Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:059/12
Data do Acordão:12/12/2012
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
REQUISITOS
JURISPRUDENCIA RECENTEMENTE CONSOLIDADA
Sumário:I – O recurso por oposição de acórdãos interposto em processo judicial tributário instaurado após a entrada em vigor do ETAF de 2002 depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
II – Verifica-se o 1.º requisito se os acórdãos em confronto assentam em situações de facto idênticas nos seus contornos essenciais e está em causa o mesmo fundamento de direito, não tendo havido alteração substancial da regulamentação jurídica pertinente e tendo sido perfilhada solução oposta, por decisões expressas e antagónicas.
III – Não se verifica, porém, o 2.º requisito se a orientação perfilhada no acórdão impugnado corresponde à posição adoptada, por maioria, em recente acórdão proferido em julgamento ampliado nos termos do artigo 148.º do CPTA, com intervenção de todos os actuais juízes da 2.ª Secção do STA, bem como à posição adoptada em vários acórdãos da Secção sobre a mesma questão.
Nº Convencional:JSTA00068002
Nº do Documento:SAP20121212059
Data de Entrada:06/27/2012
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS
Objecto:AC STA PROC059/12 DE 2012/02/23 - AC STA PROC01072/11 DE 2001/12/14
Decisão:FINDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:CPPT99 ART284 N5
ETAF02 ART27 B
CPTA ART152
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01065/05 DE 2006/03/29; AC STA PROC0762/05 DE 2007/03/06; AC STA PROC01233/06 DE 2007/03/29; AC STA PROC0895/11 DE 2012/05/02; AC STA PROC0708/12 DE 2012/09/26; AC STA PROC059/12 DE 2012/02/23; AC STA PROC0247/12 DE 2012/04/12; AC STA PROC0446/12 DE 2012/05/09; AC STA PROC0489/12 DE 2012/05/23; AC STA PROC0864/12 DE 2012/09/12
Referência a Doutrina:MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E CARLOS CADILHA - COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS 2ED PAG765-766
PEDRO MACHETE - A AUDIÊNCIA DOS INTERESSADOS NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PAG505
FREITAS DO AMARAL - CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO II PAG323
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I.“A…………, Ldª”, com os demais sinais nos autos, veio recorrer do Acórdão proferido por este STA em 23.02.2012 (v. fls. 208/225) com fundamento em oposição com o Acórdão proferido por este mesmo STA em 14.12.2011 no Processo nº 01072/11.

II. Admitido o recurso por despacho de fls. 242, foi a recorrente notificada para efeitos do disposto no artº 284º, nº 3 do CPPT, defendendo a oposição entre os citados arestos.

Por sua vez, a Fazenda Pública veio pronunciar-se no sentido da inexistência de tal oposição.

III. Por despacho de 19.04.2012 foi julgada a oposição entre os citados acórdãos (v. fls. 256), tendo sido ordenada a notificação das partes para efeitos do nº 5 do artº 284º do CPPT.

IV. Nas suas alegações veio a recorrente concluir:

A) No âmbito do processo executivo, o dever de observar a formalidade prevista no artigo 60.° da LGT, isto é, de audição prévia antes da prolação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia não foi cumprido;

B) Os meritíssimos Juízes Conselheiros aplicaram incorretamente o direito à questão de saber se, no caso, ocorreu violação do direito e formalidade prevista no artigo 60.° da LGT - direito de audição prévia antes da decisão final de indeferimento do pedido;

C) O acórdão recorrido (sentença de recurso de 23.02.2012) está em oposição com anterior jurisprudência, nomeadamente, a que decorre do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.12.2011;

D) Apesar da natureza judicial do processo de execução fiscal, a decisão sobre o pedido de isenção da prestação de garantia não constitui um ato jurisdicional;

E) Em conformidade com o decidido no Acórdão fundamento deste recurso "o processo de execução fiscal tem natureza judicial e embora a AT nele possa praticar atos que não tenham natureza jurisdicional é garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos atos materialmente administrativos aí praticados por órgão da AT";

F) Entre os atos administrativos praticados pela Autoridade Tributária no processo de execução fiscal inclui-se a suspensão da execução após prestação de garantia, bem como, a decisão sobre a dispensa da prestação de garantia, previsto no artigo 52.° da LGT e 169.° do CPPT;

