Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0476/12
Data do Acordão:09/12/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:AUTOLIQUIDAÇÃO
LIQUIDAÇÃO DO IMPOSTO
REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
Sumário:I - O artº. 78° da LGT prevê a revisão do ato tributário «por iniciativa do sujeito passivo» ou «da administração tributária», aquela «no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade», e esta «no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços».
II - De acordo com o disposto no artº 78º, nº 2 da LGT considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação, pelo que, não obstante o disposto no artº 131º do CPPT, o contribuinte pode suscitar a apreciação oficiosa de ilegalidade cometida em auto liquidação.
III - Tal resulta, desde logo, dos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade - art. 266°, n.° 2 da CRP.
IV - Face a tais princípios, não pode a Administração demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão do ato quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes, no domínio das suas atribuições, sendo que «o dever de pronúncia constitui, de resto, um princípio abertamente assumido pelo artº. 9° do CPA, no domínio do procedimento administrativo mas aqui também aplicável por mor do disposto no artº. 2° do mesmo código.
V - Sendo assim, e sendo tempestivo o pedido de revisão oficiosa efectuado no prazo de quatro anos após a autoliquidação, deverá ser apreciado o respectivo pedido de revisão.
Nº Convencional:JSTA00067769
Nº do Documento:SA2201209120476
Data de Entrada:05/04/2012
Recorrente:SE DOS ASSUNTOS FISCAIS
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC TCA SUL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC
Legislação Nacional:LGT98 ART78 N1 N2 N4 ART79 ART55 ART49 ART95 N2 D
CPPTRIB99 ART131 N1 ART86 N4 A
CIRS88 ART85 N1
CIRC88 ART81 N3
CIRC01 ART103
CIRS01 ART93
CIVA08 ART98
CPPTRIB91 ART93
CONST76 ART268 N4 ART266
DL 163/79 DE 1979/05/31.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0565/07 DE 2007/11/14; AC STA PROC0319/05 DE 2005/05/11; AC STA PROC0402/06 DE 2006/07/12
Referência a Doutrina:ALBERTO XAVIER CONCEITO E NATUREZA DO ACTO TRIBUTÁRIO PAG582
ROBIN ANDRADE A REVOGAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS 2ED PAG255/268
GLÓRIA PINTO CONSIDERAÇÕES SOBRE A RECLAMAÇÃO PRÉVIA AO RECURSO CONTENCIOSO PAG12/14
PAULO OTERO O PODER DE SUBSTITUIÇÃO EM DIREITO ADMINISTRATIVO VOLII PAG582/583
ESTEVES DE OLIVEIRA DIREITO ADMINISTRATIVO VOLI PAG613/614
FREITAS DO AMARAL CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO VOLII PAG463/465.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais veio recorrer do Acórdão do TCA Sul, proferido em 25.11.2009, que julgou procedente a ação administrativa especial intentada por A……, SA, anulando o ato recorrido e ordenando a sua substituição por outro que conheça do pedido de revisão da autoliquidação de IRC de 2001, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

A) - O objeto deste autos é o despacho n° 684/2008 - XVII, de 08/07/2008, proferido pelo aqui R., com referência ao exercício do ano de 2000, objeto de autoliquidação através da respetiva declaração m/ 22, entregue no ano de 2001, mostrando-se finalizados pelo douto Acórdão de 25/11/2009, notificado ao aqui R. em 30 do mesmo mês.

B) - Em "3" e "4" desta peça processual requereu-se a correção dos erros materiais aí apontados.

C) - Relembrando os factos ocorridos e dados como provados:

C.1 - Com referência ao exercício do ano de 2000, a A. apresentou a sua declaração de IRC em 20/07/2001, autoliquidando o Imposto devido e pagou a quantia de 1.614 784, 86 € em 02 de agosto do mesmo ano, quando o termo final para esses atos era o dia 31 de maio de 2001.

C.2-Em 25/09/2002 a Administração Tributária corrigiu aquela autoliquidação, promovendo em 25/09/2002, a liquidação de IRC n° 2 310 213 460, pelo que a A. pagou adicionalmente a quantia de 21 473, 06 € em 10 de outubro de 2002. Naquela liquidação corrigiu-se o valor da derrama e liquidaram-se os correspondentes juros compensatórios e moratórios, com base no atraso acima identificado.

C.3 - Por ter detetado um erro na sua autoliquidação, em 30/05/2005 a A. requereu a revisão oficiosa da autoliquidação acima identificada pois, segundo ela, no exercício de 2000 reunia as condições para ser-lhe aplicado o benefício previsto no artº. 17° do EBF; assim, se fosse atendida a sua pretensão, poderia deduzir o quantitativo de 202 364, 64 €, o que acarretava como consequência, uma diminuição de Imposto a pagar no valor de 71.096, 36 €.

C.4 - Subsumindo a situação fáctica em causa, consistente na ocorrência da autoliquidação em 20/07/2001 e do pedido de revisão apresentado em 30/05/2005, às regras legais aplicáveis (primeira parte do n° 1 e o n° 2, do artº. 78° da LGT, conjugado com o artº. 131° do CPPT), não subjaz qualquer razão legal à pretensão da A., porque apresentada após o decurso do prazo de dois anos.

C.5 - Para além disso, a matéria coletável objeto do pedido de revisão corresponde exatamente à apurada pela A. na sua autoliquidação, o que significa a total ausência de fixação ex novo por parte da Administração Tributária.

C.6 - Não se verificou qualquer injustiça grave ou notória conforme prevê o n° 5 do artº. 78° da LGT, pois a A. não se apercebeu atempadamente desse facto nem se socorreu do mecanismo previsto no artº. 131°, n° 1 do CPPT.

D) - O objeto desta accão é o Despacho n° 684/2008-XVII, de 08/07/2008, proferido em sede de recurso hierárquico pelo aqui Recorrente Jurisdicional no uso de competências delegadas, onde foi indeferida a revisão oficiosa da autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2000 (sublinhado e negrito nossos).

