveria aditar a que se reporta aos quesitos 143º, 146º, 152º, 158º, 172º, 175º, 177º e 178º, os quais foram objecto de respostas com as quais se não conforma, sendo certo que face à prova produzida se deverá alterar a decisão do Tribunal Colectivo sobre a matéria de facto, como se evidencia das passagens da gravação transcritas nas alegações, neste enquadramento sustentando a violação do disposto nos artigos 655º e 514º do CPC.
Outra é, porém, a posição assumida pelo Recorrido, que defende não ser de alterar as respostas negativas dadas a tais quesitos, baseando-se, para o efeito, também, na transcrição de depoimentos que, na sua óptica, contrariam as conclusões do Recorrente.
Vejamos, então, se procedem ou não as censuras que os Recorrentes formulam em relação ao julgamento sobre a matéria de facto.
Uma das mais importantes alterações introduzidas pelo DL 39/95, de 15/2 teve a ver, precisamente, com a possibilidade de o julgamento da matéria de facto efectuada pelo Tribunal de 1ª instância poder ser sindicada pelo Tribunal superior fora dos limites apertados já consignados na anterior redacção do artigo 712º do CPC.
Na verdade, a decisão do Tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto passou a poder ser alterada quando, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690º-A, a decisão com base neles proferida (cfr. a alínea a), do nº 1, do aludido artigo 712º).
A este nível Antunes Varela salienta que a introdução de um sistema de gravação da prova permite, desde logo, a consecução do objectivo primordial de tornar viável a fiscalização de erros clamorosos na apreciação da matéria de facto em 1ª instância (vidé RLJ, ano 129º, a págs. 290 e seguintes).
A gravação da prova assume-se, assim, como uma garantia tendente a possibilitar, de alguma maneira, um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, constituindo uma fonte de que se poderá servir o Tribunal superior, quando deva reapreciar a decisão sobre a matéria de facto.
Neste enquadramento, o Tribunal reapreciará as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações do recorrente e do recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados (cfr. o nº 2, do referido artigo 712º).
Porém, não se pode olvidar que o registo magnético da prova, pela sua própria natureza, não pode reproduzir todas as circunstâncias em que um determinado depoimento se processou, não podendo explicitar tudo aquilo que é perceptível apenas através do concretizar do princípio da imediação da prova, deste modo não revelando todos os elementos que, porventura, tivessem sido susceptíveis de influenciar a convicção do Tribunal de 1ª instância, assim não tornando acessível ao Tribunal superior o controlo de todo o processo que habilitou o tribunal “a quo” a decidir como decidiu, o que tudo aconselha um particular cuidado aquando do uso pelo Tribunal “ad quem” dos poderes de reapreciação dos pontos controvertidos da matéria de facto.
Ora, no caso em apreço, tendo em atenção o que resulta da transcrição das passagens da gravação em que se pretendem basear os Recorrentes no concernente aos pontos da matéria de facto que tem por indevidamente apreciada no TAC, conjugado com o que decorre das transcrições levadas a efeito pelo Recorrido não é de censurar o julgamento que em relação a tais específicos pontos foi feito no Tribunal “a quo”.
Com efeito, tal transcrição não habilita, de per si, este STA a formar uma convicção diversa da perfilhada no TAC em sede dos pontos já atrás referenciados (as respostas dadas aos quesitos 143º, 146º, 152, 158º, 172º, 175º, 177º e 178º).
E, isto, pelas seguintes razões:
- Quesito 143º
Os elementos coligidos não permitem concluir pela existência de uma relação causa-efeito entre a alegada confiança depositada pelo “Grupo Português”, segundo o qual o Estado continuaria com o processo de privatização nos mesmos moldes e a circunstância de o aludido Grupo não se ter precavido para a hipótese de um “take-over”.
Aliás, particularmente elucidativos das incertezas que campearam a este nível são certos passos dos depoimentos transcritos pelas Recorrentes de onde se podem retirar as seguintes expressões: “provavelmente”, “sei lá”, ao que se podem aditar certas partes não transcritas pelas Recorrentes, mas indicadas pelo Recorrido, em que se faz constar: “ficámos com algumas dúvidas” – depoimento de ... - e “Não quer dizer que alguns não tenham desconfiado” – depoimento do Dr. ... -.
Por outro lado, não se pode esquecer o teor das partes transcritas dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo Recorrido, em especial, as que se reportam ao depoimento do Dr. ...
Em suma, dos elementos de prova não se pode concluir que o comportamento das AA tenha sido determinado pela actuação do Estado Português, não tendo as AA logrado demonstrar a existência da aludida relação de causa-efeito.
- Quesito 146º
Das transcrições efectuadas não se pode concluir que as Recorrentes tivessem efectuado um “mau negócio”, encontrando-se nos depoimentos transcritos pelas Recorrentes o termo “provavelmente”, sendo que, inclusivamente, em parte não transcrita do depoimento da testemunha por elas arrolada, Dr. ..., se refere o seguinte: “...se se passou isso nesses termos, isto é, se foram de facto frustados e, num compromisso que eventualmente haveria de lhes entregar ou de lhes facilitar o controlo, eu diria que, se as expectativas eram essas...”, salientando, ainda outra das testemunhas (o Dr. ...) que: “Bom, eu não sou capaz de dizer se fez um bom ou mau negócio porque isso é um problema relativo”.
Ao que acresce o que, em contrário da tese defendida pelas Recorrentes, se pode encontrar nas partes transcritas do depoimentos das testemunhas Dr. ... e Prof. Dr. António de Sousa.
Por outro lado, a resposta dada ao quesito agora em análise não contraria a que se deu ao quesito 153º, já que neste a matéria é meramente hipotética estando dependente de factores de vária ordem, também por esta via se não podendo alicerçar uma qualquer crítica em relação ao julgamento da matéria de facto no concernente ao quesito 146º
- Quesito 152º
A prova produzida não é suficiente para se ter como demonstrado, com a necessária segurança, que a ... estaria em condições de reestruturar o ... dentro do quadro por si idealizado, caso o Estado não tivesse alienado as suas acções ao ...e à ..., na sequência do acto vazado no DL 20-A/95, sendo elucidativo da tal insuficiência o depoimento da testemunha Dr. ..., onde esta, sem justificar a sua afirmação, refere que: “Eu não duvido...que a A... teria capacidade para implementar a reestruturação do Banco”.
A este nível importa ainda esclarecer que, contra o que parece resultar da argumentação expendida pelas Recorrentes, a resposta dada pelo Tribunal Colectivo não decorreu das respostas dadas aos quesitos respeitantes à aquisição do domínio do ... pela ..., bastando, para o efeito, atender ao que o dito Tribunal decidiu a propósito, precisamente, das reclamações apresentadas em sede do julgamento da matéria de facto – cfr. fls. 2338 e seguintes -.
Acresce que também os pontos transcritos do depoimento do Dr. ... permitem pôr em dúvida a tese sustentada pelas Recorrente.
- Quesito 158º
Deparamos aqui com um quadro necessariamente dependente de um juízo conjectural, que passava, designadamente, pela eventualidade de o Estado e a ... (aquele com 24,39%, esta com 25%/26%) durante o limitado período em que o primeiro mantivesse a sua participação no ..., concertarem as suas posições quanto ao preenchimento dos órgãos sociais do Banco, assumindo-se como accionistas dominantes da instituição.
Ou seja, estamos numa área onde podem intervir vários factores imponderáveis, passíveis de influenciar os quadros prospectivos em que se alicerça a posição das Recorrentes, o que necessariamente dificulta a formação da convicção do Tribunal destarte justificando a resposta dada ao quesito em questão.
- Quesito 172º
As partes transcritas pelas Recorrentes não habilitam este STA a formular um juízo crítico quanto ao modo como o Tribunal “a quo” apreciou a prova produzida, valendo, aqui, de alguma forma, o que já se explanou a propósito da resposta dada ao quesito 146º.
- Quesitos 175º, 177º e 178º
Mais uma vez, as transcrições a que procederam as Recorrentes não constituem suporte bastante para que se altere o juízo formulado pelo TAC.
Com efeito, numa das transcrições a testemunha usa as expressões “provavelmente”, “eu acho”, “a leitura que eu fiz” e “acho pouco razoável” – Prof. ... -.
Aliás, o próprio Eng. ... refere bem expressivamente o seguinte: “...eu suponho que o lanço final seria sempre nosso”.
Acresce que os quesitos 177º e 178º se reportam a situações hipotéticas, dependentes de circunstâncias de ordem vária e onde era importante convencer o Tribunal, face à prova produzida, que as AA, com a participação que detinham do capital social do ... conseguiriam ampliá-la até aos 50%, sem desembolsar qualquer prémio de controlo, ao mesmo tempo que conseguiriam afastar qualquer outro interessado, o que tudo conjugado com os pontos transcritos pelo Recorrido e referentes aos depoimentos do Prof. ... e Dr. ... justificam que se não subscrevam as críticas formuladas pelas Recorrentes quanto aos aludidos quesitos.
Em suma, não procedem as censuras que as Recorrentes dirigem ao julgamento operado pelo TAC em sede da matéria de facto, não impondo o conjunto da prova produzida decisão diversa da adoptada pelo Tribunal “a quo”, não se detectando qualquer erro ao nível da apreciação da prova, consequentemente improcedendo as conclusões 28ª, 29ª e 42ª da alegação das Recorrentes.
2.2 Não sendo, assim, de alterar a factualidade dada como provada, podemos passar à sua reprodução.
Temos, então, que na sentença se deu como assente o seguinte:
"A A..., SGPS, S.A. – anteriormente designada ...-SGPS, S.A. – é uma sociedade anónima com sede na ..., ..., Maia, pessoa colectiva n.º ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o n.º ..., com o capital social de 1.000.000.000$00 – representado por um milhão de acções ordinárias, com o valor nominal de 1.000$00 cada – e cujo objecto social consiste na "gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta do exercício de actividades económicas";
Os principais indicadores financeiros relativos ao grupo A... eram, a final de 1994, os
seguintes:
- Volume de negócio - 264 milhões de contos;
- Activo líquido total - 247 milhões de contos;
- Capitais próprios - 89.8 milhões de contos;
- Resultado líquido - 10.7 milhões contos;
Em finais de 1994, o Grupo A... empregava 11.860 colaboradores;
A integralidade do capital social da ... é detida pela ...,
, S.A., sociedade anónima, pessoa colectiva n.º ..., com sede no ..., Maia, matriculada sob o n.º ... na Conservatória do Registo Comercial do Porto e com o capital social de 40.000.000.000$00;
As acções representativas do capital social da ... foram alienadas à A..., em 2 de Outubro de 1992, pela ..., SGPS, S.A, (pessoa colectiva n.º ..., com sede no Porto, matriculada sob o n.º ... (fls. 170 do Livro C) na Conservatória do Registo Comercial do Porto e com o capital social de 8.000.000.000$00) ;
Essa sociedade é a accionista dominante da A... (detém mais de 50% do respectivo capital social) e o sócio de controlo é, por seu turno, o Eng. ... (pois a sua participação no capital da ... ascende a mais de 85%) ;
Em 15 de Outubro de 1990 foi publicado o Dec-Lei n.º 321-A/90, que, transformou em sociedade anónima a empresa pública ..., E. P, e aprovou os respectivos estatutos, prevendo um capital social de 20.000.000.000$00, representado por 20.000.000 de acções, no valor nominal de 1.000$00 cada uma (art, 4º, nº 1) ;
O citado Dec-Lei foi editado "no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 11/90, de 5 de Abril (Lei Quadro das Privatizações – LQP) e nos termos das alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 201º da Constituição, competindo-lhe:
– aprovar o processo e a(s) modalidade(s) da operação de reprivatização (art. 13º, nº 1);
– estipular a percentagem máxima do capital a reprivatizar susceptível de ser adquirido por uma única entidade, singular ou colectiva (art. 13º, nº 2);
O Dec-Lei n.º 321-A/90 aprovou a alienação das acções representativas do capital social do ..., prevendo a respectiva concretização em três fases, desenhando os termos e condições da primeira dessas fases – arts. 7º e segs., posteriormente regulamentados pela resolução do Conselho de Ministros n.º 42/90 (DR, I Série, de 6/11/90) e estipulando, além disso que "as segunda e terceira fases [seriam] ulteriormente estabelecidas mediante diplomas próprios, em condições e segundo qualquer das modalidades admitidas pela Lei n.º 11/90, de 5 de Abril" ( art. 6º, nº. 3);
E, quanto à segunda fase, estatuía que ela teria lugar no quadro de um aumento de capital social do ... até 30.000.000.000$00, em que o Estado não exerceria os seus direitos de subscrição podendo oferecer uma parte deles a possuidores de títulos de participação e/ou proceder a uma sua alienação parcial em bolsa de valores (art. 10º, n.º 1, do Dec.-Lei nº 321-A/90), pelo que às entidades que fossem accionistas à data dessa ampliação de capital seria dado ampliarem as suas participações, no exercício dos respectivos direitos preferenciais de subscrição (art. 10º, nº 3, do Dec.-Lei nº321-A/90);
Quanto à primeira fase, definida pelo próprio Dec.-Lei nº 321-A/90 e pela Resolução do Conselho de Ministros nº 42/90, resultava destes diplomas que:
a) a mesma compreendia a alienação de 6.600.000 acções do ..., correspondentes a33% do respectivo capital social (art. 7º, nº 1 do Dec.-Lei nº 321-A/90);
b) eram reservadas para aquisição por trabalhadores, emigrantes e pequenos subscritores 1.650.000 acções, correspondentes a 25% das acções a alienar (art. 7º, nº 2 do Dec.-Lei nº 321-A/90 e nºs 4 e 9 da Resolução nº 42/90);
c) eram reservadas para aquisição por depositantes e residentes detentores de títulos de participação ou de obrigações emitidas pelo ... 1.320.000 acções, correspondentes a 20% das acções a alienar (art. 7º, nº 3, do Dec.-Lei nº 321-A/90 e nº 14 da Resolução nº 42/90);
d) as acções remanescentes, bem como as que porventura não fossem adquiridas nos termos acima aludidos, eram propostas à aquisição pelo público em geral, em oferta pública de venda, por leilão competitivo, ao preço base de 7.500$00 por acção (art. 7º, nº 4 do Dec.-Lei nº 321-A/90 e nº17 da Resolução nº42/90);
e) as entidades estrangeiras, consideradas no seu conjunto, não poderiam adquirir acções em número que excedesse 5% das acções compradas por entidades nacionais (arts. 7º, nº 5 e 2º, nº 1, al. a) do Dec.-Lei nº 321-A/90);
f) nenhuma entidade singular ou colectiva podia adquirir mais de 10% do capital do ... (art. 8º, nº 1 do Dec.-Lei nº 321-A/90 e nº 14 da Resolução nº 42/90);
O Estado encaixou cerca de 50 milhões de contos na 1ª fase de reprivatização do ... e houve rateio em todas as tranches (por a procura ser superior à oferta), exceptuando na reservada a trabalhadores, passando o Banco a ter cerca de 28.000 accionistas, assim distribuídos:
– 5.529 trabalhadores (detendo 4% do ...);
– 15.120 pequenos investidores (detendo 4,2% do ...) ;
– 19.881 clientes (detendo 6,6% do ...);
– 10.707 investidores em geral (detendo 18,1% do ...) ;
O Senhor Secretário de Estado das Finanças, na sessão que culminou a operação, proclamou o sucesso da mesma, aproveitando para anunciar publicamente que "o modelo das privatizações para o sector financeiro se iria manter, através de OPVs [ofertas públicas de venda] e faseadamente";
O Estado subscreveu e votou favoravelmente:
a) na assembleia geral de 30 de Março, a recondução do Conselho de Administração do .... e a nomeação para o «mesmo órgão de Administração do .... do Dr. ... e do Prof. Doutor ...;
b) a proposta de nomeação para a Comissão de Vencimentos, do Estado, da ... e da ...;
c) na assembleia geral de 28 de Junho de 1993, a proposta de nomeação do Conselho de Administração do .... composta pelos sete seguintes membros: Dr. ..., Dr. ..., Dr. ..., Dr. ..., Dr. ..., Dr. ... e Prof. Doutor ...;
Em 14 de Janeiro de 1992, foi publicado o Dec.-Lei nº 1/92 e, em 4 de Fevereiro de 1992, a Resolução do Conselho de Ministros nº 4-A/92, diplomas esses que concretizavam a segunda fase da reprivatização do ... através de um aumento do capital social de 35 milhões para 47,5 milhões de contos, mediante a emissão de 12.500.000 novas acções, com o valor nominal unitário de 1.000$00, ao preço de 4.050$00;
Previa-se, nomeadamente, que o Estado não subscreveria as 8.250.000 acções que lhe caberiam por força. do seu direito preferencial como accionista titular de 66,66% do capital social do ..., alienando gratuitamente os direitos a essa subscrição, em primeira linha, a detentores de títulos de participação, a trabalhadores, pequenos subscritores e a emigrantes, e, em segunda tinha (é dizer, quanto a eventuais direitos sobrantes), aos restantes accionistas do Banco;
O valor das acções em circulação excedia apreciavelmente os 4.050$00 (as cotações situavam-se nos 4.300$00/4.400$00), pelo que os direitos de subscrever novas acções a, apenas, 4.050$00, revestiam um indiscutível valor económico, a que o Estado renunciava de forma voluntária e consciente, sem dúvida na mira de "aliciar" os mencionados detentores de títulos de participação, trabalhadores, pequenos subscritores e emigrantes, reforçando a dispersão do capital social do ...;
As acções emitidas na sequência do aumento de capital foram integralmente colocadas, tendo o conjunto dos accionistas privados do ... subscrito não apenas as acções que proporcionalmente lhe competiam, como também as que "cabiam" ao Estado, na parte não adquirida por detentores de títulos de participação, trabalhadores, pequenos subscritores e emigrantes;
Em 8 de Março de 1993, os representantes comuns identificados no quesito 40º enviaram ao Secretário de Estado das Finanças uma proposta de aditamento ao acordo de preferência, ao que se seguiu uma contraproposta do próprio Gabinete do Secretário de Estado das Finanças, remetida ao Grupo Português, com a composição referida no quesito 32º, em 11 de Março de 1993;
Em comunicado emitido pelo Ministério das Finanças, após a realização da segunda fase, afirmava-se que a receita de mais de 50 milhões de contos, fora "além das expectativas" e que "a procura excedeu a oferta em 83%", salientando-se ainda que "se reforçou a disseminação do capital, por pequenos accionistas e investidores em geral" assim como se consolidou "a estratégia empresarial nascida na primeira fase do processo de privatização";
A 3ª. fase da reprivatização, realizada em Julho de 1993, consistiu na alienação de apenas 25 milhões de acções, representativas de 25% do capital social do ... (que, em Dezembro de 1992, havia sido objecto de um aumento, por incorporação de reservas, de 47,5 para 100 milhões de contos) – cfr. o Dec.-Lei nº 169/93, de 11 de Maio, e a Resolução do Conselho de Ministros nº 44/93;
Consagrou-se um direito de preferência dos accionistas quanto a 15 milhões de acções, 1,5 milhões de acções, num máximo de 150 acções por pessoa, foram reservadas a trabalhadores, pequenos subscritores e emigrantes (cfr, a Resolução nº 44/93, nºs 3, 9 e 11), 7,5 milhões de acções foram destinadas a venda directa a instituições estratégicas – isto é, a instituições de crédito, sociedades financeiras e companhias de seguro com as quais o Banco pretendesse estabelecer relações duradouras (art. 4º, nº 2, do Dec.-Lei nº 169/93) –, nenhuma das quais poderia exceder o limite de 3% do capital social do ... (art. 4º, nº 1, do Dec.-Lei nº 169/93) ;
E nenhuma entidade singular ou colectiva, poderia adquirir mais de 15% do capital da sociedade (art. 3º, nº 3, do Dec.-Lei nº 169/93), percentagem que constituía, outrossim, o plafond aplicável ao conjunto de entidades estrangeiras (art. 7º, nº 1, do Dec.-Lei nº 169/93);
Em 30 de Março de 1993, por proposta subscrita pelo Estado e por representantes do grupo português, foi eleita a Comissão de Vencimentos, composta por três membros, a saber, pelo Estado, pela ...a e pela ...l – portanto, com maioria do grupo português;
Em 28 de Junho de 1993, também por proposta subscrita pelo Estado e por representantes do grupo português, é eleito um Conselho de Administração de sete membros, cinco dos quais – todos os executivos – indicados pelo grupo português (Dr. ..., Dr. ..., Dr. ..., Dr. ... e Dr. ...ho) e os restantes dois pelo Estado (Dr. ... e Prof. Doutor ... ) – com a maioria a caber, pois, uma vez mais ao grupo português;
Na 3ª fase da reprivatização, o Estado respeitou escrupulosamente os seus compromissos;
Conforme preocupação fulcral do grupo português, assinala-se, para além da inexistência de qualquer lote indivisível, a preferência dada aos accionistas – e, aliás, não apenas a tanto por tanto, mas favorecendo-os no plano da própria contrapartida, alienação a 1850$00 contra os 1950$00 cobrados ao público em geral e os 2.050$00 exigidos às instituições estratégicas), ademais da notória preocupação de disseminar o capital social, que levou, aliás, o Estado, a aceitar alienar as acções a trabalhadores, por um lado, e aos pequenos subscritores e emigrantes, por outro, respectivamente, a 1.750$00 e a 1.800$00 (ou mesmo a 1.575$00 e a 1.683$00, no caso de pagamento a pronto), ressaltando-se que o valor das acções era sem dúvida superior a 2.100$00 e que, resto, as próprias cotações bolsísticas se cifravam, em Abril e em Maio de 1993, anteriormente ao anúncio dos preços da 3ª fase, em 1.900$00/2.000$00;
Foi a administração do ... cujo critério desfrutava então da confiança do Grupo Português que, com a colaboração do ..., seleccionou três instituições francesas (..., o próprio ... e ...) e uma brasileira (..., S.A.), para constituir um suposto núcleo estratégico;
A 3ª fase saldou-se, também ela, por um notável sucesso;
Em todas as tranches objecto de oferta pública (salvo, por definição, na relativa aos trabalhadores) a procura excedeu a oferta;
Foram emitidas e satisfeitas (total ou parcialmente) ordens de 3.559 trabalhadores, de 17.941 pequenos subscritores, de 14.182 accionistas e de 2.008 pessoas classificadas como "público";
Em parte devido à mudança inesperada do Ministro das Finanças, só em 1994 viria o Governo a emitir o documento referido no quesito 184º;
Em 14/3/94, o Secretário de Estado Adjunto e das Finanças, Prof. Doutor António de Sousa, dirigiu ao núcleo de accionistas do ... subscritores do acordo a seguinte comunicação: " Recebi oportunamente a cópia do documento celebrado entre V. Exas enquanto accionistas do ..., SA., e que tem por conteúdo um acordo de preferência na transmissão de acções daquele Banco.
