Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0472/12
Data do Acordão:09/19/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:LITISPENDÊNCIA
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
CONVOLAÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário:I - A litispendência, como o caso julgado, pressupõe a repetição de uma causa, tendo por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (cfr. artigo 497.º do Código de Processo Civil - CPC).
II - Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (artigo 498.º, n.º 1 e 2 do CPC)
III - Embora os pedidos formulados na oposição e na impugnação sejam os mesmos e a causa de pedir seja idêntica, o sujeito não intervém nas duas acções na mesma qualidade jurídica - pois que o faz na qualidade de oponente na oposição e na de impugnante na impugnação – não se verificando, pois, repetição da causa, e consequentemente excepção de litispendência.
IV - Se o impugnante, através da impugnação, procurou ver reconhecida a nulidade da citação, a da certidão de dívida e a inexigibilidade da dívida exequenda em razão da declaração de insolvência, nenhuma ilegalidade imputando ao acto de liquidação, verifica-se erro na forma do processo, que, in casu, é insusceptível de convolação por intempestividade da impugnação para ser convolada em requerimento de arguição de nulidade da citação e por pendência de oposição com idênticos pedidos e causa de pedir.
V - Consequentemente, por erro na forma de processo insusceptível de convolação, deve a petição de impugnação ser liminarmente indeferida.
Nº Convencional:JSTA00067778
Nº do Documento:SA2201209190472
Data de Entrada:05/03/2012
Recorrente:MASSA INSOLVENTE DE A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:DESPACHO TAF VISEU
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CPC96 ART497 ART498 N1 N2 ART234-A N1 ART279
CPPTRIB99 ART99 ART124 N1 ART98 N4 ART2 C
LGT98 ART97 N3
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório-
1 – MASSA INSOLVENTE DE A…… e MULHER, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal do despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 24 de Novembro de 2011, que julgou extinta a instância de impugnação por verificação de excepção dilatória de litispendência entre a impugnação deduzida, e proposta em segundo lugar, e a oposição n.º 177110B, que corre termos no mesmo Tribunal.
A recorrente conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1. A oposição e a impugnação judiciais estão previstas nos Arts. 204.º e 99.º, respectivamente, do CPPT e prevêem duas formas de processo distintas para diferentes fundamentos jurídicos, sendo certo que, quer a doutrina, quer a jurisprudência, debatem pontos de “contacto” entre estes dois institutos jurídicos e debatem, ainda, quanto ao enquadramento e interpretação de iguais situações concretas em um ou outros desses regimes processuais tributários – não sendo, muitas vezes, tarefa fácil a sua subsunção a cada uma dessas figuras processuais.
2. A solução para o “iter processual” surpreendido pela douta sentença recorrida deveria ter sido, não a litispendência, mas sim decidir, face aos dois diferentes regimes legais (impugnação e oposição), sobre quais dos argumentos alegados pela impugnante, na p.i. destes autos, caberiam no regime legal da impugnação judicial, tal como prevista no Art. 99.º e segts do CPPT, e quais desses aí alegados, em sede de p.i. de impugnação, caberiam no regime da oposição.
3. A douta decisão recorrida, na prática, obtém o resultado juridicamente “perigoso” de impedir a recorrente de discutir em sede de impugnação os fundamentos destes autos que aqui deveriam ser discutidos – pois a oposição em causa sofrerá idêntica subsunção jurídica e aquela matéria que aí for julgada como cabendo no regime da impugnação escapará, definitivamente, ao controlo do Tribunal pois, face a esta sentença, não poderá ser reapreciada (aqui ou noutro processo, pois os prazos estabelecidos no CPPT a tal não permitirão).
