Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02673/15.0BELRS
Data do Acordão:12/16/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:RECURSO
CONTRA-ORDENAÇÃO
NULIDADE INSUPRÍVEL
RGIT
Sumário:Ocorre nulidade insuprível se houve falta de notificação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima exigida pelo art.° 63, n° 1, al. d), do RGIT, nulidade que é de conhecimento oficioso e importa a anulação dos termos subsequentes do processo (cfr. n°.s 3 e 5 do art.° 63º do RGIT).
Nº Convencional:JSTA000P28736
Nº do Documento:SA22021121602673/15
Data de Entrada:02/24/2021
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

Vêm interpostos recursos jurisdicionais por A……………….. Lda., com os demais sinais nos autos, e a Representante da Fazenda Pública, visando a revogação da sentença de 10-10-2018, do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação intentada da aplicação de coima, por falta de entrega da prestação tributária de IVA dentro do prazo, no montante de € 7 668,41, e determinou a nulidade da notificação da decisão de aplicação da coima, mantendo-se a decisão que determinou a aplicação da coima e determinando a remessa dos autos à Autoridade Administrativa competente, para que seja repetida a notificação.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente A…………………. Lda., as seguintes conclusões:

1ª O âmbito do Recurso incide sobre o seguinte momento do sentenciamento no Tribunal “a quo” – manutenção da decisão que determinou a aplicação da coima pela autoridade administrativa competente
2ª No Tribunal “a quo”, com o que não se concorda, foi entendido na situação “sub judice”, porque houve notificação eletrónica da decisão da aplicação da coima que, este concreto momento “de per si” – notificação – é autonomizável do restante conteúdo dessa mesma notificação.
3ª A notificação realizada como sentenciado (e nesta parte com procedência do Recurso) padece da nulidade por violação da ali. c) do nº. 1 do art. 79º do R.G.I.T., bem como do estatuído na ali. d) do nº. 1 do art. 63º do mesmo R.G.I.T., porquanto não transmitiu (omitiu) para a sociedade recorrente “os elementos que contribuíram para a fixação da coima”.
4ª Por efeito da violação da ali. c) do nº. 1 do art. 79º, da ali. c) do nº. 2 do art. 57º e ainda do art. 27º todos do R.G.I.T., o efeito não pode deixar de ser o da nulidade “in totum” e insuprível de toda a sentença conforme ao ali estatuído na ali. d) do nº. 1 do art. 63º do mesmo R.G.I.T..
5ª A violação dos normativos aludidos na Conclusão anterior é tanto mais grave, tendo-se presente o montante elevado da coima cifrada no “quantum” de 7.668,41€, o que impediu a sociedade de exercer o seu pleno e inalienável contraditório, do qual nunca abdicará.
6ª Com unanimidade sentenciadora, o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa vem, em redor desta sociedade, exatamente na mesma cédula fiscal, perante os mesmos factos, coincidentes normas violadas e punitivas, a decidir pela anulação do processo de contra-ordenação, com a nulidade in totum do mesmo, logo em sentido bem diverso do aqui sob censura, o qual nomeadamente está em violação do princípio ínsito no nº. 3 do art. 8º do Cód. Civil: interpretação e aplicação uniforme do Direito.
7ª Sentenciada a nulidade, TODO o processo de contra-ordenação deixa de existir (extingue-se) devendo o Serviço de Finanças (entidade administrativa) reiniciar um novo processo com a inicial notificação do art. 70º e seguintes do R.G.I.T..
8ª A sentença lavrada (que reconhece a nulidade da decisão administrativa por violação da aludida ali. d) do nº. 1 do art. 63º do R.G.I.T.) a manter-se, violaria o disposto nos nºs. 1, 3, 4 e 5 do art. 268º (Direitos e Garantias dos Administrados) e os nºs. 1, 5 e 7 do art. 32º (Garantias do Processo Criminal) ambos da Constituição da República Portuguesa.
IV – Do Pedido
Patente o direito aplicável, requer-se que “in fine”, seja lavrado Acórdão que revogue a sentença proferida, em face das normas que a mesma viola e por esse efeito seja esta substituída por outra que anule na totalidade o processo de contra-ordenação sob Recurso, ficando sem efeito e aplicação a coima fixada.
Sendo que, como sempre, V. Exas. manterão a feitura de Justiça.