G) Em conformidade com o artigo 120.° do CPA e Acórdão fundamento, a decisão sobre o pedido de isenção da prestação de garantia "qualifica-se como verdadeiro ato administrativo em matéria tributária e não como mero ato de trâmite, uma vez que não se confina nos estreitos limites da ordenação intraprocessual, antes projeta externamente efeitos jurídicos numa situação individual e concreta";

H) Pois, nos termos desse Acórdão, "(...) a decisão da AT de suspender ou não o processo de execução fiscal por virtude da prestação (ou dispensa) de garantia implica e determina manifestos reflexos na esfera jurídica da reclamante";

I) Nos termos do Acórdão de 02.02.2011, recurso n° 08/11, citado no acórdão fundamento "o despacho revogatório objeto da presente reclamação, assim como o revogado, qualificam-se como verdadeiros atos administrativos em matéria tributária e não como mero trâmite, uma vez que não se confinam nos estreitos limites da ordenação intraprocessual, antes projetam externamente efeitos jurídicos numa situação individual e concreta ";

J). Apesar da natureza judicial do processo de execução fiscal, dentro dele existem subprocedimentos administrativos, que terão obrigatoriamente de seguir as regras do procedimento administrativo e tributário;

K). O Acórdão recorrido reconhece que, em determinadas circunstâncias, "abre-se no processo de execução fiscal um verdadeiro procedimento administrativo/tributário, que é apreciado e decidido pela administração tributária nessa própria qualidade (...), produzindo atos materialmente administrativos em matéria tributária "

L) Esse mesmo Acórdão entende que "(...) a Administração Tributária atua (...), no exercício da sua função tributária, (...), produzindo atos materialmente administrativos em matéria tributária, inseridos, assim, no âmbito de um procedimento tributário autónomo e funcionalmente diferente do procedimento processual dirigido à cobrança coerciva de determinadas quantias (...)";

M). O despacho de indeferimento e o subprocedimento do pedido de isenção da prestação de garantia são um ato ou procedimento materialmente administrativo;

N). Nos termos do artigo 103.°, n.° 2 da LGT "É garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos atos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária (...)";

O). Dentro do processo executivo existem os citados subprocedimentos administrativos que geram atos materialmente administrativos, e que, por isso, deve ser dado cumprimento à audição prévia prevista no artigo 60° da LGT;

P.) Em conformidade como o Acórdão fundamento "A decisão da AF de suspender ou não um processo de execução fiscal possui manifestos reflexos na esfera jurídica da ora recorrente (...)";

Q). Como o ato administrativo em matéria tributária, o indeferimento do pedido pressupõe o prévio exercício do direito de audição, nos termos do artigo 60° n° 1, alínea b) da LGT, não podendo sequer aventar-se a hipótese da dispensa do exercício do direito de audição;

R). Nos termos do Acórdão fundamento, "Em face dessa definição de ato administrativo impunha-se a prévia audição do interessado, de acordo com o estatuído nos arts. 100.° do CP A e 60.° da LGT";

S). Nos termos do artigo 60.°, n.° 1, alínea b) da LGT, "A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso por qualquer das seguintes formas: (...) b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações recursos ou petições;";

T). O artigo 267.°, n.° 5 da Constituição da Republica Portuguesa reconhece aos cidadãos o direito de participação na formação das decisões e deliberações que lhes digam respeito;

U). Tal corresponde a um direito fundamental do cidadão contribuinte, ao ponto de merecer consagração expressa na Constituição da Republica Portuguesa;

V). Nos termos do artigo 100° do CPA "concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103.°, os interessados têm direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta'',

W). Em conformidade com a doutrina de Diogo Leite de Campos "O CPA veio dar concretização a este direito [da participação] enunciando, no seu artº. 8.°, o princípio da participação, nos termos do qual «os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, (...) que tenham por objeto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respetiva audiência»";

X). É necessário permitir a participação dos contribuintes nas decisões que lhes digam respeito, de modo a que possam contribuir para o cabal esclarecimento dos factos e uma decisão mais adequada e justa;

