Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01152/16
Data do Acordão:03/16/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:MÉDICO
REGIME REMUNERATÓRIO
INCOMPATIBILIDADE
ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES
DEDICAÇÃO EXCLUSIVA
UNIDADE DE SAÚDE FAMILIAR
Sumário:I - Os trabalhadores que integram uma unidade de saúde familiar (USF) mantêm os regimes jurídicos das respetivas carreiras profissionais.
lI - Os médicos provenientes do regime de trabalho de 42 horas semanais em dedicação exclusiva e posteriormente integrados em unidade de saúde familiar (USF) de modelo B, mantém o regime de dedicação exclusiva com todas as incompatibilidades legalmente previstas. (*)
Nº Convencional:JSTA00070085
Nº do Documento:SA12017031601152
Data de Entrada:11/25/2016
Recorrente:A...
Recorrido 1:ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE, IP.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PÚBL
Legislação Nacional:DL 298/2007 ART21 ART27 ART28.
DL 73/90 ART9 ART11.
DL 177/2009 ART32 ART36.
DL 266-D/2012 ART5.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

A……………, inconformado com a decisão proferida em 20 de Maio de 2016 no TCAN, que concedeu provimento ao recurso interposto pela ora recorrida Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., revogando a decisão proferida no TAF e julgando a acção improcedente, [acção esta em que o autor/ora recorrente peticiona a anulação da deliberação do Conselho Directivo da ARSN de 18/11/2013 que o impede de exercer, em acumulação, funções privadas, mantendo-o apenas no regime de dedicação exclusiva em prestação de trabalho na Unidade de Saúde Familiar], interpôs o presente recurso.

Apresentou, para o efeito, as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:

«1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão que concedeu provimento ao recurso interposto pela ora recorrida da decisão proferida nos autos de processo nº 123/14.9BEPNF, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, revogando a decisão recorrida e julgando a ação improcedente;

2. Naqueles autos, o ora recorrente requereu a anulação da deliberação do Conselho Directivo da Administração Regional de Saúde do Norte, I.P. (ARS Norte) de 18 de novembro de 2013, que impõe ao autor que se mantenha em regime de dedicação exclusiva em prestação de trabalho em Unidade de Saúde Familiar em modelo B, concordando com o parecer do Gabinete Jurídico e do Cidadão no âmbito do processo nº 699/13;

3. Requereu ainda o recorrente que a recorrida fosse condenada na substituição de tal deliberação por uma que reconheça o direito a poder acumular funções, perdendo a obrigação de dedicação exclusiva imposta pelo seu regime de origem, enquanto se manter a prestação de trabalho em USF de modelo B;

4. As pretensões do recorrente, que obteve vencimento no acórdão proferido em primeira instância, fundam-se na violação do princípio da igualdade por tal deliberação, face aos restantes médicos que integram aquela unidade e que não se encontram em regime de trabalho de dedicação exclusiva;

5. A recorrida recorreu daquele acórdão alegando, em suma, que tal acórdão violou o disposto no número 1 do Decreto-Lei nº 298/2007, de 22 de agosto, que estabeleceu o regime jurídico da organização e do funcionamento das unidades de saúde familiar (USF) e o regime de incentivos a atribuir a todos elementos que as constituem, bem como a remuneração a atribuir aos elementos que integrem as USF de modelo B, e o disposto no número 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 266-D/2013, de 31 de dezembro;

6. Fundaram-se as alegações da recorrente na consideração, pelo acórdão proferido em primeira instância, como matéria assente, de que os médicos integrados em USF de modelo B cumprem um período de trabalho semanal de 35 horas, bem como na interpretação do acórdão recorrido da norma do número 1 do artigo 28º do Decreto-Lei nº 298/2007, de 22 de agosto como um preceito que tem por objetivo salvaguardar a igualdade de todos os médicos que integram a USF;

7. Resulta claramente do ponto 22 das alegações da recorrente, que a carga horária (período normal de trabalho) deve ser compatível com a lista de utentes de cada médico, correspondendo ao horário básico (que se tem vindo a entender de 35 horas semanais), remetendo para o processo administrativo que a própria juntou.

8. Decidiu bem o acórdão proferido em primeira instância que os médicos que integram a USF de modelo B como o recorrido, têm como período normal de trabalho semanal 35 horas, independentemente dos regimes de trabalho de origem e do tamanho da lista de utentes.

9. Decidiu bem o acórdão proferido em primeira instância ao considerar que o número 1 do artigo 27º do Decreto-Lei nº 298/2007, de 22 de agosto, salvaguarda os direitos dos profissionais que integram as USF de modelo B relativamente aos demais profissionais que se encontram a exercer funções noutras unidades de saúde, quer na própria USF de modelo B, quer noutras unidades de saúde, uma vez que a norma não pode ser interpretada de outro modo;

10. Errou aqui o acórdão ora recorrido, pois interpretou a norma daquele número 1 do artigo 27º do Decreto-Lei nº 298/2007, de 22 de agosto como uma forma de acautelar a condição estatutária dos médicos que prestam trabalho em USF de modelo B com atenção ao regime jurídico das respetivas carreiras, pois tal norma, já amplamente referenciada, garante os direitos do regime jurídico das respetivas carreiras, pelo que em lado algum o diploma prevê que se garantam os deveres daquelas mesmas carreiras, que apenas se retomarão quando o recorrente deixar de integrar a USF de modelo B.