E) - As causas de pedir nesta ação invocadas na P.I., foram:
-Errónea interpretação dos n°s 1 e 4 do artº. 78°. da LGT;
-Violação dos princípios da justiça e da igualdade.

F) - O douto Acórdão recorrido termina julgando procedente esta ação e em anular o ato recorrido, ordenando a sua substituição por um outro, que conheça do pedido de revisão da autoliquidação de IRC de 2001 (obviamente, com referência ao exercício de 2000).

G) - No entendimento do aqui Recorrente Jurisdicional, da interpretação conjugada dos n°s 1, 2 e 4 do artº. 78° da LGT com o artº. 131° do CPPT resulta que, havendo erro na autoliquidação e por iniciativa do contribuinte:
-Os atos tributários podem ser revistos através de reclamação administrativa/graciosa e com base em qualquer ilegalidade (n° 1 do artº. 78° da LGT), considerando-se que o erro na autoliquidação é imputável aos Serviços (n° 2 do mesmo artigo);
-Essa reclamação administrativa/graciosa apenas pode ser apresentada no prazo de dois anos, contados após a entrega da declaração e respetiva autoliquidação (artº. 131°, n° 1 do CPPT); só depois da utilização deste mecanismo legal, é que o contribuinte pode lançar mão da competente impugnação:
- Excecionalmente, a revisão dos atos tributários pode ocorrer no prazo de três anos contados após a entrega da declaração, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes condições (n° 4 do artº. 78° da LGT): não tenha havido comportamento negligente por parte do contribuinte e tenha ocorrido injustiça grave ou notória.

H) - Paralelamente e ainda de acordo com o entendimento do aqui Recorrente Jurisdicional, da interpretação conjugada das referidas normas legais acima invocadas resulta que, havendo erro imputável aos serviços e por única iniciativa da Administração Tributária:
- Os atos tributários podem ser revistos no prazo de quatro anos (segunda parte do n° 1 do artº. 78° da LGT);
- Se o tributo ainda não tiver sido pago, a todo o tempo (n° 1 do artº. 78° da LGT, in fine).

I) - Ora, o douto Acórdão proferido pelo Tribunal a mo deliberou extra lesem, como passa a demonstrar-se (os sublinhados são da nossa responsabilidade):

I. 1 - No 3° parágrafo de fls. 13, confundiu os prazos de reação, pois os da iniciativa do contribuinte são diferentes dos da iniciativa da Administração Tributária. Na verdade, o erro imputável aos serviços no caso da autoliquidação (primeira parte do n° 1 do artº. 78° da LGT, conjugado com o n° 2 da mesma norma) é substancialmente diferente do erro imputável aos serviços nos restantes casos (segunda parte do n° 1 do artº. 78° da LGT). Logo, se a lei distingue as duas situações, não pode o julgador inseri-las num contexto comum, para além de esta aplicação correta da lei não colide com o art. 55° da LGT, sob pena de incoerência sistemática.

I. 2 - Para contestar o 3° parágrafo de fls. 15, repete-se que o n° 1 do artº. 78° da LGT distingue claramente duas situações: na sua primeira parte, o erro imputável aos serviços no caso da autoliquidação com pedido de revisão por iniciativa do contribuinte; na sua segunda parte, o erro imputável aos serviços nos restantes casos com revisão por iniciativa da Administração Tributária.

I.3- Quanto ao 2° parágrafo de fls. 16, insiste-se não ser possível confundir e fundir num único entendimento as duas situações perfeitamente díspares que a lei expressa e claramente distingue. Logo, quando a iniciativa é do contribuinte, aplica-se o disposto no nº. 1 do artº. 78° da LGT, excetuando a segunda parte do n° 1 do artigo, destinado a ser usado pela Administração Tributária em qualquer outro caso; naturalmente e com base na sua natureza, a autoliquidação fica excluída, porque fisicamente é sempre levada a cabo pelo contribuinte.

I. 4 - Sobre o último parágrafo de fls. 17 e o último parágrafo de fls. 18, refere-se que:
-O prazo consagrado no artº. 131° do CPPT não pode ser considerado como irrelevante por - vários motivos porque este diploma é lei especial face à LGT (n° 3 do artº. 7º do Código Civil), para além de que a primeira parte do n° 1 e o n° 2 do artº. 78° da LGT estão direcionados para a autoliquidação efetuada pelo contribuinte, enquanto o seu nº 4 se dirige à existência de injustiça grave ou notória, qualquer que seja a sua origem;
-Assim sendo, não se vislumbra onde residam as ausências de lógica, racionalidade e coerência sistemática das normas diretamente aplicáveis e ora em análise.

I.5 - No que respeita ao 2º parágrafo de fls. 19, apenas se lembra que se a própria LGT prevê mecanismos específicos de que o contribuinte pode socorrer-se (in casu, o seu artº. 78°), a sua consagração e utilização é insuscetível de ferir o disposto no artº. 55° do mesmo diploma legal, sob pena de interpretação totalmente desarticulada desse diploma, para além da sua incoerência sistemática.

I.6 - No 6º parágrafo de fls. 20 é impropriamente invocado o n° 2 do artº. 266° da CRP, pois para isso o aplicador da lei poderia invocar a inconstitucionalidade das normas aqui em causa (artº. 78° da LGT e artº. 131º do CPPT) e, contudo, não o fez.

I.7 - Não é apresentado qualquer fundamento legal para a afirmação contida no 2º parágrafo de fls. 22.

J) - Em suma e ressalvado o devido respeito, todo o raciocínio silogístico do Acórdão recorrido parte de premissas erradas, consistentes na errada interpretação dos n°s 1, 2 e 4 do artº. 78° da LGT e do artº. 131º do CPPT.
Em face do exposto, deverá:
-Revogar-se totalmente o Acórdão recorrido, porque carecido de qualquer apoio legal, atenta a errada interpretação das normas legais aplicáveis.
E, em consequência,
- Manter-se integralmente o despacho objeto destes autos, com todas as legais consequências.

