Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01102/17
Data do Acordão:07/04/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:INSTITUTO DA VINHA E DO VINHO
TAXA
PROMOÇÃO
CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário:Dado que as denominadas taxa de coordenação e controlo e taxa de promoção, cobradas pelo Instituto da Vinha e do Vinho, IP, assumem natureza jurídica de contribuições financeiras, o respectivo regime jurídico não afronta, do ponto de vista orgânico, as normas constitucionais.
Nº Convencional:JSTA000P23494
Nº do Documento:SA22018070401102
Data de Entrada:10/12/2017
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:INSTITUTO DA VINHA E DO VINHO, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. B…………, Lda., actualmente denominada A………… Lda., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida em 31/3/2017 no TAF de Viseu, julgou improcedente a impugnação que deduzira contra os actos de autoliquidação de taxas de coordenação e controlo de taxas de promoção, referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2013 e Janeiro de 2014, no montante global de 29.623,78 Euros, cobradas pelo Instituto da Vinha e do Vinho.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a impugnação judicial do acto tributário, relativo à taxa de coordenação e controlo e taxa de promoção alegadamente devida ao Instituto da Vinha e do Vinho, referente aos meses de Novembro e Dezembro de 2013.
2. O D.L. n.º 94/2012, de 20 de Abril introduziu dois novos tributos: a taxa de coordenação e controlo e uma nova taxa de promoção.
3. A taxa de coordenação e controlo incide sobre os vinhos e produtos vínicos produzidos no território nacional, incluindo os expedidos ou exportados para fora do território nacional, bem como os vinhos e produtos vínicos produzidos noutros territórios que sejam comercializados em Portugal, constituindo receita do IVV pelo «desempenho das funções relativas à coordenação geral e ao controlo do sector vitivinícola».
4. A nova taxa de promoção incide sobre os vinhos e produtos vínicos produzidos no território nacional, sendo as respectivas receitas afectas ao financiamento dos apoios à promoção (apoio financeiro ao desenvolvimento de acções de promoção e informação relativas ao vinho e produtos vínicos produzidos em Portugal), dispondo o IVV da possibilidade de utilizar até 5% do produto desta taxa para suportar despesas com a promoção do vinho e produtos vínicos portugueses.
5. No que concerne à taxa de coordenação e controlo não é possível identificar a existência de um serviço individualizável, prestado pelo IVV, desde logo pela abstracção e generalidade inerentes à expressão “coordenação geral e controlo”.
6. A manifesta falta de bilateralidade da taxa de coordenação e controlo, a qual é lançada sobre os produtos sujeitos à respectiva disciplina — o vinho e os produtos vínicos -, a título puramente unilateral revela que a mesma não passa de um verdadeiro imposto.
7. A corroborar este facto, note-se que estamos perante uma prestação, por parte do IVV, de uma utilidade indivisível, que vem a ser a prossecução do interesse público na coordenação e controlo daquele sector.
8. Tratando-se de um imposto, o mesmo só poderia ter sido estabelecido por uma lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei do Governo no uso de autorização legislativa (cf. n.º 2 do art. 103.º e al. i) do n.º 1 do art 165.º da Constituição da República Portuguesa), pelo que a taxa de coordenação e controlo encontra-se ferida de inconstitucionalidade.
9. O Decreto-Lei 94/2012 foi emitido pelo Governo, sem prévia autorização parlamentar, conforme expressamente decorre da parte final do respectivo preâmbulo, em que se confirma que a emissão do Decreto-Lei em questão foi realizada «nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 196.º da Constituição».
10. As normas que instituem a taxa de coordenação e controlo são, sem margem para dúvidas, organicamente inconstitucionais, por violação da reserva de competência relativa da Assembleia da República para a respectiva criação.
11. Relativamente à nova taxa de promoção, também não é possível estabelecer uma bilateralidade individualizada entre o serviço prestado e os sujeitos passivos da mesma taxa, pois as ditas actividades de promoção são “de carácter genérico do vinho português”.
12. Para além da actividade chamada de “promoção’, financiada pela taxa ora em análise, importa ainda, nos termos já mencionados, a realização das acções de informação e educação sobre o consumo de produtos vínicos.
13. Ora, nessa parte da taxa de promoção, a bilateralidade da taxa em relação aos agentes económicos do sector a ela sujeitos, mais do que difusa, é manifestamente inexistente, razão pela qual, é manifesta a inconstitucionalidade orgânica deste novo tributo instituído pelo Decreto-Lei n.º 94/2012, aqui se invoca, com as demais consequências legais.
Sem prescindir,
14. A douta sentença de que se recorre julgou, e bem, que os tributos criados Decreto-Lei n.º 94/2012, não configuram verdadeiras taxas.
15. Todavia, em vez de as considerar verdadeiros impostos, julgou que seriam contribuições financeiras a favor de um ente público, cuja criação respeitaria a Constituição da República.
16. A recorrente não prescinde, insista-se, da qualificação dos tributos em apreço como verdadeiros impostos, no entanto, caso se venha a considerar que os mesmos são contribuições financeiras, como julgou o Tribunal a quo, considera, ao contrário do decidido na douta sentença agora em crise, que a criação das mesmas viola a Constituição da República, designadamente o disposto na al. i) do n.º 1 do respectivo artigo 165.º.
17. Com efeito, a criação de contribuições financeiras exige sempre, enquanto não for publicado o regime geral das contribuições financeiras a favor das entidades públicas previsto na al. i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República, a intervenção da Assembleia da República, quer através de uma Lei, quer através de uma autorização legislativa concedida ao Governo.
18. Até à data, ainda não foi ainda aprovado o «regime geral das contribuições financeiras» e o Decreto-Lei n.º 94/2012 não foi precedido de uma qualquer autorização legislativa, pelo que a criação destes tributos viola a exigência de reserva de lei formal, prevista no referido preceito da Constituição da República.
19. As normas que criaram a taxa de coordenação e controlo e a taxa de promoção encontram-se feridas de inconstitucionalidade orgânica, o que se invoca para todos os efeitos legais.
20. Assim, não se poderá manter a douta decisão de que se recorre, pois a criação dos tributos em apreço viola a Constituição da República, designadamente a al. i) do nº 1, por manifesta violação do artigo 165.º da Constituição da República.
Termina pedindo a procedência do recurso e a consequente revogação da sentença recorrida.