11. Decidiu bem o acórdão proferido em primeira instância, ao julgar que se os médicos integrados nas USF têm uma carga horária de 35 horas semanais, como sucede no caso em apreço, não estão sujeitos ao regime de trabalho de dedicação exclusiva (ou seja, este regime não é imposto pelo seu regime jurídico), mas auferem enquanto tal, pois a sua remuneração corresponde à respectiva categoria e escalão, em regime de trabalho de dedicação exclusiva e horário de trinta e cinco horas semanais;

12. Ao invés, o acórdão ora recorrido, ao julgar que por se tratar de norma meramente de teor remuneratório, pode sujeitar o recorrente às incompatibilidades decorrentes do regime de dedicação exclusiva e os restantes profissionais detentores da mesma categoria e grau profissional não, apesar de auferirem todos uma remuneração calculada nos termos do número 2 do artigo 28º do Decreto-Lei nº 298/2007, de 22 de agosto, o que é discriminatório e contende com o princípio da igualdade, não havendo diferenças que justifiquem tal tratamento, pelo que violou a lei.

13. O acórdão ora recorrido violou as normas já referenciadas do Regime Jurídico das USF, padecendo assim do vício de violação de lei, bem como de inconstitucionalidade, por tomar um entendimento violador do princípio da igualdade, constante do artigo 13º da CRP, bem como da alínea a) do número 1 do seu artigo 59º, ao fazer pender sobre o Recorrente uma obrigação que desvia o princípio de “trabalho igual, salário igual” que aquela norma acautela, devendo assim ser revogado».


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A recorrida Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., contra alegou, formulando as seguintes conclusões:

«1ª O princípio constitucional da igualdade na prestação de trabalho não pode aferir-se através de uma avaliação ou análise tipo "fotográfico" que capte um segmento da relação de emprego, do exercício articulado da sua actividade própria entre os trabalhadores de emprego público e os titulares de um contrato individual de trabalho no contexto de uma USF modelo B;

2ª Antes exige uma ponderação holística, global, que capte a plenitude dinâmica da relação de trabalho, e da equipa, a montante, ao nível da própria capacitação do profissional e dos atributos da sua habilitação para a prestação material de trabalho, incluindo o vínculo de que sejam detentores e a jusante, pelas perspectivas de protecção social, de desenvolvimento da carreira e da capacidade de trabalho e dinamismo daqueles dois grupos de trabalhadores;

3ª E nesse vínculo de origem, relevando aí o segmento da vontade do trabalhador, pelas opções que haja realizado, designadamente pela opção pelo regime de exclusividade, o qual apresenta um sinalagma próprio e efeito remuneratório respectivo;

4ª Incluindo o segmento da própria vontade do recorrente, i) que trabalha em regime de exclusividade por ser essa a sua vontade e opção e ainda que ii) integra a USF por a ela ter aderido num processo de contratualização colegial próprio;

5ª Procede o recorrente a uma apreciação de "flash", a uma "fotografia" da realidade, comparando-se apenas num dos segmentos do todo que constitui a relação de emprego, mas sem comparar o dinamismo e plenitude, na dinâmica da execução contratual do emprego, inconsiderando ainda a adesão por si próprio realizada quanto à opção pelo regime de exclusividade, com a vantagem remuneratória associada;

6ª O douto acórdão recorrido atendeu à plenitude da matéria de facto, avaliação que permitiu concluir pela inverificação de qualquer afectação do princípio da igualdade;

7ª Uma unidade de saúde organizada em USF modelo B tem profissionais oriundos de diversos títulos de vinculação, com diferentes categorias e posições remuneratórias legalmente consagradas, incluindo as especificidades decorrentes do tempo de vinculação e das opções realizadas, que se organizam enquanto tal para um modelo de optimização do trabalho, em vista da realização de trabalho assistencial aos utentes, onde há objectivos a atingir e os consequentes efeitos remuneratórios associados.

8ª Não pode, em consequência, pretender-se, como alega o recorrente, que «os médicos que integram a USF modelo B, têm como período normal de trabalho semanal as 35 horas, independentemente dos regimes de trabalho de origem e do tamanho da lista de utentes» (conclusão 9) e que «não estão sujeitos ao regime da dedicação exclusiva (ou seja, este regime não é imposto pelo seu regime jurídico» (conclusão 11ª);

[reiterando]

9ª Não existe, assim, qualquer violação do princípio da igualdade, entendido como uma plenitude (no regime de emprego) e por inverificação dos respectivos pressupostos;

10ª Nem há qualquer violação da norma do art 27º/1 do DL 298/2007 de 22/8 onde se estabelece que «aos profissionais que integram a equipa multiprofissional da USF são garantidos os direitos decorrentes dos regimes jurídicos das respectivas carreiras, não podendo ser prejudicados em relação aos restantes profissionais detentores da mesma categoria e grau profissional»;

11ª O DL nº 298/2007, de 22 de agosto, não tem norma expressa que estipule as 35 horas semanais de trabalho como base para as USF's modelo B.

12ª O que resulta dos autos é que a carga horária de base para os médicos em USF modelo B é de 35 horas semanais para uma lista de dimensão mínima de 1917 unidades ponderadas, acrescida de tantas horas quantas as necessárias quando ocorre o aumento da lista, conforme alínea A) do ponto 3.1., da Grelha Dior, a fls. 122 do processo administrativo (Guia para aplicação do diagnóstico do desenvolvimento organizacional nas USF), respeitante à oferta assistencial, e em particular, à obtenção atempada de cuidados e aconselhamento, através de cargas horárias dos médicos compatíveis com as listas de utentes:

“Verificar no sistema de informação (sistema de informação – agenda) nos médicos, se a carga horária semanal corresponde ao horário básico acrescido do tempo necessário para o alargamento da lista de utentes que possui…”

13ª Com efeito, da integração do autor/recorrente na equipa multiprofissional, e da esfera jurídica inerente à sua situação jurídica não pode concluir-se haver qualquer prejuízo em relação aos restantes médicos da equipa;

14ª E nunca poderia aferir-se a igualdade pela vinculação uma carga de horário semanal, desligada de todas as demais componentes da relação de emprego e inserção em unidades como uma USF modelo B».


