Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0256/10
Data do Acordão:06/02/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:IVA
DEDUÇÃO DE IMPOSTO
DECLARAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO
Sumário:I - Os sujeitos passivos de IVA têm direito a deduzir o IVA por si suportado e incidente sobre as operações tributáveis efectuadas a montante, designadamente o imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços, nos termos do artigo 19.º, n.º 1, alínea c) do CIVA.
II - Em regra, a dedução deve ser efectuada na declaração do período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas ou documentos equivalentes (n.º 2 do artigo 22.º do CIVA).
III - Todavia, nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços e os correspondentes montantes não tenham sido incluídos na declaração periódica, originando a respectiva liquidação e dedução ou o tenham sido fora do prazo legalmente estabelecido, a liquidação e a dedução são aceites sem quaisquer consequências desde que o sujeito passivo entregue a declaração de substituição, sem prejuízo da penalidade que ao caso couber (n.º 15 do artigo 71.º do CIVA, na redacção em vigor à data dos factos).
IV - O sujeito passivo não está impedido de apresentar a declaração de substituição em momento posterior a uma primitiva liquidação, devendo aquela ser considerada para efeitos de determinação do imposto devido, embora sem prejuízo da penalidade que ao caso couber.
Nº Convencional:JSTA00066464
Nº do Documento:SA2201006020256
Data de Entrada:03/26/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF ALMADA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
Legislação Nacional:CIVA88 ART6 N8 C ART19 N1 C ART22 N1 N2 ART71 N15.
CPPTRIB99 ART59.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A…, SA, com os sinais dos autos, não se conformando com a decisão da Mma. Juíza do TAF de Almada que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, no montante total de € 35.628,13, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
1. Na sentença ora recorrida foi decidido, em concordância com o entendimento da Recorrente, expressa na petição inicial, que os serviços a si prestados pela B… estavam sujeitos a IVA, e que, por estarem preenchidos os respectivos pressupostos, aquela podia deduzir o imposto suportado ao valor do imposto liquidado.
2. No entanto, por considerar que a dedução é um direito que tem de ser exercido pelo contribuinte, e que, no presente caso, não foi exercido, decidiu o tribunal a quo que a Recorrente não podia beneficiar da dedução pelo que, consequentemente, as liquidações adicionais não padeceriam de ilegalidade.
3. Nos termos do n.º 15 do artigo 71.º do CIVA (na redacção vigente à data dos factos), a Recorrente, não obstante ter considerado o montante dos pagamentos efectuados à B… na declaração periódica de IVA, poderia ter liquidado e deduzido tal valor, posteriormente, mediante a apresentação de declaração de substituição.
4. Tal disposição estabelece que a liquidação e a dedução serão aceites, sem quaisquer consequências, desde que o sujeito passivo apresente a declaração de substituição.
5. A Recorrente, em 1 de Março de 2007, apresentou as declarações de substituição n.º 103913528099 e 103913528170, referentes aos períodos 0406 e 0412, onde adicionou à base tributável o valor dos pagamentos efectuados à B… em cada um dos períodos em causa (147.633,41 € e 24.000,00 €, respectivamente) e, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º e da alínea a) do artigo 20.º do CIVA, deduziu tal valor ao imposto incidente sobre operações tributáveis.
6. Pelo que o resultado final apurado nas duas declarações periódicas e nas duas declarações de substituição, entre o imposto a favor do sujeito passivo e o imposto a favor do Estado, é igual.
7. Considerou o tribunal a quo que, como a situação prevista no n.º 15 do artigo 71.º do CIVA não estava verificada à data dos actos de liquidação impugnados, não podia considerar que a Recorrente efectivamente tinha exercido o seu direito de dedução.
8. Ao referir que “Nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços e os correspondentes montantes não tenham sido incluídos na declaração periódica, originando a respectiva liquidação e dedução ou o tenham sido fora do prazo legalmente estabelecido, a liquidação e a dedução serão aceites sem quaisquer consequências desde que o sujeito passivo entregue a declaração de substituição, sem prejuízo da penalidade que ao caso couber”, o artigo 71.º, n.º 15 do CIVA prevê a possibilidade do sujeito passivo apresentar a declaração de substituição em momento posterior à emissão da liquidação.
9. O momento relevante para a verificação do exercício do direito de dedução, através da apresentação de declaração de substituição, não é o da data de emissão das liquidações.
Com efeito,
10. O artigo 59.º, n.º 3, alíneas b), n.º II) e III) do CPPT especificadamente prevê situações em que as declarações de substituição podem ser apresentadas em momento posterior à liquidação do imposto.