4. Subsidiariamente, apenas, e em dever de patrocínio, admite a recorrente a aplicação do regime previsto no Art. 279.º nº 1 do CP Civil; através da suspensão destes autos de impugnação até à decisão daquela referida oposição – o que, nesta medida, requerem expressamente seja aplicado ao caso dos autos.
5. Esta solução teria ainda a virtude de permitir à predita oposição decidir sobre quais questões aí iriam ser debatidas ou decididas debater para, posteriormente, efectuar essa avaliação nesta impugnação judicial e não coarctaria à impugnante o direito de debater judicialmente as matérias que depositou em cada uma das suas peças (impugnação e oposição).
TERMOS EM QUE; Revogando-se a douta decisão recorrida e dando-se provimento ao presente recurso, nos termos das preditas conclusões, ou de outras com que, V. Exas., Venerandos Juízes Conselheiros, se dignarão suprir; Se Fará Justiça!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: decisão de extinção da instância de impugnação judicial deduzida em processo de execução fiscal
FUNDAMENTAÇÃO
1. A impugnação judicial é o meio processual adequado à apreciação das ilegalidades que afectem a existência e validade do acto tributário, na medida em que visa a declaração da sua inexistência, nulidade ou anulação (arts. 99º e 124º nº 1 CPPT)
No caso concreto a recorrente invocou como fundamentos da impugnação judicial:
a) a nulidade da citação;
b) a inexigibilidade da dívida exequenda
A nulidade da citação, por inobservância das formalidades prescritas na lei, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, devendo ser arguida no prazo da oposição perante o órgão da execução fiscal, sendo a eventual decisão desfavorável passível de reclamação para o tribunal tributário (art. 198.º nºs 1/2 CPC; art. 276º CPPT; acórdãos STA Pleno SCT 28.02.2007 processo nº 803/04, 19.11.2008 processo nº 430/08; 17.12.2008 processo nº 364/98; 6.05.2009 processo nº 632/08; 24.02.2010 processo nº 923/08; Jorge Lopes de Sousa CPPT anotado e comentado 5ª edição Volume II p. 270).
A inexigibilidade da dívida exequenda constitui fundamento de oposição à execução fiscal (artigo 204º nº 1 al. i) CPPT)
2. Ocorrendo erro na forma de processo deve ordenar-se a convolação para a forma de processo legalmente adequada (art. 97.º nº 3 LGT;art. 98.º nº 4 CPPT)
A convolação operacionaliza o princípio da tutela jurisdicional efectiva, com expressão na correspondência entre direito e acção adequada (art. 2º, nº 2 CPC) e justifica-se por razões de economia processual.
No caso em análise a convolação para o meio processual adequado está prejudicada por:
a) Decurso do prazo para arguição da nulidade da citação efectuada em 4.02.2011 (doc. fls. 40) na data da apresentação da petição inicial de impugnação judicial em 04.04.2011 (art. 203.º al. a) CPPT)
b) Dedução de oposição onde foram invocados fundamentos idênticos aos enunciados na impugnação judicial
Não se verifica litispendência entre uma impugnação judicial e uma oposição à execução (não obstante a identidade de fundamentos invocados e dos pedidos formulados) por inexistência de identidade de sujeitos, na medida em que o autor não intervém nas causas em confronto com idêntica qualidade jurídica, de onde advenham idênticos poderes de intervenção processual, sendo impugnante na impugnação judicial e oponente na oposição à execução (art. 498.º nºs 1 e 2 CPC)
A excepção dilatória de litispendência verificada na decisão recorrida deveria conduzir à absolvição da Fazenda Pública da instância e não à extinção da instância (arts. 288.º nº 1 al. e), 493.º n.º 2 e 494º al. i) CPC)
A solução processualmente correcta será o indeferimento liminar da petição de impugnação judicial, por manifesta improcedência do pedido (art. 234.º-A nº 1 CPC/art. 2º al. e) CPPT)
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A decisão impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão declaratório do indeferimento liminar da petição de impugnação judicial

