Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01023/13.5BELRS
Data do Acordão:10/06/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
NORMA TRANSITÓRIA
ÂMBITO
BENEFÍCIOS FISCAIS
IMÓVEL CLASSIFICADO
Sumário:I - Da leitura das normas transitórias constantes do artigo 88º do OE para 2007, e no que a esta concreta isenção respeita, o legislador não deixou para a administração fiscal a prática de qualquer acto revogatório das isenções de que beneficiavam os imóveis em questão, limitou-se a atribuir-lhe a incumbência de comunicar a cessação de tal isenção aos contribuintes, tendo estabelecido um prazo meramente ordenador, para que estes pudessem exercer querendo o direito que lhes é conferido pela alínea d) do mesmo preceito legal de modo a dele poder usufruir ainda nesse mesmo ano de 2007.
II - O não cumprimento do prazo de 180 dias a que alude o artigo 88º al. c) do OE para 2007 não acarreta, sem mais, a extinção do direito à cobrança do imposto por parte da AT.
III - A extinção da isenção de IMI ocorre no exacto momento em que os prédios deixam de poder beneficiar da mesma por não cumprirem os requisitos legalmente exigidos para o efeito, ou seja, à data da entrada em vigor do OE para 2007, cfr. artigo 12º da LGT e 10º do EBF e a extinção de tal isenção foi expressamente desejada pelo legislador uma vez que introduziu na lei um requisito que sabia à partida que grande parte dos imóveis não cumpriria, razão pela qual sentiu necessidade de editar as normas transitórias que apenas assumem essa natureza, a de estabelecer a transição das situações concretas antigas entre os dois regimes legais.
Nº Convencional:JSTA00071255
Nº do Documento:SA22021100601023/13
Data de Entrada:06/22/2021
Recorrente:A………….. E OUTROS
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Legislação Nacional:L53-A/2006 ART82 ART88 AL.C)
EBF ART40 N1 AL.N) N8
Legislação Estrangeira:
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO

A…………….. e B………….., devidamente identificados nos autos, inconformados, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 17-12-2020, que julgou improcedente a pretensão pelos mesmos deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com a decisão de indeferimento de reclamação graciosa, visando despacho ordenante do cancelamento de isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI).


Formularam nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

A. O tema nuclear destes autos tem a ver com a legalidade ou ilegalidade da determinação da cessação do benefício da isenção anteriormente prevista no artigo 40.º, n.º 1, a. n) do EBF para os anos pretéritos à notificação prevista no artigo 88.º, al. c) da Lei n.º 53-A/96, de 29 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para o ano de 2007.

B. E a questão fundamental é a da natureza da notificação prevista no referido artigo 88.º, al. c) da Lei n.º 53-A/96, de 29 de Dezembro.

C. Sobre esta questão fundamental, o Tribunal a quo limitou-se a entender que a notificação em apreço não tem uma natureza constitutiva, antes conferido ao interessado o direito ao contraditório no âmbito do procedimento administrativo.

D. E, com base nesse entendimento, a sentença recorrida concluiu que o despacho em apreço não padeceria de qualquer ilegalidade.

E. É certo que tal notificação não tem uma natureza constitutiva, mas isso não obsta a que a efectividade da cessação do benefício fiscal dependa da condição da eficácia que é a notificação para o efeito em apreço, a qual opera para o futuro, até por homenagem ao princípio da irretroactividade da lei fiscal.

F. É esse claramente o espírito do artigo 88.º, al. c) da Lei n.º 53-A/06, de 29 de Dezembro, que assim foi erroneamente interpretado pelo Tribunal a quo.

G. Não ignoram os ora Recorrentes que o disposto no artigo 40.º, n.º 8 do EBF (actual artigo 44.º), por via das alterações introduzidas pela referida Lei 53-A, e no que ora releva, passou a determinar que: «8. Os benefícios constantes das alíneas b) a m) do n.º 1 cessam logo que deixem de verificar-se os pressupostos que os determinaram, devendo os proprietários, usufrutuários ou superficiários dar cumprimento ao disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 13.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, e os da alínea n) cessam no ano, inclusive, em que os prédios venham a ser desclassificados.».