Y). A Autoridade Tributária está sujeita ao princípio da Justiça tributária;

Z). A falta do exercício do direito de audição prévia determina a anulabilidade, por vício de forma, da decisão final;

AA). No caso em apreço, a irregularidade da falta de audiência prévia não pode degradar-se em formalidade não essencial;

BB). Em conformidade com o Acórdão fundamento, "A falta de notificação para o exercício do direito de audição só poderia degradar-se em formalidade não essencial se caso tivesse sido realizada a audiência prévia a reclamante não tivesse possibilidades de apresentar elementos novos relevantes para a fundamentação da decisão final e sobre as quais não tivesse tido já a oportunidade de pronunciar-se";

CC). O tribunal não pode concluir que a reclamante não poderia apresentar novos elementos relevantes para a decisão;

DD). Perante a intenção de indeferimento do pedido formulado, a Autoridade Tributária estava obrigada a notificar a recorrente para o exercício do direito de audição;

EE). Em conformidade com o parecer do Procurador-Geral Adjunto deveria ter sido dada razão à ora recorrente na questão do direito à audiência prévia antes da decisão final de indeferir o pedido de isenção da prestação de garantia;

FF). Nos termos do próprio Acórdão recorrido, a "apreciação e decisão desse pedido está a cargo da própria Administração Tributária, (...) dando origem a um procedimento tributário específico, sujeito às regras que regem esses procedimentos, designadamente no princípio da audiência prévia (...);

GG. Estamos perante um procedimento tributário específico "enxertado" no processo executivo, pelo que não se pode duvidar da aplicabilidade das normas que a LGT prevê para o seu procedimento, nomeadamente, a contida no artigo 60.°.

HH) A argumentação da urgência, segundo o qual a audiência prévia impossibilita o cumprimento do prazo de 10 dias para a tomada de decisão, não pode proceder quando é a própria Autoridade Tributária a incumprir constantemente com esse prazo;

II). No caso em apreço, o requerimento apresentado pela ora recorrente ocorreu no dia 27.05.2011 e o despacho que o decidiu apenas foi proferido, em 07.07.2011;

JJ) A decisão demorou mais de 30 dias por culpa exclusiva da Autoridade Tributária;

KK) O artigo 60.° da LGT é claro e não prevê situações de dispensa do dever de audição prévia;

LL) No caso em apreço, não há nenhuma necessidade pública indeclinável e incompatível, relativamente à observância do prazo legalmente previsto, que possa justificar a dispensa da audição prévia, quando é a própria Autoridade Tributária que o incumpre;

MM) Em conformidade com a doutrina de Diogo de Leite Campos "este caso de dispensa de audiência não foi incluído na L.G.T., pelo que, não havendo nesta matéria um caso omisso, não haverá suporte legal para fazer aplicação no procedimento tributário do preceituado nesta alínea a) do n.° 2 doartº. 103.° do C.P.A.";

NN). Estes mesmos autores afirmam categoricamente que "estes casos de inexistência do direito de audiência não foram incluídos na L.G.T. e não se harmonizam com os valores e interesses que estão em causa no procedimento tributário"

OO). Tal decorre da necessidade de harmonização da audiência prévia (artigo 60.° da LGT) com o princípio da confidencialidade, previsto no artigo 64.° do mesmo diploma legal;

PP). Apenas seria equacionável tal dispensa de audição prévia se o incumprimento do prazo acarretasse o deferimento tácito do requerimento da ora recorrente;

QQ). No entanto, tal não sucede no procedimento tributário, inexistem motivos que possam sustentar a dispensa da audição prévia com base no artigo 103.°, n.° 1 do CPA.