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O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 5 do artigo 150º do CPTA], proferido a 03.11.2016.

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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA, não emitiu qualquer pronúncia.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

As instâncias deram como provados os seguintes factos:

«A) O Autor requereu à Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., autorização para acumular funções privadas – facto não controvertido.

B) Por deliberação de 18/11/2013, o Conselho Director da ARS Norte concordou com o seguinte parecer:

1. Com todo o respeito, não assiste razão ao visado na interpretação que efetua da lei, nem se partilha da argumentação avançada pelo parecer que junta.

2. Nos termos da legislação vigente, em especial do Decreto-lei nº 298/2007, de 27 de agosto, não há qualquer norma que afaste as incompatibilidades inerentes ao regime de trabalho de dedicação exclusiva detido pelos médicos enquanto exercem funções em USP modelo 1.

3. E muito menos poderá o número 2 do artigo 28° do Decreto-lei nº 298/2007, de 27 de agosto, indicado no parecer, sustentar posição diferente pois este preceito, que se refere à remuneração base a auferir, serviria para o efeito contrário à argumentação utilizada, ou seja, todos os médicos da USF modelo B estariam em regime de trabalho de dedicação exclusiva.

4. Por força da alínea d) do número 2 do artigo 5º do Decreto-lei nº 266-D/2012, de 31 de dezembro, mantém-se a aplicação do número 4 do artigo 9º do Decreto-lei nº 73/90, de 6 de março.

5. Por conseguinte, é incompatível com o exercício de funções públicas, o desempenho de atividade médica privada, não se enquadrando este em nenhuma das exceções legalmente previstas.

6. Face ao exposto, propõe-se envio de ofício em conformidade ao Agrupamento de Centros de Saúde Tâmega II - Vale do Sousa Sul, dando-se conhecimento ao Departamento de Recursos Humanos.

- documento junto ao PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

C) Em 24/03/2014, o Gabinete Jurídico e do Cidadão emitiu o seguinte parecer para cujo teor a contestação remete, nos seguintes termos:

2. As unidades de saúde familiar (USF):- são unidades que integram os Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES), conforme artigo 7º do Decreto-lei n° 28/2008, de 22 de fevereiro, na sua atual redação (ver republicação em anexo ao DL nº 137/2013, de 7 de Outubro).

3. Os ACES são serviços desconcentrados das Administrações Regionais de Saúde, nos termos do número 3 do artigo 2º do mencionado diploma e nos termos do 1 do artigo 1° dos Estatutos da Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., aprovados pela Portaria n° 153/2012, de 22 de maio, na redação dada pela Portaria n.º 213/2013, de 27 de junho.

4. Sem prejuízo da demais legislação aplicável, as USF têm regulação específica, como decorre do artigo 9º do Decreto-Lei nº 28/2008, de 22 de fevereiro, e do Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22 de agosto - onde se encontra estabelecido o regime jurídico de organização e funcionamento das USF e o regime de incentivos a atribuir a todos os elementos que a constituem, bem como a remuneração a atribuir aos elementos que integrem as USF de modelo B.

5. O Decreto-lei nº 298/2007, de 22 de agosto, aplica-se a todos os modelos de USF (sendo que ao momento apenas os modelos A e B podem ser desenvolvidos, com exceção do capítulo VII aplicável unicamente às USF de modelo B).

6. A adesão ao modelo de USF inicia-se com a apresentação de candidatura voluntária, por uma equipa constituída por médicos, enfermeiros e administrativos, conforme resulta do número 2 do artigo 3° do mesmo diploma e de regulamento existente para o efeito.

7. O regulamento, atualmente em vigor, de candidaturas para adesão ao modelo das USF, foi aprovado pelo Despacho n° 5/2011, do então Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, publicado em Diário da República, n° 52, série II, de 15 de março de 2011.

8. A USF ……. de modelo B foi constituída em 2008, e conforme documentação em anexo, sendo que nessa altura ainda estava em vigor o regulamento para lançamento implementação das USF aprovado pelo Despacho nº 9/2006, do então Sr. Ministro da Saúde, publicado em Diário da República, I série B, de 16 de fevereiro de 2006 (alterado pelo Despacho nº 10/2007, publicado em Diário da República, 2.ª série, de 26 de janeiro).

9. Estabelece o número 1 do artigo 21º do Decreto-lei n° 298/2007, de 22 de agosto, que:

“O regime de prestação de trabalho é o previsto no regime das respectivas carreiras profissionais, no regime jurídico do contrato individual de trabalho e no presente decreto-lei, sem prejuízo das regras adotadas por acordo expresso dos elementos da equipa multiprofissional nos casos legalmente possíveis”.

10. Por conseguinte, os trabalhadores que integram uma USF, seja de modelo A ou B, mantêm os regimes de trabalho, não obstante estarem igualmente sujeitos às regras consagradas no diploma acima citado, que podem influir no regime de trabalho detido, e ainda estarem sujeitos às regras adotadas de comum acordo pela equipa, nos casos legalmente possíveis.