Também inconformada, a recorrente Representante da Fazenda Pública apresentou alegações, que concluiu nos seguintes termos:

A. Não obstante o considerado pelo Tribunal encontra-se junta aos autos, a fls. 7 a 8, a decisão de aplicação de coima, que contém todos os requisitos previsto do art. 79º do RGIT, nomeadamente a indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação da coima.
B. Conforme se afere da leitura da Decisão de Aplicação de Coima, para a determinação da medida da coima, foram tidos em consideração na fixação da coima diversos elementos relevantes.
C. De facto, para tal fixação foi tida em conta a frequência da prática de infracções do mesmo tipo cometidas pela arguida, a culpa a título de negligência (simples), a situação económica e financeira e o tempo decorrido desde a prática da infracção,
D. requisitos que, considerados em conjunto, relevaram, necessariamente, para fixar a medida da coima.
E. Pelo que, ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo, na sentença recorrida, o disposto no art. 79º do RGIT.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA

Não houve contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de não se dever tomar conhecimento do recurso interposto pela Fazenda Pública e de dever ser negado provimento ao recurso interposto pela arguida, no seguinte parecer:

INTRODUÇÃO
A Fazenda Pública e A…………………., Lda. vêm interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 9 de Outubro de 2018 que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela arguida A………., da decisão do Chefe de Finanças de Lisboa 5, proferida no âmbito do âmbito do processo n.º 32632015060000227481 que a condenou no pagamento de uma coima no valor de € 7.668,41, pela falta de entrega de prestação tributária de IVA dentro do prazo, conduta prevista e punida pelos artigos 27º.nº 1 e 41º, nº 1, alínea a), do CIVA e 114º, nº 2 e 5, alínea a) e 26º, nº 4, ambos do RGIT (cf. fls. 65 a 80 do SITAF).
Como melhor se alcança da análise da motivação sub judice, a Recorrente Fazenda Pública invocando, erro de julgamento da matéria de direito, pretende com o presente recurso jurisdicional a revogação por este tribunal ad quem da, aliás, douta sentença proferida pelo tribunal a quo no segmento em que decaiu
Por, no seu entendimento a decisão de aplicação de coima conter todos os requisitos previsto do artigo 79º do RGIT, nomeadamente a indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação.
Por sua vez a Recorrente A…………….., Lda. insurge-se contra a sentença recorrida por, no seu entendimento, o efeito da violação da alínea. c) do nº. 1 do artigo 79º, da alínea c) do nº. 2 do artigo 57º e ainda do artigo 27º todos do R.G.I.T.
Consubstanciado na falta de notificação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, não pode deixar de ser o da nulidade “in totum” e insuprível de toda a sentença conforme ao ali estatuído na alínea d) do nº. 1 do artigo 63º do mesmo R.G.I.T.
Ora resulta expressamente da lei e é univocamente reconhecido pela jurisprudência que o âmbito do presente recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria nelas não inserida, ressalvados os casos do seu conhecimento oficioso, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 412, nº.1, do C.P.P, aplicável “ex vi” dos artigos 3º, alínea b), do R.G.I.T., e 74, nº.4, do R.G.C.O.).
Cumpre-nos, pois, emitir parecer
RECURSO DA FAZENDA PÚBLICA
Alega a ora Recorrente que para a fixação da coima foi tida em conta a frequência da prática de infracções do mesmo tipo pela arguida, a culpa a título de negligência (simples), a situação económica e financeira e o tempo decorrido desde a prática da infracção,