1.3. Contra-alegou o Instituto da Vinha e do Vinho, I.P., terminando com a formulação das Conclusões seguintes:
a) O presente recurso vem interposto da sentença que decidiu pela manutenção das autoliquidações da «taxa de coordenação e controlo» e da «taxa de promoção» devidas ao IVV, aqui Recorrido, relativas aos períodos mensais de Novembro e Dezembro de 2013 e Janeiro de 2014.
b) Como resulta da Lei e reconhece o Tribunal a quo, o IVV é o instituto público que se encontra incumbido da missão de coordenar e controlar a organização institucional do sector vitivinícola, auditar o sistema de certificação de qualidade, acompanhar a política comunitária e preparar as regras para a sua aplicação, bem como participar na coordenação e supervisão da promoção dos produtos vitivinícolas.
c) Do conjunto de actividades e serviços que a mesma envolve, beneficiam e são delas causadoras todos os operadores do sector vitivinícola, entre eles, a “B…………”, hoje “A…………”, ora Recorrente.
d) Por ser obrigada por Lei a prestar os mais diversos e completos serviços, também a Lei estipulou a forma de financiamento do IVV, sendo esta, fundamentalmente, a cobrança de taxas pelas prestações que realiza, nos termos do novo regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 94/2012, de 20 de Abril.
e) As taxas, possuindo natureza comutativa constituem instrumentos especialmente aptos a associar os encargos que se exigem dos contribuintes à provocação ou aproveitamento de prestações públicas determinadas, razão pela qual o mencionado diploma de 2012 procedeu a uma reestruturação do regime anterior de taxas devidas ao IVV que vinha de 1997, reforçando a compatibilidade do regime das referidas taxas para com o direito da União Europeia e fazendo reflectir na legislação nacional a reforma da organização do sector vitivinícola ocorrida a nível europeu.
f) As duas taxas criadas em 2012 respeitam a actividades e que eram anteriormente financiadas através de uma outra taxa, então denominada apenas por «taxa de promoção», prevista no Decreto-Lei n.º 119/97, de 15 de Maio.
g) Com o destacamento da actividade de coordenação e controlo de entre as actividades financiadas, até aqui, pela «taxa de promoção», com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 94/2012, de 20 de Abril, a nova «taxa de promoção» vê o seu escopo e o seu âmbito de sujeição reduzidos, precisando-se a sua ratio no que respeita ao destino dado às receitas obtidas com a respectiva cobrança e tornando-se mais fiel à sua denominação.
h) Em face da improcedência de todas as acções judiciais já apresentadas e decididas pelos nossos Tribunais Superiores, vem procurar fazer renascer a obsoleta discussão a propósito da distinção entre as taxas e os impostos, insistindo, contra as todas as evidências, que a «taxa de promoção» e a «taxa de promoção» configurariam tributos unilaterais, sujeitos à reserva de Lei da Assembleia da República.
i) Na sequência dessa vetusta discussão jurisprudencial e doutrinária, hoje é a própria Lei Fiscal a estipular que a prestação de serviços é um dos objectos próprios de incidência tributária — cfr artigo 4.° n.º 2 da LGT.
j) No caso da «taxa de coordenação e controlo», esta visa compensar o IVV pelo desempenho das funções relativas à coordenação e controlo do sector vitivinícola já que é este instituto que garante o controlo e a certificação dos produtos comercializados pela Impugnante, que representa os seus interesses junto das instituições europeias, que lhe assegura que o sector vitivinícola se encontra devidamente controlado e ainda a coordenação e a correcta atribuição dos apoios à promoção dos produtos por si comercializados.
k) No caso da «taxa de promoção», esta é estabelecida para financiar acções de promoção genérica de vinhos e produtos vínicos no quadro de procedimentos organizados pelo IVV, das quais beneficiam inevitavelmente os produtos da Impugnante, que são em grande parte exportados, na medida em que reforçam a notoriedade e a percepção dos vinhos nacionais como produtos de qualidade.
l) As taxas em crise são verdadeiras taxas, comutativas e bilaterais, que visam ressarcir o IVV dos serviços prestados ao sector de que a ora Recorrente directamente beneficia, pelo que improcedem as suas alegações no sentido da inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 94/2012, de 20 de Abril, que as criou.
m) Mesmo que assim não se entenda, é de rejeitar liminarmente a tese de que as referidas taxas se subsumem à categoria dos impostos pois que, como sublinhou o Tribunal a quo «não pode dizer-se que as receitas angariadas com as taxas de coordenação e controlo e de taxa de promoção se destinam a financiar prestações públicas indeterminadas, o que relevaria para qualificá-las como um imposto, porquanto, na verdade, e como já se referiu, antes se destinam a financiar uma actividade continuada de coordenação e controlo e de promoção e informação relativas a vinhos e produtos vínicos» — cfr. sentença recorrida, p. 19 (cit.).
n) Considerando-se, na linha do que fez o Tribunal a quo — e mesmo que erroneamente como se entende —, que a «taxa de coordenação e controlo» e a «taxa de promoção» são, pelo carácter difuso/potencial das prestações que constituem a sua contrapartida, contribuições financeiras, sempre terá que concluir-se igualmente pela inexistência da alegada inconstitucionalidade orgânica do Diploma do Governo que as cria e regulamenta.
o) Na norma contida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP coexistem dois tipos distintos de reserva parlamentar: um relativo aos impostos, que abarca todos os seus elementos essenciais, tais como a respectiva incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes; e outro, relativo às taxas e contribuições financeiras, que abrange apenas a criação dos respectivos regimes gerais.
p) Como sublinha o Tribunal a quo «a Constituição não reconhece que as contribuições financeiras devam equivaler aos impostos para efeitos de reserva de lei parlamentar, visto que não subordinou uns e outras ao mesmo controlo parlamentar. O que ali ficou estabelecido foi, pelo contrário, que o regime constitucional das contribuições financeiras seria, naquele aspecto, semelhante ao das taxas: num caso como no outro, só constituiria matéria reservada da Assembleia da República o respectivo regime geral, podendo aquela transferir para o Governo a disciplina da matéria» — cfr. sentença recorrida, pp. 21/22 (sublinhado nosso, cit.).
q) O Tribunal Constitucional também já se pronunciou especificamente em matéria de contribuições financeiras, no que respeita à eventual inconstitucionalidade orgânica da sua criação pelo Governo, quando desprovido de autorização parlamentar para o efeito; e fê-lo em sentido idêntico ao que vem fazendo relativamente às taxas, i.e., afirmando a legitimidade de o Governo estabelecer o regime de contribuições financeiras individualizadas sem necessidade de para tal estar autorizado pela Assembleia da República.
r) Neste sentido, é claro o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015, de 19 de Novembro, no qual pode ler-se que «Não sendo a existência de um regime geral pressuposto necessário da criação de taxas, nem de contribuições financeiras, não tem qualquer suporte no texto constitucional, na ausência daquele regime, estender-se a competência reservada da Assembleia da República ao acto de aprovação de contribuições financeiras individualizadas, criando-se assim uma reserva integral de regime, onde esta não existe [...] Assim, a ausência da aprovação de um regime geral das contribuições financeiras pela Assembleia da República não pode impedir o Governo de aprovar a criação de contribuições financeiras individualizadas no exercício de uma competência concorrente, sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respectivo diploma, no exercício dos seus poderes constitucionais».
s) Por tudo o exposto improcedem também as alegações da ora Recorrente quanto à inconstitucionalidade orgânica das normas que criam as taxas em crise, ainda que as mesmas se subsumam à categoria das contribuições financeiras, pelo que andou bem o Tribunal a quo, ao considerar totalmente improcedente a impugnação apresentada, devendo, por isso, ser mantida a sentença recorrida.
Termina pedindo a confirmação do julgado recorrido.