11. Por despacho de 5 de fevereiro de 2003, do então Sr. Presidente do Conselho de Administração da Administração Regional de Saúde do Norte, foi autorizada ao Autor a passagem ao regime de dedicação exclusiva, conforme documentação anexa, regime que manteve até à data sem que tivesse requerido a sua cessação.

12. Não é possível retirar do número 1 do artigo 27° ou do número 2 do artigo 28° do Decreto-lei n° 298/2007, de 22 de agosto, a conclusão que o regime de dedicação exclusiva é afastado a partir do início de funcionamento de uma USF de modelo B.

13. O único objetivo do número 1 do artigo 27°, é garantir que os trabalhadores que exercem funções numa USF de modelo B (este artigo está inserido no Capítulo VII que é só aplicável às USF de modelo B), não são prejudicados em relação aos trabalhadores que não exercem funções numa USF de modelo B.

14. O único objetivo do número 2 do artigo 28°, é estipular a remuneração base para os médicos que exercem funções numa USF de modelo B.

15. Senão vejamos, a afastar um dos regimes de trabalho porque é que seria o regime de dedicação exclusiva? Porque não podia ser afastado o regime de tempo completo, ficando todos os médicos em dedicação exclusiva?

16. Pela linha de raciocínio do Autor, até faria mais sentido afastar o regime de tempo completo pois, ainda que o número 2 do artigo 28° daquele diploma se refira apenas à remuneração base, essa remuneração tem por referência um regime de 35 horas em dedicação exclusiva.

17. Mas a verdade é que foi intenção do legislador manter o regime de trabalho que os trabalhadores traziam quando constituíram uma USF, apesar de, em harmonia com o já mencionado artigo 21°, haver regras próprias estabelecidas pelo mesmo diploma que, em USF de modelo B, afastam aspetos pontualmente caracterizadores do regime de trabalho na origem.

18. No caso dos médicos da carreira especial médica, independentemente do regime de trabalho detido, ou seja, tempo completo de 35 horas, tempo completo de 40 horas ou dedicação exclusiva de 42 horas, a remuneração e a carga horária em USF de, modelo B observam regras próprias.

19. Com efeito, a remuneração não é decorrente da grelha salarial aplicável aos médicos, tendo em conta o regime de trabalho, nem é pago o acréscimo remuneratório que é previsto para os médicos em regime de dedicação exclusiva no número 3 do artigo 11 do (revogado) Decreto-lei n° 73/90, de 6 de Março.

20. A remuneração é decorrente do disposto no artigo 28° do Decreto-lei n° 298/2007, de 22 de agosto.

21. A carga horária (período normal de trabalho), deve ser compatível com a lista de utentes de cada médico, correspondendo ao horário básico (que se tem vindo ainda a entender de 35 horas semanais), acrescido do tempo necessário para o alargamento da lista de utentes, como explicado na alínea A) do ponto 3.1., página 15 do Guia para aplicação do diagnóstico do desenvolvimento organizacional nas unidades de saúde familiar - Grelha Dior (abril de 2012).

22. Nos termos do número 3 do artigo 9° do Decreto-lei n° 298/2007, de 22 de agosto, a lista tem uma dimensão mínima de 1917 unidades ponderadas, correspondendo, em média, a 1550 utentes de uma lista de padrão nacional, estando o aumento da lista associado no suplemento previsto pela alínea a) do número 3 do artigo 28º do mencionado diploma.

23. Pode, assim, haver médicos que antes de integrarem a USF modelo B trabalhavam 42 horas ou 35 horas e que passaram a trabalhar menos ou mais horas.

24. A diferença de regimes de trabalho já tem influência aos casos em que é autorizada a prestação de trabalho extraordinário, conforme alínea b) do número 5 e alínea e) do número 6 do artigo 24° do mesmo diploma.

25. Decorrendo claramente do artigo 21° do Decreto-lei n° 298/2007, de 22 de agosto, que os regimes de trabalho são mantidos, o Autor mantém o regime de dedicação exclusiva com todas as incompatibilidades legalmente previstas.

26. Atualmente, o regime de trabalho previsto para a carreira especial médica constante do Decreto-lei n° 177/2009, de 4 de agosto, é o regime de tempo completo de 40 horas semanais.

27. Mas o legislador salvaguardou as situações em que os médicos detinham o regime de trabalho tempo completo, que anteriormente era de 35 horas semanais, e o regime de trabalho de dedicação exclusiva, previstos no artigo 9º do Decreto-lei nº 73/90, de 6 de março (revogado pelo Decreto-lei n.º 177/2009, de agosto), conforme números 1 e 2 do artigo 5º do Decreto-lei nº 266-D/2012, de 31 de dezembro.

28. De entre os aspetos mantidos em vigor pelo legislador encontra-se naturalmente o regime de incompatibilidades (alínea d) número 2 do artigo 5º), nomeadamente o disposto no número 4 do artigo 9º do Decreto-lei nº 73/90, de 6 de março, pelo que estando o Autor em regime de dedicação exclusiva não pode exercer qualquer atividade profissional pública ou privada, em acumulação, exceto se essa atividade se inserir numa das exceções previstas no próprio número 4 ou no seu número 7.