Requisitos que, considerados em conjunto, relevaram, necessariamente para tal fixação.
Ora, da douta sentença recorrida, consta o seguinte:
“Visto o enquadramento legal, importa, assim, apreciar e decidir se ocorreu a violação do artigo 79.º, n.º 1, no que respeita à decisão que determinou a aplicação da coima e à notificação daquela decisão.
Comecemos por verificar se a decisão contém todos os requisitos previstos no artigo referido, analisando depois da regularidade da notificação.
Constata-se que a decisão em causa identifica o infractor, descreve sumariamente os factos, contendo as normas violadas e punitivas, a coima, a indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação (Benefício económico, frequência da prática, negligência, situação económica e financeira e tempo decorrido desde a prática da infracção),
a indicação de que vigora o princípio da proibição da “reformatio in pejus” e a condenação em custas (cfr. Alíneas J) a M) do probatório) assim se concluindo que a decisão administrativa cumpre o disposto no n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, improcedendo o alegado quanto à nulidade da mesma,…” (sublinhado nosso).
Assim sendo, facilmente se constata que, nesta parte (nulidade da decisão que aplicou a coima por falta de elementos que contribuíram para a sua fixação), o recurso foi julgado improcedente,
Sendo julgado procedente no que concerne à falta de requisitos legais da notificação da decisão de aplicação da coima,
Consequentemente, a Fazenda Pública, ora Recorrente, obteve ganho da causa uma vez que, como referimos, neste segmento o recurso de contraordenação foi julgado improcedente,
Sendo certo que, quanto ao outro segmento (falta de requisitos legais da notificação da decisão de aplicação da coima), o recurso foi julgado procedente, tendo-se a Fazenda Pública conformado com tal decisão.
Ora, a legitimidade para a interposição de recurso cabe a quem na decisão judicial fique vencido, considerando-se como tal a parte que não obteve plena satisfação dos seus interesses.
Como refere Jorge Lopes de Sousa, “A legitimidade para recorrer é um aspecto da legitimidade processual pelo que deve entender-se que fica vencido quem é prejudicado ou afectado pela decisão.
Normalmente, ter ficado vencido é a consequência de a decisão ser contrária à posição assumida no processo ou à pretensão formulada” (cf. CPPT, Anotado e Comentado, vol. IV, 6ª edição, 2011, págs.413 e 414).
E a sucumbência afere-se “pela parte decisória e não pelos fundamentos da decisão recorrida, pois que o que é relevante é o benefício ou prejuízo desta resultante e não as razões que o determinaram. Se a decisão, embora não acolhendo as razões alegadas pela parte, lhe foi favorável, esta não pode recorrer (cf. José João Baptista, Dos Recursos, página 27; sublinhado nosso).
Nesta conformidade, tendo a douta sentença recorrida concluído pela legalidade da decisão que determinou a fixação da coima foi, neste segmento, favorável à ora Recorrente, uma vez que o recurso foi julgado improcedente.
E sendo-lhe favorável, não ficou vencida, pelo que carece de legitimidade para recorrer.
Consequentemente, não se deve tomar conhecimento do recurso.
RECURSO DA ARGUIDA
Como referimos supra, a Recorrente A………………, Lda. insurge-se contra a sentença recorrida por, no seu entendimento, o efeito da violação da alínea. c) do nº. 1 do artigo 79º, da alínea c) do nº. 2 do artigo 57º e ainda do artigo 27º todos do R.G.I.T,