1.4. O MP emite parecer nos termos seguintes:
«Recorrente A…………, Lda.
Objecto do recurso: sentença declaratória da improcedência da impugnação judicial deduzida contra autoliquidação de taxa de coordenação e controlo e de taxa de promoção de vinhos e produtos vínicos no montante de € 29.623,78 (novembro 2013/janeiro 2014)
FUNDAMENTAÇÃO
Questões decidendas:
1ª Determinação da natureza dos tributos designados por taxa de coordenação e controlo e taxa de promoção (arts. 2° n° 1 e 11° n° 1 DL n° 94/2012, 20 abril).
2ª Inconstitucionalidade orgânica das normas citadas, por ausência de aprovação pela Assembleia da República do regime geral das contribuições financeiras (art. 165° n° 1 al. i) CRP).
1ª Questão decidenda
Os tributos sob análise não assumem a natureza de taxas, na medida em que:
- não constituem a contrapartida de qualquer prestação da entidade pública (IVV, IP) concretamente identificada de que o sujeito passivo seja efectivo causador ou beneficiário;
- os factos tributários não radicam na prestação individualizada de um serviço público;
- antes na mera qualidade de agente económico ou produtor operando no sector vitivinícola (arts. 4° e 11º n° 2 DL n° 94/2012, 20 abril).
Os tributos sob análise assumem a natureza de contribuições financeiras na medida em que:
- Constituem a contrapartida pecuniária destinada ao financiamento do desempenho de um conjunto de funções exercidas pela entidade pública no domínio da coordenação geral do controlo do sector vitivinícola, bem como na realização de acções de promoção dos vinhos e produtos vínicos produzidos em Portugal (arts. 2° n° 1, 10° e 11° n° 1 DL n° 94/2012, 20 abril);
- as prestações de serviços pela entidade pública apenas são presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos sujeitos passivos, integrantes de um grupo homogéneo de destinatários que mantêm uma relação de proximidade com as atribuições da entidade pública financiadas pelos tributos em causa;
- não se destinam ao financiamento de gastos públicos gerais em beneficio da comunidade; antes ao financiamento de uma actividade específica do IVV, IP.
Não é despiciendo salientar que o Tribunal Constitucional se pronunciou no sentido de que assumia a natureza de contribuição financeira um tributo com características semelhantes: taxa de segurança alimentar mais, prevista no DL n° 119/2012, 15 junho (acórdão Tribunal Constitucional n° 539/2015, 20 outubro, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.).

2ª Questão decidenda
A questão da inconstitucionalidade orgânica de específicas contribuições financeiras, por falta de aprovação de um regime geral das contribuições financeiras, foi resolvida pela Tribunal Constitucional, no âmbito da apreciação da questão da taxa de segurança alimentar mais:
- foi emitida pronúncia, no sentido de que a ausência de aprovação de um regime geral das contribuições financeiras pela Assembleia da República não pode impedir o Governo de aprovar a criação de contribuições financeiras individualizadas no exercício de uma competência concorrente, sem prejuízo da Assembleia da República sempre poder revogar, alterar ou suspender o respectivo diploma [de estabelecimento da contribuição financeira], no exercício dos seus poderes constitucionais (citado acórdão n° 539/2015, 19 novembro; sobre pronúncia paralela no tocante à ausência de aprovação de um regime geral das taxas cfr. acórdãos Tribunal Constitucional n.ºs 38/2000, 26 janeiro e 333/2001, 10 julho).
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento. A sentença impugnada deve ser confirmada.».

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgou-se provada a factualidade seguinte:
A) A impugnante é uma sociedade comercial armazenista que opera ao nível das trocas comerciais de vinho e aguardente a granel. — facto não controvertido.
B) Em 23/12/2013, a impugnante procedeu à autoliquidação da taxa de promoção referente ao mês de novembro de 2013, no montante de 9.852,67 €. - cfr. fls. 29 dos autos.
C) Em 04/02/2014, a impugnante procedeu à autoliquidação da taxa de promoção referente ao mês de dezembro de 2013, no montante de 65.369,46 €. - cfr. fls. 30 dos autos.
D) Em 03/03/2014, a impugnante procedeu à autoliquidação da taxa de promoção referente ao mês de janeiro de 2014, no montante de 14.401,65 €. - cfr. fls. 31 dos autos.
E) Em 09/10/2012, a Comissão Europeia, no âmbito do procedimento de averiguação da compatibilidade da anterior taxa de promoção com o Direito Comunitário comunicou à Representação Permanente de Portugal o seguinte:



F) Em 23/10/2012, o I.V.V., I.P. enviou à Comissão Europeia carta, da qual consta, para além do mais, o seguinte:
[…]