29. Não nos parecendo que o Autor tenha razão, como resulta não só do acima exposto mas igualmente dos pareceres oportunamente elaborados por este Gabinete sobre as questões levantadas neste processo, e submetidos ao conselho diretivo (incluindo os remetidos para a Administração Central do Sistema de Saúde, I.P, que não se pronunciou até à data), deve apresentar-se contestação, tendo sido já efectuada a necessária articulação com o advogado que representa a ARS Norte, I.P., em Tribunal.

D) O Autor é médico especialista, integrado na carreira especial médica, com a categoria de assistente graduado sénior de medicina geral e familiar, exercendo funções de coordenação na USF de ……., integrado no Agrupamento de Centros de Saúde Tâmega II-Vale do Sousa Sul, desde 2008 – facto não controvertido.

E) Antes de integrar a USF ……., o Autor encontrava-se em regime de contrato de trabalho em funções públicas, prestando trabalho em regime de 42 horas em dedicação exclusiva.

F) A carga horária (período normal de trabalho) dos médicos integrados nas USF, incluindo o Autor, é de 35 horas semanais, com a remuneração prevista no nº 2 do artº 28º do DL nº 298/2007, ou seja, a remuneração base corresponde à remuneração da respectiva categoria e escalão, em regime de trabalho de dedicação exclusiva e horário de trinta e cinco horas semanais, relativa à responsabilidade pela prestação de cuidados de saúde aos utentes da respectiva lista, com a dimensão mínima prevista no n.º 3 do artigo 9º do presente decreto–lei – facto não controvertido».


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2.2. O DIREITO

A presente acção administrativa especial visa (i) a impugnação da deliberação do Conselho Directivo da ARS do Norte, de 18/11/2013 que impõe ao autor se mantenha em regime de dedicação exclusiva em prestação de trabalho em Unidade de Saúde Familiar, modelo B, e (ii) a condenação da ré a substituir tal deliberação por uma que lhe reconheça o direito de poder acumular funções privadas, perdendo a obrigação de dedicação exclusiva imposta pelo seu regime, enquanto se mantiver a prestação de trabalho em USF, modelo B.

Imputa o recorrente à deliberação impugnada a violação do disposto no nº 1 do artº 27º do DL nº 298/2007 de 22/08 [que aprovou o Regime Jurídico da Organização e do Funcionamento das Unidades de Saúde Familiar – USF], bem como a violação do princípio da igualdade - cfr. art 13º da CRP.

A acção foi julgada procedente no TAF de Penafiel e improcedente no TCA Norte.

Importa, pois, como referido no Acórdão da Formação [artº 150º do CPTA], averiguar da conciliação do regime jurídico da relação de trabalho e respectiva remuneração nas unidades de saúde familiar (artºs 27º e 28º do DL nº 298/2007 de 22/08) e o regime jurídico da carreira especial médica no que concerne ao regime de trabalho dos médicos na modalidade de dedicação exclusiva (artº 9º do DL nº 73/90 de 06/03, artº 32º do DL nº 177/2009 de 04/08, artº 5º do DL nº 266-D/2012 de 31/12, em concreto saber se os médicos provenientes do regime de trabalho de 42 horas semanais em dedicação exclusiva e, posteriormente integrados em unidades de saúde familiar (USF) de modelo B, estão ou não sujeitos àquela dedicação exclusiva enquanto as integrarem.

Vejamos:

Pretende o autor a acumulação de funções privadas, pretensão que lhe foi negada com o fundamento que decorre do art.º 21º do DL nº 298/2007 de 22/08 que os regimes de trabalho existentes em data anterior à prestação de serviço em USF são mantidos; assim, o autor mantém o regime de dedicação exclusiva com todas as incompatibilidades legalmente previstas.

Refere-se inclusive em parecer solicitado pela entidade demandada [parecer este que sustenta a contestação] que no caso dos médicos da carreira especial médica, independentemente do regime de trabalho detido na origem, a remuneração e a carga horária em USF de modelo B, observam regras próprias, pois a remuneração não é a decorrente da grelha salarial aplicável aos médicos, tendo em conta o regime de trabalho, nem é pago o acréscimo remuneratório que é previsto para os médicos em regime de dedicação exclusiva no nº 3 do artº 9º do DL nº 73/90 de 06/03, revogado, mas sim [a remuneração] a constante do nº 2 do art.º 28º do DL nº 298/2007 de 22/08. E ainda que a carga horária corresponde a 35 horas semanais, com uma remuneração base que tem por referência um regime de 35 horas em dedicação exclusiva.

A esta tese, opõe o autor que os trabalhadores médicos que prestam trabalho em USF, modelo B, não podem ser prejudicados em relação aos restantes profissionais detentores da mesma categoria e grau profissional e, por isso, a deliberação é ilegal por impor a dedicação exclusiva enquanto durar a prestação de trabalho em USF de modelo B, em desrespeito do disposto no artº 27º, nº 1 do DL nº 298/2007 de 22/08.

Mais afirma que os trabalhadores médicos que prestam trabalho em USF não estão sujeitos a qualquer regime de dedicação exclusiva, sendo que apenas quanto à remuneração é que se faz a equiparação com os trabalhadores médicos sujeitos àquela exclusividade, o que significa que, em paridade com os médicos que trabalham na USF …… em regime de 35 horas sem exclusividade, também o Autor deixaria de estar em exclusividade.


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De acordo com o disposto no artº 3º, nº 1 do DL nº 298/2007 de 22/08 [regime jurídico da organização e do funcionamento das unidades de saúde familiar (USF) e o regime de incentivos a atribuir a todos elementos que as constituem, bem como a remuneração a atribuir aos elementos que integrem as USF de modelo B], as Unidades de Saúde Familiar são as unidades elementares de prestação de cuidados de saúde, individuais e familiares, que assentam em equipas multiprofissionais, constituídas por médicos, por enfermeiros e por pessoal administrativo e que podem ser organizadas em três modelos de desenvolvimento: A, B e C.