11. As citadas disposições do CIVA e do CPPT prevêem a possibilidade de, tendo o sujeito passivo apresentado uma declaração que originou uma liquidação pela Fazenda Pública, poder corrigir essa declaração, sendo as correcções consideradas para efeitos de apreciação da liquidação efectuada.
12. Não especificando o artigo 71.º, n.º 15 do CIVA qual o prazo limite de apresentação das declarações de substituição, são aplicáveis as disposições previstas na lei geral.
13. Estando em causa uma situação em que os erros e omissões das declarações periódicas apresentadas pela Recorrente lhe são desfavoráveis, a situação é analógica com a prevista no n.º II) da al. b) do n.º 3 do artigo 59.º do CPPT, aplicando-se, assim, o prazo neste previsto.
14. Atento o disposto no artigo 102.º do CPPT, e considerando que o prazo para o pagamento voluntário terminou no dia 28 de Fevereiro de 2007 (facto provado n.º 21 da douta sentença recorrida e fls. 27 a 44 dos autos), a apresentação das declarações de substituição no dia 1 de Março de 2007 foi tempestiva.
15. E ainda que se considere que era aplicável o prazo previsto no n.º III) da al. b) do n.º 3 do artigo 59.º do CPPT, considerando que, nos termos do art.º 45.º, n.ºs 2 e 4 da LGT, o prazo de caducidade é de três anos, iniciando-se este no dia 31 de Dezembro de 2004, a declaração de substituição podia ser tempestivamente apresentada até 31 de Dezembro de 2007.
16. Assim, tendo as declarações de substituição sido tempestivamente apresentadas, as correcções nela efectuadas deveriam ter sido tidas em consideração pelo tribunal a quo.
Assim,
17. Ao não ter decidido pela verificação de todos os pressupostos do direito à dedução da Recorrente, o tribunal a quo violou o citado direito, que assistia à Recorrente, uma vez que os serviços de consultadoria prestados pela B… contribuíram para a realização, pela Recorrente, de transmissões de bens sujeitas a IVA.
18. Violou concretamente os art.ºs 19.º, n.º 1, al. c), 20.º, al. a) e 71.º, n.º 15 do CIVA e o artigo 59.º, n.º 3, al. b)-II) do CPPT, que estabelecem as condições de exercício de tal direito.
19. Deve assim o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida, com a consequente anulação dos actos de liquidação de IVA com os n.ºs 06402065, 06402067, 06402069, 06402071, 06402073, 06402075, 06402077, 06402079 e 06402081, bem como as liquidações com os n.ºs 06402066, 06402068, 06402070, 06402072, 06402074, 06402076, 06402078, 06402080 e 06402082, relativas a juros compensatórios, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido do não provimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostram-se provados os seguintes factos:
1- Em 1 de Fevereiro de 1999 foi celebrado o contrato de prestação de serviços entre a A…, SA, representada por C… e a B…, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, e representada por D…, e nos termos do qual esta última sociedade prestava serviços de consultoria em apoio à função comercial da primeira e a desenvolver esforços para penetrar em novos mercados promovendo a aproximação a novos clientes, traduzindo-se a assessoria de acompanhamento nos mercados no máximo em duas semanas por mês, seguidas ou interpoladas, mediante o pagamento à B… da quantia de € 5.000,00 por mês (cfr. teor do documento de fls. 383/384).
2- Em 04/12/2000 foi celebrada a escritura de compra e venda de 2.346.039 acções nominativas que a sociedade E… detinha da sociedade F…, SA, com sede em Barcelona, sendo a compra efectuada pela A…, SA (cfr. documentos de fls. 490 a 505).
3- No ano de 2004 a B… emitiu facturas à A…, SA, relativamente à actividade de consultoria das vendas e acompanhamento no desenvolvimento e penetração de novos mercados nos termos do acordo assinado em 1 de Fevereiro de 1999, sendo mencionado nas facturas o montante de € 6.000,00 (cfr. documentos de fls. 370 a 382).
4- Em 10/03/2004 foi entregue a declaração periódica de IVA modelo B – via Internet – referente ao mês de Janeiro de 2004 na qual foi apurado IVA a recuperar no montante de € 155.499,24 (cfr. fls. 447/449).
5- Em 12/04/2004 foi entregue a declaração periódica de IVA modelo B – via Internet – referente ao mês de Fevereiro de 2004 na qual foi apurado IVA a recuperar no montante de € 54.437,73 (cfr. fls. 450/452).
