Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0444/11
Data do Acordão:05/25/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
SUBIDA IMEDIATA
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
Sumário:I - Não obstante o carácter taxativo do disposto no artigo 278º, nº 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve ter subida imediata, sob pena de inconstitucionalidade material do preceito - princípio da tutela judicial efectiva (artº 268º da Constituição da República Portuguesa) - a reclamação de qualquer acto do órgão da execução fiscal que cause prejuízo irreparável ao executado ou em que, com a subida diferida, a reclamação perca toda a utilidade.
II - Perde toda a sua utilidade a reclamação do acto de indeferimento de pedido de dispensa de garantia cujo conhecimento seja diferido para momento posterior à penhora ou venda, pois que a dispensa de prestação de garantia visa, precisamente, obviar à prática daqueles actos executivos enquanto estiver pendente a discussão da legalidade da dívida exequenda.
III - Seguem as regras dos processos urgentes, nos termos do n.º 5 do artigo 278.º do CPPT, as reclamações das decisões do órgão de execução fiscal que devam ter subida imediata.
Nº Convencional:JSTA00066993
Nº do Documento:SA2201105250444
Data de Entrada:05/05/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:DESP TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART278 N1 N2 N3 N5.
CONST97 ART268 N4.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC639/10 DE 2010/08/16.; AC STA PROC58/08 DE 2008/03/16.; AC STA PROC387/09 DE 2009/07/15.; AC STA PROC639/10 DE 2010/08/16.; AC TCAN PROC705/09.0BEVIS DE 2010/01/28
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VII 5ED PAG667 PAG669 PAG674.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 - A..., S.A., com os sinais dos autos, recorreu para o Tribunal Central Administrativo do Norte do despacho de fls. 103 dos autos, datado de 17 de Dezembro de 2010, pelo qual a juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, admitindo embora a reclamação deduzida pela recorrente contra o despacho do chefe do Serviço de Finanças de Guimarães de recusa dos bens oferecidos em garantia e de indeferimento do pedido de dispensa de garantia, recusou ao processo carácter urgente, determinando que seguirá a sua normal tramitação.
A recorrente terminou as suas alegações de recurso apresentando as seguintes conclusões:
1. O valor fixado para garantia pelo órgão de execução fiscal ultrapassa largamente o valor anual (na média dos exercícios de 2007, 2008 e 2009) do volume de negócios e mesmo do total de proveitos da ora Recorrente.
2. A ora recorrente ofereceu para garantia três bens e/ou direitos, invocando e explicando que cada um deles, só por si, seria suficiente para satisfazer o valor fixado para a mesma, sendo que o órgão e execução fiscal se pronunciou pela recusa de tais bens e/ou direitos com o mero argumento de preferência da AF pelos bens/direitos expressamente elencados no art. 199.º/n.º 1 do CPPT.
3. O órgão de execução fiscal nem sequer se pronunciou sobre o valor que em seu entender os bens/direitos oferecidos teriam: nem sequer invoca a eventualidade da sua insuficiência.
4. Assim, para além de a garantia pedida exceder em muito o volume de negócios anual da Recorrente, acontece que o órgão de execução fiscal recusou bens/direitos cujo valor, em conjunto, também ultrapassa largamente o valor fixado para a garantia e, ainda mais, o volume de negócios anual da Recorrente.
5. Pelo que, grande parte do património activo da Recorrente não serve - segundo o despacho do órgão de execução fiscal - para ser dada como garantia.
6. O activo de que a Recorrente dispõe - para além do que foi oferecido para garantia - tem valor modesto, como demostram os elementos de prova oferecidos na petição inicial e são essenciais ao desenvolvimento da actividade da empresa: activo imobilizado operacional, existências e créditos de clientes.
7. Nas actuais condições de crise financeira é impensável que alguma empresa consiga por si, junto da banca ou outras instituições financeiras, garantias que ultrapassem o seu volume de negócios anual.