II. Contra-alegando veio a recorrida concluir:

a)Vem o presente recurso interposto do Douto Acórdão proferido em 25/11/2009 que julgou procedente a ação administrativa especial interposta pela ora recorrida visando a anulação do despacho nº.s 683/2008-XVII de Sua Ex.cia o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, proferido em 2008.07.08, que negou provimento ao Recurso Hierárquico apresentado do despacho de indeferimento da revisão oficiosa da autoliquidação de IRC do exercício de 2001.

b)Por Acórdão proferido em 12.05.2010 foi julgado procedente o pedido de correção de erros materiais requerido pela ora Recorrente nas suas alegações de recurso sem que a ora Recorrida tivesse sido notificada para apresentar contra-alegações de recurso e para se pronunciar sobre tal pedido de correção, tendo o acórdão retificativo sido proferido sem audição da ora recorrida.

c)Em 28.05.2010 a ora Recorrida arguiu a nulidade processual traduzida na omissão de notificação prevista no artigo 145° nº 1 do CPTA mais requerendo a retificação de erros materiais verificados nos Acórdãos de 25.11.2009 e de 12.05.2010.

d)Por Acórdão proferido em 11.10.2011 foi julgada procedente a arguição de nulidade e anulado todo o processado posterior a fls. 120 dos autos, incluindo o Acórdão de 12.05.2010 que deferiu a retificação solicitada pelo Réu, exceto no que tange a fls.19 do Acórdão, linha 12 onde de consta "prejuízos fiscais em montante superior..." onde deverá ler-se "...prejuízos fiscais em montante inferior

e)Mantém a ora Recorrida, como havia mencionado no seu requerimento de 28.05.2010 que a dita retificação a fls. 19, linha 12 do Acórdão recorrido não é correta, como resulta do artigo 8º da petição inicial, onde expressamente referiu "dedução que, a efetuar-se nos termos devidos, teria repercussões ao nível da diminuição dos prejuízos fiscais deduzidos e proporcionalmente, do aumento dos prejuízos fiscais dedutíveis."

f)Com efeito no caso objeto dos presentes autos, caso a então Autora e ora recorrida tivesse deduzido à matéria coletável o montante do benefício fiscal em causa teriam sido inferiores os prejuízos fiscais deduzidos e proporcionalmente superiores os prejuízos fiscais reportáveis.

g)Ao manter-se a dita retificação ficará sem sentido a frase que passará a ler-se "deduziu prejuízos fiscais em montante inferior ao que resultaria da correta aplicação da lei - diminuindo consequentemente o valor dos prejuízos fiscais reportáveis", sendo certo que a diminuição dos prejuízos fiscais deduzidos implica necessariamente o aumento dos prejuízos fiscais reportáveis.

h)Estando agora assente que o objeto dos presentes autos é o despacho nº 683/2008-XVII proferido pelo aqui Recorrente com referência ao exercício de 2001, e relembrando a factualidade relevante:

h) 1. A Autora procedeu em 30.07.2002 à entrega da Declaração de IRC, Modelo 22, relativa ao exercício de 2001 (vd. ponto 2 do probatório e Informação anexa ao despacho de indeferimento);

h) 2. Em 30.05.2005 requereu a Revisão Oficiosa da autoliquidação com fundamento em que reunia no exercício de 2001, todos os pressupostos de aplicação do benefício fiscal previsto no artigo 17° do Estatuto dos Benefícios Fiscais e tal benefício não se encontrava refletido na declaração de rendimentos, tendo daí resultado a não dedução do montante de €437.634,81 que, a efetuar-se, teria repercussões ao nível da diminuição dos prejuízos fiscais deduzidos e proporcionalmente, do aumento dos prejuízos fiscais dedutíveis (vd. ponto 6 do probatório).

h) 3. O pedido de revisão oficiosa foi indeferido com fundamento que não teria enquadramento no artigo 78° n.e 4 da Lei Geral Tributaria (LGT), tendo com este mesmo fundamento sido indeferido o Recurso Hierárquico interposto pela ora Recorrida (vd. pontos 7, 9, 10 e 11 do probatório).

h) 4. As causas de pedir invocadas na p.i. foram a errónea interpretação do artigo 78°, n° 4 da LGT, a violação dos princípios da justiça e da igualdade e a errónea interpretação do artigo 78º, nº 1 da LGT, tendo o douto Acordão recorrido julgado procedentes todos os fundamentos da ação.

i) A Recorrente confunde o processo de revisão por iniciativa do contribuinte previsto no nº 1 do artigo 78º da LGT com o processo de reclamação graciosa previsto nos artigos 68º a 77º do CPPT, sendo certo que tais processos são distintos.

j) Enquanto que a reclamação graciosa é decidida pelo dirigente do órgão periférico local da administração tributária (artigo 75° do CPPT), o pedido de revisão oficiosa previsto no artigo 78º da LGT é dirigido ao próprio autor do ato; e enquanto a reclamação graciosa deve ser deduzida nos prazos previstos, designadamente nos artigos 70° e 131° nº 1 do CPPT, o pedido de revisão previsto no artigo 78º, nº 1 tem que ser deduzido no prazo de reclamação administrativa previsto no artigo 162º do CPA.

k) Assim decidiu, e bem, o Douto acórdão recorrido ao considerar que "não colhe a argumentação da entidade recorrida com a qual pretende restringir o campo de aplicação do procedimento do artigo 78º da LGT no sentido de que qualquer juízo de ilegalidade efetuado pela AT fora dos prazos de reclamação e impugnação é extemporâneo, logo insuscetível de ser efetuado", porque "o pedido de revisão previsto no artigo 78º da LGT, distintamente da reclamação graciosa que é deduzida nos prazos estabelecidos artigos 70º e 131º, nº 1, 132º, n° 3 e 133º, nºs 2 e 3 do CPPT, terá de ser deduzido no prazo de 15 dias (...) pois é este o prazo de reclamação administrativa previsto no artigo 162º do CP A, a tal procedimento aplicável por injunção do nº 1 do artigo 78º da LGT".