Venho agradecer o envio da cópia do referido Acordo e, ao mesmo tempo e na sequência das nossas conversações anteriores, confirmar a disposição do Estado Português, enquanto accionista do ... e, de, concertadamente com os demais accionistas, continuar a favorecer a estabilidade indispensável ao desenvolvimento à Instituição. Designadamente o Estado procurará que, aquando da alienação da participação que ainda detém, considerar que os interesses dos accionistas privados, os quais continuando a afirmar-se como factor de reforço da capacidade e da identidade nacional do Banco, merecerão ser considerados, à semelhança de situações anteriores e dentro dos limites legais, como preferentes naturais. Por outro lado, o Estado Português terá sempre a preocupação de estabelecer consensos com os demais accionistas com vista a uma posição comum relativamente às matérias e deliberações que assumam especial relevo para a vida do Banco, como, nomeadamente, aquelas que se relacionam com as suas reestruturação e internacionalização.";
O Governo, por intermédio do Senhor Ministro das Finanças, Sr. Dr. Eduardo Catroga (entretanto chamado a substituir o anterior Ministro, Sr. Dr Braga de Macedo), resolveu organizar sucessivas rondas com todos os Outorgantes do acordo de preferência – uns recebidos individualmente, outros em pequenos grupos – procurando sensibilizá-los para o facto de que a estabilidade accionista do ... passaria pela congregação numa sociedade holding das participações sociais no ... de todos os elementos do GRUPO PORTUGUÊS, os quais, em troca, passariam a usufruir, nessa sociedade holding, de uma participação proporcional ao número de acções do ... constitutivas do seu apport;
O Ministro das Finanças chegou mesmo a abordar a hipótese de essa holding ser integrada também por entes públicos ou por fundos ligados às mesmas (fundos de pensões do CTT, do Banco de Portugal, etc.), que, como silent partners temporários, disponibilizariam ao grupo português uma parte substancial dos meios necessários à conclusão do processo de reprivatização, em condições muito vantajosas;
De facto, o Estado, por intermédio dos seus legítimos representantes, nunca, desde a constituição do GRUPO PORTUGUÊS e até Junho de 1994, advertiu ou por alguma forma sugeriu que a criação de uma holding constituiria requisito prévio à finalização do processo de privatização, nem tão pouco, que a celebração de um qualquer acordo ou sindicato de voto, juridicamente vinculante, entre os membros do grupo português seria conveniente ou indispensável;
Ao invés, sempre a estabilidade accionista pretendida foi identificada com a celebração e subsistência do ACORDO DE PREFERÊNCIA e do respectivo adicional de 30 de Março de 1993;
No dia 26 de Julho de 1994, o ..., S.A. anunciava preliminarmente o lançamento de uma Oferta Pública de Aquisição de 44.000.000 de acções do ...;
As condições gerais dessa OPA eram as seguintes:
– a contrapartida oferecida consistia em 3.000$00 por cada acção ... alienada (ponto 5º do anúncio preliminar).
– como limite mínimo da oferta, tida como condição de viabilização da operação, o oferente propunha-se adquirir 41.800.000 acções, correspondentes ao que ele supunha serem 38% do capital social do ... (quando, na verdade, o capital social do ... ainda era, à data, de 100.000.000.000$00, uma vez que não se encontrava ainda escriturado nem efectuado o registo do último aumento de capital) ;
– o ... reservava-se o direito de vir a adquirir a totalidade ou parte dos valores mobiliários que excedessem o objecto da oferta (44.000.000 de acções, cotadas no mercado contínuo nacional da Bolsa de Valores de Lisboa, que constituíam o objecto);
– o lançamento da oferta ficava condicionado ao respectivo registo na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, à autorização pelo Ministério das Finanças da aquisição de uma participação qualificada numa sociedade em processo de reprivatização – nos termos do artigo 4º do DL nº 380/93, de 15 de Novembro – e, por último, à não oposição do Banco de Portugal, nos termos previstos nos artigos 102º e 103º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras;
Em 8 de Setembro de 1994, o ... baixou o limite mínimo de sucesso da OPA para 38.000.000 de acções, correspondentes a 34,5% do capital social de 110.000.000$00, decorrente do aumento;
A 9 de Setembro de 1994, o Ministro das Finanças emitiu um despacho em que indeferiu a pretensão do ... de adquirir uma participação qualificada no ..., que o seu próprio Gabinete cuidou de enviar à ... e a outros membros do grupo português, a fim de os informar do respectivo conteúdo;
No despacho de 9 de Setembro de 1994, o Ministro das Finanças viria a referir que a dispersão do capital social do ... era o objectivo precípuo da reprivatização do ... e, que, consequentemente, esse processo seria incompatível com a alienação de lotes indivisíveis, postulando, ao invés, limites máximos à aquisição de acções por uma só entidade;
Mais à frente, refere que "o modelo de reprivatização do ... assenta numa dispersão do capital e, simultaneamente, um grupo de accionistas que informou o Governo de que havia um acordo entre eles";
Em 7 de Novembro de 1994, o Ministro das Finanças, proferiu as seguintes declarações ao jornal " Público":
Pergunta: " Quanto ao núcleo duro do .... Há ou não uma aliança estratégica entre estes accionistas do ... e o Estado, que foram alegadamente convidados a investir pelo ex-secretário de Estado, .."
Resposta: " Não há nenhum compromisso entre o Estado e qualquer accionista. O que o Estado disse foi que, quando for lançada a 4ª fase de reprivatização do ..., dará preferência aos accionistas privados, aos 40000 accionistas.";
Em 19 de Novembro de 1994, o Secretário de Estado das Finanças, Sr, Dr. Esteves de Carvalho, em entrevista ao jornal. "Expresso", e em resposta à pergunta sobre se a 4ª parte da reprivatização do ... ocorreria por venda directa, garante, por sua vez, que a mesma se efectuaria "dentro do modelo que tem vindo a ser seguido";
Interrogado sobre se os accionistas beneficiariam de " opção ", riposta: " É sempre assim (...). Quando falo em direito de opção, refiro-me aos 40.000 accionistas (...) na percentagem que vierem a ter na altura da operação ";
A Assembleia Geral do ..., destinada a deliberar o alargamento do Conselho de Administração para quinze membros e a concomitante entrada dos accionistas para a gestão da Administração do ..., foi convocada para reunir no dia 6 de Outubro de 1994, através de aviso publicado no "Jornal de Notícias" e "Diário de Notícias" de 10 de Setembro de 1994, já depois de inviabilizada a OPA por decisão ministerial;
É a partir deste momento que o Estado começa a imiscuir-se nas decisões do GRUPO PORTUGUÊS, procurando persuadir os seus elementos da conveniência de se proceder ao adiamento ou mesmo ao cancelamento da Assembleia Geral de Outubro de 1994, para o que invocava, em primeiro lugar, que a reunião só cobraria sentido num cenário anti-opa, que teria presidido à sua convocação e que fora entretanto ultrapassado pela evolução dos acontecimentos, e, em segundo lugar, que seria de sua preferência ou a constituição de uma holding, ou que a renovação dos órgãos sociais do ... fosse ao menos precedida da alteração da estrutura de administração de fiscalização do ..., adoptando-se o esquema Direcção/Conselho Geral;
Os outros membros dos GRUPO PORTUGUÊS, ou realmente seduzidos pelos argumentos aduzidos, ou temendo efectivamente a iminência de um confronto com o Estado, decidiram aceder à pretensão estatal, subscrevendo uma proposta para o cancelamento da Assembleia Geral, ao passo que a ... insistiu na votação dos pontos da agenda, apoiando sem sucesso as propostas que o próprio grupo português havia apresentado e deixara cair, tal como – contra a vontade da ... – abandonara a intenção de constituir a holding, dada como certa em 1 de Agosto de 1994;
Já em cartas datadas de 29 de Setembro e 3 de Outubro, dirigidas ao Exmo. Senhor Ministro das Finanças, a ... declarava que não descortinava quaisquer razões para o adiamento ou cancelamento da Assembleia Geral, pois considerava que a sua proposta era "100% coerente com as posições do Núcleo anteriores à OPA," e que a reestruturação do ... – que passava, obviamente, pela reformulação da Administração – não podia ser protelada por mais tempo;
Insistia-se na inconveniência de se adiar a Assembleia Geral pelo menos no que respeitava à decisão de recomposição do Conselho de Administração, bem como na necessidade de se honrarem os compromissos com o Sr, Dr. ... como Presidente da Comissão Executiva;
Após a Assembleia Geral de 6 de Outubro de 1994, o Governo confiou ao Sr. Dr. ..., a tarefa de procurar um consenso entre os accionistas do Banco quanto às alterações a introduzir aos respectivos estatutos e ao seu ingresso nos órgãos sociais;
Na sequência das diligências efectuadas pelo Sr. Dr. ..., o Estado requereu a convocação de nova assembleia geral do ..., designadamente para aprovar a adopção do modelo Direcção/Conselho Geral e diversas outras alterações aos estatutos – elaboradas em estreita colaboração com a ... e que mereciam a concordância desta –, bem como para eleger os membros do novo Conselho Geral;
A proposta que o Estado tencionava apresentar, pelo que concerne à eleição do Conselho Geral, previa que este órgão tivesse 15 membros, dois designados pela ..., um pelo grupo ..., um pelo grupo ..., um pela ..., um pelo grupo ..., um pelos demais membros do Grupo Português, um pela ..., um pelos investidores estrangeiros, e cinco pelo Estado – sendo o décimo quinto o Dr. ..., figura consensual;
O próprio Estado, portanto, aceitava atribuir ao grupo português uma confortável maioria relativa no seio do Conselho Geral (7 em 15), senão mesmo, em termos práticos, uma maioria absoluta, já que um dos elementos a "designar" pelo Estado seria o Sr. Dr ..., administrador da ...Cia (!), expediente através do qual o Estado acedia, no fundo, à exigência do grupo português de nomear, pelo menos, 8 dos conselheiros;
Assinale-se que a colocação de dois lugares à disposição da ... assentava na expectativa de que esta viesse a abandonar a sua recusa de ocupar quaisquer cargos;
Essa recusa culminou um longo processo – cuja evolução é fielmente documentada pelas cartas enviadas pela ... ao Ministro das Finanças, e baseou-se na rejeição de que a accionista ... – ligada ao empresário ..., estranho ao Grupo português, isento de qualquer compromisso quanto à estabilidade da sua participação e fortemente interessado em instituição concorrente com o ... (...) – fosse eleita para o Conselho Geral no mesmo plano que os membros do grupo português, e não como eventual representante de accionistas não estratégicos;
Em 4 de Outubro de 1994, a ... apresentara ao Ministro das Finanças, ao abrigo do Dec.-Lei nº 380/93, de 15 de Novembro; um pedido de autorização para adquirir outras acções que, adicionadas às já detidas, lhe conferissem mais de 20% (mas menos de 33%) do capital social e/ou dos direitos de voto inerentes ao capital social do ..., detalhando os princípios da política de gestão da participação que a ... se propunha adoptar;
Por despacho de 7 de Dezembro de 1994, o Senhor Ministro das Finanças deferiu tal pedido, consentindo na aquisição de acções que, adicionadas às já detidas, não ultrapassassem os 26,48%, limiar a partir do qual seria alegadamente obrigatório o lançamento de uma oferta pública de aquisição;
Em Janeiro de 1995, a companhia de seguros ... (...) e o ...divulgaram a sua decisão de lançar uma oferta pública geral de aquisição das acções representativas do capital social da sociedade comercial ..., S.A.;
Para o efeito, os ditos ...e ..., dando cumprimento ao art. 534º do Código do Mercado de Valores Mobiliários (CodMVM), procederam à publicação do correspondente anúncio preliminar da oferta, quer na edição de 9 de Janeiro de 1995 do Boletim de Cotações da Bolsa de Valores de Lisboa, quer nas edições de 10 de Janeiro de 1995 dos jornais Público e Diário de Notícias;
Do conteúdo de tal anúncio, destacam-se os pontos seguintes:
– objecto da oferta eram as 110.000.000 de acções representativas da totalidade do capital social da sociedade visada (...) (cfr. o nº 4 do anúncio);
– a contrapartida oferecida foi referida como montando a Esc. 2.730$00 por acção (cfr. o nº 5 do anúncio) ;
– a oferta ficou condicionada à sua aceitação por pessoas que, no seu conjunto, alienassem as acções necessárias para perfazer o correspondente a 50,0001% do capital social do ..., sendo as acções objecto da aceitação, até esse limite, compradas pelo ... e as remanescentes adquiridas pela ... (cfr. as nºs 6 e 7 do anúncio) ;
– o lançamento da oferta ficou condicionado ao respectivo registo na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), bem como à autorização do Ministro das Finanças nos termos do art. 4º do Dec.-Lei nº 380/93, de 15 de Novembro, à não oposição do Banco de Portugal, nos termos dos arts. 102º e 103º do Dec.-Lei nº 282/92, de 31 de Dezembro, e à não oposição do Ministro das Finanças, nos termos do art. 41º, nº 2, do Dec.-Lei nº 102/94;
Perante a opa do ... e da ..., alguns dos outorgantes, vencidos pela morosidade do processo de reprivatização, pretenderam libertar-se dos compromissos constantes do acordo de preferência, de modo a reservar-se a possibilidade de aceitar a oferta, o que, porém, conflituava com a utilidade que levara a ... à celebração do acordo de preferência, em ligação com os objectivos estratégicos que presidiram ao seu investimento no ... e que se mantinham;
O arranjo que permitiu salvaguardar o essencial desses interesses e conveniências consistiu na atribuição à ..., ou a quem esta indicasse, de uma opção de compra das 19.742.975 acções do ... pertencentes aos demais membros do Grupo português (excepção feita ao grupo ...), livres de quaisquer ónus ou encargos, ao preço unitário de 2.730$00 ou ao maior dos preços em dinheiro, iniciais ou revistos, propostos na OPA ou em oferta concorrente,
E na previsão de que todos os Outorgantes passariam a ser livres de alienar as suas acções, na hipótese de a ... não exercer a tal opção;
Em 30 de Janeiro foi editado o Dec.-Lei nº 20-A/95 que aprovou a última fase de reprivatização do ... "por venda directa";
Face à inexistência de qualquer opa concorrente, também o Estado aceitou a opa, pelo que concerne a todas as suas 26.830.691 acções, confirmando a venda ex post, pela Resolução do Conselho de Ministros nº 41/95 (DR, I Série-B, de 28.4.5), por "não ter havido oferta concorrente";
A sessão especial de bolsa destinada ao apuramento do resultado da oferta teve lugar na Bolsa de Valores de Lisboa, no dia 24 de Março de 1995;
Nessa sessão constatou-se que a oferta obtivera resultado positivo, aperfeiçoando-se então contratos de "compra e venda" entre pessoas titulares de 108.647.742 acções do ... e os OFERENTES (rectius entre aquelas pessoas e o ..., por um lado, quanto a 55.000.110 acções, e a ..., por outro lado, quanto a 53.647.632 acções) ;
A venda na opa foi feita ao preço de 2.800$00, pois o ... e a .. procederam entretanto a uma revisão do preço, por aviso publicado no jornal Público de 30 de Janeiro de 1995;
Posteriormente à assinatura do acordo de preferência, sempre o Estado e o Grupo Português concertaram as suas posições previamente à realização de todas as Assembleias Gerais do ..., apresentando nas mesmas propostas conjuntas e exercendo sempre os seus direitos de voto em sentido coincidente – excepção feita à reunião de 6 de Outubro de 1994;
Salvo na Assembleia de 6 de Outubro de 1994 – em que, aliás, a ... ficou isolada – sempre as posições do grupo português foram definidas internamente por consenso unânime, nunca tendo ocorrido quaisquer clivagens com expressão em votações nas assembleias gerais;
A ... viria a tomar parte na 1ª fase da reprivatização do ..., adquirindo 650.000 acções, representativas de 3,25% do respectivo capital social, ao preço global de 5.070.000 contos;
Em Janeiro de 1991 o Sr, Dr. ..., num colóquio subordinado ao tema "Política de Privatizações", proferiu declarações no sentido de que o Governo admitia "a possibilidade de negociar com o núcleo duro de accionistas privados do ... o melhor momento da segunda fase da privatização do banco", dada "a necessidade de permitir que os grupos empresariais portugueses, que apostaram na primeira fase da privatização do ..., tivessem o tempo suficiente para arranjar a liquidez necessária para concorrer à 2ª fase";
A ... reforçou a sua participação no ..., adquirindo em bolsa, em Abril de 1991, 152.050 acções adicionais, ao preço unitário de 7.850$00;
A ..., detendo 1.403.587 acções (4,01%), não se limitou a adquirir um número proporcional de novas acções, pois subscreveu 786.401 acções (6,9% do aumento), elevando a sua participação para 4,6% do capital do Banco;
O Estado acorreu ao aumento de capital do ... de 100 para 110 milhões de contos subscrevendo as 2,439.153 acções proporcionalmente correspondentes às 24.391.538 acções de que era então titular; (é especificada esta matéria por força do documento de fls. 1398 a 1400);
Ao passo que o Grupo Português interveio no aumento de forma mais do que proporcional, subscrevendo no seu conjunto 2.879.284 acções do ... e elevando a sua participação para 27,08%;
A ..., em particular, não apenas subscreveu as 647.702 acções a que tinha direito nos termos do art. 458º, nº 2, al a) do C. S. C., como apresentou pedidos excedentários (em quantidade, aliás, muito superior às 47.960 acções adicionais que lhe foram atribuídas) ;
Os elementos do GRUPO PORTUGUÊS, em execução dos referidos acordos de 1 de Agosto, adquiriram, nos dias 8 e 9 de Agosto, em sessões da Bolsa de Valores de Lisboa, várias acções do ..., assim distribuídas:
GRUPO ... – 461.038 acções;
GRUPO ... – 200.000 acções;
GRUPO ... – 260.000 acções;
GRUPO ... – 146.836 acções;
GRUPO ...– 50.000 acções;
... – 10.000 acções;
A ... efectuou ao Banco de Portugal, em 6 de Janeiro de 1995, a comunicação, exigida pelo art. 102º do Dec.-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, de que pretendia adquirir acções do ... que, adicionadas às detidas, ultrapassariam o limite de 20% do capital social e dos direitos de voto daquela instituição;
A ... e o grupo ... – este último titular de 4.035.852 acções do ... – celebraram ainda um outro acordo, por via do qual o grupo ... se obrigou perante a ... a não alienar, sem o consentimento desta, nenhuma das acções ... de que era titular até ao termo, por qualquer causa, da OPA anunciada em 9 de Janeiro de 1995 ou de oferta com ela concorrente (ficando, designadamente, proibida a alienação na própria OPA ou em eventual OPA com ela concorrente) ;