8. O activo imobilizado operacional e as existências e os créditos sobre clientes são essenciais à actividade da empresa, não podendo tais bens ser desafectados dessa actividade sob pena de comprometimento da mesma - pelo menos por montantes que ultrapassam mais de um ano de volume de negócios.
9. À luz do despacho de órgão de execução fiscal é duvidoso que, se fosse viável, o mesmo órgão, que recusou os bens oferecidos, viesse a aceitar os activos directamente comprometidos na actividade da empresa, que, aliás, têm valor inferior.
10. Assim e tudo ponderado, perante a impossibilidade de a Recorrente conseguir prestar garantia por qualquer dos meios expressamente previsto no art. 199.º/n.º 1 do CPPT - a aplicação da decisão do órgão de execução fiscal de que se reclamou causa efectivo prejuízo irreparável à Recorrente.
11. A jurisprudência tem entendido (veja-se, por exemplo, o Acórdão do STA de 2009-07-15, proferido no Proc. 0378/09, disponível em http://www.dgsi.pt, invocado na pi) que para a subida imediata de Reclamação, com tramitação como processo urgente, não é preciso que se verifique concretamente uma das hipóteses expressamente previstas no art. 278.º/n.º 3 do CPPT - bastando que esteja demonstrado que a aplicação da decisão impugnada causa prejuízo irreparável.
12. A decisão em recurso incorreu em erro de apreciação da matéria de facto, além de que não considerou, de direito, o prejuízo irreparável invocado pela recorrente, afastando liminarmente a aplicação dos efeitos previstos no art. 278.º, do CPPT.
13. Deve ser reconhecido o carácter urgente do processo, fazendo-o tramitar como tal.
NOS TERMOS EXPOSTOS e com o douto suprimento de V. Exas., Deve ser revogada a decisão em recurso, proferindo-se acórdão que determine a tramitação do processo como urgente.
2 - Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - Por Acórdão de 25 de Março de 2011 o Tribunal Central Administrativo Norte julgou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso e competente, para o efeito, a secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. acórdão de fls. 141 a 146 dos autos), para o qual os autos foram remetidos precedendo requerimento para o efeito da recorrente (fls. 154 e 155).
4 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal pronunciou-se nos seguintes termos:
Afigura-se que necessário se torna “dirimir a questão de facto” que consiste em saber se não há factos alegados integradores de prejuízo irreparável, ou se especificamente face ao alegado e que consta desde logo na 1.ª conclusão de recurso é de entender de outro modo.
Assim, é de deferir a competência ao T.C.A. Norte, nos termos do artigo 5.º n.º 2 e 38.º al. a) do ETAF, entendidos, respectivamente, como sendo prevalecente a decisão a proferir, e por a situação não se enquadrar na ressalva final do dito art. 38.º al. a), entendida por não ser aplicável nos termos acima referidos - assim, ac. do STA de 22-9-10, proferido no proc. 0651/10, acessível em www.dgsi.pt.
- Fundamentação -
5 - Questões a decidir
Suscita o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal no seu parecer junto aos autos a questão da eventual incompetência deste Supremo Tribunal para conhecimento do presente recurso, pelo que haverá que conhecer previamente da questão.
Concluindo-se no sentido da inverificação da excepção de incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal, haverá então que decidir se a reclamação deduzida deve ou não ser tramitada como processo urgente, nos termos do n.º 5 do artigo 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
6 - Apreciando
6.1 Da (in)competência em razão da hierarquia
No seu parecer junto aos autos e supra transcrito o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal suscita a questão da incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal para conhecimento do recurso, pois que se lhe afigura necessário “dirimir a questão de facto” que consiste em saber se não há factos alegados integradores de prejuízo irreparável, ou se especificamente face ao alegado e que consta desde logo na 1.ª conclusão de recurso é de entender de outro modo.