RR) A LGT regula a audição prévia (de forma exaustiva), não estando, por isso, legitimada a utilização da regulamentação do CPA a título subsidiário;

SS) A audiência prévia deveria ter ocorrido, tanto mais que, no caso em apreço, a própria recorrida alega no despacho que o indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia se fundamentou na circunstância de o órgão de execução fiscal ter considerado que tal pedido não se encontrava instruído de todos os elementos documentais comprovativos da verificação dos pressupostos de que depende a concessão da dita dispensa e por não ter sido apresentada prova da irresponsabilidade do executado pela insuficiência ou inexistência de bens;

TT). Como o principal fundamento foram irregularidades no requerimento, com mais acuidade se mostrava justificada a realização da audição prévia;

UU). Nos termos do 89°, n° 1 do CPA é permitido que a administração solicite aos administrados o aperfeiçoamento dos requerimentos ou a junção de informações ou documentos que se mostrassem necessários para a instrução do processo;

VV). Esta instrução deveria ter sido possível realizar em sede de audiência prévia;

WW). A douta sentença proferida pelos Meritíssimos Juízes Conselheiros não aplicou corretamente o Direito, estando em oposição com anterior jurisprudência que sustenta este recurso, pelo que tal decisão deverá ser revogada e proferida outra no sentido da sentença proferida em Iª instância pelo TAF do Porto e do Acórdão que serve de fundamento.

Pelo exposto,

Deverá ser dado provimento ao presente recurso por oposição de julgados, revogada a douta decisão recorrida, sendo substituída por douta decisão deste Venerando Tribunal que julgue que o tribunal de recurso (2ª Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo) não aplicou corretamente o Direito, relativamente à falta de audição prévia da ora recorrente (executada no processo de execução fiscal), confirmando a decisão proferida em 1ª instância pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

V. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 302/305, defendendo a existência de oposição de acórdãos e pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.

VI. Cumpre decidir.

VII. No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:

1ª). O Serviço de Finanças do Porto-2 instaurou, em 27.04.20011, o processo de execução fiscal n° 3182201101029860, contra A………, Ldª, para cobrança de dívida proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado, não entregue ao Estado, no valor de 42.866.85 € (fls. 1 e 2 do autos).

2º). A requerente em 02.06.2011, em requerimento dirigido ao Chefe de Finanças da Porto, pediu a isenção de prestação de garantia (fls. 8 a 11 dos autos);

3º). Em 21.06.2011, foi elaborada a informação pela Divisão de Gestão da Dívida Executiva, conforme constante de fls. 19/21 dos autos, que aqui se dá por integralmente por reproduzida;

4º). Por despacho do Chefe de Divisão, de 07.07.2001, a referida informação mereceu concordância, sendo indeferido o pedido, conforme documento que aqui se dão por integralmente reproduzidos (fls. 19/21 dos autos);

5º). O despacho do Chefe de Finanças, de 07.07.2001, nem a informação que suportou a decisão, não se pronunciou quanto a audiência prévia e não foi realizada a audiência prévia.

6º). O reclamante foi notificado pelo ofício n. 63008, datado de 2011.07.18, com o RM 6903 2548 5 PT, o qual foi rececionado em 21.07.2001 (fls. 24/25 dos autos);

7º). A presente reclamação foi interposta em 28.07.2011.

VIII. No acórdão fundamento foi fixada a seguinte matéria de facto:

A). A reclamante apresentou o pedido de reforço de garantia e a isenção da prestação de garantia do remanescente constante de fls. 154 e 155, cujo teor aqui se dá por reproduzido (fls. 153 a 155).

B). Sobre este requerimento foi lançada a informação de fls. 173, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

C). Sobre o referido requerimento foi proferido o despacho de fls. 174, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

D). A decisão constante do despacho de fls. 174 foi proferida sem ter sido exercido o direito de audiência prévia da reclamante (fls. 154 a 177).

IX. Antes de mais, e apesar de o Relator ter proferido despacho em que reconhece a alegada oposição de acórdãos (v. fls. 256), importa reapreciar se a mesma se verifica, pois tal decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar, em conformidade com o disposto no artigo 687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (hoje artº 685º-C, nº 5 do mesmo diploma).

Tendo os autos dado entrada posteriormente a 1 de janeiro de 2004, são aplicáveis as normas dos artºs 27º, alínea b) do ETAF de 2002 e 152º do CPTA (neste sentido, entre outros, v. o acórdão de 26/09/2007 do Pleno desta Secção, proferido no Processo nº 0452/07).