1) Ao contrário do que entende a Recorrente não estamos perante um caso de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte e com fundamento em qualquer ilegalidade mas sim de um pedido da ora recorrida para que a Administração Tributária, por sua iniciativa, proceda à revisão oficiosa do ato.

m) Com efeito, como se salienta no douto Acordão recorrido, no caso sub judicibus está em causa um despacho administrativo que não se debruça diretamente sobre a legalidade da liquidação de IRC antes se prendendo com o entendimento naquele perfilhado de que o pedido de Revisão Oficiosa não teria enquadramento no artigo 78º, nº 4 da LGT.

n) E como mais se refere no douto Acórdão recorrido a revisão oficiosa é por definição a revisão do ato tributário por iniciativa da Administração Tributária; e a revisão por iniciativa da Administração Tributária será levada a cabo quer no caso de erro imputável aos serviços, como tal se considerando o erro na autoliquidação (nºs s 1 e 2 do artigo 78º) quer nos casos de injustiça grave ou notória (nºs 3 e 4 do artigo 78º).

o) Mas nada impede que os interessados requeiram à Administração Tributária a revisão dos atos tributários mesmo nos casos em que o artigo 78° prevê que a revisão é da iniciativa dos serviços, como decorre do nº 6 do artigo 78º (atual nº 7).

p) Pelo que conclui e bem no douto Acórdão recorrido que a contribuinte tinha a faculdade de pedir a revisão oficiosa do ato de auto liquidação dentro do prazo em a Administração Tributária a poderia efetuar, ficando a AT obrigada a pronunciar-se sobre o pedido por injunção normativa insíta no artigo 55º, nº 1 da LGT.

q) Ao contrário do que pretende a Recorrente, a lei não distingue o erro imputável aos serviços nos casos de autoliquidação do erro imputável aos serviços nos restantes casos nem o acórdão recorrido confundiu os prazos de reação num e noutro caso.

r) O que resulta do artigo 78º, nº 1 da LGT é que a revisão dos atos tributários pode operar por iniciativa do sujeito passivo ou da Administração Fiscal; no primeiro caso o pedido deve ser interposto no prazo de reclamação administrativa e o fundamento pode ser qualquer ilegalidade; no segundo caso o prazo para interposição do pedido é de 4 anos, e o fundamento tem de ser, necessariamente, o erro imputável aos serviços, resultando, expressamente, do nº 2 do artigo 78° da LGT, que se considera imputável aos serviços (presunção "iuris tantum "), o erro na autoliquidação.

s) Da correta interpretação do citado preceito decorre assim que a revisão do ato tributário com fundamento em erro imputável aos serviços - considerando-se como tal o erro na autoliquidação - é sempre da iniciativa da Administração Tributária e o prazo é de 4 anos.

t) E embora sendo da iniciativa da Administração Tributária nada impede que o contribuinte possa pedir que seja cumprido esse dever, dentro dos limites temporais em que a Administração Tributária o pode exercer.

u) Assim, e ao perfilhar este entendimento, não merece qualquer reparo o afirmado no 3º parágrafo de fls. 13, no 3º parágrafo de fls. 15 e no 2º parágrafo de fls. 16 do douto acórdão recorrido.

v) No que respeita ao artigo 78°, nº 4 da LGT, o facto de não ter sido detetada a pretendida injustiça no prazo previsto no artigo 131º do CPPT é absolutamente irrelevante para a qualificação da injustiça como notória ou grave porquanto a notoriedade significa apenas que a injustiça deve ser patente, ostensiva e inequívoca, não decorrendo da lei a exigência de os contribuintes tomarem conhecimento da mesma no prazo de dois anos.

w) Se assim não fosse, esvaziar-se-ia de qualquer sentido o prazo previsto no nº 4 do artigo 78° da LGT já que, logo que decorridos 2 anos, a injustiça deixaria de ser notória e, portanto, insuscetível de revisão no prazo de 3 anos, o que não é admissível nos planos lógico racional e sistemático da hermenêutica jurídica.

x) Os n.°s 1 e 4 do artigo 78° da LGT têm um campo de aplicação diferenciado e independente, sendo o prazo previsto no nº 1 aplicável aos pedidos de revisão com fundamento em qualquer ilegalidade e o prazo de três anos previsto no nº 4 apenas aplicável aos pedidos de revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave e notória objetiva, isto é, independentemente de os sujeitos passivos se "aperceberem" no prazo previsto no nº 1, da factualidade fundamento da revisão.

y) Assim e ao contrário do alegado pela Recorrente, não merece qualquer censura o douto Acórdão recorrido que fez uma correta interpretação das disposições legais aplicáveis.

z) Do artigo 55° da LGT resulta que a Administração Tributaria deve exercer as suas atribuições na prossecução do interesse público e, ainda, pelo respeito, entre outros, do princípio da justiça.

aa) Como se refere no Acórdão do STA de 18 de junho de 2002, proferido no recurso nº 4587/00, a justiça material constitui a "teleologia própria da tributação" devendo, como tal, ser encarada como um valor absoluto que a Administração Fiscal, estando vinculada à prossecução do interesse publico e ao dever de imparcialidade, deve prosseguir sempre e em todas as circunstâncias, irrelevando, pois, todo e qualquer aspeto de cariz subjetivo como seja a data em que os sujeitos passivos identificam a situação de injustiça.

bb) E assim sendo, não restam dúvidas que a interpretação do artigo 78° nº 4 da LGT adotada no despacho de indeferimento segundo a qual não se considera ter havido injustiça grave ou notória no caso em apreço, uma vez que a ora Recorrida não se apercebeu atempadamente desse facto nem se socorreu do mecanismo previsto no art° 131° nº 1 do CPPT viola claramente o princípio da justiça previsto no artigo 55° da LGT.