E se conferiam reciprocamente preferência na venda das suas acções ... até 31 de Dezembro de 1995, além de convencionarem a manutenção entre ambas as partes do gentleman's agreement relativo ao exercício dos direitos de voto;
A ... absteve-se de exercer as suas opções de compra e vendeu as suas 7.997.760 acções do ... na opa;
Em 30 de Março de 1993, o grupo português celebrou uma convenção adicional ao acordo de preferência de 10/12/92 fazendo entrega de uma cópia ao representante do Estado na dita Assembleia Geral;
do questionário
O grupo A... tem importantes ligações a parceiros de negócio internacionais em todas as áreas de que se destaca, nomeadamente com a ... (francesa), na área da distribuição, com a .. (japonesa), na área da indústria, com a ... (holandesa), com a .. (inglesa) e com a ... (brasileira), na área imobiliária, bem como, através da .., com a .. (francesa), com a ... (inglesa) com a ... (francesa) com o Grupo ... (Espanhol) com o Grupo ... (Italiano), com o ... (espanhol), etc,.;
Anteriormente à realização da 1ª fase, o Governo efectuou vários contactos com diversas entidades, convidando-as a participar na operação;
Tais contactos foram realizados, designadamente, por intermédio do Sr. Dr. ..., à data Presidente do Conselho de Administração do ..., que actuou por incumbência do Sr. Dr. ..., então Secretário de Estado das Finanças;
Entre as pessoas abordadas contava-se, justamente, o referido Engº ..., sócio dominante da ... e, indirectamente, da A..., bem como da ...;
Os argumentos aduzidos pelo Governo com vista a suscitar o interesse pela operação prendiam-se, no essencial, com o facto de o processo de reprivatização se efectuar de forma faseada – distendida no tempo – e, outrossim, com a circunstância de o mesmo processo ser pautado por um objectivo de forte dispersão do capital social do ..., comprovado pela previsão quer de tranches relativamente elevadas para trabalhadores e pequenos subscritores, quer do limite de 10% para aquisição de acções por uma única entidade;
O Sr. Dr. ... sustentava, nomeadamente, que face às sobreditas características da operação, seria possível a um núcleo de accionistas assegurar, a final, uma posição de controlo do ... com um esforço financeiro temporalmente diluído e relativamente reduzido;
E que uma participação na ordem dos 35% do capital do ... bastaria, com toda a probabilidade, no termo do processo, para assegurar o domínio do Banco;
O Sr. Dr. ... adiantava que o Governo aceitaria negociar o timing e os moldes das fases ulteriores da reprivatização com um núcleo de accionistas que viesse a formar-se - e cuja constituição, aliás, o mesmo Governo procuraria fomentar - contanto apenas que esse núcleo dispusesse de uma participação significativa e fosse integrado por investidores idóneos e credíveis, seriamente empenhados num projecto de longo prazo para o ...;
No mês de Dezembro de 1990, o Sr. Dr. ... telefonou para a residência do Sr. Dr. ..., onde também se encontrava o Engº ..., solicitando de modo insistente e veemente, na conferência telefónica então estabelecida, que o mesmo Engº ... aceitasse intervir no processo, através das suas empresas, reiterando as considerações aludidas nos quesitos 5º a 8º, e procurando sensibilizá-lo para as graves consequências que poderiam resultar para o processo de reprivatizações, considerado globalmente, de um insucesso da operação respeitante ao ..., tanto mais que ele se seguiria ao relativo flop da reprivatização da ..., efectuada havia pouco;
Foi face aos argumentos e à insistência do Secretário de Estado que o Engº ... acabou por anuir a dar ordens de compra de acções na oferta de venda, através da ....
Ficando claro para todos que essa disponibilidade se ligava às características do modelo escolhido para a reprivatização do ... (faseamento e dispersão do capital social) e, ademais, ao citado compromisso assumido pelo Secretário de Estado em benefício de um núcleo de accionistas que viesse a constituir-se no seguimento do processo;
O Governo sabia que à ... não interessava uma participação meramente financeira no ..., e que o objectivo prosseguido era o de assegurar uma ligação entre o grupo A... e um grupo financeiro permitindo-lhe atingir uma dimensão competitiva à escala europeia, do mesmo passo que minimizaria o grave problema conjuntural de transferência da riqueza do sector industrial para o sector financeiro;
As vantagens emergentes da referida ligação situavam-se em diversos planos, a saber:
- no plano da estabilização da dívida de médio-longo prazo do Grupo A... (com financiamentos bancários de dezenas de milhões de contos) contra turbulências do mercado monetário e financeiro;
- no plano do relacionamento internacional, aproveitando da implantação extra-muros da instituição de crédito participada (é dizer, das relações e conexões internacionais desse Banco);
- e, finalmente, no próprio plano da captação de recursos, designadamente através do estabelecimento de participações recíprocas (directas ou indirectas), maxime mediante a adesão da instituição de crédito em causa (como equity investor ou fornecedor de fundos com a natureza de capitais próprios) a projectos já em curso ou a implementar;
Realizada a 1ª fase da reprivatização, verificou-se, todavia, que a liderança da corrida pelo controlo do Banco competia aparentemente a um grupo de empresas e empresários que actuavam em conjugação com uma sociedade de nome ..., pertencente a um conjunto de cerca de vinte quadros do próprio ... e de sociedades por este dominadas;
Tal grupo integrava, designadamente, as sociedades ..., ..., ...,
..., ... o ... e os Srs. ... e ... – os quais, na 1ª fase, haviam adquirido um total de 1.116.000 acções, correspondentes a 5.58% da totalidade do capital do ... e a 16.9% do capital privatizado;
Era intenção do mesmo grupo transferir as acções ... para a citada ..., sociedade esta que se estruturaria segundo um modelo de "partilha de poder" (entre os sobreditos empresas e empresários, por um lado, e os quadros do ..., por outro), que não reflectia a diversidade do esforço financeiro de uns e de outros;
Aos quadros do ..., concretamente, caberiam cerca de 1% das acções da ..., ditas da categoria "A", conferindo direito a tantos votos quantos os inerentes às acções da categoria "B", destinadas aos investidores;
Por outra via, o conselho de administração seria constituído por dois elementos designados pelos quadros (embora estes fossem detentores de apenas 1% do capital da ...) e por quatro nomeados pelos investidores, sendo o presidente eleito consensualmente por todos;
A ... nunca considerou juntar-se ao projecto ..., visto que o esquema descrito, contradizia – de uma forma que a ... considerava inaceitável – o principio capitalista de que a influência numa sociedade deve orientar-se pelo volume da entrada em capital;
Às acções adquiridas nos termos da alínea CB da especificação somaram-se outras 601.537 acções, atribuídas gratuitamente à ... em resultado do aumento do capital social do ..., de 20 para 35 milhões de contos, efectuado em Maio de 1991 ;
No final de 1991, verificou-se efectivamente o desmoronar do projecto ... – ao qual, entretanto, haviam aderido outras empresas;
O que libertou alguns investidores que o integravam para a consideração de uma associação, em moldes totalmente diversos, com outros accionistas do banco, designadamente a ...;
Após a realização da 1ª fase de reprivatização do ... a ... passou a ser a maior accionista privada do ...;
No primeiro trimestre de 1992, iniciaram-se conversações entre a ... e a ..., com vista à formação de um grupo de investidores nacionais, simultaneamente com objectivos comuns, com a capacidade financeira suficiente à aquisição de 30/40% do Banco (a final da operação de privatização) e com a credibilidade necessária à reivindicação do papel de interlocutor privilegiado do Governo na predita definição do timing e dos moldes das fases subsequentes do processo;
Tais conversações foram sendo progressivamente estendidas a outras empresas e empresários;
Em Maio de 1992, à saída da 2ª fase da privatização, a ..., a ... e outras empresas e empresários, resolveram assumir-se publicamente como constitutivas de um novo grupo, embora não estivessem ainda definidos os precisos contornos da sua cooperação recíproca;
Naquela altura (Maio de 1992), tal grupo – conhecido por Grupo do ..., Grupo ..., ...ou ainda ... – integrava entre outras A ..., A ... e a família ..., a ..., a ..., ..., .../...,..., ..., .../..., ... e ..., Grupo ...;
As negociações entre tais entidades prosseguiram e intensificaram-se – com algumas deserções e novas adesões –, com vista à definição de um projecto português para o ... (ou seja, de um projecto que viabilizasse a manutenção do respectivo controlo em mãos nacionais) e à criação de uma fórmula que propiciasse "estabilidade, entendimento flexível e respeito pelo interesse comum dos accionistas do ...;
E é em Julho de 1992, que vêm a ser concluídos, inicialmente de forma apenas verbal, dois acordos entre vários dos accionistas do ... (..., .... e a Família ..., a ..., a ..., ..., ..., .../..., ... e ..., grupo ... etc.) titulares de cerca de 20% do respectivo capital social;
Um dos acordos, o Acordo de Preferência, outorgado por adesão verbal a um documento escrito, visava, no essencial e além do mais, a estipulação de um direito de preferência nas alienações de acções do ...;
O outro acordo, prescrevendo uma cooperação em matéria do exercício dos direitos de voto inerentes às acções e querido como mero gentlemen's agreement, de modo a evitar quer a hipotética aplicação das regras sobre ofertas públicas obrigatórias, quer a consideração das participações dos intervenientes como "qualificadas" para efeitos da legislação bancária então em preparação;
Ambos os acordos foram, todavia – e por isso, designadamente, se prescindiu da forma escrita, subordinados à condição de que o Governo reconhecesse preencher o Grupo em causa os preditos requisitos quantitativos e qualitativos de há muito colocados para efeitos da sua consideração como parceiro ou interlocutor privilegiado no quadro do processo de privatização;
Os requisitos qualitativos diziam respeito à idoneidade e credibilidade dos vários investidores necessárias à confiança da seriedade do seu empenhamento num projecto de longo prazo para o ... (o Governo falava de um "pacto de longo prazo", isto é, de 3 a 5 anos) ;
Os outorgantes delegaram em quatro deles (..., Grupo ...,... e Grupo ...) a efectivação, em representação de todos, dos contactos com o mesmo Governo necessários à averiguação do preenchimento da sobredita condição;
O citado acordo de preferência traduzia-se, em termos gerais, na previsão de que os outorgantes se oferecessem reciprocamente preferência na venda de acções ... e de direitos de aquisição de acções ... quer a outros outorgantes quer a terceiros;
E, sendo seu objecto, não só as acções do ... então detidas pelos outorgantes, como as acções que eles viessem a adquirir até ao encerramento da reprivatização do banco, dentro dos limites estabelecidos na cláusula 1ª, nº 3 (caso isso fosse pretendido pelo outorgante respectivo), e, bem assim, as acções adquiridas no exercício de direitos decorrentes da titularidade das suas acções supra aludidas, designadamente através do exercício do direito de preferência "nas alienações de acções pertencentes ao Estado nas fases seguintes de reprivatização";
O preenchimento da condição de que o Governo efectivamente reconhecesse nesse grupo um interlocutor válido e preferencial no contexto do processo de privatização emergia como vital;
A aquisição de cerca de 20% do ... pelos outorgantes tinha exigido destes um esforço que diminuiu em muito as respectivas disponibilidades financeiras;
O Governo, conhecedor disso, tinha à mão um processo de frustrar ou de dificultar, querendo, os propósitos ou objectivos do grupo português;
Se a privatização fosse levada a cabo através da alienação, por concurso público, de um lote indivisível significativo do capital, o grupo português, de um ponto de vista financeiro, ver-se-ia em grandes dificuldades para concorrer, senão mesmo praticamente impossibilitado de o fazer, sujeitando-se ao risco de ser ultrapassado na disputa por quem viesse a adquirir o lote em causa;
O grupo português pretendia assegurar-se, não apenas de que o Governo não procederia à venda de lotes indivisíveis, como ainda:
a) de que seria dada preferência aos accionistas na última fase da privatização do ... (a todos eles, como é evidente) ;
b) de que esta fase se desdobraria em duas etapas; e
c) de que a primeira dessas etapas se circunscreveria à alienação pelo Estado de 24% do ... (conservando o Estado, portanto, 25%) ;
Pretendia o grupo português adquirir, nessa primeira etapa, o número de acções necessário a que a respectiva participação global atingisse 26% não só de modo a legitimar a "transferência formal de poderes" pelo Estado em seu beneficio (aos 26% do grupo português contrapor-se-iam apenas 25% do Estado), como ainda a poder, conjuntamente com o Estado (26% + 25% = 51%), repelir qualquer tentativa de take over do Banco por parte de investidores que pusessem em risco a titularidade nacional que o Governo desejava a todo o custo preservar;
Era essencial obter do Governo (designadamente do secretário de Estado das Finanças) a certificação de que o Grupo Português satisfazia os requisitos qualitativos e quantitativos a que se alude nos quesitos 37º e 39º;
E de que, por conseguinte, o Governo aceitaria concertar com o Grupo PORTUGUÊS os termos subsequentes da privatização, de modo a que eles se coadunassem com as realidades (ou capacidades) financeiras dos seus membros;
A resposta do Governo, comunicada pelo Secretário de Estado das Finanças, Sr. Dr. ..., aos já referidos "delegados" do grupo português (..., grupo ..., ... e grupo ...), foi positiva e acompanhada de "sugestões" no sentido da criação de um período em que as acções submetidas aos acordos fossem grosso modo inalienáveis e de que a "gestão" e "supervisão" do funcionamento da preferência fosse confiado a uma entidade neutra, e não ao Presidente do Conselho de Administração do ...;
Atento isso, os outorgantes procederam, em 10 de Dezembro de 1992, à formalização do acordo de preferência, modificando o teor do texto acordado em Junho não só em aspectos de pormenor, como ainda, e principalmente, na medida necessária ao acolhimento das pretensões do Governo, acordando na inclusão de uma nova cláusula estabelecendo um período de inalienabilidade de três anos;
A assinatura do acordo de preferência teve lugar a 10 de Dezembro de 1992, no Palácio da Palmeira, em Braga, tendo sido seguida de um jantar entre os Outorgantes e o Secretário do Estado das Finanças, o qual reiterou diante de todos que a privatização do ... se continuaria a efectuar por OPV de forma faseada e orientada por um objectivo de forte dispersão do capital social do ..., comprovado pela previsão, quer de tranches relativamente elevadas para trabalhadores e pequenos subscritores, quer o limite de 10% para aquisição de acções por uma única entidade e preferência dos accionistas e cuidou de indagar do modo pelo qual o grupo português pensava financiar a sua participação na fase ulterior da privatização do ...;
A dimensão dos investimentos já efectuados pelo grupo português, na ordem dos 40/50 milhões de contos, associada à especial onerosidade do gravame aceite pelos seus Outorgantes a pedido do Estado – consubstanciado no compromisso de inalienabilidade temporária acima referido – levou a que a ... e os demais representantes do grupo, grupo ..., ... e grupo ... tivessem diligenciado junto do Governo no sentido de que, o que o Secretário de Estado havia reiterado no Palácio da Palmeira fosse reduzido a escrito, de modo a evitar controvérsias e dificuldades probatórias ulteriores acerca da sua realidade e alcance, em toda a medida em que eles não resultassem já suficientemente plasmados nos diplomas respeitantes à reprivatização do capital social do ...;
Como contrapartida dessa formalização, o Governo, contudo, exigiu do grupo português uma nova modificação do acordo de preferência;
Tendente, por um lado, à assumpção pelos Outorgantes de um compromisso recíproco de substituição do acordo de preferência "por outro – que, com as necessárias adaptações, [teria] exactamente o mesmo conteúdo, termos e condições – caso [viessem] a alienar, em conjunto, as suas acções [do ...] (...) para uma outra sociedade];
E, por outra via; à substituição da regra da respectiva cláusula 12ª (possibilidade de alterações, eliminações e aditamentos – e, portanto, de revogação do acordo – por vontade de outorgantes titulares de 3/4 das acções) por uma disposição transitória, aplicável ao primeiro período de vigência, e prevendo a necessidade da unanimidade para a modificação de algumas das cláusulas do acordo;
Ambas as alterações se destinavam, alegadamente, a reforçar a coesão do grupo português e a assegurar que a mesma não resultaria prejudicada na hipótese em que os Outorgantes transferissem as suas acções do ..., maxime a título de realização do capital, fosse para uma nova sociedade holding, fosse para uma sociedade já constituída – substituindo, portanto, as suas participações directas no ... por um interesse indirecto;
Possibilidades essas que, com conhecimento do Governo, eram na altura objecto de ponderação do grupo português, com vista a alcançar um patamar superior de integração e a implementar uma esquema adequado de alavancagem do esforço financeiro necessário à participação na parte final do processo de reprivatização;
Em reuniões efectuadas, em Março de 1993, quer com o Secretário de Estado, quer com o Ministro das Finanças, os representantes comuns do grupo português (ditos grupo negociador), além de insistirem na conveniência de que o Governo aceitasse documentar os seus compromissos com o grupo português, reiteraram a necessidade de que lhes fosse concedido um prazo suficiente, em ordem a prepararem a sua intervenção no resto do processo de reprivatização;
Numa dessas reuniões, o Senhor Secretário de Estado das Finanças solicitou que a adenda ao acordo de preferência fosse entregue ao Governo;
Ficou combinado que o Secretário de Estado das Finanças confirmaria junto do Grupo Português que a privatização do ... se continuaria a fazer nos moldes referidos no Palácio da Palmeira, sob pretexto de acusar a recepção de uma cópia do acordo de preferência;
Tudo ocorreu com o conhecimento e concordância do Ministro das Finanças;
A convenção adicional ao acordo de preferência de 10/12/92 a que se faz referência na alínea CL) tinha o exacto conteúdo alvitrado pelo Secretário de Estado das Finanças;
Face ao descrito na alínea AA) e quesito 190º o Grupo Português ficou convencido que a privatização se continuaria a fazer nos moldes referidos pelo Secretário de Estado das Finanças no Palácio da Palmeira;