Sendo assim, a oposição depende da satisfação dos seguintes requisitos:

a) Existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;

b) A decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

Quanto ao primeiro requisito, de acordo com o acórdão de 29.03.2006 – Recurso nº 01065/05, do Pleno desta mesma Secção, relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adotar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detetar a existência de uma contradição, a saber:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas (Neste sentido podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos:
- de 29.03.2006 – Processo nº 01065/05; de 17.01.2007 – Processo nº 048/06;
- de 06.03.2007 – Processo nº 0762/05; - de 29.03.2007 – Processo nº 01233/06. No mesmo sentido, v. ainda Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha – Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, págs. 765-766).

A oposição deverá, por um lado, decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta e, por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.

Vejamos então se, no caso dos autos, se verificam tais requisitos, começando pela questão da oposição entre os arestos acima identificados.

IX.1. No acórdão recorrido escreveu-se, para além do mais, o seguinte:

“…Aliás, a utilização da expressão “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia...”, contida no n.º 3 do artigo 52.º da LGT, aponta no sentido de se estar perante um poder discricionário que é atribuído à administração tributária na qualidade de titular do crédito cujo pagamento o executado deve assegurar. Tratar-se-á, pois, de um poder que o sujeito ativo da relação tributária obrigacional ou titular do crédito exercerá em conformidade com o julgamento que realize, no âmbito de competências próprias, sobre a situação económica do executado e o prejuízo que a prestação de garantia lhe poderá causar. E, assim sendo, esse pedido dá origem a um procedimento tributário específico, “enxertado” no processo executivo, estando a respetiva decisão sujeita aos princípios que regem os procedimentos tributários previstos nos artigos 55.º e segs. da Lei Geral Tributária.
Razão por que se impunha, em princípio, observar o princípio da participação contido no artigo 60.º da LGT.
Todavia, segundo o disposto no artigo 170.º do CPPT, o pedido de dispensa de prestação de garantia «deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária» (n.º 3) e «será resolvido no prazo de 10 dias após a sua apresentação» (n.º 4), o que revela o caráter urgente deste procedimento, justificado pela necessidade de proteger o interesse do Estado, enquanto titular de créditos tributários, assegurando a sua efetiva cobrança através de garantias suficientes e idóneas que devem ser prestadas pelo executado durante a fase de discussão da legalidade do ato de liquidação, e a necessidade de evitar que através da dedução de pedidos de dispensa de prestação de garantia se facilite ou provoque a inviabilidade dessa cobrança, pela oportunidade concedida ao executado de dissipação de bens no período de tempo que decorra até à prolação da decisão, ficando definitiva ou gravemente comprometida a satisfação da necessidade pública de assegurar a efetiva cobrança de receitas tributárias.
Ora, embora o artigo 60.º da LGT não preveja expressamente situações de dispensa do dever de audição prévia no procedimento tributário para os procedimentos em que há, de forma objetiva e revelada pela lei, urgência na prolação da decisão, cremos que deve apelar-se ao regime contido no Código de Procedimento Administrativo, cujo artigo 103.º, n.º 1, estabelece que não há lugar a audiência dos interessados «Quando a decisão seja urgente», por força da aplicação subsidiária desta norma em conformidade com o disposto no artigo 2.º, alínea c) da LGT.