cc) Face os princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade consagrados no artº 266°, nº 2 da CRP, mesmo nos casos em que a revisão é da iniciativa dos serviços, nada impede que os interessados requeiram à administração tributária essa revisão e não pode a Administração tributária demitir-se legalmente de o fazer.

dd) Como se refere no douto Acórdão recorrido, embora a revisão do ato tributário acabe "por implicar um alargamento do prazo de estabilidade da situação a que se refere (...) a adoção pelo legislador da possibilidade de revisão do ato pressupõe exatamente o equacionamento dessa questão e a sua resolução no sentido de fazer valer (...) outros valores para além da segurança a prazo certo".

ee) O próprio artigo 78° da LGT, ao prever a possibilidade de revisão do ato tributário mesmo que não exista erro imputável aos serviços, com fundamento em injustiça notória ou grave e para além dos prazos de reclamação graciosa ou impugnação é claramente um corolário do princípio da legalidade e da justiça.

ff) E a possibilidade de revisão do ato tributário mesmo que não exista erro imputável aos serviços decorre também do nº 2 do artigo 78° da LGT, pois como se fundamenta no douto Acórdão recorrido "Aliás a mesma lei - artigo 78º, nº 2 - considera erro imputável aos serviços o erro na autoliquidação efetuada pelo sujeito passivo, do qual está liminarmente excluído qualquer erro material praticado pela administração tributária".

gg) Improcedem assim todas as conclusões da ora Recorrente não merecendo qualquer censura o douto Acórdão recorrido que fez uma correta interpretação e aplicação das normas aplicáveis, designadamente do disposto nos nºs 1, 2 e 4 do artigo 78° da LGT.

Nestes termos e nos demais de Direito que o Venerando Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se o douto Acórdão recorrido e assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.

III. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 264/265, no qual defende a improcedência do recurso, uma vez que o contribuinte pode, no prazo de quatro anos contados da liquidação, com base em erro imputável aos serviços, solicitar a revisão do ato tributário ainda que não tenha deduzido reclamação graciosa nos termos e para os efeitos do estatuído no artº 131º do CPPT.

IV. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

V.Com interesse para a decisão foram dados como provados pelo Tribunal recorrido os seguintes factos:

1º) -A Autora é uma sociedade que se dedica ao fabrico e distribuição de bebidas.

2º)-A Autora apresentou a sua declaração de IRC referente ao exercício de 2000 em 20 de julho de 2001, autoliquidando o Imposto devido de acordo com o disposto nos art.s 82° alínea a) e 83° n° 1 alínea a), ambos do Código do IRC e pagou a quantia de 1 614 784, 86 € em 02 de agosto do mesmo ano, quando o termo final para esses atos era o dia 31 de maio de 2001.

3º)- Ainda no âmbito da sua atividade a Autora procedeu à entrega da Declaração de IRC, Modelo 22, relativa ao exercício de 2001.

4º)- Em 25/09/2002 a Administração Tributária corrigiu aquela autoliquidação havendo a Autora pago adicionalmente a quantia de 21 473,06€ em 10 de outubro de 2002.

5º-Na liquidação referida no ponto anterior foi corrigido o valor da derrama e liquidados os correspondentes juros compensatórios e moratórios.

6º)- Da mencionada Declaração resultou a emissão, por parte da Administração Fiscal, da liquidação n° 2010033360, datada de 09 de abril de 2003 (exercício de 2001).

7º)- Em maio de 2005, detetou a Autora um erro na referida autoliquidação de imposto, tendo, em consequência, e em 30/05/2005, requerido a Revisão Oficiosa da citada liquidação com fundamento em que reunia, no exercício de 2001, todos os pressupostos de aplicação do benefício fiscal previsto no artigo 17° do Estatuto dos Benefícios Fiscais e tal benefício não se encontrava refletido na Declaração de Rendimentos, tendo daí resultado, para a ora Autora, a não dedução do montante de €437.634,81 (quatrocentos e trinta e sete mil, seiscentos e trinta e quatro euros e oitenta e um cêntimos), dedução que, a efetuar-se nos termos devidos, teria repercussões ao nível da diminuição dos prejuízos fiscais deduzidos e proporcionalmente, do aumento dos prejuízos fiscais dedutíveis.

8º)-Em 09 de agosto de 2006, foi a Autora notificada do projeto de decisão relativamente ao referido pedido de revisão, no qual se propunha o indeferimento do mesmo aduzindo a Administração Fiscal, para fundamentar tal posição, que o pedido de Revisão Oficiosa interposto pela ora Autora não teria enquadramento no artigo 78°, n° 4 da Lei Geral Tributaria (LGT), motivo pelo qual deveria o mesmo ser indeferido.

9º)-Em 28 de agosto de 2006, exerceu a Autora, por escrito, o direito de audição prévia, onde se insurgiu quanto à mencionada proposta de decisão, invocando, para defesa da sua posição (i) diversa doutrina, (ii) Jurisprudência dos Tribunais Superiores e até (iii) doutrina administrativa emanada da própria Administração Fiscal, todas no sentido contrário a posição constante do projeto de decisão.

10º)-Em 07 de novembro de 2006, através do Ofício n° 088714, datado de 03/11/2006, e emitido pelo Diretor de Finanças (por delegação), foi a Autora notificada do Despacho da Exma. Sra. Diretora dos Serviços de IRC, que converteu em definitivo o mencionado projeto de decisão, indeferindo, assim, o pedido de Revisão Oficiosa.

11º)-Não se conformando a Autora com o mencionado Despacho por considerar que enferma de diversas ilegalidades insuscetíveis de permitir a sua manutenção na ordem jurídica, foi apresentado por esta Recurso Hierárquico para Sua Ex.ma o Senhor Ministro das Finanças em 06 de dezembro de 2006.

12º)- Em 02.10.2008, a ora Autora foi notificada através do ofício n° 072948 29.09.2008, do despacho n° 684/2008-XVII de Sua Exa o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, proferido em 2008-07-08, no uso de competências delegadas, pelo qual é negado provimento ao Recurso Hierárquico apresentado com os mesmos fundamentos que haviam dado origem ao despacho de indeferimento da revisão oficiosa objeto do Recurso Hierárquico.