3.1. A sentença julgou improcedente a impugnação deduzida pela sociedade B…………, Lda. (actualmente denominada A………… Lda.) contra os identificados actos de autoliquidação das denominadas taxa de coordenação e controlo e taxa de promoção, cobradas pelo Instituto da Vinha e do Vinho (IVV).
A impugnante invocara, no essencial:
— A inconstitucionalidade orgânica dessas taxas, por estar em causa um imposto ou, caso se entenda que está em causa apenas uma contribuição financeira, ser de exigir a intervenção prévia da Assembleia da República na normação de cada contribuição financeira, visto que não foi aprovado, até à presente data, qualquer “regime geral das contribuições financeiras”.
— A inconstitucionalidade material das mesmas taxas, por violação dos princípios da equivalência e da proporcionalidade.
— a violação da obrigação de notificação prévia do art. 108°, n° 3 do TFUE, no que se refere à taxa de promoção.
A sentença veio a julgar improcedente a impugnação considerando, em síntese:
i) Quanto à alegada inconstitucionalidade orgânica:
Os tributos em causa não têm a natureza de imposto, nem constituem verdadeiras taxas, configurando-se, antes, como contribuições financeiras, razão pela qual o respectivo regime constitucional será, no que aqui interessa, semelhante ao das taxas: num caso como no outro, só constitui matéria reservada da AR o respectivo regime geral, podendo aquela transferir para o Governo a disciplina da matéria: ou seja, como também tem sido entendimento do Tribunal Constitucional, o princípio da legalidade, relativamente às contribuições financeiras, tal como o das taxas, apenas exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais comuns às diferentes contribuições financeiras, não necessitando de uma intervenção ou autorização parlamentar para a sua criação individualizada, enquanto que, relativamente a cada imposto, continua a exigir-se essa intervenção qualificada, a qual deve determinar a sua incidência, a sua taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
Daí que, conclui a sentença recorrida, as normas que estabelecem os questionados tributos, não padecem do vício de inconstitucionalidade orgânica que lhes vem assacado.
ii) Também não se verifica a invocada inconstitucionalidade material por alegada violação dos princípios da equivalência e da proporcionalidade: é que, assentando os valores da taxa de coordenação e controlo e da taxa de promoção em 0,00675 €/litro comercializado ou 0,003375 €/litro comercializado, os quais equivalem, em conjunto ao valor da anterior taxa de promoção, cobrada ao abrigo do antigo regime, mostram-se respeitados os princípios da equivalência jurídica e da proporcionalidade, não se vislumbrando qualquer desproporção manifesta ou ostensiva no montante dos mencionados tributos. E, de todo o modo, devia a impugnante alegar e demonstrar a existência de uma desproporção ou desequilíbrio entre o valor das referidas “taxas” e a prestação presumivelmente beneficiada ou provocada, o que, manifestamente, não fez, sendo que só uma desproporção manifesta e ostensiva no montante das taxas poderá justificar a invocação daquele princípio.
iii) Também não ocorre a alegada violação do art. 108º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) da taxa de promoção.
Com efeito, tendo o Estado Português decidido enquadrar os apoios à promoção regulados pelo DL n.° 94/2012, financiados pela nova taxa de promoção, no regime de minimis, e tendo cumprido os deveres procedimentais exigidos pelo artigo 3.° do Regulamento (CE) n.° 1998/2006, tais auxílios estão fora do conceito de “auxílio de Estado”, na acepção do artigo 107.°, n.° 1 do TFUE, pelo que não estava sujeita ao dever de notificação prévia dos auxílios previsto no n.° 3 do artigo 108.º do TFUE.
Sendo unânime e reiterada, aliás, a jurisprudência do STA, relativamente à questão da falta de notificação no decurso do procedimento legislativo de criação da taxa de promoção, criada no regime das taxas de 1997, no sentido da sua compatibilidade com o direito comunitário.

3.2. Do assim decidido discorda, em parte, a recorrente A………… Lda.
— Por um lado, continua a invocar que a sentença enferma de erro de julgamento na interpretação e aplicação das apontadas normas constitucionais (n.º 2 do art. 103.º e al. i) do n.º 1 do art 165.º da CRP) pois que (cfr. as Conclusões 5 a 13 do recurso) no que respeita à taxa de coordenação e controlo, (i) a manifesta falta de bilateralidade da mesma (sendo a taxa lançada sobre os produtos sujeitos à respectiva disciplina — o vinho e os produtos vínicos — a título puramente unilateral), revela que não passa de um verdadeiro imposto que, por isso, só poderia ter sido estabelecido por uma lei da AR ou por DL do Governo no uso de autorização legislativa, o que não sucedeu e (ii) no que respeita à nova taxa de promoção, também não é possível estabelecer uma bilateralidade individualizada entre o serviço prestado e os sujeitos passivos dessa taxa, pois as ditas actividades de promoção são “de carácter genérico do vinho português”, acrescendo que também a realização das acções de informação e educação sobre o consumo de produtos vínicos a bilateralidade, mais do que difusa, é manifestamente inexistente.
— E quanto à consideração de que também não ocorre inconstitucionalidade orgânica por as taxas questionadas se reconduzirem a contribuições financeiras, reitera, igualmente (cfr. Conclusões 14 a 20) a alegação de erro de julgamento, pois que mesmo a criação de tais contribuições financeiras exige sempre, enquanto não for publicado o regime geral das contribuições financeiras a favor das entidades públicas, previsto na al. i) do n.º 1 do art. 165.º da CRP, a intervenção da AR, quer através de uma Lei, quer através de uma autorização legislativa concedida ao Governo.
Estas são, portanto, as únicas questões a decidir no recurso.
Vejamos, pois.