Com efeito, de acordo com a doutrina (Cfr. Pedro Machete, in “A Audiência Dos Interessados No Procedimento Administrativo”, pp. 505 e segs. e Freitas do Amaral, in “Curso de Direito Administrativo”, II, p. 323.) e a jurisprudência (Cf., entre outros, os acórdãos da Secção de 20.11.2002, no Rec. n° 48417, de 25.09.2003, no Rec. nº 47953, de 29.06.2006, no Rec. n.º 816/05, e os acórdãos do Pleno de 31.03.2004, no Rec. n° 35338 e de 13.10.2004, no Rec. nº1218/02) da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, a audiência prévia dos interessados, não tendo, embora, natureza jusfundamental, releva como princípio estruturante da lei especial sobre o processamento da atividade administrativa e, bem assim, como direito subjetivo procedimental, tendo natureza excecional as normas que preveem, em certas situações, o sacrifício desse direito; e, por essa razão, a urgência referida no artigo 103.° do CPA só se justifica nas situações em que o tempo seja determinante do sucesso ou insucesso da decisão a adotar, em termos tais que se possa antever que, sem esse sacrifício, ficará definitiva ou gravemente comprometida a satisfação de uma necessidade pública indeclinável, incompatível com a observância do prazo mínimo legalmente previsto para o exercício do direito do interessado a ser ouvido no procedimento.
E se é verdade que o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes dizem respeito tem de ser norteado pelo princípio superior da salvaguarda dos seus direitos ou interesses legítimos na feitura de uma decisão que se deseja correta, não o é menos que tal exercício não deve criar obstáculos a situações objetivas de urgência legal, razão por que se impõe observar, também nos procedimentos tributários de caráter urgente, a norma que prevê a dispensa de audição contida no referido artigo 103.º, n.º 1, alínea a), do CPA.
No caso vertente, o curtíssimo prazo concedido à administração tributária para a decisão do pedido, conjugado com a obrigatoriedade de o executado apresentar imediatamente toda a prova no requerimento onde formula a sua pretensão, denuncia objetivamente o caráter urgente deste procedimento tributário, onde o tempo constitui um elemento determinante na finalidade pública que se visa prosseguir, de obviar ao sumiço de bens que possam garantir o pagamento integral da dívida exequenda, assim se justificando a não observância da formalidade prescrita no artigo 60.º da LGT, ao abrigo do disposto na alínea a), do n° 1, do artigo 103.° do CPA, face à aplicação subsidiária das normas do CPA ao procedimento tributário.
Sempre se dirá, porém, para os que não aceitem a aplicabilidade da referida norma do Código de Procedimento Administrativo, que o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando todas as razões que, em seu entender, a justificam, e ao qual é obrigado a juntar logo todos os elementos de prova, desempenha aqui a função da audiência prévia, pois que seguindo-se uma imediata decisão fica afastada a possibilidade daquele ser surpreendido com diligências instrutórias que só por si justificassem um ato de sentido contrário àquele que aguardava.
Nesse requerimento o interessado deve fazer a subsunção dos factos que alega ao direito aplicável, fazer a sua interpretação das normas que são chamadas a justificar a decisão e dar logo o seu contributo para que seja proferida uma decisão correta, tanto no que toca aos pressupostos de facto como aos pressupostos de direito do ato a proferir, pelo que não havendo instrução, mas tão-só a apreciação por parte do órgão decisor dos factos invocados face à prova oferecida e sua subsunção ao direito aplicável, como se de um deferimento ou indeferimento liminar se tratasse, não há que chamá-lo novamente a participar na formação da decisão, não há que renovar ou duplicar essa audição. É o que resulta, aliás, da regra geral contida no n.º 3 do artigo 60.º da LGT, segundo a qual “tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda não se tenha pronunciado”, quando aplicada a todos os procedimentos tributários que culminem com um ato final lesivo, seja ele ou não um ato de liquidação.”.