13º)- Como da referida notificação não constava a indicação dos meios de defesa e respetivos prazos de que a Autora dispunha para, querendo, reagir contra o ato notificado, em 23 de outubro de 2008 foi por esta requerido, ao abrigo do disposto no art. 37° do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), a notificação dos referidos requisitos omitidos na notificação em causa ou a passagem de certidão que os contivesse, isenta de qualquer pagamento.

14º)- Tendo a Autora recebido a notificação desses mesmos elementos a 5 de novembro de 2008.

VI. A única questão a conhecer neste recurso consiste em saber se, detetado pelo contribuinte erro na autoliquidação de IRC por si efetuada, pode este formular pedido de revisão daquela ao abrigo do disposto no artº 78º da LGT ou se tal meio lhe é vedado por ser aplicável ao caso, em matéria de autoliquidação, o disposto no artº 131º, nº 1 do CPPT.

VI.1.A entidade requerida entende que da interpretação conjugada dos nºs 1, 2 e 4 do artº 78º da LGT e do nº 1 do artº 131º do CPPT resulta que, havendo erro na autoliquidação e por iniciativa do contribuinte os atos tributários podem ser revistos através de reclamação administrativa/graciosa e com base em qualquer ilegalidade, considerando-se que o erro na autoliquidação é imputável aos Serviços, podendo a respetiva reclamação administrativa/graciosa apenas ser apresentada no prazo de dois anos, contados após a entrega da declaração e respetiva autoliquidação (artº. 131°, n° 1 do CPPT); só depois da utilização deste mecanismo legal, é que o contribuinte pode lançar mão da competente impugnação:
- Excecionalmente, a revisão dos atos tributários pode ocorrer no prazo de três anos contados após a entrega da declaração, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes condições (n° 4 do artº. 78° da LGT): não tenha havido comportamento negligente por parte do contribuinte e tenha ocorrido injustiça grave ou notória.

Ora, o douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, confundiu os prazos de reação, pois os da iniciativa do contribuinte são diferentes dos da iniciativa da Administração Tributária. Na verdade, o erro imputável aos serviços no caso da autoliquidação (primeira parte do n° 1 do artº. 78° da LGT, conjugado com o n° 2 da mesma norma) é substancialmente diferente do erro imputável aos serviços nos restantes casos (segunda parte do n° 1 do artº. 78° da LGT). Logo, se a lei distingue as duas situações, não pode o julgador inseri-las num contexto comum, para além de esta aplicação correta da lei não colide com o art. 55° da LGT, sob pena de incoerência sistemática.

O n° 1 do artº. 78° da LGT distingue claramente duas situações: na sua primeira parte, o erro imputável aos serviços no caso da autoliquidação com pedido de revisão por iniciativa do contribuinte; na sua segunda parte, o erro imputável aos serviços nos restantes casos com revisão por iniciativa da Administração Tributária.

Daqui resulta então que, quando a iniciativa é do contribuinte, aplica-se o disposto no nº. 1 do artº. 78° da LGT, excetuando a segunda parte do n° 1 do artigo, destinado a ser usado pela Administração Tributária em qualquer outro caso; naturalmente e com base na sua natureza, a autoliquidação fica excluída, porque fisicamente é sempre levada a cabo pelo contribuinte.

No caso dos autos, o prazo consagrado no citado artº 131º não pode ser considerado irrelevante até porque o CPPT é diploma especial em relação à LGT.

VI.2. O acórdão recorrido, por sua vez, entendeu que o requerimento da autora é adequado a desencadear o mecanismo da revisão oficiosa previsto nº nº 1 do artº 78º da LGT. Com efeito, sobre a Administração Tributária impende o dever de revogar os atos de liquidação de tributos que sejam ilegais nas condições e com os limites temporais referidos naquele artº 78º. E, em homenagem aos princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, devem também ser oficiosamente corrigidas, dentro dos mesmos limites temporais as ilegalidades que o contribuinte lhe apontar, podendo, por isso, requerer a revisão do ato tributário.
A autoliquidação é equiparada a erro imputável aos serviços, pelo que o pedido de revisão é, no caso concreto, admissível.

VI.3. Do mesmo entendimento comunga a autora quando refere que apenas formulou um pedido para que a Administração Tributária procedesse à revisão oficiosa do ato, não estando, por isso, em causa, qualquer reclamação do ato de liquidação.

Daqui resulta então que o prazo para a Administração Tributária efetuar a revisão é de quatro anos por existir erro imputável aos serviços pelo que nada que impede que o contribuinte possa pedir que para que seja cumprido o dever de a Administração Tributária revogar o ato ilegal.

VI.4. Também o MºPº, no seu parecer de fls. 264/265, se pronuncia pela improcedência do recurso, louvando-se nos seguintes argumentos:
Nos termos do disposto no artº 78º, nº 1 da LGT, a Administração Tributária pode proceder à revisão oficiosa dos atos tributários, devendo prazo de quatro anos após a liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços, sendo certo que, de acordo com o nº 2 do mesmo artigo, se considera também imputável aos serviços o erro na autoliquidação.
A possibilidade de revisão oficiosa dos atos tributários a favor do contribuinte tem um caráter geral, não constituindo um meio alternativo ou dependente dos meios de impugnação administrativa e judicial (reclamação graciosa, recurso hierárquico ou impugnação judicial), mas um meio complementar destes e que só é utilizável quando não for possível utilizar aqueles meios impugnatórios.
Deste modo, não pode ser indeferido um pedido de revisão oficiosa por não ter sido deduzida prévia reclamação graciosa ao abrigo do art º 131º do CPPT, o mesmo ser aplicado se efetuado passados os dois anos ali previstos e antes de decorrido o prazo de quatro previsto no artº 78º da LGT.
Assim, no caso dos autos, o contribuinte poderia apresentar o pedido de revisão no prazo de quatro anos, a contar da data da liquidação, com base em erro imputável aos serviços, sem ter deduzido previamente a reclamação graciosa nos termos e para os efeitos do artº 131º acima citado.