Consubstanciado na falta de notificação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima efeito não pode deixar de ser o da nulidade “in totum” e insuprível de toda a sentença conforme ao ali estatuído na alínea d) do nº. 1 do artigo 63º do mesmo R.G.I.T.
Ora, salvo o devido respeito, afigura-se-nos que carece de razão.
Na verdade, é pacífico que, por força de norma expressa (artigo 63.º, n.º 1, alínea d) do RGIT), a falta dos requisitos legais das notificações das decisões de aplicação de coimas constitui nulidade insuprível no processo de contra-ordenação tributário.
Logo, não poderá ser consultando o processo, seja virtual ou físico, que se suprirá tal irregularidade da notificação, mas antes repetindo o acto de notificação contendo os elementos omitidos no acto primeiramente afectado.
Concluímos, assim que a decisão de aplicação da coima se mantém, por conter os elementos exigíveis,
Sendo somente na notificação que faltam os elementos exigidos pelo n.º 2 do artigo 79.º RGIT.
Nos termos dos n.ºs 3 e 5 do citado artigo 63.º do RGIT, a nulidade referida no n.º 1 do mesmo preceito, que é de conhecimento oficioso e pode ser arguida até a decisão se tornar definitiva,
Tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que do acto inquinado dependam absolutamente, devendo, porém, aproveitar-se as peças processuais úteis ao apuramento dos factos.
Ora, a qualificação dessa nulidade como insuprível não significa que ela não possa posteriormente ser sanada, mas, além do que já ficou dito supra, que o decurso do tempo não tem esse efeito,
Pelo que a sanação respectiva só pode concretizar-se com a supressão da deficiência ou irregularidade, designadamente com a prática, de acordo com a lei, do acto omitido ou da irregularidade praticada.
Logo, será possível praticar novo acto de notificação, suprimindo a deficiência apontada.
Consequentemente, o recurso não merece provimento
CONCLUSÃO
Nestes termos, com os fundamentos expostos:
a)-Não se deve tomar conhecimento do recurso interposto pela Fazenda Pública;
b).Deve ser negado provimento ao recurso interposto pela arguida e, em consequência, manter-se integralmente a douta sentença recorrida.
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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A) Em 23/04/2015, a Recorrente submeteu a declaração periódica de IVA (substituição), referente ao período 2013/12, com imposto calculado no montante de € 69.546,88, resultando da entrega da declaração IVA a pagar ao Estado no montante de € 22.755,62 - cf. Documento n.º 2 junto com o requerimento inicial;
B) O IVA cujo prazo de pagamento terminava em 10/02/2014, foi pago em 27/04/2015 - cf. Documento n.º 2 junto aos autos;
C) Em 05/05/2015, foi instaurado contra a Recorrente o processo de redução de coima n.º 32632015160000030273, imputando-lhe a prática de infracção prevista nos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1 alínea a) do Código do IVA (Pagamento do imposto fora do prazo) e punida nos termos dos artigos 114.º, n.º 2, n.º 5 alínea a) e 26.º, n.º 4 do RGIT (Falta de entrega de prestação tributária dentro do prazo) - cf. Documento de fls. 24 dos autos;
D) Em 09/05/2015 foi enviado à Recorrente, por via electrónica - “Via CTT”, documento designado “ Notificação para pagamento de coima com redução”, no âmbito do processo 32632015160000030273, com valor a pagar no montante de € 1.137,78, efectuada nos termos do artigo 30.º, n.º 5 do RGIT para no prazo de 15 dias proceder ao pagamento da referida coima indicando-se os seguintes elementos:

[IMAGEM]

- cf. documento n.º 2;
E) Em 16/06/2015, a autoridade tributária e aduaneira (ATA) enviou comunicação electrónica à Recorrente, onde consta, nomeadamente o seguinte: “ Assunto: Via CTT – Confirmação de password alterada (…) A Password do Código de Utilizador e a Password permitem aceder à Caixa Postal Electrónica, registada com o número de identificação fiscal ……… (PT) e com o nome/denominação A………………… LDA, foi alterada por si ou por alguém com conhecimento dos dados de segurança da mesma.” - cf. Documento n.º 3 junto com a petição inicial;
F) Em 22/06/2015, a Recorrente efectuou o pagamento da coima referida na alínea D) - cf. Documento n.º 4 junto com o requerimento inicial;
G) Em 23/06/2015 foi levantado auto de notícia contra a Recorrente, imputando-lhe a prática de infracção prevista nos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1 alínea a) do Código do IVA (Pagamento do imposto fora do prazo) e punida nos termos dos artigos 114.º, n.º 2, n.º 5 a) e 26.º, n.º 4 do RGIT (Falta de entrega de prestação tributária dentro do prazo) relativa a 2013/12 - cf. Auto de Noticia, a fls. 2 dos autos;
H) Em 23/06/2015, com base em tal auto, foi instaurado o processo de contra-ordenação n.º 32632015060000227481 contra a Recorrente - cf. fls. 1 dos autos;
I) Em 23/06/2015, no âmbito do processo de contraordenação a que alude a alínea anterior, foi remetido à Recorrente documento designado “Notificação de defesa / Pagamento com redução art. 70.º RGIT” - cf. documento de fls. 4 e seguintes dos autos;
J) Em 01/08/2015, foi proferido despacho pelo Director da Direcção de Finanças de Lisboa- 5, que determinou a aplicação de coima à Recorrente, no montante de € 7.668,41 por infracção aos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1 alínea a) do Código do IVA (CIVA), punida pelos artigos 114.º, n.º 2, 5 a), e 26.º, n.º 4 do RGIT, - cf. fls. 7 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
K) Da referida decisão consta sob o título «Descrição Sumária dos factos»: «Ao arguido foi levantado auto de notícia pelos seguintes factos: 1- Montante de imposto exigível: 69.546,88; 2. Valor da Prestação Tributária entregue: 22.755,62. 3. Valor da prestação tributária em falta: 0,00; 4. Data do cumprimento da obrigação: 2015- 04-27; 5. Período a que respeita a infracção: 2013/12 6. Termo do prazo para cumprimento da obrigação:2014/02/10, os quais se dão como provados. Número da liquidação: L.2015.027011762358(…)» - cfr. fls. 7 dos autos;
L) Da decisão de fixação da coima, consta a informação referente Medida da coima «Requisitos / Contribuinte»:
1. A……………….. Lda.
Atos de Ocultação Não
Benefício Económico 0,00
Frequência da Prática Frequente
Negligência Simples
Obrigação de não cometer a infracção Não
Situação Económica e Financeira Baixa
Tempo decorrido desde a prática da infracção > 6 »
M) Em 01/08/2015, no âmbito do processo de contraordenação em referência, foi emitido documento designado «Notificação Art. 79.º N.2 do RGIT» a fls. 16 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido:

[IMAGEM]

