Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01188/02
Data do Acordão:06/18/2003
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:SANTOS BOTELHO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL.
RESPONSABILIDADE POR ACTO LÍCITO.
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ.
PRINCÍPIO DA PROTECÇÃO DA CONFIANÇA.
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
PRINCÍPIO DA IGUALDADE.
MATÉRIA DE FACTO.
GRAVAÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL.
BANCA NACIONALIZADA.
PRIVATIZAÇÃO.
Sumário:I - A gravação da prova assume-se como uma garantia tendente a possibilitar, de alguma maneira, um segundo grau de jurisdição em matéria de facto.
II - Porém não se pode olvidar que o registo magnético da prova, pela sua própria natureza não pode reproduzir todas as circunstâncias em que um determinado depoimento se processou, não podendo explicitar tudo aquilo que é perceptível apenas através do concretizar do principio da imediação da prova, deste modo não revelando todos os elementos que, porventura, tivessem sido susceptíveis de influenciar a convicção do tribunal da 1ª instância, assim não tornando acessível ao tribunal Superior o controlo de todo o processo que habilitou o tribunal "a quo" a decidir como decidiu, o que tudo aconselha um particular cuidado aquando do uso pelo tribunal "ad quem" dos poderes de reapreciação dos pontos controvertidos da matéria de facto.
III - O principio da boa fé assume-se como um dos princípios gerais que servem de fundamento ao ordenamento jurídico.
IV - Tal principio apresenta-se como um dos limites da actividade discricionária da Administração.
V - Um dos corolários do principio da boa-fé consiste no principio da protecção da confiança legitima, incorporando a boa-fé o valor ético da confiança.
VI - A exigência da protecção da confiança é também uma decorrência do principio da segurança jurídica, imanente ao principio do Estado de Direito.
VII - Contudo, a aplicação do principio da protecção da confiança está dependente de vários pressupostos, desde logo, o que se prende com a necessidade de se ter de estar em face de uma confiança "legitima" o que passa, em especial, pela sua adequação ao Direito, não podendo invocar-se a violação do principio da confiança quando este radique num acto anterior claramente ilegal, sendo tal ilegalidade perceptível por aquele que pretenda invocar em seu favor o referido principio.
VIII - Por outro lado, para que se possa, válida e relevantemente, invocar tal principio é necessário ainda que o interessado em causa não o pretenda alicerçar apenas, na sua mera convicção psicológica, antes se impondo a enunciação de sinais exteriores produzidos pela Administração suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde seja razoável ancorar a invocada confiança.
IX - As meras expectativas fácticas não são juridicamente tuteladas.
X - O cuidado e as precauções a exigir da parte que reivindica a protecção da sua boa-fé serão tanto maiores quanto mais avultados forem os investimentos feitos com base na confiança, já que se não pretende tutelar o "excesso de confiança".
XI - Por outro lado, mesmo em sede do principio da boa-fé, a Administração terá sempre de valorar os condicionantes que entretanto, se tenham produzido, sendo que a mudança do circunstancialismo em que se tivesse baseado numa anterior conduta, poderá legitimar à luz da vinculação ao principio da legalidade e da prossecução actualizada do interesse público, uma alteração aos critérios anteriormente assumidos não estando, assim, a Administração impedida de avaliar a nova situação que, porventura, se tivesse desenvolvido, por forma a melhore acautelar os interesses que lhe incumbisse defender.
XII - Por obediência ao principio da proporcionalidade a Administração deverá escolher dentro dos diversos meios ou medidas idóneas e congruentes do que disponha aqueles que sejam menos gravosos ou que causem menos danos.
XIII - Estamos aqui no domínio do principio da intervenção mínima por forma a que se consiga compatibilizar o interesse publico e os direitos dos particulares, de modo a que o principio da proporcionalidade jogue como um factor de equilíbrio garantia e controlo dos meios e medidas.