E concluiu-se, no citado acórdão, que no caso concreto, não havia lugar ao exercício do direito de audição prévia.

IX.2. Por sua vez, no acórdão fundamento, ficou escrito o seguinte:

“…Como decorre do disposto no artº. 103º da LGT, e tem sido repetidamente afirmado pela jurisprudência deste STA, o processo de execução fiscal tem natureza judicial, na totalidade, e embora a AT nele possa praticar atos que não tenham natureza jurisdicional é garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos atos materialmente administrativos aí praticados por órgão da AT.
Entre os atos que podem ser praticados pela AT no processo de execução fiscal inclui-se a suspensão da execução após prestação de garantia, nos casos enunciados nos arts. 52º da LGT e 169º do CPPT, bem como a decisão sobre a dispensa de prestação dessa garantia, nos casos previstos na lei (nºs 3 a 6 do citado art. 52º da LGT e art. 170º do CPPT).
No caso, o ato reclamado substancia-se, precisamente, no indeferimento, por parte do órgão de execução fiscal, de pedido de dispensa de reforço (no montante de 406.950,06 Euros) de garantia, nos termos do art. 170° do CPPT, por esse mesmo órgão ter considerado que o pedido não se encontra instruído com toda a prova documental necessária à apreciação da pretensão do requerente, ou seja, instruído com todos os elementos documentais comprovativos da verificação dos pressupostos de que depende a concessão da dispensa prevista no nº 3 do citado art. 170° do CPPT, e por não ser apresentada prova da irresponsabilidade do executado pela situação de insuficiência/inexistência de bens.
Ora, como em situação semelhante se afirmou no ac. deste STA, de 2/2/2011, rec. nº 08/11, o despacho de indeferimento objeto da presente reclamação qualifica-se como verdadeiro ato administrativo em matéria tributária e não como mero ato de trâmite, uma vez que não se confina nos estreitos limites da ordenação intraprocessual, antes projeta externamente efeitos jurídicos numa situação individual e concreta ¯ cfr. art. 120º do CPA ¯ sendo que a decisão da AT de suspender ou não o processo de execução fiscal por virtude da prestação (ou da dispensa) de garantia implica e determina manifestos reflexos na esfera jurídica da ora recorrida.
E, assim, em face dessa definição como ato administrativo e tratando-se, como se trata, de um ato administrativo definidor de uma situação jurídica que no caso é desfavorável ao contribuinte, impunha-se a sua prévia audição, de acordo com o estatuído nos arts. 100º do CPA e 60º da LGT. Tanto mais que, no caso, a própria recorrente alega que o indeferimento do pedido de dispensa de reforço da garantia se fundamentou na circunstância de o órgão de execução fiscal ter considerado que o pedido não se encontra instruído com todos os elementos documentais comprovativos da verificação dos pressupostos de que depende a concessão da dita dispensa de prestação do reforço da garantia e por não ter sido apresentada prova da irresponsabilidade do executado pela situação de insuficiência/inexistência de bens.
E nem se diga, como pretende a recorrente, que a tal obsta o facto de o art. 60º da LGT estar inserido no título III da LGT, que trata “do procedimento tributário”, bem como o facto de no âmbito do procedimento tributário definido no art. 54° da LGT não estar incluído o processo de execução fiscal, ou seja, que, no caso, não estando em causa o procedimento tributário (mas, antes, o processo judicial) não seria, por isso, aplicável o disposto naquele art. 60º da LGT.
É que, por um lado (e independentemente das alegadas ¯ nas Conclusões I a P ¯ dificuldades de conceptualização da reclamação prevista no artº. 276º do CPPT) os arts. 54º da LGT e 44º do CPPT contemplam uma definição do âmbito do procedimento tributário em termos latos, que compreende «toda a sucessão de atos dirigida à declaração de direitos tributários», em ambos se incluindo, aliás, o procedimento de cobrança das obrigações tributárias, na parte em que não tiver natureza judicial (cfr. al. h) do nº 1 do art. 54º da LGT e a al. g) do nº 1 do art. 44º do CPPT).
E, por outro lado, como se viu, a suspensão da execução após prestação de garantia, nos casos enunciados nos arts. 52º da LGT e 169º do CPPT, bem como a decisão sobre a dispensa de prestação dessa garantia, nos casos previstos na lei (nºs 3 a 6 do citado art. 52º da LGT e art. 170º do CPPT), são de qualificar como verdadeiros atos administrativos em matéria tributária e não como mero atos de trâmite; e, assim, como atos administrativos definidores de uma situação jurídica que no caso é desfavorável ao contribuinte, impunha-se a sua prévia audição, de acordo com o estatuído nos arts. 100º do CPA e 60º da LGT”.

E, em face da fundamentação transcrita, decidiu-se que a audição prévia era uma formalidade essencial, pelo que foi confirmada a sentença que julgou procedente reclamação do órgão da execução fiscal que havia suscitado a ilegalidade do despacho de indeferimento sem prévia audição do interessado.

IX.3. Daqui resulta então, que estamos perante matéria de facto muito semelhante e que, aplicando a mesma norma, os dois arestos chegaram a solução jurídica distinta, pelo que está preenchido o primeiro requisito legal acima enunciado para a verificação da oposição de acórdãos.