A venda directa a instituições estratégicas estrangeiras permitia a colocação de mais 7,5% do ... em entidades sem quaisquer pretensões de domínio sobre o Banco, com a consequente potenciação do bloco do grupo português;
A ..., concretamente, que à data da realização da 3ª fase da reprivatização do ... detinha 4.610.501 acções, adquiriu 1.866.520 acções na tranche destinada aos accionistas (ao preço global de 3.228.613.000$00), não se confinando, portanto, a uma participação meramente proporcional na operação (4.610.501 acções representavam 9,11% do capital privatizado na 1ª e na 2ª fase, aos quais proporcionalmente corresponderiam apenas 1.365.000 das acções oferecidas aos accionistas) ;
Também o grupo português, globalmente considerado, reforçou a sua participação, pois que as entidades que o integravam passaram a deter um pouco mais de 26,91% do capital do ..., dos quais apenas cerca de 1% não estavam submetidos ao acordo de preferência;
O teor da carta subscrita pelo Secretário de Estado das Finanças e enviada ao Grupo Português resultou do acordo entre aquele (Secretário de Estado) e este (Grupo Português);
Desde há tempos que o grupo português reclamava insistentemente do Estado a efectivação da última etapa do processo de reprivatização do capital do ..., em moldes idênticos aos da 3ª fase (em especial no concernente à preferência dos accionistas e à inexistência de lotes indivisíveis);
Quando, designadamente, em meados de 1994, a Administração do Banco, ao abrigo de autorização estatutária, deliberou um aumento do capital social de 100.000.000$00 para 110.000.000$00, mediante a emissão, ao preço de 1.400$00, de 10.000.000 de novas acções, com o valor nominal unitário de 1.000$00, o grupo português solicitou ao Estado que não acompanhasse o aumento, a fim de que ocorresse nova diluição da sua participação e de que o peso accionista do mesmo grupo português pudesse consolidar-se um pouco mais – o que o Governo chegou a aceitar;
O Estado acorreu ao aumento de capital referido na alínea CD) contra a vontade do Grupo Português;
A constituição da Holding e sindicato de voto não colheu eco junto de vários elementos do GRUPO PORTUGUÊS, por três motivos principais: perda de liquidez, dificuldade operacional e transferência do poder decisório;
A perda de liquidez decorria, com efeito, em termos necessários, da projectada troca de acções ... por uma participação numa sociedade fechada e não cotada;
As dificuldades operacionais, por sua vez, prendiam-se com a circunstância de que as acções do ... detidas por diversos elementos do GRUPO PORTUGUÊS estavam gravadas com penhores, cuja expurgação era inviável ou onerosa;
A tudo acrescia, por último, que, com a constituição de uma holding, cada um dos membros do grupo português deixaria de ser senhor do potencial de voto inerente às suas acções do ... – conforme até então sucedia –, que passaria a sujeitar-se à vontade da maioria;
Quanto ao sindicato de voto, avultava ainda que, de acordo com a lei bancária, a sua outorga tornaria a participação de cada um dos membros do GRUPO PORTUGUÊS no ... imputável a todos demais, impedindo ou restringindo o acesso ao crédito no ...;
Tudo somado, pode constatar-se que os obstáculos eram de peso (sobretudo para os subscritores do ACORDO DE PREFERÊNCIA com uma participação mais reduzida), o que motivou um arrastamento e impasse nas negociações;
A ... encarava com toda a simpatia a solução holding, não obstante o seu carácter inovatório (não previamente acordado);
No dia 27 de Julho de 1994, o GRUPO PORTUGUÊS reúne-se em bloco e decide, por unanimidade, recusar a OPA e desenvolver esforços, dentro dos limites da lei, com vista a inviabilizá-la;
E, em 1 de Agosto, comunica publicamente a decisão de iniciar os trâmites legais necessários à constituição de uma holding, tendencialmente destinada à agregar a totalidade das respectivas participações no ...;
Também em 1 de Agosto de 1994, são assinadas mais duas convenções adicionais ao ACORDO DE PREFERÊNCIA;
Na primeira, os outorgantes comprometiam-se a desenvolver os seus melhores esforços no sentido:
– de que o número de acções sujeitas ao ACORDO DE PREFERÊNCIA viesse a totalizar um mínimo de 42.900.000, correspondentes a 39% do capital social do ... consequente da execução do aumento de capital em curso (fosse mediante a adesão de novas entidades ao ACORDO DE PREFERÊNCIA, fosse mediante a extensão deste a acções adicionais pertencentes aos seus outorgantes);
– de que o número de acções sujeitas ao ACORDO DE PREFERÊNCIA, adicionado ao das acções pertencentes a entidades que assumissem o compromisso de não as alienar até ao termo do prazo da opa, totalizasse 42.900.000;
Na segunda, os outorgantes comprometiam-se a submeter ao ACORDO DE PREFERÊNCIA quer as acções ... já detidas mas até então dele excluídas, quer as acções ... que adquirissem até ao termo do prazo da OPA lançada pelo ..., ou ao de outra eventualmente concorrente;
A fasquia das 42.900.000 acções, supra referida, explicava-se pelo facto de esse número representar mais de 50% do total das acções já reprivatizadas (concretamente, 50,5%), assegurando assim, qualquer que fosse o desfecho da opa, a liderança do Banco, no pressuposto, claro está, de que a última fase da reprivatização ocorreria com respeito pela preferência dos accionistas;
Esse pressuposto era generalizadamente tido por certo, inclusive pelo próprio ..., como o comprova a condição mínima de sucesso inicialmente prevista para a sua opa (41.800.000 acções) ;
A ... em execução dos referidos acordos de 3 de Agosto, adquiriu, nos dias. 8 e 9 de Agosto, em sessões da Bolsa de Valores de Lisboa 825.077 acções;
As compras, de resto, só não prosseguiram porque a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, em 10 de Agosto de 1994, suspendeu a negociação de acções do ..., nos termos do art. 177º do CodMVM, mantendo essa medida durante um período latissimo, pese embora os protestos do grupo português;
No dia 1 de Agosto de 1994, todos os elementos do grupo português tomaram a decisão, aprovada por unanimidade, de requerer a convocação de uma Assembleia Geral do ..., com vista a deliberar o alargamento do número de membros do Conselho de Administração de sete para quinze membros, procedendo-se à eleição dos novos membros do conselho de Administração;
Pretendia o grupo português mudar radicalmente a estrutura de Administração, reforçando-a com pessoas de reconhecido mérito que contribuíssem para a sedimentação do lugar cimeiro que o ... ocupava no sistema bancário, e, por outro lado, que os principais elementos do GRUPO PORTUGUÊS entrassem para administração do ..., dando expressão às alterações da estrutura accionista do ... resultantes da 3ª fase da reprivatização;
Em comunicado posterior, os accionistas do GRUPO PORTUGUÊS, manifestavam a orientação por eles pretendida para o Banco, que passava pelo apoio à estratégica apresentada pela Administração aquando da última Assembleia Geral, nomeadamente no que concerne à aceleração da reestruturação necessária do Grupo ... "incluindo a integração de linhas de negócio e posterior adopção de uma política de 'cross-selling' (disponibilização de uma gama alargada de produtos financeiros a todos os seus clientes)";
E que, entretanto, se procedera à contratação dos serviços da Union de banques Suisses, para efeitos da preparação da defesa (face à opa do ...) e, sobretudo, para avaliar o ..., analisando a sua actividade, organização e perspectivas, bem como a necessidade e os custos de uma reestruturação, e para elaborar um plano estratégico, que considerasse as necessidades de capital do ... e as oportunidades de venda de activos ou da entrada de parceiros estratégicos;
Tal como o requerimento de convocatória da Assembleia Geral, também os nomes a eleger para o Conselho de Administração foram acordados por unanimidade;
A decisão ministerial de indeferimento da pretensão do ... de adquirir uma participação qualificada no ... mereceu o agrado de alguns membros do Grupo Português;
Em entrevista do Eng. ..., vice-presidente do Grupo A..., ao jornal Público, publicada em 9/9/94 a ... havia, defendido que o governo devia deixar o mercado funcionar livremente e que, por conseguinte, devia autorizar a OPA do ... sobre o ...;
Nessa entrevista, o vice-presidente do grupo A... cuidou de distinguir entre, por um lado, o papel do governo no concernente à autorização de aquisição de uma participação qualificada no capital social do ... e, por outro lado, o papel do Estado, enquanto accionista do ... e parte no processo de reprivatização, opinando que, nesta segunda veste, o Estado devia tomar uma "posição pública, tornando claros os compromissos" que tinha com o grupo de industriais do norte, no âmbito do processo de privatização do ...;
Mais afirmava que "o accionista Estado [devia tomar uma posição pública pois nos últimos anos teve um papel importante na própria constituição do NÚCLEO e foram muitos os compromissos assumidos" e "que o Estado incentivou e apoiou o núcleo a prosseguir na privatização e que isso não pode ser letra morta";
A ... pretendia que o Grupo Português fosse objecto de um processo a que chamava de "decantação", com saída de alguns dos seus elementos, sem ambições estratégicas e/ou com problemas de liquidez e agravando, pois, em termos radicais, a mera limitação decorrente da estipulação de preferência;
Alargando a sua própria posição relativa no seio do grupo, de forma a alcançar uma liderança forte e inquestionada;
A ... reputava essencial concentrar as acções do grupo em dois ou três dos seus membros e atrair para o projecto dois investidores estratégicos, um nacional e outro estrangeiro – capazes de conferir-lhe credibilidade de gestão, mas sem sacrifício da sede indiscutivelmente nacional dos centros de decisão;
Aos quais abriria o seu próprio capital (dela ...), com o que reuniria os meios financeiros necessários ao projecto;
O Ministro das Finanças autorizou a aquisição de uma participação superior a 20%, como acompanhou, também, a par e passo, as diligências realizadas pela ..., as quais culminariam, já em Janeiro de 1995, com a celebração de um pré-acordo com uma instituição de crédito portuguesa, visando a sua entrada no capital da mesma ..., para os fins supracitados;
A comunicação a que se refere a alínea CH) foi efectuada na expectativa dos fins referidos nos quesitos 105º a 109º;
No próprio dia 16 de Janeiro de 1995, foi emitido um comunicado, amplamente divulgado pelos órgãos de comunicação social, em que a A... tornava pública a liderança que lhe havia sido conferida pelos outros Outorgantes do ACORDO DE PREFERÊNCIA, para que, dentro de uma base accionista estável, promovesse o rearranjo de um grupo de accionistas (com alguns dos então membros do chamado "núcleo duro" e outros novos) que permitissem manter o ... inequivocamente detido por capitais maioritariamente portugueses e com um centro de decisão localizado no Porto;
E dava conta do seu propósito de desenvolver negociações com o Governo para que se pudesse executar, com carácter de urgência, a última fase de reprivatização do ..., em conformidade com os compromissos assumidos pelo mesmo Governo, bem como de encetar uma política de alianças que reforçasse as possibilidades da sua estratégia e impedisse o sucesso da opa;
Constou na imprensa que o Governo defendia que o grupo português apenas poderia contrariar a ofensiva do ... através de opa geral concorrente, já que tencionava vender numa operação deste tipo;
O ... e a ... obtiveram num par de dias a autorização de que careciam, nos termos do art. 4º do Dec.-Lei nº 380/93, de 15 de Novembro, autorização pela qual a ... tivera de aguardar dois meses;
O Estado, que até então havia adiado o momento de proceder à 4ª fase da reprivatização do ..., dispôs-se a aceitar a proposta do .../..., entidade estranha ao Grupo Português, aprovando em tempo record uma privatização por venda directa;
Em meados de Fevereiro de 1995, o Governo nomeou um novo administrador para o ..., como representante do Estado, com a possibilidade de suspender deliberações e a obrigação de comunicar ao Governo todos os factos da vida da instituição que sejam de interesse para o Estado;
A ... tentou preservar a sua situação no seio da estrutura accionista do ... e opor-se à opa;
A estratégia consistia em celebrar acordos de stand-still (de não venda na opa) com accionistas do Banco representativos de cerca de 25% (grupo valouro inclusive), após o que a ... exerceria a opção de compra conferida pelo acordo de 16 de Janeiro, assim se perfazendo os 50,00001% necessários a obstar à obtenção do limite mínimo de sucesso estipulado pelo ... e pela ...;
A A... chegou a celebrar com a sociedade ..., titular de 1.888.12l acções do ..., um contrato de opção de compra dessas acções ao preço de 2.800$00 (cuja redução a escrito, prevista para 13 de Março de 1995, acabou por não ocorrer, em virtude do desinteresse da A...), decalcado do contrato de 16 de Janeiro;
Além de outros pormenores, a diferença que existia do contrato referido no quesito 128º relativamente ao contrato de 16 de Janeiro era a opção conferida ao terceiro que a A... designasse;
Tal clausula destinava-se a que não fosse excedido o limite de 26,48% fixado pelo Ministro das Finanças no seu despacho de 7 de Dezembro de 1994;
Embora inicialmente receptivas, a instituição de crédito portuguesa atrás referida e uma instituição de crédito estrangeira, entretanto contactadas, recusaram o seu auxílio;
A ... foi forçada a fazer o referido na alínea CK), já que era absolutamente seguro que, mesmo no caso contrário, a opa não deixaria de ter sucesso e que as acções que a ... conservasse passariam a valer muito menos do que a contrapartida da mesma opa, dada a clara posição de domínio alcançada pelo ...;
O acordo de preferência não foi violado por nenhum dos Outorgantes até à venda na OPA;
Tal como previsto, quer no texto da resolução do Conselho de Ministros nº 44/93, quer no próprio caderno de encargos, para efeitos da venda directa, foi contratada uma entidade especializada - o Crédit Commercial de France - para proceder à negociação da venda de acções nos termos previamente estabelecidos;
Foi a referida entidade especializada que propôs ao Ministro das Finanças a lista das instituições a contactar para efeitos de negociação e venda de acções, mas foi o Ministro das Finanças quem aprovou a referida lista;
E foi o Governo, através de Resolução do Conselho de Ministros, quem seleccionou os candidatos à compra, com base em relatório para o efeito elaborado pela entidade especializada;
O grupo português e o Estado negociavam a composição dos órgãos sociais do ... e da respectiva Comissão de Vencimento, pois era entendimento do Governo que os administradores executivos e os administradores não executivos deveriam ser indigitados, respectivamente, pelo Grupo Português e pelo Estado, embora uns e outros tivessem de merecer a concordância da outra parte e todos devessem constar de uma lista comum, subscrita pelo Estado e pelo grupo português (sem discriminar entre os representantes daquele e os deste) ;
A ... nunca adquiriu acções do ... (designadamente ao Estado) apenas na mira de obter uma boa remuneração pela via de dividendos e/ou pela via de mais-valias obtidas numa eventual venda, de tal modo que lhe interessasse apenas a conservação e o aumento do património investido e a respectiva liquidez;
Nunca a postura da ..., em ordem ao ..., foi a de um mero aforrador com fins de investimento, ou seja, a de alguém que não reclama nenhuma co-actuação em decisões organizatórias ou de gestão e se dispõe a confiar numa hetero-administração competente, cuidadosa e profissionalizada;
Bem ao invés, sempre a ... pretendeu alcançar influência nos destinos do ..., aspirando a uma intervenção activa na vida dessa corporação, alcandorando-se a uma posição que lhe permitisse assenhorear-se ( pelo menos parcialmente ) do poder de decisão, mediante a eleição de um número adequado de pessoas da sua confiança para os órgãos de administração do Banco, para, no mínimo, poder influenciar a definição do rumo estratégico do Banco e das suas grandes linhas de orientação, bem como dos parâmetros da intervenção dessa instituição de crédito em consórcios para empreendimentos determinados;
O Grupo Português e a ... confiaram que. o Estado continuaria a reprivatização do ... nos termos definidos pelo Secretário de Estado das Finanças no jantar do Palácio da Palmeira e não cuidaram de preservar a sua posição no seio da estrutura accionista do ..., designadamente através do reforço dessa mesma posição em bolsa, em tempo oportuno, de modo a colocarem-se a coberto de qualquer take-over;
Os interesses patrimoniais do Estado poderiam ter sido adequadamente defendidos através do mero lançamento de uma oferta pública de venda (OPV), por leilão competitivo, ao preço mínimo de 2.730$00, e cuja eficácia fosse condicionada à colocação de todas as 26.830.691 de acções então na posse do Estado – mas sem que aos potenciais adquirentes fosse imposto o lançamento de qualquer OPA geral;
O ... e a ... adquiriram a totalidade do capital social do ... por uma contrapartida global de 308 milhões de contos;
O ... e a ... avaliaram o ... em, pelo menos, 308 milhões de contos, atendendo ao "valor potencial após reestruturação";
Entendendo-se por "valor potencial após reestruturação" o valor resultante da implementação de mudanças substanciais quer no próprio ... quer no GRUPO ... – ao nível da sua organização, actividade e gestão –, do estabelecimento de ligações a parceiros estratégicos e do aproveitamento de oportunidades de venda de activos;
A verdade é que este último valor excedia o correspondente ao método dos resultados normalizados em várias dezenas de milhões de contos, situando-se acima dos 308 milhões de contos que subjaziam à OPA do ... e da ... (110.000.000 de acções x 2.800$00) ;
A ... tencionava empreender um vasto conjunto de operações de reestruturação do GRUPO ... que atalhassem a esses factores de desvalorização, entre as quais se destacavam as seguintes:
- fusão das empresas financeiras instrumentais (sociedades locadoras, de factoring e de crédito ao consumo), pressupondo uma redução dos custos de estrutura de cerca de 30% e envolvendo um valor de poupança de 1,09 milhões de contos, o qual, multiplicado por um PER de 10,5, envolveria um ganho (após impostos) na ordem dos 7,5 milhões de contos;
– fusão de dois dos Bancos pertencentes ao GRUPO (... e ...), com redução do número de balcões, empregados e custos de estrutura, e consequente impacto positivo no valor do GRUPO ... (rondando os 47,5 milhões de contos) ;