Vejamos então.

VII. As normas acima referidas e que relevam para a decisão estabelecem o seguinte:

(Artigo 131º do CPPT)
1. Em caso de erro de autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos após a apresentação da declaração.
2. Em caso de indeferimento expresso ou tácito da reclamação, o contribuinte poderá impugnar, no prazo de 30 dias, a liquidação que efetuou, contados, respetivamente, a partir da notificação do indeferimento ou da formação da presunção do indeferimento tácito.
3. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende da reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do nº 1 do artigo 102º.

(Artigo 78.º da LGT)
1- A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2- Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.

Ora, examinando as referidas normas temos que, no 1º caso, se trata de um meio de defesa típico da autoliquidação que, em princípio, é precedido de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos após a apresentação da declaração.
Assim, se no prazo de dois anos após a apresentação da declaração o contribuinte constatar ter havido erro de facto ou de direito na autoliquidação, pode utilizar o meio previsto neste artigo 131º.

Já o artº 78º da LGT consagra um meio de eliminação de ilegalidades comum a todos os atos tributários, no qual temos de incluir também os atos autoliquidados, como, aliás resulta, do seu nº 2.

Deste modo, tal como sucede relativamente a qualquer ato tributário, independentemente de poder usar os meios de defesa normais (reclamação graciosa, recurso hierárquico e impugnação judicial), o contribuinte pode também pedir a revisão do ato tributário no prazo de reclamação administrativa com fundamento em qualquer ilegalidade; e pode ainda solicitar à administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação, que esta revogue o ato com fundamento em erro imputável aos serviços.

Este artigo, aliás, segue a tradição de anteriores normas tributárias que admitiam a revisão do ato tributário.
Assim, antes da entrada em vigor do Código de Processo Tributário, era admitida a revisão do ato de liquidação com fundamento em qualquer inexatidão objetiva, com base em novos factos ou em novos meios de prova que viessem a ser conhecidos e demonstrassem aquela inexatidão. (ALBERTO XAVIER, Conceito e Natureza do Ato Tributário, página 582.)
Esta revisão era efetuada a favor do contribuinte, conduzindo à anulação, total ou parcial, do ato tributário.
O Decreto-Lei n.º 163/79, de 31 de maio, previa também a possibilidade de revisão de atos de liquidação de impostos municipais, estabelecendo, no n.º 4 do seu artº. 1.º, que «independentemente de reclamação ou impugnação dos interessados, a câmara municipal ordenará, sob proposta do chefe da secretaria, a revisão dos atos da liquidação dos impostos referidos nos números anteriores sempre que, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidada quantia superior à devida, se ainda não tiverem decorrido cinco anos sobre a abertura dos cofres ou sobre o pagamento eventual».
Nos códigos da reforma fiscal de 1988 também se previa possibilidade de revisão a favor do contribuinte, por erro imputável aos serviços (art. 85.º, n.º 1 C.I.R.S. e 81.º, n.º 3 do C.I.R.C.).
O C.P.T., de 1991, veio admitir generalizadamente a revisão oficiosa dos atos tributários.
A revisão era sempre da iniciativa da administração tributária (do autor do ato ou superior hierárquico e por isso, se denominava revisão oficiosa), com fundamento no errado apuramento da situação tributária do interessado (93.º C.P.T.):
a) Se a revisão for a favor da administração fiscal, com base em novos elementos não considerados na liquidação e dentro do prazo de caducidade;
b) Se a revisão for a favor do contribuinte, com base em erro imputável aos serviços ou duplicação da coleta, nos cinco anos posteriores ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data da notificação do ato a rever e, ainda, no decurso do processo de execução fiscal.
Da decisão que indeferisse um pedido de revisão de ato tributário cabia impugnação contenciosa, uma vez que se tratava de um ato que se devia considerar lesivo, por haver um verdadeiro direito à revisão de atos ilegais. A natureza lesiva do ato de indeferimento de pedido de revisão veio a ser expressamente afirmada no artº. 95.º, n.º 2, alínea d), da L.G.T..
Embora esta Lei só tivesse entrado em vigor em 1-1-1999, o ato de indeferimento de pedido de revisão já tinha natureza lesiva anteriormente, pois a natureza de um ato, a nível da sua lesividade, constitui algo que lhe é intrínseco.
A L.G.T. mantém esta previsão generalizada da possibilidade de revisão dos atos tributários, estabelecendo, genericamente que «o ato decisório pode revogar total ou parcialmente ato anterior ou reformá-lo, ratificá-lo ou convertê-lo nos prazos da sua revisão» (artº. 79.º da L.G.T.).

Em vários códigos tributários preveem-se situações de revisão das liquidações a favor do contribuinte, com e sem fundamento em erro imputável aos serviços, bem como situações de restituição de tributos independentemente de anulação do ato tributário, nomeadamente nos artsº 103.º do C.I.R.C., 42.º do C.I.M.T., 93.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e 98.º do C.I.V.A..

VIII. Conforme ficou escrito no Acórdão deste STA de 14.11.2007 – Processo nº 0565/07 (que acima também seguimos), o dever de a Administração concretizar a revisão de atos tributários, a favor do contribuinte, quando detetar uma situação desse tipo por sua iniciativa ou do contribuinte, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua atividade (artº 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei. (Neste sentido, pode ver-se o acórdão do S.T.A. de 11.05.2005, proferido no recurso n.º 319/05)
Há, assim, um reconhecimento no âmbito do direito tributário do dever de revogar de atos ilegais, dever esse que tem vindo a ser defendido por parte da doutrina (v, por exemplo, ROBIN DE ANDRADE, A Revogação dos Atos administrativos, 2.ª edição, páginas 255-268, – MARIA DA GLÓRIA FERREIRA PINTO, Considerações sobre a Reclamação Prévia ao Recurso Contencioso, páginas 12-14, PAULO OTERO, O Poder de Substituição em Direito Administrativo, volume II, páginas 582-583, – MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, páginas 613-614 e FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume II, páginas 463-465).