IX.4. Apreciemos agora o 2º requisito – saber se a decisão impugnada está ou não em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

Sobre o alcance da expressão ”jurisprudência mais recentemente consolidada”, no acórdão do Pleno desta Secção, de 02.05.2012- Processo nº 0895/2011, de que fomos também relator, escreveu-se o seguinte:

“Sobre a expressão “jurisprudência recentemente consolidada”, escreveram Mário Aroso e Carlos Cadilha - Comentário ao CPTA, 3ª edição, pág. 1010: “Se o acórdão impugnado seguir o entendimento expresso pelo Pleno no âmbito de um julgamento ampliado de revista ou em anterior acórdão uniformizador, não tem, na verdade, justificação submeter a questão de novo à apreciação do Pleno. Face à literalidade do preceito, a possibilidade de não admissão do recurso também existe quando o acórdão impugnado se conforme com a jurisprudência pacífica e uniforme do STA, mesmo quando tirada pelas subsecções ou, pelo menos, com a jurisprudência firme que se tenha consolidado mais recentemente”.

Por sua vez, no acórdão do STA (Pleno) de 18 de setembro de 2008 (Processo n° 212/08), escreveu-se o seguinte: “… a diferença entre haver uma jurisprudência «tout court» e uma «jurisprudência consolidada» há de necessariamente advir de um «plus» desta última, que cause ou revele uma estabilidade de julgamento; e esse acréscimo detetar-se-á por um critério quantitativo, significador de uma constância decisória - seja esse critério o do número dos Juízes subscritores da solução, seja o do número das decisões do STA que a acolheram. Assim, a consolidação jurisprudencial transparecerá, ou do facto de a pronúncia respetiva constar de um acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção (consoante prevê o artº. 17º, n.º 2, do atual ETAF), ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de várias decisões no mesmo sentido e obtidas por unanimidade ou por maiorias inquebráveis, exigindo-se um maior número delas se os acórdãos provierem das Subsecções e um seu menor número se forem do Pleno (na formação de nove Juízes, referida no art. 25º, n.º 1, do anterior ETAF)”.

Ora, o acórdão recorrido adoptou, quanto à questão fundamental sobre a qual se verifica oposição de julgados, a posição assumida, por maioria (com dois votos de vencido e duas outras declarações de voto), no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 5/2012 (proc. n.º CUR/12), publicado na 1.ª série do Diário da República de 22 de Outubro de 2012, proferido em julgamento ampliado, nos termos do artigo 148.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com intervenção do (actual) plenário da Secção de Contencioso Tributário.

Acresce que, como se colhe das declarações de voto apostas no referido Acórdão e se confirma pela leitura dos recentes Acórdãos deste Supremo Tribunal de 23 de Fevereiro de 2012 (rec. n.º 59/12), de 12 de Abril de 2012 (rec. n.º 247/12), de 9 de Maio de 2012 (rec. n.º 446/12), 23 de Maio de 2012 (rec. n.º 489/12), de 7 de Março, 11 de Julho e de 8 de agosto de 2012 (rec. n.º 185/12, 665/12 e 803/12, respectivamente) e de 12 de Setembro de 2012 (rec. n.º 864/12), a actual divergência existente entre os membros da 2.ª Secção do STA respeita apenas ao fundamento da dispensa de audiência prévia ao indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, que não à própria dispensa em si mesma, onde a orientação por todos assumida é unânime no sentido da sua inexigibilidade.

Aliás, o próprio Relator do Acórdão apontado como fundamento do recurso (Senhor Conselheiro Casimiro Gonçalves) consignou no Acórdão de 23 de Maio de 2012 (rec. n.º 498/12) que “revia posição”, tendo sido, inclusive, o Relator do Acórdão, em julgamento ampliado, n.º 5/2012, já referido.

E assim sendo, temos de concluir que a decisão recorrida seguiu jurisprudência recentemente consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo, pelo que o recurso tem de ser julgado findo (artº 284º, nº 5 do CPPT).

X – Nestes termos e pelo exposto, julga-se findo o recurso.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 12 de Dezembro de 2012. – João António Valente Torrão (relator) – Dulce Manuel da Conceição Neto – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Pedro Manuel Dias Delgado – Joaquim Casimiro Gonçalves – Lino José Batista Rodrigues Ribeiro – Maria Fernanda dos Santos Maçãs – José da Ascensão Nunes Lopes – Alfredo Aníbal Bravo Coelho Madureira.