6- Em 07/05/2004 foi entregue a declaração periódica de IVA modelo B – via Internet – referente ao mês de Março de 2004 na qual foi apurado IVA a recuperar no montante de € 204.688,86 (cfr. fls. 453/455).
7- Em 09/06/2004 foi entregue a declaração periódica de IVA modelo B – via Internet – referente ao mês de Abril de 2004 na qual foi apurado IVA a recuperar no montante de € 273.155,45 (cfr. fls. 456/459).
8- Em 06/07/2004 foi entregue a declaração periódica de IVA modelo B – via Internet – referente ao mês de Maio de 2004 na qual foi apurado IVA a recuperar no montante de € 357.678,11 (cfr. fls. 460/463).
9- Em 06/08/2004 foi entregue a declaração periódica de IVA modelo B – via Internet – referente ao mês de Junho de 2004 na qual foi apurado IVA a recuperar no montante de € 395.094,18 (cfr. fls. 464/467).
10- Em 10/09/2004 foi entregue a declaração periódica de IVA modelo B – via Internet – referente ao mês de Julho de 2004 na qual foi apurado IVA a recuperar no montante de € 742.681,33 (cfr. fls. 468/471).
11- Em 08/10/2004 foi entregue a declaração periódica de IVA modelo B – via Internet – referente ao mês de Agosto de 2004 na qual foi apurado IVA a recuperar no montante de € 392.372,53 (cfr. fls. 472/474).
12- Em 05/11/2004 foi entregue a declaração periódica de IVA modelo B – via Internet – referente ao mês de Setembro de 2004 na qual foi apurado IVA a recuperar no montante de € 63.916,35 (cfr. fls. 475/478).
13- Em 07/12/2004 foi entregue via Internet a declaração periódica de substituição mod. C referente ao período 2004/06 na qual consta a base tributável à taxa normal no montante de € 1.166.417,68 e de imposto a favor do Estado o montante de € 221.619,35 referente a essa base tributável bem como o montante de € 174.866,83 referente a IVA dedutível referente a outros bens e serviços (cfr. fls. 119).
14- Em 10/12/2004 foi entregue a declaração periódica de IVA modelo B – via Internet – referente ao mês de Outubro de 2004 na qual foi apurado IVA a recuperar no montante de € 22.220,86 (cfr. fls. 479/481).
15- Em 07/01/2005 foi entregue a declaração periódica de IVA modelo B – via Internet – referente ao mês de Novembro de 2004 na qual foi apurado IVA a recuperar no montante de € 25.803,90 (cfr. fls. 482/485).
16- Em 07/02/2005 foi entregue a declaração periódica de IVA modelo B – via Internet – referente ao mês de Dezembro de 2004 na qual foi apurado IVA a recuperar no montante de € 77.365,47 (cfr. fls. 486/486).
17- Os serviços de inspecção tributária procederam a uma acção de inspecção – análise interna à sociedade A…, SA, com referência ao exercício de 2004 de que resultou o apuramento de IVA em falta no montante de € 32.610,35, como consta de fls. 325/348.
18- Em relação ao IVA os serviços de inspecção fizeram constar do relatório sob o título “pagamento de serviços a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado” o seguinte: “A A… em 2004 contabilizou na conta 62236050-... – At. Diversa despesa no montante de € 171.633,41 relativas ao fornecedor B…, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, por serviços prestados de consultoria resultantes de um contrato celebrado entre as duas entidades a 1 de Fevereiro de 1999. A A… não procedeu à liquidação do IVA. Estas operações enquadram-se no estatuído no n.º 1 do art.º 4.º do CIVA. Conforme disposto na alínea c) do n.º 8 do art.º 6.º do CIVA, são tributáveis as prestações de serviços de consultoria cujo prestador não tenha no território nacional sede, estabelecimento estável ou domicílio a partir do qual o serviço seja prestado, desde que o adquirente seja um sujeito passivo do imposto sobre o valor acrescentado, dos referidos nas alíneas a) do n.º 1 do art.º 2.º do mesmo diploma, cuja sede, estabelecimento estável ou domicílio se situe em território nacional, cabendo ao adquirente dos serviços a respectiva liquidação de IVA. O imposto é devido e exigível no termo do período a que se refere cada pagamento, conforme o disposto no n.º 3 do art.º 7.º do Código do IVA. Face ao exposto o montante de imposto em falta à taxa de 19% é de € 32.610,35 (…)” (cfr. fls. 336).
19- Os serviços de inspecção pronunciaram-se sobre o direito de audição exercido pelo contribuinte mantendo as correcções efectuadas em sede de IVA (cfr. fls. 346/348).