Como se sabe, nos termos do n.º 1 do artigo 280.º do CPPT, das decisões de primeira instância apenas cabe recurso para a Supremo Tribunal Administrativo “quando a matéria for exclusivamente de direito”, cabendo recurso para o Tribunal Central Administrativo das restantes decisões judiciais que o admitam.
Assim, caso o presente recurso verse também matéria de facto, este Supremo Tribunal Administrativo será hierarquicamente incompetente para dele conhecer, sendo competente para o seu conhecimento o Tribunal Central Administrativo Norte, ex vi dos artigos 280.º, n.º 1 do CPPT e 26.º alínea b) e 38.º alínea a) do Estatuto dos tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).
No caso dos autos, porém, embora o recurso tenha sido interposto para o Tribunal Central Administrativo do Norte, a questão decidenda não convoca a apreciação de factos controvertidos, antes a mera interpretação das normas jurídicas contidas nos números 5 e 3 do artigo 278.º do CPPT, razão pela qual se entende que a questão a dirimir é mera questão de direito, para cujo conhecimento este Supremo Tribunal não carece de competência.
Improcede, pois, a invocada excepção de incompetência em razão da hierarquia, havendo que conhecer do mérito do recurso.
6.2 Do carácter urgente da reclamação
O despacho recorrido, a fls. 103 dos autos, é do seguinte teor:
«- O processo não tem carácter urgente por não se enquadrar em nenhuma das alíneas do n.º 3 do artigo 278 do CPPT, não sendo alegados factos concretos que evidencie o prejuízo irreparável, pelo que seguirá a sua normal tramitação.
- Admite-se liminarmente a reclamação.
- Notifique a F.P. para responder no prazo de 8 dias - art. 278.º n.º 2 do CPPT».
Sustenta-se, pois, que a reclamação deduzida não tem carácter urgente por não se enquadrar em nenhuma das alíneas do n.º 3 do artigo 278 do CPPT, não sendo alegados factos concretos que evidencie o prejuízo irreparável, pelo que seguirá a sua normal tramitação.
Vejamos.
Dispõe o n.º 5 do artigo 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que: «A reclamação referida no presente artigo segue as regras dos processos urgentes, tendo a sua apreciação prioridade sobre quaisquer processos que devam ser apreciados no tribunal que não tenham esse carácter».
Como bem observa JORGE LOPES DE SOUSA (CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO Anotado e Comentado, Volume II, 5.ª Ed., Lisboa, Áreas Editora, p. 674, nota 10 ao art. 278.º do CPPT) apesar de alguma falta de rigor, resulta do teor literal deste n.º 5, a atribuição do carácter urgente restringe-se à «reclamação referida no presente artigo», que é a que tem por objecto alguma das situações indicadas no n.º 3 (…), pois que como evidencia a subida das restantes reclamações apenas a final, prevista no n.º 1, nessas outras situações entende-se não haver urgência na decisão da reclamação, pois, naturalmente, a subida diferida não se compagina com a atribuição de urgência ao respectivo processo.
O n.º 5 do artigo 278.º do CPPT deve, pois, ser interpretado como atribuindo carácter urgente às reclamações que devam subir imediatamente, e não apenas a final, como constitui a regra deste meio processual (cfr. o n.º 1 do artigo 278.º do CPPT), pelo que para se concluir, como no despacho recorrido, que a reclamação em causa nos presentes autos não tem carácter urgente, necessário era demonstrar que no caso não se impunha a sua subida imediata.
No despacho recorrido considerou-se liminarmente que a reclamação não se enquadrava em nenhuma das alíneas do n.º 3 do artigo 278 do CPPT, não sendo alegados factos concretos que evidencie o prejuízo irreparável.
Contudo, esta conclusão não é rigorosa.