4.1. Na al. i) do n.º 1 do art. 165.º da CRP (no âmbito da reserva relativa de competência legislativa) e no art. 4.° da LGT referenciam-se três espécies tributárias: os impostos, as taxas e as contribuições especiais.
E foi a esta última espécie (contribuições especiais) que a sentença reconduziu as questionadas taxa de coordenação e controlo e taxa de promoção, constantes do DL n.º 94/2012, de 20/04. Decorrendo a divergência da recorrente, precisamente, do seu diferente entendimento quanto à natureza destes tributos (entende ela que estamos perante verdadeiros impostos).
Ora, como a propósito de outros tributos já se considerou (cfr., por exemplo, o ac. de 17/02/2016, proc. nº 0458/15), para a generalidade da doutrina e da jurisprudência, o critério de distinção entre o imposto e a taxa assenta, essencialmente, na bilateralidade ou na unilateralidade: a taxa é bilateral, com um sentido de sinalagma que supõe uma contrapartida prestacional administrativa específica, que não existe no imposto.
Ou seja, como bem e abundantemente se argumenta na sentença recorrida, a taxa consubstancia-se numa prestação pecuniária e impositiva devida a uma entidade que exerça funções públicas, em contrapartida de uma prestação dessa entidade, provocada ou utilizada pelo sujeito passivo; e a prestação da entidade pública há-de consistir (na tipologia consagrada na LGT, na Lei das Finanças Locais e no Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais) na prestação de um serviço público, na utilização privativa de bens do domínio público e na remoção de obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares. (Cfr. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Anotada e comentada, Editora Encontro da escrita, 4ª ed. 2012, pp. 70/71, anotação 4 ao art. 3º.)
Dando por adquiridas as inúmeras reflexões doutrinárias e jurisprudenciais produzidas sobre a matéria atinente à distinção entre imposto e taxa [ou seja, que ambos constituem receitas públicas coactivamente impostas, mas enquanto o imposto «... é uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos» (Cfr. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, Coimbra, 1977, p. 262.) a taxa tem «carácter sinalagmático, não unilateral, o qual por seu turno deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares» (Cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Vol. I, Lisboa, 1981, p. 42.) pressupondo, pois, uma contraprestação por parte do ente público que a exige, a verificar-se na respectiva génese, e que deve concretizar-se naquela prestação de serviço público, naquele acesso à utilização de bens do domínio público ou na remoção do obstáculo jurídico à actividade do particular] (Cfr. Casalta Nabais, Contratos Fiscais, Coimbra 1994, 236.) ressalta na definição legal e doutrinal da taxa a individualização de um aspecto estrutural da mesma (a supra apontada sinalagmaticidade ou bilateralidade) e, em consequência, os respectivos pressupostos da sua cobrança. Relação sinalagmática essa que, como se sublinha no acórdão do Tribunal Constitucional n° 365/03, de 14/7/2003, «há-de ter um carácter substancial ou material, e não meramente formal; isso não implica, porém, que se exija uma equivalência económica rigorosa entre ambos, não sendo incompatível com a natureza sinalagmática da taxa o facto de o seu montante ser superior (e porventura até consideravelmente superior) ao custo do serviço prestado.
O que não pode é ocorrer uma «desproporção intolerável» (Ac. nº 1140/96, in DR II Série, de 10/2/97)”, ou seja, “manifesta” e comprometedora, “de modo inequívoco, [d]a correspectividade pressuposta na relação sinalagmática”, sendo certo que a sua aferição há-de tomar em conta, não apenas o valor da quantia a pagar, mas também a utilidade do serviço prestado.»
Assim, embora (i) se venha acentuando que a taxa não pode ter só como pressuposto uma mera prestação administrativa sendo necessário que se dirija à compensação dessa prestação, estabelecendo-se uma relação comutativa entre a prestação e a taxa; (ii) e embora alguns autores entendam que a função compensatória das taxas se refere ao custo da prestação para a entidade pública ou ao benefício que esta acarreta para o devedor, elas também têm uma finalidade arrecadatória de receitas, intimamente associada à função compensatória, ou a outras finalidades (iii) também se acentua, por outro lado, que, apesar de não dever ultrapassar-se um certo patamar quantitativo nem perder o sentido comutativo, a equivalência se reconduz a uma equivalência jurídica (ver art. 4º do RTL) entre as prestações e não a uma equivalência económica; equivalência jurídica que deve, contudo, fundamentar-se numa relação entre o custo do serviço e o valor da prestação e é materialmente determinada segundo o princípio da igualdade e o princípio da proporcionalidade. (Cfr. Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, CEJUR, Outubro de 2008, pp. 60/61. Idem, A Tutela jurisdicional dos sujeitos passivos das taxas, Conferência – A tutela jurisdicional efectiva dos sujeitos passivos das taxas, Coimbra, 3 de Fevereiro de 2011 – AO-CDC / Almedina, pp. 4/5.)

Mas, de todo o modo, a não visibilidade de bilateralidade efectiva entre as prestações, não permite concluir, ipso facto e de forma imediata, que um determinado tributo tem natureza de imposto: importa ainda verificar se estamos perante uma “contribuição”, tributo em relação ao qual a bilateralidade pode apresentar-se em termos menos visíveis, aceitando-se, por isso, a utilização de um critério distintivo que além de assentar no pressuposto do tributo, assente também na finalidade deste.
Com efeito, a LGT, depois de considerar no nº 2 do seu art. 3.º que «os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas», logo estabelece no n.º 3 do art. 4.º que «as contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumento de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade são considerados impostos».
Ora, quer os impostos, quer as contribuições, podem ter na sua origem prestações administrativas dirigidas a grupos mais ou menos alargados de sujeitos passivos, embora nenhum desses tributos tenha como pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efectivo e directo beneficiário; todavia, ao contrário dos impostos e, mesmo, das contribuições especiais, as contribuições financeiras têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário. Como se sublinha na sentença recorrida, citando Sérgio Vasques (O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária, Almedina, 2008, p. 176.), se o elemento distintivo mais saliente das contribuições financeiras face às taxas é o pressuposto de que partem, o elemento distintivo mais saliente das contribuições financeiras face aos impostos é a finalidade a que se dirigem. É a finalidade compensatória daquelas que permite distingui-las, designadamente, «dos impostos especiais e dos impostos consignados, figuras situadas junto à linha divisória entre os tributos paracomutativos e os tributos unilaterais», sendo que, «no caso dos impostos a angariação de receita é feita sem olhar ao modo como o produto é aplicado ou ao concreto fim a que se destina».
Também a distinção entre as contribuições e as taxas assenta essencialmente na circunstância de aquelas não se dirigirem à compensação de prestações efectivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas, antes, «à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir.» (Ac. do T. Constitucional, nº 539/2015, de 20/10/2015, proc. n.º 27/15, que sobre estes aspectos, remete para Sérgio Vasques (em “Manual de Direito Fiscal”, p. 221, ed. de 2011, Almedina) e para Suzana Tavares da Silva, (em “As taxas e a coerência do sistema tributário”, pp. 89-91, 2ª ed., Coimbra Editora).)
Nas palavras de Casalta Nabais, (Taxas e contribuições financeiras a favor das entidades públicas e contribuições para a segurança social, Sobre o Regime Jurídico das Taxas, pp. 11 a 40, Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2015. [Consult. 29 junho. 2018]. Disponível na internet: <URL:http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_
Taxas_contribuicoes_financeiras.pdf) não obstante a consideração de três espécies de tributos, como acontece na generalidade dos países, a terceira espécie (as contribuições), atentos a sua estrutura e o critério da sua medida, acaba «sendo equiparada ou aos impostos ou às taxas, apresentando-se, assim, essencialmente, como impostos especiais ou como taxas especiais. Por conseguinte o reconhecimento constitucional de três espécies de tributos parece não se revelar suficiente para a identificação das contribuições especiais como uma figura tributária verdadeiramente autónoma. Nessa visão das coisas, poder-se-ia dizer que as «contribuições especiais» se reconduzem ao regime dos impostos e as «contribuições financeiras» ao regime das taxas. De resto, que a figura das taxas pode respeitar a tributos de estrutura bilateral grupal, tem base legal expressa no n.º 2 do artigo 5.º do RGTAL, em que se prescreve que «as autarquias locais podem criar taxas para financiamento de utilidades geradas pela realização de despesa pública local, quando desta resultem utilidades divisíveis que beneficiem um grupo certo e determinado de sujeitos, independentemente da sua vontade».
Também o Tribunal Constitucional já aceitara, aliás, a autonomização, no âmbito das categorias jurídico-tributárias, dos impostos, das taxas e das contribuições financeiras, acabando por reconduzir a taxa de regulação e supervisão constante do Regime de Taxas da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, aprovado pelo DL n.º 103/2006, de 07/06, à categoria de contribuição financeira (cfr. os acórdãos n.º 365/2008, de 02/07/2008, proc. n.º 22/08 e n.º 613/2008, de 10/12/2008, proc. n.º 425/08), e considerando, igualmente, que tendo a al. i) do n.º 1 do art. 165.º da CRP passado a referir-se a essas três categorias de tributos (continuando os impostos sujeitos à reserva da lei formal, enquanto, relativamente às taxas e às contribuições financeiras, apenas a definição do seu regime geral tem que respeitar essa reserva de competência), pode a concreta criação deste tipo de tributos (contribuições financeiras), ao contrário dos impostos, ser efectuada por diploma legislativo governamental, sem necessidade de autorização parlamentar.
E posteriormente, a jurisprudência constitucional manteve idêntica linha de argumentação em relação à taxa de utilização do espectro radioeléctrico (cfr. o ac. nº 152/2013, de 20/03/2013, proc. n.º 460/12), bem como em relação à “penalização” prevista nos n.ºs 1 e 2 do art. 25.º do DL n.º 233/2004, de 14/12 (cfr. o ac. nº 80/2014, de 22/01/2014, proc. n.º 911/12) e, mais recentemente, relativamente à denominada taxa de segurança alimentar mais [cfr. o supra citado ac. nº 539/2015, de 20/10/2015 (com dois votos de vencido), proc. n.º 27/15, igualmente referenciado pelo MP], tendo o Tribunal avançado com argumentação no sentido de que (i) no conceito de contribuição financeira também cabem os tributos exigidos a quem a lei onere com o financiamento de uma tarefa administrativa que lhe possa ser imputável em razão da proximidade existente entre os sujeitos passivos e a finalidade a atingir com a actividade administrativa; no sentido de que (ii) a circunstância de o tributo poder incidir apenas sobre um grupo, não constituía, nesse específico e concreto caso, obstáculo de ordem constitucional material (ligado ao princípio da igualdade), pois no contexto global do regime jurídico em causa existiam outros instrumentos visando a efectivação do princípio da responsabilidade repartida; e no sentido de que (iii) tal tributo podia ser criado por Decreto-Lei.