- venda de 50% do "portfólio" de investimentos industriais e de 25% do "portfólio" imobiliário gerando um "cash-flow" de 4,1 milhões de contos e um ganho, via juros, de 264 mil contos, o que originaria um acréscimo de valor de 1,7 milhões de contos;
- medidas destinadas a obter ganhos de eficiência na rede de distribuição do GRUPO ... com impacto de várias dezenas de milhões no valor do ...;
- medidas destinadas a reforçar a capacidade de gestão do Banco;
- concentração das actividades de gestão de fundos do GRUPO ...;
Caso o Estado se tivesse abstido de vender na OPA, a ... teria exercido as opções de compra de que dispunha, relativas a 17,94% do capital do ..., elevando a sua participação para 25,2% – os quais, adicionados aos 24,39% do Estado e aos 3,66% do GRUPO ... (impedido de vender na OPA dado o contrato anteriormente referido) perfariam mais dos que os 50% necessários para tornar inviável a verificação da condição de sucesso da mesma OPA geral (aceitações totalizando 50,00001%) ;
Repelida a tentativa de take-over, a dimensão da participação da ... no ... (que, recorde-se, ascenderia a 25,2%, na sequência do exercício das opções de compra) ter-lhe-ia atribuído uma situação privilegiadíssima no plano do controlo ou do co-controlo do ...;
Sendo certo que o limiar da influência dominante será tanto mais baixo quanto maior for a disseminação do capital por um massa de pequenos accionistas, pois estes últimos – dada a natureza e a dimensão da sua participação – abdicam de se envolver na gestão societária e abstêm-se, por isso, de comparecer às assembleia gerais;
Inexistindo qualquer articulação desses accionistas uns com os outros, ou entre qualquer deles e os demais;
Isso teria revertido em favor da ..., dado o abandono dos outros membros da GRUPO PORTUGUÊS;
As acções que habilitam o seu titular a exercer uma (co-)influência dominante sobre a vida e a actividade da sociedade ou lhe conferem um situação privilegiada no plano do controlo ou do acesso ao controlo (acções de controlo) têm um valor acrescido face às demais (acções de poupança);
Um bloco de controlo tem um valor superior ao resultante da mera soma algébrica do "valor aritmético" de cada uma das acções de que se constitua (quer do valor obtido a partir dos resultados normalizados, quer mesmo do valor potencial após reestruturação, sendo este superior ao primeiro), correspondente ao valor imputável ao próprio controlo e decorrente, nomeadamente, da possibilidade de eleger os órgãos sociais e de determinar por essa via a estratégia a seguir pela empresa, de influenciar as políticas de dividendos, de endividamento e/ou de reforço dos capitais próprios, etc.;
Assegurando, por essa via, importantes sinergias, vantajosas não só para a Sociedade-alvo, como para a própria empresa dominante;
A posição dominante da ... teria permitido à A... e ao GRUPO que ela encabeça estabelecer com o GRUPO ... relações benéficas aos mais diversos níveis aproximando, demais disso, as estruturas de retalho (cross selling de produtos .../rede de retalho da A...) e colocando sob uma gestão integrada os activos imobiliários do GRUPO A... e do GRUPO ...;
O co-controlo do ..., podia sempre ser alienado, total ou parcialmente, pela ... (venda de acções do ...) e/ou pela A... (venda de acções da ...), nomeadamente a entidade(s) cujo relacionamento com o ... lhe(s) permitisse obter sinergias ainda de maior monta que as alcançáveis pela .../A... – maxime a outras instituições de crédito –, e que, por isso, por certo se disporiam a pagar por esse bem um sobrepreço, face ao valor potencial após reestruturação, superior ao valor das ditas sinergias emergentes do domínio do ... pela .../...;
O "prémio de controlo" representa uma realidade que não se confunde com o ganho potencial resultante de uma reestruturação e que antes deverá acrescer a esse ganho, quando ele exista;
Um accionista de controlo nunca receberá, numa OPA geral, uma contrapartida adequada para a posição dominante de que abre mão;
Numa OPA geral, o oferente distribui o valor equivalente às sinergias esperadas por todos os accionistas;
Os títulos que se cotam em bolsa são apenas as acções de poupança;
As acções de controlo, essas, valem, por definição, mais do que a contrapartida prevista no quadro de uma OPA geral;
Possuindo acções que lhe permitissem o controlo, ao ..., abria-se-lhe a possibilidade de aceder desde logo a uma posição (co-)dominante no ..., que ele trataria de reforçar, posteriormente, aquando da concretização da última fase da reprivatização;
Neste segundo cenário (OPA parcial), portanto, o ... visava a obtenção do controlo mediante a efectivação de um investimento substancialmente inferior (34,5%, por contraposição a 100%), razão por que, compreensivelmente, se dispunha a pagar por acção mais do que a contrapartida que viria a prever no quadro da OPA geral;
Nenhum evento ocorrido entre Julho de 1994 e Janeiro de 1995, interno ou exterior ao ..., pode explicar a diversidade das contrapartidas por acção previstas nas duas preditas OPA’s;
A A.../... ao ser forçada a alienar as suas 7.997.760 acções do ... recebeu como contrapartida a quantia referida na alínea BW), por acção;
Acresce, por outro lado, que a ... encabeçava a corrida pelo controlo pleno do ..., a final do processo de reprivatização do ...;
Se o Estado tivesse alienado os seus 24,39%, por meio de OPV com preferência dos accionistas ou por concurso público, aberto não apenas a quem se dispusesse a lançar uma OPA geral, teria sido possível à ... abrir o seu capital a outras entidades reunindo os fundos necessários ao exercício das opções e à aquisição das acções do Estado;
O lote era particularmente valioso para a ..., no âmbito do Grupo Português, já que, com o mesmo obteria o domínio do ...;
Mesmo a um preço de 2.730$00, as acções não teriam qualquer atractivo para investidores com uma óptica puramente financeira;
Tal como o controlo mitigado propiciado pela participação de 25%/26%, também o controlo absoluto ligado a uma participação superior (num máximo de 50,01%) – este por maioria de razão – teriam inegáveis vantagens também para a A..., accionista a 100% da ..., em termos de sinergias e economias de escala e pelo especial valor da posição da ... que seria facilmente mobilizável pela A... através da venda ( total ou parcial ) da própria ...;
A posição da ... era ainda particularmente atractiva para instituições de crédito estrangeiras, pela ligação preferencial ao ... alcançável por seu intermédio;
O documento referido no quesito 184º foi elaborado pelo Governo de acordo com o Grupo Português;
Em 8 de Fevereiro de 1994, o Secretário de Estado das Finanças, Dr. ..., enviou ao grupo português uma proposta de documento, destinado a ser remetido, conforme anteriormente combinado, sob o pretexto de acusar a recepção da convenção adicional dita no quesito 64º, na verdade já na posse do Governo;
O teor do dito documento, de resto, havia sido acordado anteriormente, ainda em 1993, entre o Secretário de Estado Dr. ... e o grupo negociador;
Em 11 de Fevereiro de 1994, o grupo português viria a aprovar a minuta do Secretário de Estado das Finanças, alvitrando, porém – a conselho do Dr. ... e do Sr. Dr. ... – um parágrafo introdutório, e que o Secretário de Estado das Finanças viria a incluir na comunicação que dirigiu ao Grupo Português em 14 de Março de 1994 e que consta da alínea AO) ;
O Estado aceitou a escolha da administração do ... e a vender às entidades referidas na alínea AH) ;
Os termos da 3ª fase de reprivatização foram acordados entre o Estado e o grupo português, inclusivamente pelo que concerne ao seu timing;
Também a venda directa a instituições estratégicas estrangeiras foi objecto de acordo entre o Estado e o Grupo Português, já que a ligação a tais instituições poderia contribuir para reforçar o processo de internacionalização do Banco e potenciar a exploração de sinergias no seio de um mercado cada vez mais amplo e competitivo;
A correlação de forças ainda existente (o Estado detinha ainda 49,4%) levou, porém, a que o grupo português, pela sua parte – e por recomendação, de resto, do então Presidente do ..., Dr. ... –, tivesse optado por reconduzir o Conselho de Administração em funções, a título precário, o que mereceu a anuência do Estado, o qual, por seu turno, igualmente com o agrement do grupo português, indicou como "seus representantes", não executivos, o Sr. Dr. ... e o Prof. Doutor ....” – cfr. fls. 2593-2623.
3 – O DIREITO
3.1 – Como decorre do já atrás exposto a sentença recorrida julgou improcedente a acção intentada pelas Recorrentes, absolvendo o Réu do pedido.
Para assim decidir baseou-se no quadro que seguidamente se sintetiza:
- O pedido de condenação do Estado radica na alegada violação de acordos anteriormente estabelecidos e da prática de um acto administrativo ilegal, consubstanciado na definição por parte do Governo dos termos da última fase da reprivatização do ...;
- Da matéria de facto dada como provada resulta que houve um acordo ou uma definição dos interesses do Estado e do Grupo Português, de modo a possibilitar que o Estado conseguisse uma privatização com sucesso e o Grupo Português lograsse alcançar uma vantagem em termos accionistas quer lhe permitisse dominar o ...;
- Dentro deste específico contexto, foi dado como assente que o Governo por intermédio, essencialmente, do Secretário de Estado de Finanças, havia sempre dito que todas as fases de reprivatização se fariam com preferência pelos accionistas, quando é certo que a derradeira fase se reconduziu a uma venda quase directa por parte do Estado ao .../..., ao aceitar vender na OPA que estes tinham lançado;
- É, assim, indubitável que o Estado se “comprometeu” face aos accionistas e público em geral em reprivatizar o ..., com dispersão do capital, com preferência dos seus accionistas e de modo a que o capital ficasse maioritariamente nas mãos de entidades nacionais;
- Por isso é que o Grupo Português se organizou, em consonância com os interesses do Estado, de modo a reunir os fundos necessários para permitir ao Estado reprivatizar o ... com sucesso e simultaneamente passar a dominar o dito Banco em seu próprio proveito.
- Porém, a última fase da reprivatização não se processou nos mesmos moldes das anteriores fases e deu origem a que todos os accionistas fossem levados os vender as suas acções;
- Os acordos celebrados no âmbito do Grupo Português a pedido do Estado não foram violados pelos seus subscritores em momento prévio ao da venda do Estado na OPA lançada pelo .../..., tendo a sua violação sido uma consequência directa e necessária do incumprimento por parte do Estado dos moldes da reprivatização que havia anunciado;
- Não existiu qualquer acordo escrito entre o Estado e o Grupo Português no sentido de que a reprivatização na sua totalidade se faria única e exclusivamente nos termos anunciados e com preferência pelos membros do Grupo Português;
- Daí que as declarações dos membros do Governo sobre o modo como se desenrolaria a reprivatização se assemelhem às declarações pré-contratuais do direito privado e, nessa medida, poderiam originar a responsabilização do Estado;
- Na verdade, em sede pré-contratual, as partes devem actuar de boa-fé, com lisura e respeito pela contraparte;
- A responsabilidade pré-contratual do direito civil visa tutelar directamente a fundada confiança de cada uma das partes em que o outra conduza as negociações segundo a boa-fé, e, deste modo, as expectativas legítimas que a mesma lhe crie, não só quanto à validade e eficácia do negócio, mas também quanto à sua futura celebração;
- Contudo, a dever de indemnizar não abrange, nunca, o ganho que derivaria para a parte lesada da efectiva celebração do negócio;
- Ora, no caso em apreço, às AA não assiste o direito a qualquer indemnização a título do ressarcimento dos ganhos que o Grupo Português poderia ter obtido se a reprivatização se tivesse processado nos moldes anunciados, tanto mais que as AA tiveram um benefício com a venda das suas acções, à data, de vários milhões de contos, não tendo sofrido quaisquer danos ou prejuízos por terem entrado nas aludidas “negociações” com o Estado;
- Por outro lado, os actos administrativos praticados pelos membros do Governo no âmbito de reprivatização do ... não legitimam o pedido imdemnizatório formulado pelas AA;
- É que o incumprimento das normas legais que condicionavam o adopção de um modelo para a última fase da reprivatização não poderia dar origem a que nascesse na esfera jurídica de qualquer dos accionistas do ... o direito a uma indemnização por esse facto, a menos que houvesse perdas efectivas, em especial, a descida do valor das acções;
- As normas pretensamente violadas não se destinam a proteger os interesses de um cidadão em concreto ou de um grupo concreto de cidadãos, destinando-se antes de mais a garantir que o bem comum é protegido e salvaguardado de actos menos correctos ou ilegais;
- Por isto é que não nasceu na esfera jurídica das AA qualquer direito indemnizatório por violação das apontadas regras legais, destarte se não mostrando cumulativamente preenchidos os requisitos previstos no artigo 2º do DL 48051, de 21/11/67.
3.2 Acontece, porém, que outra é a posição sustentada pelas Recorrentes.
Na sua essência tal posição pode resumir-se nos pontos que seguidamente se enunciam:
- Os contactos havidos entre o Estado e o Grupo Português acabaram por se consubstanciar na conclusão de “acordos simples” de “entendimentos”, quando não até na celebração de um contrato verdadeiro e próprio, a isso não obstando, designadamente, a circunstância de o mesmo não ter sido reduzido a escrito;
- A conduta do Estado ao não respeitar na última fase do processo os compromissos anteriormente assumidos quanto à manutenção do mesmo modelo de reprivatização, corresponde a violação dos seus compromissos e da confiança, e dos deveres de cuidado, atentando contra o princípio da boa-fé, na sua vertente de protecção da confiança, princípio que, apesar de só expressamente consagrado através do DL 6/96, de 31/1, e da revisão constitucional de 1997, já antes era tido como vigente também no direito administrativo;
- A descrita actuação do Estado acabou por frustrar os objectivos que nortearam as aquisições prosseguidas pela ..., em termos da participação no ...;
- Razão pela qual o acto contido no artigo 1º do DL 20-A/95, infrinja, desde logo, o dito princípio da boa-fé, para além de inobservar os princípios da proporcionalidade e da protecção de direitos e interesses legítimos;
- Ao que acresce a violação do artigo 296º da CRP e de diversas regras da Lei-Quadro das Privatizações, sendo que, em relação a estas, importa realçar que não se pretendeu apenas proteger o interesse público, apresentando-se as mesmas também vocacionadas para a protecção dos direitos já constituídos, ao abrigo das fases anteriores ou de acordos conexos, consubstanciando-se a negação da tutela jurisdicional às posições subjectivas das Recorrentes - que é o que na realidade a sentença do TAC faz – não só na violação do direito fundamental de tutela, mas também numa interpretação inconstitucional das regras sobre privatização em geral e do ... em especial;
- A modalidade adoptada para a 4ª fase não é uma “venda directa”;
- Por outro lado, mesmo que de “venda directa” se tratasse, ainda assim não estavam verificados os pressupostos legais para a sua adopção;
- De qualquer modo, não se justifica, no caso em análise, a escolha feita pelo Estado, já que se tivesse optado pelas modalidades regulares não deixaria de ter obtido iguais ou melhores resultados, avaliados do ponto de vista dos interesses do Estado;
-iolação do dever de boa administração;
- Acresce que, mesmo que fosse de situar a questão em apreciação no âmbito da responsabilidade pré-contratual sempre careceria de suporte bastante a tese acolhida na sentença e que aponta para a não consideração do dano negativo, antes se devendo aferir se o acto de reprivatização provocou prejuízos e, em caso afirmativo, reconhecer o direito à indemnização, que terá de abranger todos os prejuízos sofridos pelo lesado, desde que imputáveis ao facto lesivo, sendo que, também, a este nível se verificam os necessários pressupostos que condicionam o direito a indemnização;
- Revertendo, agora, ao campo da responsabilidade extracontratual por actos ilícitos cumpre salientar que, também aqui, se mostram preenchidos os pressupostos legais;
- Por último, mesmo que fosse de admitir não existir qualquer ilegalidade em sede do acto que procedeu à última fase reprivatização do ..., então, a acção também não poderia deixar de proceder, na medida em que os prejuízos sofridos pelas Recorrentes, por via de tal acto, se têm de considerar especiais e anormais, justificando-se, assim, o apelo à responsabilidade por factos lícitos, não devendo a respectiva indemnização ser inferior à que resultasse dos princípios gerais da responsabilidade por actos ilícitos;
- O que tudo deverá levar à revogação da sentença recorrida, julgando-se a acção procedente e provada.
mos, então, se assiste razão às Recorrentes.
3.3.1 Do que já se atrás se referiu decorre, desde logo, a importância de que se reveste, não só em sede da tese defendida pelas Recorrentes mas também para a própria decisão a proferir no âmbito do presente recurso jurisdicional, da questão da alegada violação do princípio da boa-fé, não sendo, por isso, descabido, procurar discorrer, ainda que sinteticamente sobre o mesmo.
Como resulta dos termos em que a acção foi intentada o acto ilegal tido como gerador do invocado direito à indemnização consubstancia-se no acto que se mostra contido no artigo 1º do DL 20-A/95, de 30-1-95.
Importa, aqui, salientar, ab initio, que se não pode questionar neste processo a natureza de acto administrativo contido no citado artigo 1º.
Na verdade, como bem se assinala no Parecer de Sérvulo Correia, junto a fls. 1106 e seguintes, em especial, a fls. 1126, “formou-se caso julgado sobre a competência em razão da matéria do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, que pressupõe” tal natureza, razão pela qual se não possa, agora, questionar tal qualificação.
3.3.2 Ora, tendo em atenção a data da prática do acto em questão, poder-se-ia pretender afastar, in limine, a invocabilidade do princípio da boa-fé, enquanto fonte de invalidade do aludido acto.
Na verdade, como é sabido, tal princípio só foi expressamente acolhido no direito administrativo com as alterações introduzidas no CPA, pelo DL 6/96, de 31-1-96 (que aditou a tal diploma legal o artigo 6º-A) logo em data posterior à da prolação do questionado acto.
Contudo, a apontada circunstância de o acto que aprovou a 4ª fase da reprivatização do ... ter sido praticado depois da entrada em vigor do citado preceito legal não constitui obstáculo ao eventual apelo que se pretenda fazer ao princípio da boa-fé enquanto parâmetro aferidor da legalidade do questionado acto.