H. Porém, e como também defende o parecer do Ministério Público de 12 de Março de 2015, notificado aos ora Recorrentes por expediente datado de 29.01.2018 – que defendeu a procedência da impugnação judicial –, os efeitos para os contribuintes desta alteração legislativa estava dependente da notificação prevista no artigo 88.º, al. c) da Lei 53-A/06.

I. Pelo exposto, o que importa é reconstituir qual foi a mens legislatoris relativamente ao efeito da notificação.

J. Na óptica da sentença recorrida, essa notificação funcionaria apenas como garantia dos contribuintes para o exercício do seu direito ao contraditório, no que tange à reposição do regime regra.

K. Porém, não nos parece que o sentido da notificação seja apenas esse, até porque, se assim fosse, não haveria razão para que isso não ficasse plasmado na letra da lei. Outrossim, o efeito da notificação, nos termos latos em que foi formulada, tem em mente dar a conhecer ao contribuinte a avaliação da AT sobre a situação do seu prédio, para que este dela fique ciente, podendo reagir ou, pura e simplesmente, passando a contar com ela.

L. Deste modo, tal notificação tem a natureza de condição de eficácia da cessação do benefício – verdadeiro ónus para a Administração Fiscal -, razão pela qual tal cessação não se torna efectiva sem essa notificação, operando apenas para as situações jurídicas ocorridas após a sua realização.

M. Não só a lei não estabelece que, verificada a condição da eficácia, a cessação opera retroactivamente desde a sua entrada em vigor, como seria manifestamente iníquo e ilógico – em face da unidade do sistema jurídico – que assim fosse.

N. Basta, por exemplo, pensar no que acontece com inúmeros benefícios fiscais, designadamente no âmbito do IMI, em que, se o contribuinte não pedir o respectivo reconhecimento no prazo legal, vê deferida a isenção apenas para o ano imediato àquele em que apresente tal requerimento, não se retroagindo a concessão do benefício à data em que estavam preenchidos os respectivos pressupostos (cfr. artigos 44.º n.º 9, 46.º, n.º 7 e 47.º n.º 5 do EBF4). Se é assim a “favor” do Estado, porque não há-de ser assim igualmente “contra” o Estado?

O. Por outro lado, também essa é a regra no campo do Direito Civil; como, por exemplo, ocorre com o aumento de renda de um contrato de locação, em que o senhorio tem direito a uma actualização anual, mas sempre na dependência da notificação ao inquilino desse aumento, a qual assim também funciona como uma condição de eficácia relativamente ao exercício do direito em pauta.

P. Dispõe ao artigo 9.º, n.º 3 do CC que, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Q. Ora, no caso dos autos, a solução preconizada pelos Recorrentes é a que melhor se harmoniza com a unidade do sistema jurídico, a que se reporta o artigo 9.º, n.º 1 do CC, tendo designadamente em conta os exemplos supra a propósito do reconhecimento de benefícios fiscais ou da regra aplicável no direito civil.

R. Por outro lado, é a que melhor consubstancia o princípio de protecção da confiança que é ínsito ao Estado de Direito, uma vez que aquela notificação, no quadro de uma gestão de expectativas dos contribuintes, que deve presidir à acção do legislador, só faz verdadeiramente sentido se for tratada como condições de eficácia, como qualquer cidadão comum a julgará. É quase uma questão de bom senso.

S. Pelo exposto, julgamos que a sentença recorrida interpretou erroneamente o artigo 88.º, al. c) da Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro.

Termos em que o recurso merece provimento, com as legais consequências.”