4.2. No caso estão em causa as denominadas taxa de coordenação e controlo e taxa de promoção, cobradas pelo IVV, à luz do disposto no DL nº 94/2012, de 20/04, no qual se dispõe, além do mais, o seguinte:
Artigo 1.º - Âmbito
«O presente diploma estabelece:
a) O regime jurídico aplicável à taxa de coordenação e controlo sobre o vinho e os produtos vínicos produzidos ou comercializados em Portugal, incluindo os expedidos ou exportados para fora do território nacional;
b) O regime jurídico aplicável à taxa de certificação sobre o vinho e os produtos vínicos produzidos em Portugal que sejam objeto de certificação;
c) O regime jurídico aplicável aos apoios à promoção do vinho e dos produtos vínicos.
(...)

Taxa de coordenação e controlo
Artigo 2.º - Taxa
1 - Os vinhos e produtos vínicos produzidos no território nacional, incluindo os expedidos ou exportados, bem como os vinhos e produtos vínicos produzidos noutros países e comercializados em Portugal, ficam sujeitos à aplicação de uma taxa de coordenação e controlo, que constitui receita do Instituto da Vinha e do Vinho, I.P. (IVV, I.P.), pelo desempenho das funções relativas à coordenação geral e ao controlo do sector vitivinícola.
2 - O produto da taxa de coordenação e controlo cobrada nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, nos termos do disposto no artigo seguinte, constitui receita dos respetivos serviços regionais.
(...)


Artigo 4.º - Sujeitos
Para os produtos a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º, a taxa de coordenação e controlo é devida ao IVV, I.P.:

a) Pelo agente económico, devidamente registado e autorizado a proceder ao engarrafamento do respetivo produto vínico, no caso previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior;
b) Pelo agente económico que figurar como expedidor no documento de acompanhamento, no caso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo anterior;
c) Pelo produtor, no caso previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior.
(...)

Apoios à promoção do vinho e dos produtos vínicos
Artigo 10.º - Regimes de apoio
Podem ser instituídos regimes de apoio financeiro ao desenvolvimento de ações de promoção e informação relativas ao vinho e aos produtos vínicos produzidos em Portugal, designados abreviadamente «apoios à promoção», nos termos do presente capítulo.
Artigo 11.º - Sistema de financiamento
1 - Os apoios à promoção são financiados através das receitas de uma taxa, designada taxa de promoção, à qual estão sujeitos os vinhos e os produtos vínicos produzidos no território nacional.
2 - A taxa de promoção a que se refere o número anterior é cobrada pelo IVV, I.P., no que respeita aos vinhos e aos produtos vínicos produzidos em Portugal continental, sendo correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 3.º a 5.º, sem prejuízo do disposto no artigo 13.º
3 - No que se refere aos vinhos e os produtos vínicos produzidos nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, a taxa de promoção é cobrada pelos respetivos serviços regionais, sendo correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 3.º a 5.º, sem prejuízo do disposto no artigo 13.º
4 - As receitas provenientes da cobrança da taxa de promoção são afetas ao financiamento dos apoios à promoção, dispondo o IVV, I.P., da possibilidade de utilizar até 5 % do produto da taxa cobrada nos termos do n.º 2 para suportar despesas relacionadas com a promoção do vinho e produtos vínicos portugueses, sem prejuízo do disposto no artigo 13.º
Artigo 12.º - Atribuição dos apoios à promoção
1 - Os apoios à promoção são atribuídos no respeito pelos princípios da transparência e da não discriminação e pelas disposições dos direitos nacional e da União Europeia aplicáveis, designadamente em matéria de auxílios de Estado.
2 - As ações financiadas pelos apoios à promoção são desenvolvidas no cumprimento da legislação nacional e da União Europeia aplicável, dispondo para este efeito o IVV, I.P., de poderes de avaliação e fiscalização da atividade desenvolvida pelos seus beneficiários.»