20- Em 30/11/2006 foi emitido o ofício n.º 04968 dirigido ao ora impugnante para efeito de notificação das conclusões do relatório de inspecção (cfr. fls. 324).
21- Na sequência da acção de inspecção foram efectuadas as respectivas liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios do ano de 2004 no montante total de € 35.628,13 cuja data limite de pagamento ocorreu em 28/02/2007 (cfr. documentos de fls. 27/44).
22- Em 01/03/2007 foi entregue via Internet a declaração periódica de substituição mod. C referente ao período 2004/06 na qual consta a base tributável à taxa normal no montante de € 1.314.051,09 e de imposto a favor do Estado o montante de € 249.669,70 referente a essa base tributável e o montante de € 202.917,18 de IVA dedutível referente a outros bens e serviços (cfr. fls. 116/118).
23- Em 01/03/2007 foi entregue via Internet a declaração periódica de substituição mod. C referente ao período 2004/12 na qual consta a base tributável à taxa normal no montante de € 999.745,79 e de imposto a favor do Estado o montante de € 189.951,70 referente a essa base tributável e o montante de € 153.044,13 de IVA dedutível relativo a outros bens e serviços (cfr. fls. 120/121).
24- Em 02/03/2007 foi apresentada a presente petição de impugnação judicial (cfr. fls. 2/24).
25- A A… sentiu necessidade de expansão para o mercado internacional porque o mercado nacional (sector têxtil) estava em crise (cfr. depoimento da 1.ª testemunha).
26- A A… desenvolveu a produção de novos produtos, diversificando a produção de novos produtos, não apenas de fibras têxteis, acrílicas, mas de outros tipos de fibras (cfr. depoimento da 1.ª testemunha).
27- A A… Barcelona foi uma fábrica adquirida em Espanha pela impugnante (cfr. depoimento das testemunhas).
28- A fábrica de Barcelona faliu e a fase do encerramento foi acompanhada pela B… (cfr. depoimento da 1.ª testemunha).
29- Em 2004 o sr. D… desempenhava funções na administração na A… e na B… (cfr. depoimento da 1.ª testemunha).
30- Na A… o sr. D… desempenhava o cargo de administrador consultivo sem remuneração (cfr. depoimento da 1.ª testemunha).
31- Não existia no mercado nacional empresas especializadas na área das fibras e a nível mundial com conhecimento de empresas concorrentes estrangeiros (cfr. depoimento da 2.ª testemunha).
32- O sr. D… conhecia bem o mercado internacional de produção de fibras (cfr. depoimento da 2.ª testemunha).
33- Os trabalhos efectuados pela B… eram discutidos pela administração da A… e influenciaram as opções estratégicas, de obtenção de novos mercados e de novos produtos (cfr. depoimento da 2.ª testemunha).
III – Vem o presente recurso interposto da sentença da Mma. Juíza do TAF de Almada que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra as liquidações adicionais de IVA do ano de 2004, e respectivos juros compensatórios, efectuadas pela AT e relativas a serviços que lhe foram prestados por empresa sediada nas Ilhas Virgens Britânicas e a quem a recorrente efectuou pagamentos, sem ter procedido à liquidação de IVA.
Considerou a Mma. Juíza “a quo” na sentença recorrida que, face à factualidade apurada, os montantes pagos pela recorrente estavam sujeitos a IVA, nos termos da alínea c) do n.º 8 do artigo 6.º do CIVA, porquanto correspondiam ao pagamento de serviços efectivamente prestados de consultadoria e acompanhamento no desenvolvimento e penetração de novos mercados.
Além disso, reconheceu ainda tratar-se de serviços cujo custo se integrou no custo da actividade da recorrente.
E, assim sendo, deveria esta não só ter liquidado o imposto devido, de acordo com os elementos da factura emitida com referência aos serviços prestados, como posteriormente poderia ter deduzido o imposto assim suportado ao valor do imposto liquidado pelas operações praticadas a jusante no mesmo período.
Não o tendo feito, procederam, então, os serviços de inspecção ao apuramento do IVA que deveria ter sido liquidado pela ora recorrente, sem que tenham tido em consideração o seu direito de dedução, em virtude de este ser um direito do sujeito passivo que o pode exercer, ou não, no momento próprio e através do meio adequado, não sendo uma obrigação da AT em acção de inspecção proceder à dedução do IVA.