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar da legalidade ou ilegalidade da determinação da cessação do benefício da isenção anteriormente prevista no artigo 40.º, n.º 1, a. n) do EBF para os anos pretéritos à notificação prevista no artigo 88.º, al. c) da Lei n.º 53-A/96, de 29 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para o ano de 2007, tendo como pano de fundo a natureza da notificação prevista no referido artigo 88.º, al. c) da Lei n.º 53-A/96, de 29 de Dezembro.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1. Os impugnantes, B………….. e A……………. são comproprietários da fração autónoma designada pela letra “F”, do prédio inscrito na matriz predial urbana a que corresponde o artigo matricial ………….., da freguesia da Pena, concelho de Lisboa - Acordo;

2. Os impugnantes vinham usufruindo da isenção de IMI, ao abrigo “art. 40º do EBF” dado o prédio, identificado no ponto anterior, se encontrar integrado num conjunto globalmente classificado; pertencia ao conjunto denominado “Campo Mártires da Pátria”, classificado de “interesse público” “pelo artigo 1.º e Anexo II do Decreto-Lei n.º 2/96 de 06/03, beneficiou de isenção de IMI, por força do anterior artigo 40.º, n.º 1, alínea n) do EBF”, até 31/12/2006 - Acordo;

3. Por despacho de 17/09/2012, a Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-3, determinou i) a revogação do despacho que concedeu a isenção “ao abrigo do art. 40º (atual 44º) do EBF”, por o prédio em causa não reunir os pressupostos certificados pela entidade competente, e; ii) que a cessação do benefício implica a tributação a partir do ano de 2008 (inclusive); iii) que nos termos do art. 88º, al. d) da Lei 53-A/2006, podem, os contribuintes, no prazo de 90 dias a contar da notificação, requerer a isenção a que se reporta o art. 46º do EBF – cfr. doc. 2 junto com a p.i. a fl. 12 a 13 dos autos;

4. Por ofício nº 8850, de 10/10/2012, a Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-3, notificou A……………., sob o “Assunto: Isenção IMI- Prédios Urbanos: ……………….. -Freguesia: 24-Pena”, referindo que fora “[r]evogado o despacho que concedeu a isenção de IMI ao abrigo do art. 40º (atual 44º) do EBF, podendo os contribuintes desse despacho deduzir recurso hierárquico..., como se enuncia:

“Fica notificado que, por despacho de Setembro de 2012, cuja cópia se junta, foi revogado o despacho que concedeu a isenção ao abrigo do art. 40º (atual art. 44º) do EBF, quanto ao prédio indicado, por não reunirem os pressupostos certificados pela entidade competente.

Mais, fica notificado que se procederá à tributação do referido imóvel a partir do ano de 2008, inclusive.

Todavia, nos termos do art. 66º do CPPT, poderá, querendo, interpor recurso hierárquico para o Exmº Senhor Ministro das Finanças, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da notificação.

De acordo com o regime transitório previsto na al. d) do art. 88º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12, pode, no prazo de 90 dias a contar da data da notificação, requerer a isenção a que se refere o artigo 46º do EBF-Habitação Própria e Permanente, desde que reúna todos os requisitos definidos.”- cfr. doc. 2 a fls. 11 dos autos;

5. Em 14/02/2013, A……………. e B…………., deduziram reclamação graciosa do despacho de 17/09/2012, que revogou o benefício fiscal relativo à fração autónoma correspondente ao artigo matricial ……………, da freguesia da Pena - cfr. 2 do processo de reclamação graciosa, junto ao processo administrativo;

6. Em 26/04/2013, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, estribado na seguinte informação e fundamentação: “(...) Analisados os argumentos proferidos no exercício do direito de audição, verifica-se não serem os mesmos passíveis de alterar a proposta de indeferimento. De facto, os reclamantes foram notificados do meio próprio, bem como do respetivo prazo de reação ao despacho de cancelamento do benefício de isenção de IMI (fls. 6 e 9 dos autos): o recurso hierárquico previsto no art. 66º do CPPT. De outra forma, recairia sobre o Chefe do Serviço de Finanças que proferiu o despacho em causa, a decisão sobre a legalidade do seu próprio despacho, em prejuízo do duplo grau de decisão previsto no art. 47º do CPPT. Face ao exposto, propõe-se a convolação em definitiva da proposta de indeferimento do pedido.”- cfr. doc. 1, a fls. 9 a 10 dos autos.”