As USF são, assim, estruturas constituídas por uma equipa multiprofissional, prestadoras de cuidados de saúde personalizados a uma determinada população, garantindo a acessibilidade, a continuidade e a globalidade dos cuidados prestados, conforme resulta do respectivo preâmbulo.

O regime de prestação de trabalho da equipa multiprofissional é o previsto no regime jurídico das respectivas carreiras profissionais, no regime jurídico do contrato individual de trabalho e no DL nº 298/2007 de 22/08, sem prejuízo das regras adoptadas por acordo expresso dos elementos da equipa multiprofissional nos casos legalmente possíveis, de acordo com o disposto no nº 1 do artº 21º.

Por sua vez, dispõe o artº 27º, nº 1 que aos profissionais que integram a equipa multiprofissional da USF são garantidos os direitos decorrentes dos regimes jurídicos das respectivas carreiras, não podendo ser prejudicados em relação aos restantes profissionais detentores da mesma categoria e grau profissional.

A remuneração mensal dos médicos das USF integra uma remuneração base, acrescida de suplementos e compensações pelo desempenho e, a remuneração base corresponde à remuneração da respectiva categoria e escalão, em regime de trabalho de dedicação exclusiva e horário de trinta e cinco horas semanais, relativa à responsabilidade pela prestação de cuidados de saúde aos utentes da respectiva lista, com a dimensão mínima prevista no nº 3 do artigo 9º do presente DL, conforme decorre do disposto nos nºs 1 e 2 do art.º 28º.


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Dito isto, vejamos os fundamentos a favor da tese defendida pelo autor, que estiveram na base da decisão proferida no TAF de Penafiel, que julgou procedente a acção, mas que não foram tidos em consideração pelo TCAN que em defesa de uma outra interpretação consignou o seguinte:

«(…) O DL nº 298/2007, de 22/08 – apesar de já publicado o regime da carreira especial médica previsto no Decreto-Lei n.º 177/2009, de 04/08/2009 (veja-se os artºs. 17º e 36º, a), deste diploma; o Decreto Regulamentar nº 51-A/2012, de 31/12, veio depois regular o art.º 17º; no seu art.º 22º previu-se que os trabalhadores integrados na carreira médica em exercício efectivo de funções nas unidades de saúde familiar seriam agrupados autonomamente, para efeitos remuneratórios, em tabela própria, nos termos a prever em decreto regulamentar) -, não divergiu do que constituía o índice referencial de fixação de remunerações previsto no art.º 11º, nº 1, do Regime Legal das Carreiras Médicas constante do DL nº 73/90, de 6/03, que determinava a fixação com base no regime de dedicação exclusiva e no horário de trabalho de 35 horas semanais.

Onde, então, encontrar resposta que nos diga se o autor/recorrido se encontra, ou, não, sujeito à exclusividade?

A decisão recorrida seguiu o seguinte raciocínio :

«(…) o exercício de funções em USF não determina perda de direitos decorrentes do regime aplicável à sua carreira, mas também estabeleceu uma cláusula de salvaguarda ao prescrever que os profissionais que integram a equipa multiprofissional da USF não podem ser prejudicados em relação aos restantes profissionais detentores da mesma categoria e grau profissional.

Assim, se os médicos integrados nas USF têm uma carga horária de 35 horas semanais, não estão sujeitos ao regime de trabalho de dedicação exclusiva (ou seja, este regime não é imposto pelo D.L. n.º 298/2007), mas auferem enquanto tal, pois a sua remuneração corresponde à respectiva categoria e escalão, em regime de trabalho de dedicação exclusiva e horário de trinta e cinco horas semanais. Por conseguinte, o Autor que aufere tal remuneração em regime de dedicação exclusiva por força do art.º 28.º, n.º 2 do referido diploma, como todos os outros, não pode ser prejudicado relativamente aos demais colegas que também auferem tal remuneração em regime de dedicação exclusiva, mas que não estão sujeitos às correspondentes incompatibilidades, pois por força do art.º 27.º, n.º 1 os médicos não podem ser prejudicados em relação aos restantes profissionais detentores da mesma categoria e grau profissional (…)».

Verdade que o DL nº 298/2007, de 22/08, não impõe o regime de dedicação exclusiva.

Mas não se pode acompanhar geral afirmação de que os médicos integrados nas USF têm uma carga horária de 35 horas semanais, não estando autor/recorrido sujeito ao regime de trabalho de dedicação exclusiva por tal violar igualdade.

Como determina o DL nº 298/2007, de 22/08, no seu art.º 21.º «1 - O regime de prestação de trabalho é o previsto no regime jurídico das respectivas carreiras profissionais, no regime jurídico do contrato individual de trabalho e no presente decreto-lei, sem prejuízo das regras adoptadas por acordo expresso dos elementos da equipa multiprofissional nos casos legalmente possíveis. 2 — É aplicável aos elementos que integrem a USF o previsto sobre incompatibilidades no Estatuto do Serviço Nacional de Saúde.».

E particularmente acautelado para os profissionais de USF de modelo B, o mesmo diploma prevê no seu art.º 27º, nº 1, que «Aos profissionais que integram a equipa multiprofissional da USF são garantidos os direitos decorrentes dos regimes jurídicos das respectivas carreiras, não podendo ser prejudicados em relação aos restantes profissionais detentores da mesma categoria e grau profissional».