Embora invocada a ilegalidade das liquidações impugnadas, por violação da alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º e do n.º 15 do artigo 71.º do CIVA, conclui a Mma. Juíza “a quo” que a mesma se não verifica porquanto no momento em que essas liquidações foram efectuadas não estava verificada a situação prevista nos aludidos preceitos legais.
Não pondo em causa que os serviços a si prestados estavam sujeitos a IVA, vem a recorrente alegar agora que, tendo apresentado declarações de substituição em devido tempo, as correcções nelas efectuadas deveriam ter sido tidas em consideração pelo tribunal “a quo”, uma vez que estão reunidos os pressupostos do direito à dedução de tal imposto e esse direito foi, de facto, exercido, razão por que as liquidações impugnadas se não podem manter, por ilegais, por violação dos artigos 19.º e 71.º do CIVA e 59.º do CPPT.
Vejamos. Não há dúvida que a recorrente, enquanto sujeito passivo de IVA, tem direito a deduzir o IVA por si suportado e incidente sobre as operações tributáveis efectuadas a montante, designadamente o imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços, nos termos do artigo 19.º, n.º 1, alínea c) do CIVA.
O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período (n.º 1 do artigo 22.º do CIVA).
Em regra, a dedução deve ser efectuada na declaração do período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas ou documentos equivalentes (n.º 2 do artigo 22.º do CIVA).
Todavia, nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços e os correspondentes montantes não tenham sido incluídos na declaração periódica, originando a respectiva liquidação e dedução ou o tenham sido fora do prazo legalmente estabelecido, a liquidação e a dedução são aceites sem quaisquer consequências desde que o sujeito passivo entregue a declaração de substituição, sem prejuízo da penalidade que ao caso couber (n.º 15 do artigo 71.º do CIVA, na redacção em vigor à data dos factos).
É verdade que o exercício do referido direito de dedução cabe ao sujeito passivo, e não à AT, que o deve fazer no momento próprio e através do meio adequado, recaindo sobre ele as consequências do seu não exercício, como é óbvio.
Agora, no caso em apreço, se é certo que no momento em que as liquidações impugnadas foram efectuadas a recorrente ainda não tinha entregue qualquer declaração de substituição não há dúvida que, como consta do probatório, a recorrente apresentou no dia 1/3/2007 (v. pontos 22 e 23 da matéria de facto fixada) duas declarações de substituição referentes aos períodos em causa – 2004/06 e 2004/12, nas quais alterou as bases tributáveis, isto é, o imposto a favor do Estado e o IVA dedutível.
Porém, a Mma. Juíza “a quo” considerou que a recorrente não exerceu o seu direito de dedução atempadamente ao fazer a entrega dessas declarações de substituição em momento posterior à data em que as liquidações impugnadas já tinham sido efectuadas, razão por que não teve em consideração as mesmas.
Só que, de acordo com o citado n.º 15 do artigo 71.º do CIVA, o sujeito passivo não está impedido de apresentar a declaração de substituição em momento posterior à emissão duma primitiva liquidação, devendo aquela ser considerada para efeitos de determinação do imposto devido, embora sem prejuízo da penalidade que ao caso couber.
Acresce, por outro lado, que também o artigo 59.º do CPPT prevê situações em que as declarações de substituição podem ser apresentadas em momento posterior ao da liquidação do imposto.
E mesmo que se entendesse que às declarações aqui em causa se aplicavam os prazos aí previstos ainda assim as mesmas teriam sido tempestivamente apresentadas.
Razão por que as correcções delas resultantes deveriam ter sido tidas em consideração pelo tribunal “a quo”.
Tendo a recorrente, por um lado, adicionado à base tributável o valor dos pagamentos efectuados pelas prestações de serviços aqui em apreço e que agora admite serem tributados em IVA em cada um dos períodos em causa, e, por outro, deduzido, ao abrigo do artigo 19.º do CIVA, o montante do imposto liquidado ao imposto incidente sobre as operações tributáveis, a apresentação de tais declarações de substituição traduziu-se, assim, num acréscimo de igual montante nos saldos das contas de IVA a favor do Estado e do sujeito passivo (IVA liquidado e IVA dedutível).
As liquidações impugnadas, ao não respeitarem o direito à dedução exercido pela recorrente, não podem, por isso manter-se, sob pena de violarem o disposto nos artigos 19.º e 71.º do CIVA.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, e, julgando procedente a impugnação judicial, anular as liquidações impugnadas.
Custas pela Fazenda Pública, apenas na 1.ª instância, fixando-se a procuradoria em 1/8.
Lisboa, 2 de Junho de 2010. – António Calhau (relator) – Miranda de PachecoPimenta do Vale.