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3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da legalidade ou ilegalidade da determinação da cessação do benefício da isenção anteriormente prevista no artigo 40.º, n.º 1, a. n) do EBF para os anos pretéritos à notificação prevista no artigo 88.º, al. c) da Lei n.º 53-A/96, de 29 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para o ano de 2007, tendo como pano de fundo a natureza da notificação prevista no referido artigo 88.º, al. c) da Lei n.º 53-A/96, de 29 de Dezembro.

Nas suas alegações, os Recorrentes referem que se é certo que tal notificação não tem uma natureza constitutiva, tal não obsta a que a efectividade da cessação do benefício fiscal dependa da condição da eficácia que é a notificação para o efeito em apreço, a qual opera para o futuro, até por homenagem ao princípio da irretroactividade da lei fiscal, pois que esse é claramente o espírito do artigo 88.º, al. c) da Lei n.º 53-A/06, de 29 de Dezembro, que assim foi erroneamente interpretado pelo Tribunal a quo, o que implica que os efeitos para os contribuintes desta alteração legislativa estava dependente da notificação prevista no artigo 88.º, al. c) da Lei 53-A/06, verdadeiro ónus para a Administração Fiscal, razão pela qual tal cessação não se torna efectiva sem essa notificação, operando apenas para as situações jurídicas ocorridas após a sua realização, além de que, no caso dos autos, a solução preconizada pelos Recorrentes é a que melhor se harmoniza com a unidade do sistema jurídico, a que se reporta o artigo 9.º, n.º 1 do CC, tendo designadamente em conta os exemplos supra a propósito do reconhecimento de benefícios fiscais ou da regra aplicável no direito civil e é a que melhor consubstancia o princípio de protecção da confiança que é ínsito ao Estado de Direito, uma vez que aquela notificação, no quadro de uma gestão de expectativas dos contribuintes, que deve presidir à acção do legislador, só faz verdadeiramente sentido se for tratada como condições de eficácia, como qualquer cidadão comum a julgará. É quase uma questão de bom senso.

Que dizer?

O art. 82º da Lei nº 53-A/2006 de 29-12 (Aprovou o Orçamento de Estado para o ano de 2007.), com efeitos produzidos a partir de 01-01-2007, alterou a redacção do, entre outros, então (Na atualidade e consequência da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008 de 26 de junho, corresponde ao art. 44.º do EBF.), art. 40º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), passando a prever (este último):
- no n.º 1 alínea (al.) n) que [ “Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis”] “Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, nos termos da legislação aplicável” (em vez de, como anteriormente, “Os prédios classificados como monumentos nacionais ou imóveis de interesse público e bem assim os classificados de imóveis de valor municipal ou como património cultural, nos termos da legislação aplicável”)
(Alínea aditada pelo art. 45.º da Lei n.º 109-B/2001 de 27 de dezembro.);
- “A isenção a que se refere a alínea n) do n.º 1 é de carácter automático no caso de prédio que tenha beneficiado da isenção prevista na alínea g) do artigo 6.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, devendo, nos restantes casos, ser reconhecida pelo chefe de finanças da área da situação do prédio, a requerimento devidamente documentado, que deve ser apresentado pelos sujeitos passivos no prazo de 90 dias contados da verificação do facto determinante da isenção.” – cf. n.º 5;
- no n.º 8, além do mais, que os benefícios constantes da al. n) (do n.º 1) “cessam no ano, inclusive, em que os prédios venham a ser desclassificados”.
Outrossim, o art. 88.º da mesma Lei, sob a epígrafe “Disposições transitórias no âmbito dos benefícios fiscais”, estabeleceu:
“Às alterações introduzidas pela presente lei ao Estatuto dos Benefícios Fiscais aplica-se o regime transitório seguinte:
(…);
c) A administração fiscal notifica, no prazo de 180 dias após a entrada em vigor da presente lei, todos os sujeitos passivos, que se encontrem a beneficiar da isenção referida na alínea n) do n.º 1 do artigo 40.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, da cessação deste benefício por alteração dos seus pressupostos;
d) Os sujeitos passivos referidos na alínea anterior podem, no prazo de 90 dias a contar da data da notificação, requerer a isenção a que se refere o artigo 42.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais se reunirem todos os requisitos aí referidos e se para o mesmo prédio ainda não tiverem beneficiado deste regime;”.
Exposto o enquadramento legislativo, nuclear, aplicável, neste processo de impugnação judicial (No tribunal recorrido entendeu-se que procedia o fundamento (desta impugnação judicial) de “ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, dado a A.T. ter considerado que a mesma não era o meio processual idóneo para reagir contra o despacho que procedeu à cessação do benefício fiscal, então previsto no art. 40º do EBF”. Para tal, defendeu-se, decisivamente, que “…, a decisão de indeferimento liminar da reclamação é ilegal, dado que se impunha à A.T. proceder à convolação da reclamação graciosa no meio gracioso adequado, ónus a que aquela estava adstrita.”.), persiste o dissídio sobre saber se, não tendo a autoridade tributária e aduaneira (AT) efetuado a notificação, prescrita no art. 88º al. c) da Lei n.º 53-A/2006 de 29-12, dentro do prazo aí inscrito (nos 180 dias seguintes a 01-01-2007), podia fazer cessar benefício fiscal (Ver pontos 1. e 2. dos factos provados.), usufruído pelos impugnantes, mediante a emissão do despacho identificado no ponto 3. dos factos assentes, datado de 17-09-2012 e comunicado em 10 de Outubro do mesmo ano, com efeitos (restabelecimento da tributação) ao ano de 2008 (inclusive) (Cf., sobretudo, conclusões H. e L.). Doutro modo, não disputando, os Recorrentes, a cessação do versado benefício fiscal, porquanto o seu imóvel, por referência a 01-01-2007, não detinha a condição de prédio, individualmente, classificado como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, a eficácia de tal cessação deve (ou não) considerar-se dependente do momento/data da efetivação do ato notificativo, determinado pelo art. 88º al. c) da Lei nº 53-A/2006 de 29-12?