É que tal principio não deixa de ser actuante, em sede do direito administrativo, apenas pelo facto de não estar expressamente consagrado na lei.
Com efeito, uma das fontes não voluntárias do direito administrativo consiste nos princípios jurídicos fundamentais, cuja validade e obrigatoriedade não está dependente do facto de serem ou não acolhidos pelo legislador.
Trata-se aqui de algo que o legislador não cria nem estabelece, sendo que naqueles casos em que expressamente os consagre mais não está do que a reconhecer uma realidade já anteriormente existente.
Um de tais princípios consiste, seguramente, no principio do Estado de Direito Democrático, apresentando-se a protecção da boa-fé como uma das suas decorrências, assumindo-se o princípio da boa-fé como um dos princípios gerais que servem de fundamento ao ordenamento jurídico.
Vidé, neste sentido, entre outros, Afonso Queiró, in Estudos De Direito Público”, Vol. II, Obra Dispersa, Tomo I, a págs.179 e seguintes, Jesus Gonzalez Perez, in “El principio general de la buena fe em el derecho administrativo”, 2ª edição, a págs. 22 e F. Castillo Blanco, in “La protección de confianza en el Derecho Administrativo”, a págs. 59
Aliás, impondo o princípio da legalidade, acolhido no artigo 3º do CPA, que os órgãos da Administração pública actuem em obediência à lei e ao direito, daqui decorre que na sujeição da Administração ao “direito” este “vai manifestamente entendido em sentido objectivo, reportado às fontes de Direito..., incluindo os princípios gerais, mesmo se estes não constem de norma escrita.” – apud M. Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, in “Código do Procedimento Administrativo”, 2ª edição, a págs. 91.
Ou seja, também por esta via se chega à efectiva possibilidade de invocação e aplicação do princípio da boa-fé, no campo do direito administrativo, mesmo na ausência da sua consagração expressa em qualquer norma, destarte se assumindo com um princípio geral da acção administrativa.
Vidé, neste sentido, entre outros, Freitas do Amaral, in “Direito Administrativo”, Vol. III, a págs., 348 o seu “Curso de Direito Administrativo”, II, a págs. 122 e “Os direitos fundamentais dos administrados”, in “Nos dez anos da Constituição”, a págs. 20, Marcelo Rebelo de Sousa, in “O concurso público na formação do contrato administrativo”, a págs. 52, Menezes Cordeiro, in “Da boa fé no Direito Civil, I, a págs. 383, António Lorena de Sèves, in “Cadernos de Justiça Administrativa” nº 3, a págs. 33 e “Seminário Permanente de Direito Constitucional e Administrativo”, Vol. I, a págs. 58 e seguintes e Karl Larenz, in “Derecho de Obrigaciones”, Vol. I, a págs. 144 bem como o Parecer da Procuradoria-Geral da República nº 138/79, de 20-12, in BMJ 298, a págs. 21.
A este nível o mencionado princípio apresenta-se como um dos limites da actividade discricionária da Administração, deste modo se traduzindo numa das técnicas de controlo do uso dos poderes discricionários.
Vidé, neste sentido, entre outros, Díez, in “Manual de Derecho Administrativo, Vol. I, a págs. 33, Gordillo, in “Tratado de Derecho Administrativo”, Tomo I, ap. VIII, 15.3 e Dromi, “Manual de Derecho Administrativo”, Vol. I, a págs. 88 e 409.
A este nível, deparamos com um dos mais importantes contributos da figura dos “princípios gerais de Direito”, ao permitir, por via da sua aplicação, um maior controlo dos actos praticados no exercício de poderes discricionários.
Cfr., Eduardo García de Enterría, in “La lucha contra las inmunidades del poder”, 3ª edição, a págs. 42 e seguintes.
O principio em análise opera com relação aos actos jurídicos bem como com os direitos que se exercitam e as obrigações que se cumprem, passando, fundamentalmente, pela emissão de um juízo de valor aplicado a uma conduta quando confrontada com um determinado comportamento anterior.
Um dos corolários do princípio da boa-fé consiste no princípio da protecção da confiança legítima, incorporando a boa-fé o valor ético da confiança.
Vidé, Marcelo Rebelo de Sousa e José de Melo Alexandrino, in “Constituição da República Portuguesa Comentada”, a págs. 396, Margarida Olazabal Cabral, in “O concurso público nos contratos administrativos”, a págs.92, Jesus Gonzalez Perez, in “El principio general de la buena fe en el derecho administrativo”, 2ª edição, a págs. 52, Frederico Castilho Blanco, in “La protección de confianza en el derecho administrativo,”, a págs. 77 e seguintes e Sainz Moreno, in “La buena fe en las relaciones de la Administración con los administrados”, in Revista de Administración pública”, nº 89, a págs. 314.
Pode dizer-se, numa formulação sintética, que a Administração viola a boa-fé quando falta à confiança que despertou num Particular ao actuar em desconformidade com aquilo que fazia antever o seu comportamento anterior, sendo que, enquanto princípio geral de direito, a boa-fé significa “que qualquer pessoa deve ter um comportamento correcto, leal e sem reservas, quando entra em relação com outros pessoas” – apud M. Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco Amorim, in “Código do Procedimento Administrativo”, 2ª edição, a págs. 108 -, apresentando-se como vocacionado para, designadamente, impedir o verificação de comportamentos desleais e incorrectos (obrigação de lealdade).
Aliás, a exigência da protecção da confiança é também uma decorrência do princípio da segurança jurídica, imanente ao Estado de Direito.
Contudo, a aplicação do princípio da protecção da confiança está dependente de vários pressupostos, desde logo, o que se prende com a necessidade de se ter de estar em face de uma confiança “legítima”, o que passa, em especial, pela sua adequação ao Direito, não podendo invocar-se a violação do princípio da confiança quando este radique num acto anterior claramente ilegal, sendo tal ilegalidade perceptível por aquele que pretenda invocar em seu favor o referido princípio.
Por outro lado, para que se possa, válida e relevantemente, invocar tal princípio é necessário ainda que o interessado em causa não o pretenda alicerçar apenas na sua mera convicção psicológica antes se impondo a enunciação de sinais externos produzidos pela Administração suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde se possa razoavelmente ancorar a invocada confiança.
Vidé, neste sentido, Jesus Gonzalez Perez, in “Comentarios a la ley de procedimiento administrativo”, a págs. 982-983.
Acresce que um outro pressuposto a atender relaciona-se com a necessidade de o Particular ter razões sérias para acreditar na validade dos actos ou condutas anteriores da Administração aos quais tenha ajustado a sua actuação.
Cfr., Ramon Parada, in “Derecho Administrativo I Parte General”, 2ª edição, a págs. 341-342.
3.3.3 Por sua vez, este STA também tem admitido a aplicação quer do princípio da boa fé quer do principio da protecção da confiança no âmbito do direito administrativo.
e se pode concluir da seguinte resenha:
- Acórdão de 24-3-83 – Rec. 17429;
- Acórdão de 6-6-84 – AD 289, a págs. 62;
- Acórdão de 2-2-88 – Rec. 24979;
- Acórdão de 28-4-88 – Rec. 18436;
- Acórdão de 1-3-89 – Rec. 24444:
“Tendo sido a Administração que deu origem ao erro, a conclusão referida em... é apontada pelo princípio da boa-fé, que à mesma é oponível;
- Acórdão de 12-11-91 – Rec. Nº 23049
“O princípio da boa-fé é hoje pacificamente aceite na doutrina a na jurisprudência administrativas da generalidade dos países, sendo oponível à Administração, rectius se é ela própria a frustar legítimas e fundadas expectativas por si criadas.
..., o princípio do primado do Estado de direito democrático garanta um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas suas expectativas legitimamente criadas e, pois, a confiança das cidadãos e da comunidade na tutela jurídica.”;
- Acórdão de 5-12-91 – Rec. 28237;
- Acórdão de 26-10-94 – Rec. 34604 – Rec. 17626;
- Acórdão de 2-5-95 (Pleno) – Rec. 22871:
“Violam o princípio da confiança comportamentos intrinsecamente contraditórios e inconsequentes, quer quando comparados com outros anteriormente praticados quer quando se tenha em conta o contexto global dos pressupostos de facto e de direito vinculativos da prática de um acto;
- Acórdão de 4-5-95 – Rec. 241450-Z:
“ A violação do princípio da confiança supõe que um destinatário normal, medianamente avisado e cuidadoso, face a determinada conduta da Administração, possa razoavelmente concluir que esta se autovinculou a proferir determinada decisão.”;
- Acórdão de 3-10-96 (Pleno) – Rec. 24079:
“...sendo obviamente certo que os órgãos ou agentes públicos se encontram vedadas actuações de má-fé ou com o propósito de prejudicar ou enganar os administrados.”;
- Acórdão de 11-12-96 (Pleno) – Rec. 32156:
“Os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança,..., estruturantes do princípio do estado de direito..., constituem postulados ou normas de actuação a serem observados no exercício da actividade discricionária da Administração, na qual esta detenha liberdade para escolha de alternativas comportamentais, funcionando pois como limites internos dessa actividade, não relevando assim no domínio da actividade vinculada..., consistente esta na simples subsunção de um dado concreto à previsão normativa dos comandos legais vigentes.” – no mesmo sentido, cfr. o Ac. de 14-5-96 – Rec. 37684;
- Acórdão de 29-9-99 – Rec. 34604;
- Acórdão, de 17-12-99 (Pleno) – Rec. 40313:
“ O princípio da boa-fé, hoje expressamente consagrado no art. 6º A do CPA, mas já anteriormente vigente nas relações jurídicas administrativas, como princípio geral de direito, impõe uma actuação ponderada e coerente...”;
- Acórdão de 28-11-00 – Rec. 42055
Onde se salienta que a boa-fé administrativa implica a criação de um clima de confiança e de previsibilidade nas relações com os particulares, adoptando comportamentos consequentes e não contraditórios;
- Acórdão de 16-10-02 – Rec. 48379:
“Não há violação do princípio da boa-fé se ao requerente... não foram criadas expectativas minimamente sólidas...”;
- Acórdão de 13-11-02 – Rec. 44846:
Onde se refere que o princípio da boa-fé apenas releva “no âmbito da actividade discricionária da Administração.”;
- Acórdão de 30-4-03 (Pleno) – Rec. 47275/02:
“O princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático (art. 2º da C.R.P.), postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia razoavelmente contar.”;
- Acórdão de 6-5-03 – Rec. 46188:
“O princípio da boa fé é acolhido expressamente no art. 6/A do CPA e concretiza-se através de dois elementos básicos: (i) tutela da confiança legítima e (ii) materialidade subjacente. A tutela da confiança assenta por seu turno nos seguintes pressupostos: - boa fé ou ética do lesado; elementos objectivos capazes de provocarem uma crença plausível; desenvolvimento de actividades jurídicas assentes sobre a crença consubstanciada; existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado.”.
3.3.4 O Tribunal Constitucional tem, também, sustentado que o princípio da confiança, insíto na ideia de Estado de direito democrático (art. 2º da CRP) implica um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhe são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia moral e razoavelmente contar.
Cfr., designadamente, os Acs nºs:
- 287/90, de 30-10-90 – Proc. BMJ 400, a págs. 214;
- 302/90, de 14-11-90 – Proc. 107/89 – BMJ 401-130;
03/90, de 21-11-90 – Proc. 129/89, BMJ 401-139;
- 365/91, de 7-8-91 – Proc. 368/91, DR, II Série, de 27-8-91;
- 70/92, de 24-2-92 – Proc. 89/90, BMJ 414-130;
- 410/95, de 28-6-95 – Proc. 248/94 – DR, II Série, de 16-11-95;
- 625/98, de 3-11-98 – Proc. 816/96, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol. 41º, pág. 293;
- 648/98, de 15-12-98 – Proc. Proc 639/97;
- 160/00, de 22-3-00 – Proc. 843/98, DR, II Série, de 10-10-00;
- 109/02, de 5-3-02 – Proc. 381/01 e
- 128/02, de 14-3-02 – Proc. 382/01.
3.3.5 Postos estes considerandos e revertendo, agora, ao caso dos autos, temos que, diversamente do sustentado pelas Recorrentes, a factualidade dada como provada não é valorizável em sede dos princípios da boa-fé e da protecção da confiança, não se pré-figurando a densidade factual conducente à prova do incumprimento, por parte do Estado, dos deveres de conduta exigíveis – no plano ético em que se move uma pessoa normal, recta e honesta colocada na situação jurídica concreta da Administração.
Com efeito, contrariamente ao alegado pelas Recorrentes, não se retiram da matéria de facto apurada sinais suficientemente consistentes de que o Recorrido tivesse inopinadamente destruído expectativas legitimamente constituídas no sentido de a última fase de reprivatização do ... se processar pela forma por elas almejada, não existindo, a este nível, uma adesão consensual e consolidada da Administração a uma solução como a propugnada pelas Recorrentes, não se tendo apurado a existência de uma vontade, clara, firme e inequívoca do Governo em se vincular ao modelo de reprivatização pretendidos pelas Recorrentes, não sendo de olvidar que a grande maioria das intervenções invocadas pelas Recorrentes se ficaram a dever ao Secretário de Estado das Finanças, ora, dado o seu particular estatuto, é patente que este não podia funcionar como “porta-voz do Governo”, desde logo, por se tratar da matéria da competência do Conselho de Ministros (cfr. o art. 14º da Lei-Quadro das Privatizações), destarte se não podendo apresentar o aludido membro do Governo como investido numa posição institucional passível, de per si, justificar o gerar de expectativas juridicamente relevantes por banda do “Grupo Português”.
A conduta apurada, em sede matéria de facto, quanto à actuação das Entidades Públicas, no âmbito do já aludido processo de reprivatização, designadamente, a que antecedeu a aprovação da última fase, consubstanciada no acto contido no artigo 1º do DL 20-A/95, não fez nascer na esfera jurídica das Recorrentes o direito a uma especifica forma de alienação das acções pertencentes ao Estado, na medida em que, desde logo, a Administração não lhes outorgou uma esperança razoável de que tal forma de alienação se desencadeasse em moldes coincidentes com os que se verificaram nas anteriores fases, não tendo o Estado celebrado qualquer acordo ou entendimento com o “Grupo Português” em sede do modelo de reprivatização a adoptar na última fase.
Ou seja, não existe aqui uma conduta susceptível de ter produzido nos seus destinatários (o assim denominado “”Grupo Português”) a crença, assente na boa-fé, de obter uma resposta positiva às suas aspirações, não existindo, por banda da Administração, um dever de comportamento traduzido na necessidade de observar no futuro (na aprovação da 4ª fase da reprivatização) um determinado modelo para a reprivatização, não indiciando os autos a existência de elementos objectivos capazes de provocarem uma crença plausível por parte das Recorrentes no sentido de que a última fase fosse decorrer nos mesmos moldes das anteriores.
A Administração não se encontrava autovinculada quanto aos contornos de que se deveria revestir a última fase da reprivatização, não sendo, assim, de fazer apelo aos princípios da boa-fé e da protecção da confiança, não se traduzindo a opção encontrada para a dita fase numa conduta desleal por parte da Administração, não se podendo, por isso, falar aqui do defraudar da confiança das Recorrentes.
Na verdade, a actuação da Administração, tal como patenteada na matéria de facto dada como provada, não é reveladora de um qualquer seu desígnio de definir a situação jurídica, em sede do modo como se iria desenvolver a 4ª fase da reprivatização, por forma a atender às alegadas expectativas do “Grupo Português”, não podendo as Recorrentes invocar uma fundada esperança de que as coisas se iriam processar como o desejavam, inexistindo, por isso, uma situação passível de corresponder ao “venire contra factum proprium”.
Cfr., quanto a este ponto J. Baptista Machado, in “Tutela da Confiança e “venire contra factum proprium”, in RLJ, Ano 117º (1984-85), nº 3725, a págs. 231, 265 e 363 e seguintes, bem como Menezes Cordeiro, in “Teoria Geral do Direito Civil”, I, 2ª edição, a págs. 380 e segts., e “Da boa fé no direito Civil”, II, págs. 742 e segts..
No caso dos autos, a conduta da Administração, objectivamente considerada, não é de molde a justificar noutrem a convicção de que na última fase de reprivatização se fosse observar o mesmo modelo que nas fases antecedentes, não se podendo retirar da dita conduta, directa ou indirectamente, a intenção do Governo se encontrar vinculado a uma determinada atitude no futuro., não se podendo, ainda, ver tal intenção nem no DL 321-A/90 nem no próprio Programa do XII Governo Constitucional.
Ora, como já atrás se assinalou, um dos elementos que informa o conteúdo da noção de boa-fé consiste, precisamente, na necessidade de se estar perante uma conduta contraditória, que não fosse razoável intuir de um determinando comportamento anterior, destarte não existindo a invocada violação de dever jurídico-funcional de um comportamento consequente.
Sobre este ponto, vidé, Gomes Canotilho, in RLJ, 125, 85.
Por outro lado, no caso vertente, a existência, por parte das Recorrentes, de meras expectativas de que a mencionada 4ª fase viesse a decorrer em moldes que se adequassem aos seus interesses não tem a consistência nem dignidade jurídicas para justificar, de per si, qualquer pretensão indemnizatória, não se deparando, por isso, no caso em apreciação, com uma qualquer vinculatividade jurídico-administrativa das referidas expectativas, tudo se reconduzindo a meras expectativas fácticas, sendo que, como salienta De Cupis, estas não são juridicamente tuteladas – vidé, “Aspettaiva legittima e risarcimento del danno”, Parte II, a págs. 104 e ss., citado na nota 75 do Parecer de Júlio Gomes, junto aos autos, a fls. 3182.
Cfr., neste sentido, entre outros, os Acs. deste STA, de 12-1-99 – Rec. 42175 e de 1-2-00 – Rec. 44099.
Do que resultou provado nos autos decorre que as relações estabelecidas pelos membros do Governo com o “Grupo Português” se subsumem no conceito de uma “actuação administrativa informal”, desprovida de força vinculativa, consubstanciando-se em meros “comportamentos tendencialmente ajurídicos”, destituídos de “efeitos imediatos ou autonomizáveis para efeitos de direito à reparação de danos” , sendo que, precisamente por se tratar “ de comportamentos não regulados na lei, não se pode afirmar que estes consigam, por si só, gerar expectativas legítimas, fundadas no direito, suficientes para que em caso de incumprimento do acordo resulte, de forma directa, responsabilidade contratual para a parte inadimplente” como, aliás, se assinala no Parecer de Gomes Canotilho, junto aos autos a fls. 3087 e seguintes, em especial a fls. 3093/3103, não existindo, aqui, de resto, qualquer acordo ou contrato entre o Estado e o “Grupo Português”, não se podendo as Recorrentes pretender louvar numa hipotética composição negociada do conteúdo do acto que viesse a definir o modelo para a última fase de reprivatização do ....
Cfr., a este propósito Horst Dreier, in “Informal Administrative Actions”, a págs. 161.
Por outro lado, o “entendimento” invocado pelas Recorrentes, se tivesse o sentido e alcance que elas lhes atribuem, e já vimos que não tem, não deixaria de possibilitar o equacionar da hipotética ilegalidade dos alegados “compromissos” por parte do Estado, na medida em que sempre se poderia pretender ver nos mesmos uma actuação de favorecimento de um Grupo.