Na petição inicial de reclamação é invocada pela recorrente a existência de prejuízo irreparável resultante da não aceitação dos bens oferecidos em garantia e da recusa da sua dispensa (cfr. os artigos 48. a 52. e 58. a 62 da p.i.) invocando-se factos concretos dos quais resultaria tal prejuízo, encontrando-se tais factos e tal invocação parcialmente reproduzidos das conclusões 1, 6 a 8 e 10 das alegações de recurso.
Não foi, pois, omitida a invocação de prejuízo irreparável, sendo que o requerimento que indeferiu o pedido de dispensa da prestação de garantia se consubstancia, afinal, num pedido de prestação de garantia (alegadamente) indevida, se não na letra da lei, ao menos por via interpretativa, buscando o espírito desta em consonância com a garantia constitucional de “tutela jurisdicional efectiva” (artigo 268.º n.º 4 da Constituição da República) que a Lei Fundamental confere aos administrados, também na veste de contribuintes (cfr. o Acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Agosto de 2010, rec. n.º 639/10), pelo que se trataria de situação subsumível na alínea d) do n.º 3 do artigo 278.º do CPPT.
Mas mesmo que assim se não entendesse, sempre se haveria de chegar à mesma conclusão atendendo a que a jurisprudência e a doutrina vêm reiteradamente afirmando que apesar do carácter taxativo que a redacção do n.º 3 do art. 278.º do CPPT dá ao elenco dos casos de subida imediata das reclamações, deverá ainda admitir-se, sob pena de violação do direito à tutela judicial efectiva de direitos e interesses legítimos em matéria de contencioso administrativo, constitucionalmente garantido (cfr. art. 268.º, n.º 4, da Constituição da República), a remessa e conhecimento imediato da reclamação, e a consequente atribuição de carácter urgente ao processo, sempre que, sem ela, a reclamação perca toda a utilidade (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit. Pp. 667/669 - nota 6 ao art. 278.º do CPPT), sendo que os Tribunais Superiores desta Jurisdição vêm decidindo que a reclamação de acto de indeferimento de pedido de dispensa de prestação de garantia é precisamente um dos casos em que a subida diferida da reclamação lhe retira qualquer efeito útil, pois que o pedido de dispensa de prestação de garantia visa, exactamente, obter a suspensão da execução e obstar à penhora dos bens (cfr. os Acórdãos deste Tribunal de 6 de Março de 2008, rec. n.º 58/08, de 15 de Julho de 2009, rec. n.º 387/09 e de 16 de Agosto de 2010, rec. n.º 639/10; cfr. também o Acórdão do TCA-Norte de 28 de Janeiro de 2010, rec. n.º 705/09.0BEVIS).
Ora, como se consignou naquele último Acórdão se a reclamação deduzida contra o indeferimento desse pedido pelo órgão de execução fiscal subir a final (ou seja, após a penhora), a decisão da reclamação será absolutamente inútil, pois o eventual deferimento seria de todo inócuo, já que o efeito produzido pela dispensa da garantia - a suspensão da execução - esgota-se antes da penhora, pois que visa evitá-la. Dito de outro modo: ao requerer a dispensa da prestação de garantia, a Executada pretendeu suspender a execução, ou seja, pretendeu evitar a penhora. Tendo tal requerimento sido indeferido, se a reclamação apresentada não for imediatamente apreciada, a consequência é o prosseguimento da execução; e, subindo a final, já não pode produzir efeito útil, pois a subida diferida implica, pela sua natureza, que a execução (que se pretendia ver suspensa) prosseguiu até à concretização da penhora.
Face ao exposto, necessário é concluir que o recurso merece provimento, havendo que revogar o despacho recorrido e, pelo exposto, determinar que seja tramitada como processo urgente a reclamação deduzida.
- Decisão -
6 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido, devendo a reclamação ser tramitada como processo urgente, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 278.º do CPPT, baixando os autos à primeira instância para que conheça do seu mérito, se a tal nada mais obstar.
Sem custas.
Lisboa, 25 de Maio de 2011. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Brandão de Pinho - Dulce Neto.