«Montante Pago Coima: € 1,137,78
Custas: € 0,00 (…)
2 Nos termos do n.º 2 do art.º 79.º G do art.º 80.º, ambos do RGIT, fica notificado/(a) para, no prazo de 20 dias a contar da notificação, efectuar o pagamento da coima acima referida bem como das custas processuais ou, em alternativa, recorrer judicialmente contra a decisão referida em 1, vigorando, neste caso, o principio da proibição da "Reformatio in Pejus" (a sanção aplicada não será agravada, salvo se a situação económica e financeira do infractor tiver melhorado de forma sensível). 3 - Mais fica notificado(a) de que o pagamento voluntário da coima no prazo de 15 (quinze) dias a contar da notificação determina a redução para 75% do seu montante, não podendo, porém, a coima a pagar ser inferior ao montante mínimo respectivo e sem prejuízo das custas processuais (n.º 1 do Artº 78° do RGIT), Porém, o pagamento voluntário da coima não afasta a aplicação das sanções acessórias previstas na lei e se, até a decisão, não tiver regularizado a situação tributária perde o direito a redução e o processo prossegue para cobrança da parte da coima reduzida, conforme previsto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 78º do RGIT.
4. Findo o prazo de 20 (vinte) dias sem que se mostro efectuado o pagamento ou tenha sido apresentado recurso judicial contra a decisão de aplicação da coima, proceder-se-á cobrança coerciva da coima e das custas processuais referidas no ponto 1, através de processo de execução fiscal conforme determina o art° 65° do RGIT.
5. A presente notificação considera-se efectuada no 25.º dia posterior ao seu envio, a não ser que, em data anterior aceda à caixa postal electrónica, caso em que a molificação se considera efectuada nesse momento (n.º 9 do art.º 38° e n.ºs 9 e 10 do art.º 39º do CPPT). Prazo 15 dias.
6. Pode consultar os elementos do processo e a legislação citada na internet utilizando a sua senha de acesso, no endereço www.portaldasfinancas.qov.pt ou no Serviço de Finanças instrutor do processo.» – cf. fls. 16;
N) Em 07/08/2015 foi enviado à Recorrente, por via electrónica - “Via CTT”, documento designado “decisão de aplicação de coima”, onde consta nomeadamente, o seguinte:
O) Em 07/08/2015, a Recorrente acedeu à caixa postal referida - cfr. Documento de fls. 10 dos autos;
P) Em 26/08/2015, o presente recurso foi entregue no Serviço de Finanças de Lisboa - 5 -cf. documento de fls. 11 e seguintes dos autos.
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelas recorrentes, as questões que cumpre decidir subsumem-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou parcialmente procedente a impugnação intentada da aplicação da coima, padece de (i) nulidade insuprível, no caso do recurso interposto pela recorrente particular, porquanto a notificação realizada não transmitiu os elementos que contribuíram para a fixação da coima e de (ii) erro de julgamento, no caso do recurso deduzido pela Fazenda Pública, uma vez que a decisão de aplicação de coima contém todos os requisitos previsto do art. 79º do RGIT, nomeadamente a indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, pelo que a sentença violou o disposto nessa norma.
Vejamos.
No respeitante ao recurso da arguida A…………………., Lda. emerge do quadro conclusivo das suas alegações que se rebela contra a sentença recorrida por, no seu entendimento, o efeito da violação da alínea c) do nº. 1 do artigo 79º, da alínea c) do nº. 2 do artigo 57º e ainda do artigo 27º todos do R.G.I.T, consubstanciado na falta de notificação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, não pode deixar de ser o da nulidade in totum e insuprível de toda a sentença conforme ao ali estatuído na alínea d) do nº. 1 do artigo 63º do mesmo R.G.I.T.
Neste vector propendemos a subscrever a posição do Ministério Público exteriorizada no seu douto Parecer, desde logo por ser inquestionável que por força de norma expressa (artigo 63.º, n.º 1, alínea d) do RGIT), a falta dos requisitos legais das notificações das decisões de aplicação de coimas constitui nulidade insuprível no processo de contra-ordenação tributário.
É que o direito de defesa em processo contraordenacional constitui um direito fundamental com consagração constitucional expressa no n.º 10 do artigo 32.º que tem por título «garantias de processo criminal» nos seguintes termos: «Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.»
Ainda que o arguido impute a nulidade insuprível reportando-se à aplicação da coima, está em causa a concretização do direito de defesa, pelo que, a sua apreciação abrange o momento legalmente previsto no processo de contra-ordenação para o seu exercício, o que envolve o momento da notificação para apresentação de defesa previsto no artigo 70.º do RGIT.
Neste sentido se pronunciou este STA no Acórdão proferido no processo n.º 269/18 de 30/05/2018:
«I - O direito de defesa em processo contraordenacional é um direito fundamental, imprescritível e que apenas a arguida pode decidir não exercer, não se apagando ou fragilizando com meros ajustes procedimentais.