A este propósito Gomes Canotilho assinala no aludido Parecer, a fls. 3100-3101, que “o princípio da segurança jurídica, subprincípio do princípio do Estado de Direito, impõe, em nome da garantia da prossecução e do respeito pelo interesse público que, apenas possam ser consideradas legítimas as expectativas quanto aos actos do poder publico desde que fundadas em comportamentos não contrários à lei”, daí que “não existindo ilegalidade do acto de privatização, não podem os Autores pretender fundamentar a ilicitude do comportamento da Administração na violação do princípio da boa fé resultante do não cumprimento do acordo informal...”.
Acresce que, no caso em discussão, as condutas invocadas pelas Recorrentes como alegadamente geradoras de uma situação de confiança se situaram na “esfera política”, o que pelas próprias características aconselharia um particular cuidado ao nível da leitura das pertinentes declarações dos agentes políticos, sabido como é que a actuação do Governo se não pode desligar da prossecução do interesse público, sendo este por natureza uma realidade não estática, existindo aqui uma liberdade da Administração quanto a uma eventual necessidade de reavaliação face à evolução das circunstâncias, o que poderá, hipoteticamente, justificar uma mudança de anteriores orientações.
Cfr., neste linha, Ludovico Sburlati, citado na nota 10, do Parecer de Júlio Gomes, junto aos autos, a págs. 3154.
Ou seja, o conteúdo concreto do interesse público não é fixo ou invariável.
Quanto a este aspecto, ver Héctor Jorge Escola, in “El interés público como fundamento del derecho administrativo”, a págs. 245.
Cumpre, aqui, salientar que o próprio DL 321-/90, que aprovou a alienação pelo Estado das acções representativas do capital social do ..., tendo previsto a venda das acções do Banco em três fases e regulado a primeira delas estipula expressamente que: “as segunda e terceiras fases (serão) ulteriormente estabelecidas mediante diplomas próprios, em condições e segundo qualquer das modalidades admitidas pela Lei nº 11/90, de 5 de Abril”, não existindo, por isso, qualquer comprometimento quanto ao modelo a adoptar nas fases subsequentes.
Por outro lado, estando em causa, como estava, por parte das Recorrentes, a realização de investimentos de grande dimensão, tudo aconselhava que as alegadas “promessas” por parte da Administração fossem perspectivadas com especial cuidado e atenção.
É que, como bem assinala Baptista Machado: “a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá protecção jurídica quando esta esteja de boa-fé...e tenha agido com o cuidado e precauções usuais no trafego jurídico...”, sendo que, o cuidado e as precauções e exigir da parte que reivindica a protecção da sua boa-fé serão tanto maiores quanto mais vultuosos forem os investimentos feitos com base na confiança” – apud., a sua “Tutela da confiança....”, já citada, págs. 172.
Com efeito, a este nível, não se pretende tutelar o “excesso de confiança”, não se deparando, no caso em discussão, com uma justificação para a confiança reivindicada pelas Recorrentes, por esta, à luz do já atrás exposto, se não alicerçar em elementos razoáveis, susceptíveis de provocar a adesão de uma pessoa normal, tanto mais que, dadas as particulares características dos membros que compunham o “Grupo Português” se não está a falar, propriamente, de entidades estranhas ao mundo dos negócios e carentes de experiência neste domínio.
Importa, ainda, salientar que, mesmo que fosse, hipoteticamente, de aplicar no caso vertente o princípio da boa-fé, ainda assim não se poderia olvidar que, tal como assinalam Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, obra já citada, a págs. 112 e 113, a dita circunstância não dispensaria a necessidade de o adaptar “às realidades juspublicisticas, sobretudo a relevância que representa, do direito administrativo, o interesse público legalmente definido...”, devendo atender-se ao que eventualmente resultasse “da indisponibilidade pessoal dos interesses envolvidos e do dever legal e funcional da sua prossecução actualizada) e do princípio da legalidade a que a Administração está sujeita.”.
Dentro deste específico contexto a Administração terá sempre de valorar as condicionantes que, entretanto, se tenham produzido, sendo que a mudança do circunstancialismo em que se tivesse alicerçado uma anterior conduta poderia legitimar, à luz da já aludida vinculação ao princípio da legalidade e da prossecução actualizada do interesse público, uma alteração aos critérios anteriormente assumidos, não estando, assim, a Administração impedida de avaliar a nova situação que, porventura, se tivesse desenvolvido por forma a melhor acautelar os interesses que lhe incumbisse defender
Com efeito, a própria invocação de um hipotético comportamento contraditório da Administração pressupõe, designadamente, que no momento em que se produza a actuação tida por desconforme com um invocado comportamento anterior subsistam as mesmas circunstâncias que ocorreram aquando do comportamento indicado como vinculante, o que não sucederá se, entretanto, se alterar a situação fáctica.
Em suma, não estamos, aqui, perante posições juridico-subjectivas indemnizatoriamente relevantes, não estando preenchidos todos os pressupostos da protecção jurídica da boa-fé e das situações de confiança, neste enquadramento improcedendo as conclusões 1ª a 8ª, 10ª, 19ª e 20ª da alegação das Recorrentes.
3.4 Para as Recorrentes teriam, ainda, sido violados os princípios da proporcionalidade e da protecção de direitos e interesses legítimos.
Contudo, mais uma vez, não lhes assiste razão.
De facto, não sendo as Recorrentes, como decorre do já anteriormente exposto, detentoras de uma qualquer posição subjectiva passível de tornar vinculativa para a Administração a adopção na 4ª fase da reprivatização do ... de um modelo igual ou anteriormente adoptado, não se tendo radicado na sua esfera jurídica uma qualquer situação de vantagem alicerçada no direito, não é de chamar à colação, neste especifico contexto, a protecção de direitos e interesses legalmente protegidos, não se podendo, por isso, chegar a equacionar, a este nível, a existência de uma situação de direitos adquiridos com base no comportamento anterior da Administração.
Por outro lado, no que concerne ao princípio da proporcionalidade não se consegue vislumbrar, à luz da matéria de facto dada como provada, em que medida é que a Administração o tenha violado ao praticar o acto consubstanciado no já aludido artigo 1º do DL 20-A/95.
É certo que a Administração está vinculada à observância do princípio da proporcionalidade, daí que na actuação administrativa tenha de existir uma proporção adequada entre os meios empregados e o fim que se pretende atingir.
A proporcionalidade terá de se verificar:
a) entre o fim da lei e o fim do acto;
b) entre o fim de lei e os meios escolhidos para atingir tal fim;
c) entre as circunstâncias de facto que dão causa ao acto e as medidas tomadas.
Cfr., neste linha, Agustin Gordillo, in “Teoria general del derecho administrativo”, a págs. 299/302.
Numa outra formulação, Iñaki Agirreazkuenaga, in “La coaccion administrativa directa”, refere que a proporcionalidade em sentido amplo compreende, em primeiro lugar a congruência, adequação ou idoneidade do meio ou da medida para lograr o fim legalmente proposto, em segundo lugar, engloba a proporcionalidade em sentido estrito, a proibição de excesso.
Quanto a este ponto, vidé, também, Gomes Canotilho, in “Direito Constitucional”, 4ª edição, a págs. 315, Esteves de Oliveira, in “Direito Administrativo”, a págs. 260, J.J. Lopez Gonzalez, in “El princípio general de proporcionalidad em derecho administrativo” e G. Braibant, in “Le principe de proportionalité”, Tomo II, dos Estudos em Honra de M. Walline.
Neste contexto, a Administração deverá escolher dentro dos diversos meios ou medidas idóneas e congruentes de que disponha aqueles que sejam menos gravosas, ou seja, que causem menos danos.
Estamos, aqui, no âmbito do denominado princípio da intervenção mínima, por forma a que se consiga compatibilizar o interesse público e os direitos dos particulares, de modo a que o princípio da proporcionalidade jogue como um factor de equilíbrio, garantia e controle dos meios e medidas.
Vidé, nesta linha, Claude Albert Colliard, in “Libertés publiques”, 6ª edição, a págs. 179/181.
Ora, em face dos critérios acabados de enunciar é patente não terem as Recorrentes logrado demostrar a violação do princípio da proporcionalidade, não se podendo retirar de matéria de facto dada como provada a existência de uma qualquer conduta desproporcionada ao nível da opção consubstanciada no acto que aprovou a 4ª fase da reprivatização do ..., quando confrontada com a intenção enunciada no preambulo e no artigo 1º do DL 20-A/95, de onde se pode retirar que os fundamentos alegados em sede da adopção da modalidade de venda directa na última fase reprivatização são, essencialmente dois: a estratégia definida para o sector e o interesse nacional envolvido na estabilidade accionista das principais instituições do sistema financeiro nacional, entre as quais o ... o que, conjugado com o surgimento no mercado de valores imobiliários de uma oferta pública de aquisição de carácter geral, apresentada como favorecendo tais objectivos, tornava imperativo que as Recorrentes tivessem logrado demonstrar uma efectiva incongruência e desadequação entre os objectivos proclamados pela Administração e os meios utilizados para o conseguir o que, manifestamente, não conseguiram, sendo certo que, de igual modo, por demonstrar ficou a imposição às Recorrentes de um qualquer sacrifício desnecessário e inesperado.
do exposto, improcede a conclusão 9ª da alegação das Recorrentes.
3.5 Para as Recorrentes foi também ofendido o princípio da igualdade, ao se ter procurado assegurar em concreto uma posição jurídica e factualmente mais vantajosa aos oferentes iniciais quando comparados com eventuais concorrentes.
Não lhes assiste razão.
Como é sabido, o princípio constitucional da igualdade perante a lei é, um princípio estruturante do Estado de Direito Democrático e do sistema constitucional global.
Trata-se, aqui, de um princípio de conteúdo pluridimensional, que postula várias exigências, designadamente, a de obrigar a um tratamento igual de situações de facto iguais e a um tratamento desigual de situações de facto desiguais, não autorizando o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual de situações desiguais.
Temos, assim, que tal princípio não pode ser entendido como um obstáculo ao estabelecimento de disciplinas diferentes, quando diversas forem as situações que o acto vise regular.
No fundo o que se pretende evitar é o arbítrio, mediante uma diferenciação de tratamento irrazoável, a que falte inequivocamente apoio material e constitucional objectivo, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo dos actos praticados no uso de poderes discricionários, configurando-se como um dos seus limites internos.
Esta tem sido a jurisprudência constante deste STA, de que são expressão, entre outros, os Acs. de 3-3-77 – AD 190-835, de 7-5-87 – Rec. 23292, de 2-12-87 – Rec. 24192, de 26-4-89 – Rec. 22353, de 11-5-89 (Pleno) – AD 336-1555, de 4-12-90 – Rec. 27487, de 26-11-92 – Rec. 30469, de 19-3-96 – Rec. 37724, de 14-5-96 – Rec. 37684, de 17-12-97 – Rec. 36001, de 15-1-98 – Rec. 40815, de 26-3-98 – Rec. 42154, de 12-1-99 – Rec. 43874, de 14-1-99 (Pleno) – Rec. 36573, de 15-4-99 – Rec. 41790, de 27-4-99 – Rec. 42152, , de 22-2-01 – Rec. 47048, de 18-5-02 – Rec. 45934, de 26-6-01 – Rec. 47109 e de 23-5-02 – Rec. 716/02-11.
No mesmo sentido, cfr., os Acs. do TC nºs 204/85, de 13-10-85, Proc. 1/85, 309/85, de 1-12-85 – Proc. 184/84, 181/87, de 20-5-87 – BMJ 367-273, 433/87, de 4-11-87 – BMJ 371-145, 50/88, de 2-3-88 – BMJ 375-90, 99/88, de28-4-88 – BMJ 376-308, 143/88, de 16-6-88 – BMJ 378-183, 187/88, de 17-8-88, in BMJ 379, a págs. 371, 308/89, de 9-3-89, in BMJ 385-177, 313/89, de 9-3-89, in BMJ 385-88, 169/90, de 30-5-90, BMJ 397-90 e 303/90, de 2-12-90, BMJ 401-139 e 232/92, de 30-6-92 – BMJ 418-436.
Sucede, porém, que, face ao que resulta dos autos, não se pode concluir ter sido o Réu Estado a impedir as Recorrentes de alcançarem a sua alegada estratégia, de perfazer os 50,0001% do capital social do ..., necessários para obstar à obtenção do limite mínimo de sucesso estipulado na OPA pelo .../..., não tendo a actuação da Administração obviado que as Recorrentes tivessem lançado uma OPA concorrente e, por outro lado, as Recorrentes não lograram demonstrar a existência de uma prática concertada do Estado com o oferente .../..., ao que acresce a circunstância de o acto referenciado como ilegal pelas Recorrentes as não ter obrigado a vender as suas acções ao oferente da OPA, sendo que, contudo, as Recorrentes acabaram por vender as suas acções ao mesmo tempo e pelo mesmo montante por que o Estado Português o fez.
É ainda de assinalar que o sucesso da OPA, lançada como foi, para a totalidade do capital social do ... não passava decisivamente pelo atitude do Estado, no sentido de vender a sua participação, dado que, sendo sua condição de sucesso a aceitação por parte dos titulares de 50,0001% do capital, a participação ao tempo detida pelo Estado era de apenas 24,39%, razão pela qual o sucesso da operação não estava exclusivamente ligado à atitude a tomar pelo Estado.
Por outro lado, não é pelo simples facto de a última fase de reprivatização se ter processado com apelo às regras das OPA’s que o princípio da igualdade se pode considerar como inobservado, antes se impondo a demonstração em concreto de que tal opção da Administração tivesse discriminado as Recorrentes, demonstração essa que, contudo, não foi feita, ao que acresce a circunstância de as Recorrentes seguramente não pretenderem reivindicar para si um tratamento mais favorável do que o dispensado aos demais accionistas do ... no momento do lançamento da OPA
de, por isso, a conclusão 15ª da alegação das Recorrentes.
3.6 De acordo com as Recorrentes o acto que aprovou a já aludida 4ª fase violou o artigo 296º da CRP e diversas regras da Lei-Quadro das Privatizações.
E, isto, essencialmente, pelas seguintes razões:
- O que foi aprovado não é a venda directa prevista na lei, antes constituindo uma modalidade atípica e híbrida, que atenta contra a regra da taxatividade das modalidades de reprivatização;
- Mesmo que se tratasse de uma “venda directa”, não estavam verificados os pressupostos legais de sua adopção;
- Por outro lado, ainda assim, não se justifica a escolha perfilhada pela Administração, já que as outras modalidades garantiam a obtenção de iguais ou melhores resultados, avaliados estes do ponto de visto do Estado;
- Ao que acresce que a razão invocada pela legitimar a concreta opção da Administração, a invocada “estabilidade accionista”, não era a sua autêntica e consistente intenção;
- O conceito de ilicitude, previsto no artigo 6º do DL 48051, tem de ser um conceito alargado, daí que, em regra, os actos administrativos ilegais também sejam ilícitos, a menos que a ilegalidade em causa não gere invalidade ou se a norma em questão se orientar clara e exclusivamente para o protecção do interesse geral, sem qualquer refracção nas posições jurídicas dos particulares;
- As regras sobre reprivatização não se destinam apenas a proteger o bem comum, sendo a sua observância exigível também em nome da tutela dos interessados que já tenham tomado posições no âmbito de um concreto processo de reprivatização, não podendo, de resto, desrespeitar-se os direitos já constituídos, ao abrigo das fases anteriores ou de acordos conexos;
- Sendo que a negação da tutela jurisdicional a estas situações subjectivas das Recorrentes - que é o que a sentença do TAC na realidade faz – constitui uma interpretação inconstitucional das regras sobre a privatização em geral e do ... em especial, violando, ainda, o direito fundamental de tutela.
A esta matéria reportam-se as conclusões 11ª, 12ª, 13ª, 14ª, 16ª, 18ª, 21ª e 22ª da alegação das Recorrentes.
o, tais conclusões não procedem, como se irá demonstrar seguidamente.
A este propósito, o Meritíssimo Sr Juiz “a quo” na sua sentença refere o seguinte:
"..
No caso dos autos coloca-se ainda a questão de saber se os actos administrativos praticados pelos membros do Governo competentes no âmbito da reprivatização do ... seriam ou não inválidos e no caso de o serem se permitiram que as AA se pudessem arrogar um qualquer direito indemnizatório por esse facto.
Parece-nos também que não.
É que, apesar do modo pelo qual se deveria reprivatizar o ... surgisse como discricionário a quem, o pretendia reprivatizar, o Estado, ainda assim este encontrava-se obrigado a cumprir as suas próprias Leis para o poder fazer.
No entanto o incumprimento dessas mesmas normais legais não poderia dar origem a que nascesse na esfera jurídica de qualquer dos accionistas do ... o direito a uma qualquer indemnização por esse facto, a não ser que houvesse perdas efectivas...
É que as normas que pretensamente terão sido violadas, em especial as regras próprias das reprivatizações e as que se destinaram especificamente à reprivatização do ..., não se destinam a proteger os interesses de um cidadão em concreto ou de um grupo concreto de cidadãos, cfr. art. 2º do DL nº 48051 de 21/11/67, destinam-se antes de mais a garantir que o bem comum é protegido e salvaguardado de actos menos correctos ou ilegais.
Por isso é que não nasceu na esfera jurídica das AA. qualquer direito indemnizatório por força da violação das apontadas regras legais...” – cfr. fls. 2626-27.
Ora, entrando, agora, na análise das razões enunciadas pelas Recorrentes, importa realçar, desde já, que para a verificação do pressuposto atinente com a ilicitude, em sede da responsabilidade civil extracontratual, não basta, sem mais, a ocorrência de uma qualquer ilegalidade, antes se impondo que a ilegalidade consista na violação de uma norma destinada a tutelar directamente direitos subjectivos ou outras posições jurídicas subjectivas do Autor na acção.
Temos, assim, que a ilicitude não se basta com a genérica antijuridicidade, tudo se devendo centrar nas especificas relações eventualmente existentes entre as normas ou princípios referenciados como violados e a esfera jurídica do Particular, devendo, no fundo, existir como que uma conexão de ilicitude entre a norma ou o princípio tido por violado e a posição juridicamente protegida do Particular.
Vidé, neste sentido, entre outros, os Acs. deste STA, de 4-11-98 – Rec. 40165, de 1-2-00 – Rec. 44099 e de 13-2-01 – Rec. 44445, bem como Gomes Canotilho, in “O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos”, a págs. 73-78, o Parecer de Vieira de Andrade, a fls. 1040 e seguintes, apresentada pelas agora Recorrentes, e Margarida Cortez, in “Responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais e concurso de omissão culposa do lesado”, a págs. 70 e seguintes.
Quanto a esta temática, vidé, também, Rui Medeiros, in “Ensaio sobre a responsabilidade do Estado por legislativos”, a págs. 168 e Vieira de Andrade, in “Panorama geral do direito da responsabilidade civil da Administração em Portugal”, in “La responsabilidad patrimonial de los poderes públicos. III colóquio hispano-luso de Derecho Administrativo”, a págs. 49.