Na verdade, no caso dos autos, o imóvel dos Recorrentes, gozando de isenção de IMI até 31-12-2006 porque se encontrava «integrado num conjunto globalmente classificado de “interesse público”», depois de 01-01-2007, só podia beneficiar da mesma isenção se durante esse ano a entidade competente o tivesse classificado, na sua individualidade, singularidade, como de interesse público, sendo que, neste cenário e em função desta manifesta e relevante alteração de regime, com repercussões, potenciais, num grande número de situações, somente, identificáveis casuisticamente, o legislador, de forma complementar, lançou mão do expediente da consagração de normas integrantes do que intitulou “regime transitório”, entre as quais, a, supra realçada, da al. c) do art. 88.º da Lei n.º 53-A/2006 de 29-12.

Pois bem, nesta matéria, este Supremo Tribunal já tomou posição nos termos do Ac. deste Tribunal de 23-01-2019, Proc. nº 0248/15.3BELRS 01194/17, www.dgsi.pt, ponderando que “… Como facilmente se percebe da leitura das normas transitórias constantes do artigo 88º do OE para 2007, e no que a esta concreta isenção respeita, o legislador não deixou para a administração fiscal a prática de qualquer acto revogatório das isenções de que beneficiavam os imóveis em questão, limitou-se a atribuir-lhe a incumbência de comunicar a cessação de tal isenção aos contribuintes, tendo estabelecido um prazo, que como bem se diz na sentença recorrida é meramente ordenador, para que estes pudessem exercer querendo o direito que lhes é conferido pela alínea d) do mesmo preceito legal de modo a dele poder usufruir ainda nesse mesmo ano de 2007.

A extinção da isenção de IMI ocorre no exacto momento em que os prédios deixam de poder beneficiar da mesma por não cumprirem os requisitos legalmente exigidos para o efeito, ou seja, à data da entrada em vigor do OE para 2007, cfr. artigo 12º da LGT e 10º do EBF. E a extinção de tal isenção foi expressamente desejada pelo legislador uma vez que introduziu na lei um requisito que sabia à partida que grande parte dos imóveis não cumpriria, razão pela qual sentiu necessidade de editar as normas transitórias que apenas assumem essa natureza, a de estabelecer a transição das situações concretas antigas entre os dois regimes legais.
De todos os modos, sempre se reafirma que o acto praticado pela AT ao abrigo da alínea c) daquele artigo 88º não assume natureza revogatória, nem o mesmo teria que assumir tal natureza uma vez que a isenção se extingue pelo facto de o imóvel deixar de reunir os requisitos para beneficiar da dita isenção, podendo, em consequência a AT efectuar a liquidação do imposto devido, cfr. artigo 12º, n.º 1 do EBF
. …”.

Nesta sequência, tem de entender-se que da parte final da alínea c) do artigo 88º da Lei do Orçamento para 2007 resulta que o benefício em causa cessa por mero efeito da alteração dos seus pressupostos legais, constituindo o procedimento daquela alínea uma forma de «reconhecimento» de que o benefício se extinguiu.
Diga-se ainda que é, seguramente, a solução jurídica mais acertada (do ponto de vista do legislador), porque a solução inversa conduz ao tratamento diferenciados dos beneficiários, em função da maior ou menor diligência da AT.

Tal significa que, ao contrário do que pretendem os Recorrentes, da conjugação do disposto nos arts. 82º e 88º al. c) da Lei n.º 53-A/2006 de 29-12 não decorre que a alteração introduzida, pelo primeiro, no art. 40º nº 8 do EBF, determinando a cessação, dos benefícios inscritos no nº 1 al. n), no ano, inclusive, em que os prédios venham a ser desclassificados, ficou, para poder operar, dependente, no caso dos imóveis classificados, até 31-12-2006, globalmente, como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, da notificação, a efectivar, pela AT, nos 180 dias seguintes a 01-01-2007, indicando, a cada sujeito passivo (de IMI) visado, que a isenção até aí usufruída deixava de ser concedida, a partir desse ano de 2007, por alteração dos pressupostos legais exigidos para a respectiva concessão depois da data referenciada, na medida em que a extinção da isenção de IMI ocorre no exacto momento em que os prédios deixam de poder beneficiar da mesma por não cumprirem os requisitos legalmente exigidos para o efeito, ou seja, à data da entrada em vigor do OE para 2007, o que conduz à improcedência do presente recurso.


4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pelos Recorrentes.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 06 de Outubro de 2021

Pedro Vergueiro (Relator por vencimento) - Aragão Seia - Aníbal Ferraz (Vencido nos termos da declaração anexa)

Vencido, enquanto relator originário, por entender, em suma, que da conjugação do disposto nos arts. 82.º e 88.º al. c) da Lei n.º 53-A/2006 de 29 de dezembro, decorre que a alteração introduzida, pelo primeiro, no art. 40.º n.º 8 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), determinando a cessação, dos benefícios inscritos no n.º 1 al. n), no ano, inclusive, em que os prédios venham a ser desclassificados, ficou, para poder operar, dependente, no caso dos imóveis classificados, até 31 de dezembro de 2006, globalmente, como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, da notificação, a efetivar, pela autoridade tributária e aduaneira (AT), nos 180 dias seguintes a 1 de janeiro de 2007, indicando, a cada sujeito passivo (de IMI) visado, que a isenção até aí usufruída deixava de ser concedida, a partir desse ano de 2007, por alteração dos pressupostos legais exigidos para a respetiva concessão depois da data referenciada.
Óbvia e consequentemente, enquanto os serviços competentes da AT não efetuassem/efetuaram tal notificação, os prédios envolvidos não podiam/podem ser considerados “desclassificados”, nos termos e para os efeitos do art. 40.º n.º 8 do EBF (na redação impressa pela Lei n.º 53-A/2006 de 29 de dezembro); o que, in casu, impõe considerar que a imprescindível desclassificação, apenas, teve lugar no ano de 2012, só nele cessando, também, a isenção de IMI, beneficente dos impugnantes.

Pelo exposto, concederia provimento ao recurso.


*****
[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 6 de outubro de 2021


Aníbal Ferraz