II - O tribunal perante a invocação de uma situação que possa ter contribuído para impedir ou diminuir o exercício do direito de defesa do arguido, não pode deixar de averiguar como, quando, e, porque forma foi garantido à arguida, de modo efectivo, o exercício do seu direito de defesa, antes de contra ela vir a ser proferida uma decisão condenatória.»
Conforme refere Jorge Lopes de Sousa in Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Edição 2003 Áreas Editora, pág, 432 "Estas normas têm que ser lidas à luz das exigências constitucionais de assegurar os direitos de audiência e de defesa no processo contra-ordenacional (art.° 32° n° 10° da C.R.P.),
À face desta norma constitucional, têm de ocorrer efectivamente uma notificação dos destinatários (...)".
Pelo que se verifica a nulidade da decisão de aplicação da coima, porquanto não foi respeitado o disposto naquele inciso legal, consubstanciando uma nulidade insuprível consagrada no referido normativo.
Todavia, decorre ainda do n° 3 do art.° 63 que as nulidades referidas no n° 1 da mesma norma legal têm por efeitos a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, devendo, porém, aproveitar-se as peças úteis ao apuramento dos factos.
De acordo com as normas legais em vigor antes da fase judicial do processo contraordenacional, a Fazenda Pública goza de uma oportunidade para apreciar e sanar as eventuais nulidades da decisão de aplicação de coima, a, qual consiste na possibilidade de revogação da referida decisão consagrada no art.° 62° n° 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Dec. Lei 433/82, de 27/10 e 80.° n.° 3 do RGIT, possibilidade essa que precludiu com o envio dos autos para o Tribunal.
No caso sub judice, esta hipótese não foi aproveitada, para reformular ou revogar a decisão de aplicação de coima ou suprir a referida nulidade.
Esta nulidade, na medida em que inquinam a decisão que aplica a coima, como referem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas, in Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Edição de 2003, Áreas Editora, pág. 405, pode ocorrer até ao julgamento da decisão final, podendo ocorrer na fase administrativa ou na fase judicial e nesta, tanto na parte que ocorre perante os tribunais tributários de 1ª instância como na fase de recurso jurisdicional, até ao transito em julgado da decisão que ponha termo ao processo.
Por tudo o que ficou exposto e nos termos das disposições legais citadas haverá que anular o despacho recorrido, bem como todos os actos dele dependentes.
É que, como bem denota o Ministério Público, não poderá ser consultando o processo, seja virtual ou físico, que se suprirá tal irregularidade da notificação, mas antes repetindo o acto de notificação contendo os elementos omitidos no acto primeiramente afectado.
Nos termos dos n.ºs 3 e 5 do citado artigo 63.º do RGIT, a nulidade referida no n.º 1 do mesmo preceito, que é de conhecimento oficioso e pode ser arguida até a decisão se tornar definitiva, tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que do acto inquinado dependam absolutamente, devendo, porém, aproveitar-se as peças processuais úteis ao apuramento dos factos.
Ora, a qualificação dessa nulidade como insuprível não significa que ela não possa posteriormente ser sanada, mas, além do que já ficou dito supra, que o decurso do tempo não tem esse efeito, pelo que a sanação respectiva só pode concretizar-se com a supressão da deficiência ou irregularidade, designadamente com a prática, de acordo com a lei, do acto omitido ou da irregularidade praticada.
Assim, será possível praticar novo acto de notificação, suprimindo a deficiência apontada.
Em plena consonância com o decidido na sentença, entende-se que a decisão de aplicação de coima aqui em causa não satisfaz as exigências do art.° 63, n° 1, al. d), do RGIT, e tal omissão constitui nulidade insuprível, que é de conhecimento oficioso e importa a anulação dos termos subsequentes do processo (cfr. n°. s 3 e 5 do art.° 63º do RGIT).
Concludentemente, era essa a decisão correcta e não a que a sentença veio a tomar pois, embora haja determinado a nulidade da notificação da decisão de aplicação da coima, acabou por manter essa decisão e ordenar a remessa dos autos à Autoridade Administrativa competente, para que seja repetida a notificação.
Mas visto que se questiona uma notificação essencial para o exercício do direito de defesa, impõe-se anular os termos subsequentes à notificação do processo de contra-ordenação, incluindo a sentença ora recorrida, com a consequente devolução dos autos à autoridade administrativa que aplicou a coima, com vista a eventual prática dos actos de notificação para defesa nos termos supra apreciados e termos subsequentes até à decisão de aplicação das coimas, se nada mais a tanto obstar.
Por esse prisma, também fica prejudicado o conhecimento do objecto do recurso interposto pela Fazenda Pública.
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3 -Decisão:

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em anular os termos subsequentes à notificação do processo de contra-ordenação incluindo a sentença, determinando a baixa dos autos à autoridade administrativa competente para os tramites subsequentes.

Sem custas.
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Lisboa, 16/12/2021

José Gomes Correia (relator) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.