Ou seja, nem toda a ilegalidade implica ilicitude, para efeitos indemnizatórios, sendo que, de resto, ilegalidade e ilicitude não são conceitos coincidentes, devendo o conceito de ilicitude ser integrado pela já apontada exigência de violação de uma posição jurídica substantiva do Particular.
E, isto, não obstante o disposto no artigo 6º do DL 48051, de 21-11-67, comportar uma interpretação da ilicitude não meramente objectiva coincidente com o seu sentido subjectivo, já que autoriza uma interpretação objectiva do conceito de ilicitude, de molde a nele se incluir não só a violação de direitos subjectivos mas também outras posições subjectivas não reconduzíveis à figura dos direitos subjectivos.
Só que, o preceituado no aludido artigo 6º tem de ser conjugado com o se dispõe nos artigos 2º e 3º do dito Diploma Legal, que fazem depender a responsabilidade do Estado e demais Entes Públicos, bem como a responsabilidade dos titulares dos órgãos, “da ofensa de direitos de terceiros ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, com o que se devem considerar ilícitos os actos que violem os direitos subjectivos ou as estatuições destinadas a proteger interesses de terceiros, do que decorre que “a ilicitude não se basta com a genérica antijuridicidade, uma vez que pressupõe a violação de uma posição jurídica substantiva...do particular” - apud Margarida Cortez, in “Seminário permanente de direito constitucional e administrativo”, Vol. I, a págs. 72.
Daí que as normas tidas por violadas se não devam reconduzir em preceitos que tutelem apenas o interesse comum, geral ou público, identificável com o simples interesse na legalidade da acção administrativa ,sem que, contudo, seja possível extrair de tais normas a tutela das posições subjectivas de terceiros.
Cfr., quanto a este temática, Juan Alfonso Santamaria Pastor e Luciano Parejo Alfonso, in “Derecho administrativo. La jurisprudencia del Tribunal Supremo.”, a págs. 154-160.
De facto, como salienta Pessoa Jorge, in “Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil”, a págs. 285 e seguintes, a responsabilidade civil não prossegue, por natureza, fins de tutela dos interesses que respeitem global e indiferentemente a toda a comunidade, mas sim interesses de pessoas ou grupos de pessoas individualizados ou individualizáveis, não se afigurando justificável a construção de um (pseudo) direito à legalidade, como forma artificial de fazer a ponte entre o direito objectivo e o direito subjectivo ou de proceder à «subjectivação» do direito objectivo.
Cfr., ainda, Sinde Monteiro, in “Responsabilidade por conselhos, recomendações e informações”, a págs. 175 e 196 e seguintes.
Acontece, porém, que, no caso dos autos, as normas indicadas pelas Recorrentes não se assumem como preceitos editados tendo em vista a protecção dos seus interesses individuais qualificados, podendo, quando muito, consubstanciar mera protecção reflexa ou ocasional do interesse material das Recorrentes, não revelando tais preceitos uma qualquer intenção normativa de protecção desse interesse.
Neste ponto acompanhamos Gomes Canotilho quando salienta que: “mesmo a violação de normas de direito material não postula obrigatoriamente o desencadeamento dos esquemas de responsabilidade extracontratual se não existir uma «conexão de ilicitude»...entre a norma e princípio violado e a posição juridicamente protegida do particular” – cfr. a sua anotação ao Ac. do STA, de 12-12-89, in RLJ, 199-1993, Ano 125º, nº 3816, a págs. 84.
Ora, aderindo, de novo, à posição que se sustenta no Parecer de G. Canotilho, junto aos autos, temos que pelas razões que nele se indiciam e aqui se reiteram, “qualquer que seja a formulação da teoria da protecção da norma e por mais abrangentes que sejam os círculos dos interesses ou posições juridicamente protegidos, não se vislumbra como é que as normas invocadas” pelas Recorrentes possam incluir “no seu «fim de protecção» o controle accionista de uma sociedade financeira, legitimando a indemnização por perda da oportunidade da obtenção desse controlo”.
Em suma, o entendimento acolhido na sentença e que, no essencial, se aproxima do que se acabou de expor, não é merecedor das censuras que lhe dirigem as Recorrentes.
Por outro lado, tal entendimento, agora substancialmente coonestado, em nada é atentatório do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva.
Com efeito, tal princípio não proclama que os Particulares devam ter acesso à via indemnizatória quando, como no caso em análise, a pretensão das Recorrentes radique na violação de normas ou princípios não destinados a tutelar as suas posições subjectivas, daí que o Meritíssimo Sr. Juiz “a quo” ao decidir como decidiu a questão agora em apreciação, não tenha perfilhado uma interpretação inconstitucional das regras sobre reprivatização indicadas pelas Recorrentes, não sendo descabido salientar, aqui, que só em relação a essas normas é que as Recorrentes podem pretender obter uma pronúncia por parte deste STA, estando claramente afastada da competência deste Tribunal qualquer tipo de indagação atinente com a inconstitucionalidade abstracta das normas.
É que, como é sabido, a actividade dos Tribunais Administrativos está circunscrita à fiscalização concreta da constitucionalidade, a título incidental, só lhe sendo lícito formular um juízo de inconstitucionalidade de norma cuja aplicação ao caso concreto deva recusar, já que a fiscalização abstracta compete em exclusivo ao Tribunal Constitucional (cfr. o artigo 281º da CRP), como, de resto, tem sido reconhecido reiteradamente por este STA.
Cfr., entre outros, os Acs. de 2-5-95 (Pleno) – Rec. 22871de 16-4-98 – Rec. 43632, de 10-5-00 – Rec. 45764 e de 18-5-00 – Rec. 39271.
Refira-se, ainda, que, contra o que defendem as Recorrentes, o artigo 1º do DL 20-A/95, não viola o artigo 296º da CRP, não se deparando, por isso, com um acto ilícito padecendo de “inconstitucionalidade”.
Na verdade, tal preceito não proíbe a venda das acções do Estado em OPA, o mesmo sucedendo, aliás, em relação à Lei Quadro das Privatizações.
Na alínea a), do nº 1, do citado artigo 296º ao estabelecer que “a reprivatização...realizar-se-á, em regra e preferencialmente, através de concurso público, oferta na bolsa de valores ou subscrição pública”, e os nºs 2 e do artigo 6º da Lei Quadro das Privatizações (Lei nº 11/90, de 5-4), ao concretizar a regra constitucional contida na dita alínea a), não obstam à venda das acções do Estado em OPA lançada por Entidades Particulares, desde que, como, de resto, se verifica no caso em apreço, se proceda à prévia publicação de um diploma regulador da pertinente fase de reprivatização e o Estado não actue em “concentração com o oferente”.
Importa, ainda, realçar que no conceito de venda directa se devem incluir os casos de venda de acções do Estado ao oferente de uma OPA, bastando que, nos termos dos artigos 13º e 8º, n º2 da LQP, seja publicado um Decreto-Lei onde se fixe a venda directa como modalidade de privatização do ..., fundamentando-se a opção tomada e publicando um caderno de encargos com indicação de todas as condições da transacção, sendo que todos os requisitos se mostram observados na situação em análise.
De facto, veio a ser publicado o DL 20-A/95, enunciando-se no seu preâmbulo por forma congruente e suficiente os motivos que levaram à opção pela venda em OPA, ao que se junta a circunstância de, tal como já se decidiu no ponto 3.5 deste acórdão, não estar demonstrada a prática de qualquer concertação do Estado com o oferente da OPA.
Por sua vez, o caderno de encargos foi publicado em anexo ao DL 20-A/95, dele constando todas as condições da transacção, sendo de assinalar que da Lei 11/90 não decorre que no caso de venda directa o adquirente tenha de ser identificado em DL ou no Caderno de Encargos.
Em resumo, não se verifica a apontada “inconstitucionalidade” com referência à modalidade de reprivatização (venda directa) escolhida pela Administração, sendo que no conceito de venda directa acolhido na LQP se incluem os casos de venda de acções pelo Estado ao oferente de uma oferta pública de aquisição e, isto, fundamentalmente, devido ao facto de uma venda em OPA se consubstanciar numa venda de acções a quem emitiu uma declaração negocial de compra de acções e a dirigiu contemporaneamente a todos os titulares das acções em questão, destarte não existindo inobservância da regra da taxatividade das modalidades de reprivatização.
3.7 Consideram, ainda, as Recorrentes ter existido violação do dever de boa administração, na medida em que se imporia a adopção de outra modalidade para a venda as acções do Estado no âmbito da 4ª fase da reprivatização, concretamente dever-se-ia ter optado pela solução já anteriormente encontrada.
Não lhes assiste razão, como se irá ver de seguida.
Em primeiro lugar cumpre salientar que, analisada a questão, em termos puramente “anulatórios”, sobre o prisma de uma hipotética ilegalidade do acto consubstanciado no artigo 1º do DL 20-A/95, de 30-1-95, por violação do aludido dever de boa administração, o princípio da separação dos poderes impede que os Tribunais se imiscuam nos juízos de mérito de um acto que, como o contido no dito artigo 1º, envolva poderes de livre apreciação administrativa.
De facto, sob este prisma, não se pode validamente questionar a conformidade do acto com as regras técnicas e de boa administração, por forma a sindicar a sua conveniência ou oportunidade.
Vidé, neste sentido, em especial, o Ac. deste STA, de 7-11-02 – Rec. 0473/02.
O que se acabou de referir em nada contende com a plena justiciabilidade da discrionariedade administrativa, dado que o juízo a proferir na via judiciária terá, obviamente, de se cingir aos limites jurídicos da discricionariedade, em consonância com o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
Ou seja, o Tribunal não tem o poder de substituir pelos seus os juízos e as valorizações empreendidas pela Administração devendo o controlo a que procede traduzir-se numa censura jurídica em nome do Direito, considerando o bloco de legalidade ao caso aplicável, sem, contudo, poder entrar na apreciação da actuação da Administração na vertente de uma censura quanto à oportunidade ou conveniência de acto praticado no exercício de poderes discricionários.
E, isto, basicamente, pelo facto a avaliação que se pretendesse levar a efeito sob tal prisma não se ancorar em critérios jurídicos, antes se apresentando como integrando uma avaliação do mérito, que se não subsume no conceito de jurisdição.
Cfr., neste sentido, entre outros, Vacchelli, in “La difesa guirisdizzionale dei Diritti dei citadini verso l’autorità amministrativa”, Eduardo Garcia de Enterria, in “Hacia una nueva justicia administrativa”, a págs. 52/54 e Manuel Clavero Arévalo, in “Estudios de derecho administrativo”, a págs. 83.
De qualquer, mesmo descentrando a questão de uma prisma puramente “anulatório” para a sede da tutela ressarcitória, ainda assim, as Recorrentes não têm razão.
É que, como acertadamente se assinala no já aludido Parecer de Sérvulo Correia, a fls. 1214-1215: “ para que “haja a violação do dever de boa administração é preciso que a Administração tenha agido de forma grosseira contra o interesse público negligenciando a sua prossecução”, o que, no caso dos autos, não está demonstrado, “não estando decerto preenchida a situação típica de violação do dever de boa administração, visto que o propósito de adoptar a melhor opção”...do ponto de vista técnico e financeiro...”esteve presente na decisão tomada pelo Governo, que o justificou com fundamentos plausíveis...”sendo que os patamares de densificação do conceito de ilegalidade por violação do dever de boa administração, passa pelo “controlo jurisdicional administrativo, quando sejam qualificáveis como erro grosseiro ou manifesto de apreciação.” – vidé, o dito Parecer, a fls. 1218.
Cfr., quanto a este aspecto da questão, Freitas do Amaral, in “Direito Administrativo”, Vol. II, a págs. 39.
Improcede, por isso, a conclusão 17ª da alegação das Recorrentes.
3.8 Na óptica das Recorrentes, mesmo que fossem de considerar como não verificados os pressupostos atinentes com a responsabilidade extracontratual do Estado por actos ilícitos, tendo-se por válida a decisão administrativa de proceder à última fase de reprivatização do ..., ainda assim não deixariam de ter direito à indemnização que peticionam, já que, no caso em análise, se verificavam os pressupostos da responsabilidade civil por factos lícitos nos termos do artigo 9º do DL 48051, de 21-11-67, por aquela decisão ter sido fonte de prejuízos especais e anormais para as Autoras.
Sucede, porém, que, também aqui se não pode subscrever a tese sustentada pelas Recorrentes.
Com efeito, contra o que defendem as Recorrentes, não concorrem no caso em discussão os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por actos lícitos, como se irá demonstrar.
É sabido que o princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos constitui o fundamento da responsabilidade por actos lícitos acolhida no artigo 9º do já citado diploma legal.
O aludido princípio é visto por alguns Autores como um verdadeiro princípio fundamental tanto de direito administrativo como de direito constitucional.
Cfr., P. Devolvé, in “Le principe d’egalité devant les charges publiques » e René Chapus, in « Droit Administratif », Vol. I, 7ª edição, a págs. 1091 e seguintes.
De qualquer maneira, o que importa reter, desde já, é que o mencionado princípio constitui, basicamente, o fundamento da responsabilidade por actos lícitos.
Ora, os pressupostos em que assenta a responsabilidade prevista na aludida norma são os seguintes:
a) a prática por órgão ou agente da Administração de acto que formal e substancialmente se confine nos limites do poder que legalmente dispõe;
b) a produção de danos;
c) nexo causal entre a conduta e os danos;
d) que os danos advenham de prejuízos especiais e anormais;
e) que tais encargos ou prejuízos sejam impostos a um ou alguns Particulares, na prossecução do interesse geral e que não se apresentem como resultantes do risco normalmente suportado por todos em virtude da vida em comunidade.
Cfr., neste sentido, designadamente, os Acs. deste STA, de 12-1-99 – Rec. 42175, de 2-2-00 – Rec. 44443 e de 16-5-02 – Rec. 509/02-11, bem como Marcelo Caetano, in “Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, Vol. II, a pág. 1241 e Gomes Canotilho, in “O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos”, a pág. 143 e na RLJ, ano 124º, nº 3804, a págs. 86 e ainda os Pareceres do C. Consultivo da Procuradoria Geral da República, nºs 162/80, de 11-6-82 e 187/83, de 7-2-84.
Temos, assim, que um dos pressupostos a atender tem a ver com a necessidade de estar perante um sacrifício especial e anormal não imposto à generalidade das pessoas e que não seja inerente aos riscos da vida em sociedade.
Só que, no caso vertente, tal pressuposto não se verifica.
Na verdade, o “Grupo Português” não foi objecto de uma qualquer sacrifício especial em relação a outros grupos de accionistas ou investidores, sendo que, a este nível, as Recorrentes não podem pretender beneficiar de um estatuto privilegiado em relação aos demais grupos.
Por outro lado, também se não pode retirar dos autos que tenha existido com referência às Recorrentes um qualquer prejuízo anormal.
Em face do exposto, improcedem as conclusões 40ª e 41ª da alegação das Recorrentes.
3.9 Tendo em consideração tudo o que já se fez constar dos anteriores pontos é patente que a pretensão indemnizatória deduzida pelas Recorrentes sempre teria de soçobrar ainda que vista a questão sob a prisma da responsabilidade pré-contratual, vertente, aliás, sobre a qual a sentença recorrida se debruçou.
Com efeito, a matriz deste tipo de responsabilidade reside no art. 227º do CC e decorre da chamada “culpa in contrahendo”, resultante da violação por uma das partes dos deveres gerais de boa-fé, lisura e correcção para com a outra, sendo que a possibilidade de haver responsabilidade pré-contratual no direito administrativo foi logo reconhecido no Parecer da PGR nº 138/79, de 20-12.
O interesse que aqui se pretende tutelar é, basicamente, o daquele que razoavelmente confia que o outro cumpra com esses deveres.
Quanto a este aspecto, cfr., entre outros, Mota Pinto, in “Nulidade do contrato-promessa de compra e venda e responsabilidade civil por culpa na formação dos contratos”, in Revista de Dir. Est. Soc., Ano XVII, nº 1, pág. 90 e “A responsabilidade pela não conclusão dos contratos”, in BFDUC, Separata do Vol. XIV, 1966, págs. 143 e segts., Mário Júlio de Almeida Costa, in “Responsabilidade civil pela ruptura das negociações preparatórias de um contrato” págs. 33 e segts., M. Gomes da Silva e R. Amaral Cabral, in “Responsabilidade pré-contratual”, in “O Direito, 1995, nºs III/IV, págs. 439 e segts., Ana Prata, in “Notas sobre responsabilidade pré-contratual”, Separata da Revista da Banca, nºs 16 e 17 e Carneiro da Frada, in “Uma terceira via no direito da responsabilidade civil”, a págs. 86 e seguintes.
Ou seja, a responsabilidade pré-contratual baseia-se, assim, na ideia de que o simples início das negociações cria entre as partes deveres de lealdade, de informação e de esclarecimento, dignos da tutela do direito.
Cfr., nesta linha, Vaz Serra, in “Culpa do devedor ou do agente”, in BMJ 68, a págs. 123-124, Antunes Varela, in “Das obrigações em Geral”, Vol. I, 9ª edição, a págs. 276, Menezes Cordeiro, in “Da boa fé no direito civil”, a págs. 582-583 e Maria Júlio de Almeida Costa, in RLJ ano 116, págs. 88-89 e 172-174, bem com os Acs. do STJ de 9-2-93, in BMJ 424-607, de 24-10-95 – BMJ 450-443, de 5-3-96 – Proc. 87785 e de 4-9-96 – Proc. 162/96.
Só que, como já atrás se assinalou, no caso em análise não se pode concluir, à luz da matéria de facto dada como provada, que o Réu Estado tenha infringido as já apontadas exigências da boa-fé, não tendo sido infringido o princípio da confiança, não sendo indemnizáveis as suas meras expectativas também em sede da responsabilidade pré-contratual.
Ora, sendo isto certo, desnecessário se tornar discorrer sobre o âmbito dos prejuízos indemnizáveis, sendo de todo em todo irrelevante procurar saber se a indemnização que porventura fosse de atribuir teria de abranger não só o interesse contratual negativo como também o interesse contratual positivo (perda de chance).
Na verdade, tal indagação só faria sentido se tivesse existido, desde logo, violação do princípio da boa-fé e da protecção da confiança, o que, contudo, como se sabe, não se verifica.
Dentro deste especifico enquadramento prejudicado fica o conhecimento das conclusões 23ª, 24ª, 25ª, 26ª, 27ª, 30ª, 31ª e 32ª.
3.10 Por outro lado, também está prejudicado o conhecimento das conclusões 33ª, 34ª, 35ª, 36ª, 37ª, 38ª, 39ª.
Na verdade, não se verificando, no caso em análise, os pressupostos já atrás analisados e de que dependia o êxito da pretensão indemnizatória deduzida pelas Recorrentes na acção que intentaram contra o Réu Estado Português, desnecessário se torna conhecer das matérias das aludidas conclusões, por atinentes com os demais pressupostos (dano e nexo de causalidade).
4 – DECISÃO
Nestes termos, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo a sentença recorrida, mas com os fundamentos constantes deste Acórdão.
Custas pelas Recorrentes.
Lisboa, 18 de Junho de 2003
Santos Botelho – Relator – Adérito Santos – Azevedo Moreira