Acautela-se, pois, a condição estatutária, sendo prestado trabalho nas USF’s com atenção ao regime jurídico das respectivas carreiras.

A desigualdade entre profissionais só poderá afirmar-se por comparativo de mesma condição estatutária.

Conforme decorre da matéria assente, ”O Autor é médico especialista, integrado na carreira especial médica, com a categoria de assistente graduado sénior de medicina geral e familiar, exercendo funções de coordenação na USF de ……., integrado no Agrupamento de Centros de Saúde Tâmega II-Vale do Sousa Sul, desde 2008” (o processo administrativo vem, aliás, instruído com registo de presenças na USF ……. desde Junho de 2008) e “Antes de integrar a USF ……, o Autor encontrava-se em regime de contrato de trabalho em funções públicas, prestando trabalho em regime de 42 horas em dedicação exclusiva.”

Foi, aliás, a prestação de trabalho na USF segundo esse regime que o próprio autor/recorrido convocou em requerimentos constantes do processo administrativo, sucessivamente solicitando redução de uma hora de carga semanal com o fito de conseguir redução até às 35 horas semanais.

Em relação a outros profissionais, o regime de prestação de trabalho pode até ser diferenciado, sabendo-se que o Estatuto de Carreira comporta situações diferenciadas, mais a mais até proporcionadas por alterações e sucessão de regimes.

Não podendo aqui ser efectuado apodíctico juízo apenas por factor de nivelação de uma mesma carga horária e observação de que o regime de exclusividade não é atributo imputável à condição de outros.

Falha qualquer julgamento assente na (des)igualdade.

Nas USF´s podem coexistir médicos ainda sob estatuto de regime de exclusividade (não tendo optado por novo regime – cfr. art.º 36º do Decreto-Lei n.º 177/2009, de 04/08/2009; o DL nº 266-D/2012, de 31/12, veio entretanto determinar que “O pessoal médico da área de medicina geral e familiar, integrado em unidades de saúde familiar de modelo B, apenas pode requerer a transição para o regime de 40 horas semanais, quando deixar de estar integrado naquelas unidades.” – art.º 5º, nº 7), e outros que não.

Previa o regime legal das carreiras médicas do DL nº 73/90, de 6/03, no seu art.º 9º, nº 4 : «O regime de dedicação exclusiva é incompatível com o desempenho de qualquer actividade profissional pública ou privada, incluindo o exercício de profissão liberal, sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei n.º 312/84, de 26 de Setembro, ou o desempenho de funções docentes em escolas dependentes ou sob tutela do Ministério da Saúde, mediante autorização, nos termos da lei.»

O regime assim gizado tinha reflexo em várias distinções de estatuto, muito particular e significativamente (naquilo que agora é mais pertinente evidenciar), em termos remuneratórios (cfr. art.º 11º do DL nº 73/90, de 6/03; acrescendo, no caso do autor, à remuneração base, acréscimo de 25% - DL nº 19/99 de 27/01).

O DL nº 298/2007 de 22/08, por força do já supra transcrito art.º 28º, nº 2, nivelou a remuneração base em igual correspondência, com “atractivo” de acréscimo de suplementos e compensações pelo desempenho.

Ainda que seja um regime remuneratório próprio que daqui resulta, não se afigura que, pela equivalência de nivelamento que quis efectuar e na pertinência da razão de ser do regime de exclusividade e do que sinalagmaticamente se lhe quis corresponder em termos remuneratórios, este fique afectado na integração do autor/recorrido numa USF.

O paralelo de equivalência conjuga-se com a salvaguarda da condição estatutária, de modo que se pode dizer que esta é por vocação totalmente preservada, sem embargo do que particularmente o regime das USF´s dita de diferenciado.

Possa no comparativo com outros médicos observar-se que eles não estão sujeitos a dedicação exclusiva, essa poderá ser diferença ditada por diferente situação de estatuto, mas não renega aquele que o autor tem.

A censura feita na decisão recorrida não cabe».


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E é contra o assim decidido que o recorrente se insurge.

Vejamos, então, se os médicos provenientes do regime de trabalho de 42 horas semanais em dedicação exclusiva, posteriormente integrados em Unidades de Saúde Familiares (USF) de modelo B, estão ou não sujeitos àquela dedicação exclusiva enquanto as integrarem, impondo-se para tanto analisar a conjugação do regime jurídico da relação de trabalho e a sua remuneração nas USF (artºs 27º e 28º do DL nº 289/2007) e, o regime jurídico da carreira especial médica no que respeita ao regime de trabalho dos médicos na modalidade de dedicação exclusiva (artº 9º do DL nº 73/90 de 06/03, artº 32º do DL nº 177/2009 de 04/08 e artº 5º do DL nº 266-D/2012 de 31/12).

Como supra se referiu, o autor, antes de integrar a USF ……., encontrava-se em regime de contrato de trabalho em funções públicas e em regime de 42 horas em dedicação exclusiva [sendo que o exercício da actividade privada é permitida, mas sem prejuízo das normas que regulam o regime de trabalho de dedicação exclusiva].

Em sede de regime de carreiras, suplementos e incentivos, dispunham os artºs 27º e segs do DL nº 298/2007 (à data em vigor), de onde resulta a forma de apuramento da remuneração e suplementos adicionais em resultado do desempenho, prevendo-se no nº 2 do artº 28º que a “remuneração base corresponde à remuneração da respectiva categoria e escalão, em regime de trabalho de dedicação exclusiva e horário de trinta e cinco horas semanais, relativa à responsabilidade pela prestação de cuidados de saúde aos utentes da respectiva lista, com a dimensão mínima prevista no nº 3 do artº 9 do presente decreto lei».