4.3. De acordo com o Preâmbulo deste diploma, «[a] reforma da organização do sector vitivinícola a nível europeu entretanto ocorrida e a necessidade de garantir a articulação com o Regulamento (CE) n.º 1234/2007, do Conselho, de 22 de outubro de 2007, que estabelece uma organização comum dos mercados agrícolas e disposições específicas para certos produtos agrícolas (Regulamento «OCM Única»)», tornou necessário rever o DL n.º 119/97, de 15/05, para proceder a uma reformulação do sistema de taxas incidentes sobre os produtos do sector vitivinícola, clarificando-se agora também «o conteúdo da atividade desenvolvida pelo IVV, IP, na prossecução das atribuições de coordenação geral e de controlo do sector vitivinícola que lhe são cometidas pela legislação nacional e europeia, autonomizando o financiamento dos regimes de apoio ao desenvolvimento de ações de promoção e de publicidade do vinho e dos produtos vínicos», explicitando-se que «a taxa de coordenação e controlo, aplicável aos vinhos e aos produtos vínicos produzidos ou comercializados em Portugal cujas receitas se destinam ao IVV, IP, abrange também os vinhos e produtos vínicos expedidos ou exportados para fora do território nacional» e reformulando-se «o regime jurídico dos apoios financeiros ao desenvolvimento de ações de promoção do vinho e dos produtos vínicos, por forma a reforçar a qualidade e a competitividade do vinho e dos produtos vínicos produzidos em Portugal, criando-se uma taxa que retoma a designação de taxa de promoção, à qual estão sujeitos o vinho e os produtos vínicos produzidos em território nacional e cujas receitas se destinam ao financiamento de ações de promoção e informação do vinho e dos produtos vínicos portugueses».
Referenciando-se, ainda, a circunstância de se dotar o IVV, IP, de poderes de fiscalização da actividade desenvolvida pelos beneficiários de apoios à promoção, por forma a garantir a correcta afectação dos apoios concedidos à prossecução das actividades a que os mesmos se destinam.
Assim, para o financiamento das funções cometidas ao IVV, o actual diploma (DL nº 94/2012, de 20/04) institui a “taxa de coordenação e controlo”, a “taxa de promoção” e a “taxa de certificação” (esta não está em causa nos presentes autos). Ou seja, a anterior “taxa de promoção” criada pelo DL n.º 119/97, de 15/05, deu agora lugar a duas taxas: a taxa de coordenação e controlo (cuja finalidade se prende com o financiamento da actividade desenvolvida pelo IVV no âmbito das atribuições, que lhe estão cometidas, em termos de coordenação geral e de controlo do sector vitivinícola); e a taxa de promoção (que, relativamente à anterior “taxa de promoção”, vê os respectivos fins e âmbito de sujeição reduzidos, especificando-se a sua ratio no que respeita ao destino dado às receitas obtidas com a respectiva cobrança e tornando-a mais fiel à sua denominação: as receitas destinam-se ao financiamento de acções de promoção e informação do vinho e dos produtos vínicos portugueses).

4.4. Por sua vez, de acordo com o disposto no art. 23.º do DL n.° 7/2012, de 17/01 (que aprovou a Lei Orgânica do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território), o IVV, IP, tem por missão coordenar e controlar a organização institucional do sector vitivinícola, auditar o sistema de certificação de qualidade, acompanhar a política comunitária e preparar as regras para a sua aplicação, bem como participar na coordenação e supervisão da promoção dos produtos vitivinícolas, prosseguindo atribuições no sentido de acompanhar a atividade vitivinícola nacional e coordenar a respectiva regulamentação técnica, em conformidade com as medidas da política nacional e comunitária; participar e colaborar na definição e aplicação das políticas que abranjam o sector vitivinícola; participar e acompanhar, junto das instâncias comunitárias, os processos relativos ao sector vitivinícola; promover e regular as medidas de organização institucional do sector.
Sendo que também o DL n.º 66/2012, de 16/03, que aprova o Estatuto do IVV, IP, atribui a este (cfr. as diversas alíneas do seu art. 3.º) funções semelhantes àquelas, nomeadamente no acompanhamento da actividade vitivinícola nacional e de coordenação da respectiva regulamentação técnica, em conformidade com as medidas da política nacional e da UE; na participação e colaboração na definição e aplicação das políticas que abranjam o sector vitivinícola; na participação e acompanhamento, junto das instâncias da UE, dos processos relativos ao sector vitivinícola; no assegurar a gestão dos programas de apoio da UE e nacionais específicos do sector vitivinícola; na promoção e regulamentação das medidas de organização institucional do sector vitivinícola; na definição e coordenação da aplicação das medidas de gestão do património vitícola nacional e da sua valorização; no desenvolvimento de acções tendentes à melhoria da qualidade dos produtos vitivinícolas, ao reforço da competitividade e internacionalização e ao desenvolvimento sustentável do sector vitivinícola; em auditorias de gestão e em sistemas de controlo e certificação das entidades certificadoras dos produtos vitivinícolas com direito a denominação de origem ou indicação geográfica; no desenvolvimento, coordenação e gestão do Sistema Nacional Integrado de Informação da Vinha e do Vinho; na coordenação e dever de zelo pelo cumprimento das regras de utilização da marca Vinhos de Portugal/Winesof Portugal; na efectivação das previsões de colheitas anuais e na recolha e tratamento da informação económica contida nos instrumentos declarativos previstos na regulamentação da UE e nacional, tendo em vista a avaliação do mercado; no desenvolvimento de relações com organismos internacionais e estrangeiros congéneres; e na elaboração e coordenação do plano nacional de controlo do sector vitivinícola.