4 – Notificadas as partes do parecer do Ministério Público (fls. 97 a 99 dos autos), nada vieram dizer.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
5 – Questão a decidir
É a de saber se, como decidido, se verifica litispendência entre a impugnação deduzida e a oposição à execução fiscal pendente no mesmo tribunal.

6 – Apreciando.
6.1. Da litispendência
É do seguinte teor o despacho recorrido (a fls. 70 dos autos):
«Veio MASSA INSOLVENTE DE A…… e B……, representada pela Exm.ª Administradora de insolvência, deduzir impugnação judicial à execução fiscal nº 2704200901001523.
Analisando conjuntamente os presentes autos e a Oposição nº 177110B facilmente se verifica que São idênticos “ipsis verbis” variando tão só onde se diz impugnante na oposição diz-se oponente, e no cabeçalho da petição inicial em vez de se dizer que se deduz oposição, na oposição diz-se que se deduz impugnação e indicam-se também diferentes formas de enquadramento da forma processual. No demais, o articulado, pedidos, etc. é idêntico.
Verifica-se, indubitavelmente, uma situação de litispendência, sendo que estes autos foram propostos em segundo lugar. Na verdade facilmente se reconhecem os requisitos previstos no artigo 498º do Código de processo Civil ex vi artigo 2º al. e) do Código de Procedimento e de Processo tributário.
Assim, sem mais considerandos, verificada a referida excepção dilatória da litispendência nos termos dos artigos 498º, 495º, 494 al. i) e 493º, nº2 do CPC ex vi norma e diploma supra aludidos, determina-se a extinção da instância.
Custas pela Impugnante sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.» (fim de citação)
Discorda do decidido a recorrente, alegando que a solução para o “iter processual” surpreendido pela douta sentença recorrida deveria ter sido, não a litispendência, mas sim decidir, face aos dois diferentes regimes legais (impugnação e oposição), sobre quais dos argumentos alegados pela impugnante, na p.i. destes autos, caberiam no regime legal da impugnação judicial, tal como prevista no Art. 99.º e segts do CPPT, e quais desses aí alegados, em sede de p.i. de impugnação, caberiam no regime da oposição (cfr. conclusão 2. das suas alegações de recurso), alegando subsidiariamente (cfr. conclusões 4. e 5.) admitir e requerer a aplicação do regime previsto no Art. 279.º nº 1 do CP Civil; através da suspensão destes autos de impugnação até à decisão daquela referida oposição, solução essa que teria ainda a virtude de permitir à predita oposição decidir sobre quais questões aí iriam ser debatidas ou decididas debater para, posteriormente, efectuar essa avaliação nesta impugnação judicial e não coarctaria à impugnante o direito de debater judicialmente as matérias que depositou em cada uma das suas peças (impugnação e oposição).
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal, no seu parecer junto aos autos e supra transcrito, defende que não se verifica litispendência entre uma impugnação judicial e uma oposição à execução (não obstante a identidade de fundamentos invocados e dos pedidos formulados) por inexistência de identidade de sujeitos, na medida em que o autor não intervém nas causas em confronto com idêntica qualidade jurídica, de onde advenham idênticos poderes de intervenção processual, sendo impugnante na impugnação judicial e oponente na oposição à execução (art. 498.º nºs 1 e 2 CPC), mas, dado que os fundamentos invocados não são fundamentos de impugnação e não é possível convolar a impugnação deduzida em requerimento de arguição de nulidade da citação (por intempestividade), a solução processualmente correcta será o indeferimento liminar da petição de impugnação judicial, por manifesta improcedência do pedido (art. 234.º-A nº 1 CPC/art. 2º al. e) CPPT).
Vejamos.
O despacho recorrido considerou que “verifica-se, indubitavelmente, uma situação de litispendência” entre a oposição deduzida e a impugnação que está na origem dos presentes autos, pois que “facilmente se reconhecem os requisitos previstos no artigo 498º do Código de Processo Civil (…)”.
Ora, como é sabido, a litispendência, como o caso julgado, pressupõe a repetição de uma causa, tendo por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (cfr. o artigo 497.º do Código de Processo Civil - CPC).
Dispõe o n.º 1 do artigo 498.º do CPC que: «Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir» e o n.º 2 do mesmo artigo que: «Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica».
No caso dos autos, como bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal, embora os pedidos formulados numa e noutra acção sejam os mesmos e a causa de pedir seja idêntica, o sujeito não intervém nas duas acções na mesma qualidade jurídica - pois que o faz na qualidade de oponente na oposição e na de impugnante na impugnação – não se verificando, pois, repetição da causa.
É que, numa situação como a dos autos, não ocorre risco de contradição ou repetição de decisões, pois que o efeito jurídico que é possível obter através da oposição à execução – a respectiva extinção em relação ao oponente – e o visado pela dedução de impugnação judicial – a anulação do acto tributário impugnado – são inconfundíveis, tendo, aliás, por objecto, actos diversos.
Não se verifica, pois, a excepção de litispendência, não se podendo manter o despacho recorrido, que assim o julgou e determinou, erroneamente, a extinção da instância de impugnação.

É certo que, no caso dos autos, através da impugnação (e também da oposição, ao que parece) visou o impugnante, em concreto, ver reconhecida a nulidade da citação efectuada no processo de execução fiscal, da certidão de dívida que está na origem dos autos bem como a inexigibilidade da dívida, em razão da declaração de insolvência (cfr. a petição inicial de impugnação a fls. 12 a 19 dos autos), nenhuma ilegalidade imputando ao acto de liquidação, como é próprio e específico deste meio processual (cfr. os artigos 99.º e 124.º n.º 1 do CPPT).
Verifica-se, pois, erro na forma do processo, que, in casu, é insusceptível de convolação – que deve ser determinada sempre que possível – cfr. os artigos 97.º n.º 3 da Lei Geral Tributária e 98.º, n.º 4 do CPPT) -, pelas razões bem expostas no parecer do Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal, ou seja, por intempestividade da impugnação para ser convolada em requerimento de arguição de nulidade da citação e por pendência de oposição com idênticos pedidos e causa de pedir.

O erro na forma de processo insusceptível de convolação traduz-se em nulidade insanável, determinante do indeferimento liminar da petição de impugnação por ocorrer a excepção dilatória insuprível (artigo 234.º-A n.º 1 2.ª parte do CPC, aplicável ex vi do disposto na alínea c) do artigo 2.º do CPPT).

Não há, pois, que determinar, como requerido subsidiariamente, a suspensão da impugnação até à decisão da oposição (ex vi do disposto no artigo 279.º do CPC), pois que não há prejudicialidade entre as causas nem ocorre motivo justificado.

Assim, pelo exposto, há-de concluir-se que, embora não possa manter-se o despacho recorrido, há que indeferir liminarmente a petição de impugnação por ocorrer a excepção dilatória insuprível de erro na forma de processo face à insusceptibilidade de convolação.
- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em revogar o despacho recorrido, pois que não se verifica a excepção dilatória de litispendência, indeferindo liminarmente a petição de impugnação por ocorrer a excepção dilatória insuprível de erro na forma de processo insusceptível de convolação.

Custas pela recorrente, apenas em 1.ª instância e sem prejuízo do concedido apoio judiciário.

Lisboa, 19 de Setembro de 2012. - Isabel Marques da Silva (relatora) – Lino Ribeiro – Dulce Neto.