Mas relativamente à remuneração, não se pode falar em divergências, no que respeita ao previsto no DL nº 298/2007 comparativamente com o previsto no DL nº 73/90 de 06/03 [Regime Legal das Carreiras Médicas], pois também aqui, o índice referencial de fixação de remunerações [artº 11º, nº 1] determinava a fixação com base no regime de dedicação exclusiva e no horário de 35 horas semanais.

Por outro lado, resulta do DL 298/2007 que o «regime de prestação de trabalho é o previsto no regime jurídico das respectivas carreiras profissionais, no regime jurídico do contrato individual de trabalho e no presente decreto-lei, sem prejuízo das regras adoptadas por acordo expresso dos elementos da equipa multiprofissional nos casos legalmente possíveis (nº 1) e que é aplicável aos elementos que integrem a USF o previsto sobre incompatibilidades no Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (nº 2).

E especificamente, para os profissionais da USF de modelo B, o nº 1 do artº 27º prevê expressamente que «Aos profissionais que integrem a equipa multiprofissional da USF são garantidos os direitos decorrentes dos regimes jurídicos das respectivas carreiras, não podendo ser prejudicados em relação aos restantes profissionais detentores da mesma carreira e grau profissional».

Resulta do exposto, que o legislador teve uma especial atenção à condição estatuária aos profissionais que prestam serviço nas USF, em especial, ao regime jurídico das suas carreiras.

E como referido na decisão recorrida, a desigualdade entre profissionais só poderá afirmar-se por comparativo de uma mesma condição estatutária, o que cremos não se verificar, pois estamos perante condições estatutárias diversas.

Na verdade, o autor, médico especialista integrado na carreira especial médica com a categoria de assistente graduado sénior de medicina geral e familiar, antes de integrar a USF ……. já se encontrava em regime de contrato de trabalho em funções públicas, prestando-as em regime de 42 horas em regime de dedicação exclusiva, não havendo aqui qualquer desigualdade estatutária, em termos de regime de prestação de trabalho.

Isto porque, os trabalhadores que integram uma USF, seja de modelo A ou B mantêm os regimes de trabalho, não obstante estarem igualmente sujeitos às regras definidas no DL nº 298/2007 – cfr. nº 1 do artº 21º - que podem influir no regime de trabalho detido e, ainda estarem sujeitos às regras adoptadas de comum acordo pela equipa nos casos legalmente possíveis.

E como o autor detinha o regime de dedicação exclusiva, não se retira nem do nº 1 do artº 27º, nem do nº 2 do artº 28º do DL 298/2007, a conclusão de que este regime de dedicação exclusiva seja afastado a partir do início de funcionamento de uma USF de modelo B.

De facto, da leitura do nº 1 do artº 27º, apenas se pode extrair a ideia que a preocupação do legislador foi unicamente a de garantir que os trabalhadores que exercem funções numa USF de modelo B, não são prejudicados em relação aos trabalhadores que não exercem funções numa UBF de modelo B e, o objectivo do nº 2 do artº 28º é tão somente estipular a remuneração base para os médicos que exercem funções numa USF de modelo B.

Cremos, pois, que a intenção legislativa foi no sentido de manter o regime de trabalho que os trabalhadores traziam quando ingressaram na USF, modelo B, pese embora, a existência de especificidades próprias previstas no citado artº 21º, pelo que, no caso dos médicos da carreira especial médica, independentemente do regime de trabalho detido, ou seja, tempo completo de 35 horas, tempo completo de 40 horas ou dedicação exclusiva de 42, a remuneração e a carga horária em USF de modelo B obedecem a regras próprias.

É por isso, nosso entendimento que decorre do disposto no artº 21º do DL 298/2007 de forma inequívoca que os regimes de trabalho são mantidos; daí que o autor mantenha o regime de dedicação exclusiva com todas as incompatibilidades legalmente previstas.

E pese embora, actualmente, por força do DL nº 177/2009 de 04/08 o regime de trabalho previsto para a carreira especial médica ser o regime de tempo completo de 40 horas, o legislador salvaguardou as situações em que os médicos detinham o regime de trabalho de tempo completo, que anteriormente, eram de 35 horas, e o regime de dedicação exclusiva previstos no artº 9º do DL nº 73/90 de 06/03 [revogado pelo DL 177/2009] - cfr. nºs 1 e 2 do artº 5º do DL nº 266-D/2012 de 31/12.

E, naturalmente, de entre os aspectos mantidos em vigor pelo legislador, foi o regime de incompatibilidades (cfr. al.d) do nº 2 do artº 5º), nomeadamente o disposto no nº 4, do artº 9º do DL nº 73/90 de 06/03, pelo que encontrando-se o autor em regime de dedicação exclusiva, não pode exercer qualquer actividade profissional pública ou privada, em acumulação, excepto se essa actividade se inserir numa das excepções previstas no próprio nº 4 ou nº 7, o que não é o caso.

Deste modo, face ao exposto, cremos inexistirem dúvidas que a deliberação impugnada não padece das ilegalidades apontadas pelo autor, sendo por isso de manter o decidido no acórdão recorrido.

DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 16 de Março de 2017. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – António Bento São Pedro – Carlos Luís Medeiros de Carvalho.