4.5. Daqui resulta, portanto, como bem se sublinha na sentença, que o financiamento dos serviços prestados pelo IVV é obtido, fundamentalmente, através da cobrança das taxas aqui em questão, e como contrapartida de tais serviços, competindo, aliás, ao IVV proceder a essa cobrança [al. i) do n.º 2 do art. 3.º do citado DL n.º 66/2012, de 16/03], mas sem que a imposição destas prestações relativamente ao IVV, signifique que os referidos tributos (taxa de coordenação e controlo e taxa de promoção) assumam a natureza de taxas “stricto sensu”.
Com efeito, aqueles serviços resultam da própria actividade dos operadores do sector vitivinícola, sendo eles também os respectivos beneficiários, além de que, relativamente às próprias prestações do IVV, nem se vislumbra qualquer contrapartida concreta e identificada, de que seja causador ou beneficiário um determinado sujeito passivo, nem os respectivos factos tributários radicam na prestação individualizada de um serviço público, antes assentando na mera qualidade de agente económico ou produtor operando no sector vitivinícola (cfr. os supra transcritos arts. 4° e 11º n° 2 do DL n° 94/2012, de 20/04).
E assim, se, por um lado, fica afastada a natureza de imposto relativamente aos ditos tributos e se, por outro lado, também se afasta a respectiva inserção na referida categoria da “taxa” (stricto sensu), por inexistência de uma equivalência avaliada ao nível individual, emerge, então, a sua natureza de contribuições financeiras.
Como bem conclui a sentença recorrida.
Na verdade, as denominadas taxas ora em causa constituem a contrapartida pecuniária destinada ao financiamento do desempenho de um conjunto de funções exercidas pela entidade pública (IVV) no domínio da coordenação geral do controlo do sector vitivinícola, bem como na realização de acções de promoção dos vinhos e produtos vínicos produzidos em Portugal (arts. 2° n° 1, 10° e 11° n° 1 DL n° 94/2012, 20 abril), sendo que essas prestações de serviços operadas pelo IVV apenas são presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos sujeitos passivos (integrantes de um grupo homogéneo de destinatários que mantêm uma relação de proximidade com as atribuições desta entidade pública financiadas pelos tributos em causa) e não se destinam ao financiamento de gastos públicos gerais em beneficio da comunidade, mas, antes, como se viu, ao financiamento de uma actividade específica do IVV. Ou seja, estando as aludidas taxas cobradas pelo IVV consignadas à satisfação das despesas inerentes ao serviço público que essa entidade desenvolve no âmbito das respectivas atribuições e não podendo o respectivo produto ser desviado para o financiamento de despesas públicas gerais, há que concluir, em concordância com a sentença recorrida, que estamos perante tributos que têm natureza de contribuição financeira, e não de imposto.
Improcedendo, portanto, o recurso, quanto a esta matéria.

5. Resta, então, apreciar a questão da alegada inconstitucionalidade orgânica de específicas contribuições financeiras, por falta de aprovação de um regime geral das contribuições financeiras.
O Tribunal Constitucional, nos acórdãos acima identificados, apreciou esta mesma questão, concluindo no sentido de que a ausência de aprovação de um regime geral das contribuições financeiras, por parte da AR não pode impedir o Governo de aprovar a criação de contribuições financeiras individualizadas, no exercício de uma competência concorrente, sem prejuízo de a AR sempre poder revogar, alterar ou suspender o respectivo diploma [de estabelecimento da contribuição financeira], no exercício dos seus poderes constitucionais (cfr. o citado acórdão n° 539/2015, de 19/11, bem como, sobre pronúncia paralela no que se refere à ausência de aprovação de um regime geral das taxas, os acs. n.ºs 38/2000, de 26/01 e 333/2001, de 10/07).
Também sobre esta matéria, diz Casalta Nabais: «Assim, em sede da disciplina constitucional, às «contribuições especiais» aplicar-se-ia o princípio da legalidade fiscal, tanto na sua vertente de princípio da reserva de lei (formal ou parlamentar), a exigir que cada contribuição seja criada por lei do Parlamento (ou decreto-lei do Governo depois de uma específica lei de autorização legislativa do Parlamento), como na sua vertente de princípio de reserva material ou conteudística (de lei), a implicar, relativamente a cada contribuição, que a lei que a cria contenha os seus elementos essenciais que são, como já referimos, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes). Por outro lado, a sua medida teria por base o princípio da capacidade contributiva reportada não ao indivíduo mas ao grupo beneficiado ou causador dos específicos custos comunitários.
Já no que concerne às «contribuições financeiras», estas bastar-se-iam com um princípio de legalidade menos exigente, idêntico ao princípio da legalidade das taxas, o qual se satisfaz com a exigência de o seu regime geral constar de lei do Parlamento ou de decreto-lei parlamentarmente autorizado. Pelo que a sua concreta criação e modelação pode ser levada a cabo seja por diploma legislativo seja por regulamento, em conformidade naturalmente com o que constar do referido «regime geral». Por seu turno, a sua medida assentaria no princípio da proporcionalidade taxa/prestação estadual proporcionada ou taxa/custos específicos causados à respectiva comunidade pelo correspondente grupo.» (Loc. cit.)
E não se vendo razão para divergir da interpretação feita pelo Tribunal Constitucional, haveremos de concluir que também quanto a esta questão a sentença recorrida não enferma do erro de julgamento que a recorrente lhe imputa.
Com efeito, como se argumenta no dito aresto (embora em relação à taxa ali em questão), não tendo as denominadas taxa de coordenação e controlo e taxa de promoção, a natureza de imposto, então, face à actual redacção da al. i) do n.º 1 do art. 165º da CRP (onde se autonomiza a categoria das “contribuições financeiras”, ao lado dos impostos e das taxas, para efeitos de submissão dos diversos tipos de tributo ao princípio da reserva de lei formal), há-de entender-se que a norma constitucional passou a fazer depender da reserva relativa de competência legislativa da AR, a “criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor do Estado”, configurando-se, assim, «dois tipos de reserva parlamentar: um relativo aos impostos, que abrange todos os seus elementos essenciais, incluindo a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (art. 103.º), outro restrito ao regime geral, que é aplicável às taxas e às contribuições financeiras, e relativamente às quais apenas se exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais e, portanto, sobre um conjunto de diretrizes orientadoras da disciplina desses tributos que possa corresponder a um regime comum.
Com esta alteração deixou de fazer sentido equiparar a figura das contribuições financeiras aos impostos para efeitos de considerá-las sujeitas à reserva da lei parlamentar, passando o regime destas a estar equiparado aos das taxas.
O princípio da legalidade, relativamente às contribuições financeiras, tal como o das taxas, apenas exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais comuns às diferentes contribuições financeiras, não necessitando de uma intervenção ou autorização parlamentar para a sua criação individualizada, enquanto que, relativamente a cada imposto, continua a exigir-se essa intervenção qualificada, a qual deve determinar a sua incidência, a sua taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes
Improcedendo, pois, o recurso, também quanto a esta parte.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 4 de Julho de 2018. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.