XIV - O principio da igualdade é de conteúdo pluridimencional, postulando várias exigências, sendo que, no fundo, o que se pretende evitar é o arbítrio, mediante uma diferenciação de tratamento irrazoável, a que falte inequivocamente apoio material e constitucional objectivo.
XV - A ilicitude não se basta com a genérica anti-juridicidade, tudo se devendo centrar nas especificas relações eventualmente existentes entre as normas ou princípios tidos por violados e a esfera jurídica do Particular, devendo existir como que uma conexão da ilicitude entre a norma ou o principio e a posição juridicamente protegida do Particular.
XVI - Ou seja, nem toda a ilegalidade implica ilicitude, para efeitos indemnizatórios, devendo o conceito de ilicitude ser integrado pela já apontada exigência de violação de uma posição jurídica substantiva do Particular.
XVII - O principio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos constitui o fundamento da responsabilidade por actos lícitos, acolhida no art.º 9.º do D. Lei 48051 de 21/XI/67.
Nº Convencional:JSTA00060046
Nº do Documento:SA12003061801188
Data de Entrada:06/28/2002
Recorrente:A...
Recorrido 1:ESTADO
Votação:UNANIMIDADE
Ref. Acórdãos:
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAC PORTO.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - RESPONSABILIDADE EXTRA.
Legislação Nacional:DL 48051 DE 1967/11/21 ART2 ART9.
DL 20-A/95 DE 1995/01/30 ART1.
L 11/90 DE 1990/04/05 ART6 ART8 ART13.
CPA91 NA REDACÇÃO DO DL 6/96 DE 1996/01/31 ART6-A.
CONST96 ART296.
Jurisprudência Nacional:AC TC 287/90 IN BMJ N400 PAG214.; AC TC 302/90 IN BMJ N401 PAG130.; AC TC 70/92 IN BMJ N414 PAG130.; AC STAPLENO PROC32156 DE 1996/12/11.; AC STAPLENO PROC40313 DE 1999/12/17.; AC STAPLENO PROC47275 DE 2003/04/30.; AC STA PROC17429 DE 1983/03/24.; AC STA DE 1984/06/06 IN AD N289 PAG62.; AC STA PROC24979 DE 1988/02/02.; AC STA PROC716/02 DE 2002/05/23.; AC STA DE 1989/12/12 IN RLJ ANO125 PAG84.
Referência a Pareceres:P PGR 138/79 IN BMJ N298 PAG21.
P PGR 162/80 DE 1982/06/11.
P PGR 187/83 DE 1984/02/07.
Referência a Doutrina:AFONSO QUEIRÓ ESTUDOS DE DIREITO PÚBLICO V2 PAG179.
ESTEVES DE OLIVEIRA E OUTROS CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO 2ED PAG91-108.
FREITAS DO AMARAL DIREITO ADMINISTRATIVO V3 PAG348.
REBELO DE SOUSA O CONCURSO PÚBLICO NA FORMAÇÃO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO PAG52.
MENEZES CORDEIRO DA BOA FÉ NO DIREITO CIVIL V1 PAG383.
MARGARIDA OLAZABAL CABRAL O CONCURSO PÚBLICO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS PAG92.
BAPTISTA MACHADO IN RLJ ANO117 PAG231-363.
GOMES CANOTILHO O PROBLEMA DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ACTOS LÍCITOS PAG73-78.
RUI MEDEIROS ENSAIO SOBRE A RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ACTOS LEGISLATIVOS PAG168.
MOTA PINTO IN RDES ANO17 N1 PAG90.
VAZ SERRA IN BMJ N68 PAG123-124.
GONZALEZ PEREZ EL PRINCÍPIO GENERAL DE LA BUENA FE EN EL DERECHO ADMINISTRATIVO PAG59.
GARCIA DE ENTERRIA LA LUCHA CONTRA LAS INMUNIDADES DEL PODER 3ED PAG42.
Aditamento: