Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02686/12.4BELSB
Data do Acordão:11/24/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
APOIO
INCUMPRIMENTO DE CONTRATO
REPOSIÇÃO DE QUANTIAS
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão do TCA, que manteve in toto decisão de TAF, se o entendimento nele firmado se mostra sustentado em fundamentação credível e plausível, não aparentando ter incorrido em erros lógicos ou jurídicos manifestos, e em que, quanto às questões objeto de discussão nesta sede, não se vislumbra uma especial relevância jurídica ou indício de interesse comunitário significativo que extravase os limites do caso concreto.
Nº Convencional:JSTA000P30269
Nº do Documento:SA12022112402686/12
Data de Entrada:11/08/2022
Recorrente:INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P.
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P. [IFAP, IP] [doravante R.], devidamente identificado nos autos e invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 23.06.2022 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] [cfr. fls. 671/698 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso jurisdicional e manteve a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [doravante TAC/LSB - cfr. fls. 419/479], que tinha julgado parcialmente procedente a pretensão contra si deduzida por A………… [doravante A.] na ação administrativa especial [anulando a decisão do IFAP, IP - «decisão final REG. (CEE) n.º 2080/92 - Projeto n.º 1996640026025 - Processo devedor IRV:05557/2012» - apenas na parte que determina a exigência de devolução à A. da importância de 50.513,02 €].

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 706/722], ao que se extrai da minuta recursiva, na relevância jurídica e social [respeitantes às implicações para os procedimentos e contratos em execução do recurso e uso na atividade de fiscalização de «meios de medição mais evoluídos», bem como quanto às exigências de fundamentação dos atos administrativos e para a violação do princípio da confiança/boa fé] e, bem assim, para uma «melhor aplicação do direito», invocando, mormente, a incorreta aplicação dos arts. 26.º da Portaria n.º 199/94 [na redação introduzida pela Portaria n.º 299/2012], 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa [CRP], 124.º e 125.º do Código de Procedimento Administrativo [CPA/1991-96 - atuais arts. 152.º e 153.º do CPA/2015] e do princípio da confiança/boa-fé.

3. A A. produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 729/737] nelas pugnando pela improcedência do recurso.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAC/LSB julgou parcialmente procedente a pretensão da A., aqui recorrida, considerando, no seu discurso fundamentador, que resultavam apenas demonstradas/verificadas as ilegalidades acometidas ao ato impugnado relativas à falta de fundamentação e à violação do princípio da tutela de confiança no segmento em que no mesmo se determina a exigência à A. de devolução da importância de 50.513,02, juízo esse que veio a ser mantido in toto pelo TCA/S.

7. O R., ora recorrente, insurge-se contra este juízo, acometendo-o de incurso em erro de julgamento por incorreta interpretação e aplicação do quadro legal e principiológico atrás enunciado.

8. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar, «preliminar» e «sumariamente», se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA, ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação, por este Supremo Tribunal, é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

9. A jurisprudência desta formação tem considerado que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo n.º 1 do art. 150.º do CPTA, se verifica quando, designadamente se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina, ou de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração/orientação de um padrão de apreciação de outros casos similares a serem julgados.

10. E tem-se considerado de relevância social fundamental uma questão que apresente contornos abstratos e que não se restrinja ao caso concreto e aos particulares interesses das partes, com repercussão na comunidade e no que constituam seus valores fundamentais e como tal suscetíveis de suscitar alarme social ou que possam por em causa a eficácia do direito ou a sua credibilidade.

11. Já a admissão da revista fundada na melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objetivo.

12. Passando, então, à concreta análise temos que a alegação expendida pelo R., ora recorrente, não se mostra persuasiva, tudo apontando primo conspectu, presentes os contornos do caso sub specie, de que o juízo consonante/convergente firmado pelas instâncias, em especial o do TCA/S no acórdão sob censura, não aparenta ter incorrido em erros lógicos ou jurídicos manifestos, mostrando-se estribado num discurso coerente e razoável daquilo que constitui o quadro legal e principiológico em crise, o que vale por dizer que a admissão do recurso não é necessária para uma melhor aplicação do direito.

13. Para além disso não se vislumbra que as questões supra enunciadas como sendo a tratar em sede de revista gozem de relevância jurídica e social, já que, no contexto, radicam em grande medida na especificidade e particularidade do caso no que redunda numa fraca capacidade de expansão da controvérsia e replicação para fora do âmbito dos autos, mormente para outras situações futuras indeterminadas, sendo que as mesmas também não aportam ou reclamam de um elevado labor interpretativo, ou de elevada complexidade jurídica, em razão da dificuldade das operações exegéticas a realizar, de enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, como também não resulta evidenciada a sua especial relevância social ou indício de interesse comunitário.

14. Assim, tudo conflui para a conclusão de que a presente revista mostra-se inviável, não se justificando submetê-la à análise deste Supremo, impondo-se in casu a valia da regra da excecionalidade supra enunciada.


DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Custas a cargo do recorrente.
D.N..
Lisboa, 24 de novembro de 2022. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.