A revisão do ato tributário tanto antes da vigência do CPT, como durante a sua vigência, como depois da LGT, constitui, assim, um meio administrativo de correção de erros de atos de liquidação de tributos, que é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses atos, a deduzir nos prazos normais respetivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração.

O regime do artº 78.º, quando o pedido de revisão é formulado para além dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa, reconduz-se a um meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do ato de liquidação, e não a um meio anulatório, com destruição retroativa dos efeitos do ato. A esta luz, o meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação).
Trata-se de um regime reforçadamente garantístico, quando comparado com o regime de impugnação de atos administrativos, mas esse reforço encontra explicação na natureza fortemente agressiva da esfera jurídica dos particulares que têm os atos de liquidação de tributos.
Embora o artº 78.º da L.G.T., no que concerne a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, se refira apenas à que tem lugar dentro do «prazo de reclamação administrativa», no n.º 6 do mesmo artigo (na redação inicial, que é o n.º 7 na redação vigente) faz-se referência a «pedido do contribuinte», para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como «oficiosa», pode ter subjacente também a iniciativa do contribuinte.
Idêntica referência é feita no n.º 1 do artº. 49.º da L.G.T., que fala em «pedido de revisão oficiosa», e na alínea a) do n.º 4 do artº. 86.º do C.P.P.T., que refere a apresentação de «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, com fundamento em erro imputável aos serviço».
É, assim, inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação administrativa), que se faça, também na sequência de iniciativa sua, a «revisão oficiosa» (que a Administração deve realizar também por sua iniciativa).
Por outro lado, a alínea d) do n.º 2 do artº. 95.º da L.G.T. refere os atos de indeferimento de pedidos de revisão entre os atos potencialmente lesivos, que são suscetíveis de serem impugnados contenciosamente. Não se faz, aqui qualquer distinção entre atos de indeferimento praticados na sequência de pedido do contribuinte efetuado no prazo da reclamação administrativa ou para além dele, pelo que a impugnabilidade contenciosa a atos de indeferimento de pedidos de revisão praticados em qualquer das situações, o que, aliás, é corolário do princípio constitucional da impugnabilidade contenciosa de todos os atos que lesem direitos ou interesses legítimos dos administrados (artº. 268.º, n.º 4, da C.R.P.).
Assim, é de concluir que, o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial do ato de liquidação, não impedia a impugnante de pedir a revisão oficiosa.

O que acaba de referir-se ficou também anteriormente escrito no Acórdão de 11.05.2005- Processo nº 0319/05, que resumiu tal entendimento da seguinte forma:

O art. 78° da LGT prevê a revisão do ato tributário «por iniciativa do sujeito passivo» ou «da administração tributária», aquela «no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade», e esta «no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços».
Todavia, tal não significa que o contribuinte não possa, no prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão.
Tal resulta, desde logo, dos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade - art. 266°, n.° 2 da CRP.
Como se refere no Ac. do STA de 20/03/2002, rec 26.5 80:
Face a tais princípios, não se vê como possa a Administração demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão do ato quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes, no domínio das suas atribuições, sendo que «o dever de pronúncia constitui, de resto, um princípio abertamente assumido pelo art. 9° do CPA, no domínio do procedimento administrativo mas aqui também aplicável por mor do disposto no art. 2° do mesmo código».
E, mais adiante: «é claro que a revisão do ato tributário, na sua dimensão de ato a favor do contribuinte, que é a dimensão que aqui importa ter em conta, acaba por implicar um alargamento do prazo de estabilidade da situação tributária a que se refere. Mas uma tal consequência não é uma objeção que o intérprete possa colocar ... pois a adoção, pelo legislador, da possibilidade de revisão do ato pressupõe exatamente o equacionamento dessa questão e a sua resolução no sentido de fazer, dentro de certos condicionalismos ... outros valores para além da segurança jurídica a prazo certo».
E de lei escrita.
Na verdade, o próprio art. 78°, n.° 6 refere o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.
E o art. 86°, n.° 4, ai. a) do CPPT menciona o «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo».
É, aliás, no sentido exposto, a jurisprudência, que se crê uniforme, do STA. Cfr., por todos, os Acds. de 20/03/2002 citado, 19/11/2003 rec. 1181/03, 17/12/2002 rec. 1182/03, 29/10/2003 rec. 462/03, 02/04/2003 rec. 1771/02, 20/07/2003 rec. 945/03, 30/01/2002 rec. 26.231

IX. Temos então que, no caso concreto, a Administração Tributária poderia proceder à revisão oficiosa do ato de autoliquidação, uma vez que o nº 1 do artº 78º, parte final e o seu nº 2 da LGT estabelecem que a revisão por iniciativa da administração tributária pode ter lugar no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços, considerando-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.
Ora, podendo proceder oficiosamente a essa revisão, do mesmo modo deve a ela proceder por iniciativa e a pedido do contribuinte, pelas razões acima referidas – interesse público na eliminação da ilegalidade do ato tributário.

Pelo que ficou dito, não se pode aqui concordar com a interpretação da recorrente constante da alínea G) das conclusões das suas alegações, segundo a qual e por aplicação das disposições conjugadas dos artºs 78º, nºs 1, 2 e 4 da LGT e 131º do CPPT:
-O ato tributário só poderia ser revisto através de reclamação administrativa/graciosa e com base em qualquer ilegalidade (n° 1 do artº. 78° da LGT), considerando-se que o erro na autoliquidação é imputável aos Serviços (n° 2 do mesmo artigo);
-Essa reclamação administrativa/graciosa apenas poderia ser apresentada no prazo de dois anos, contados após a entrega da declaração e respetiva autoliquidação (artº. 131°, n° 1 do CPPT); só depois da utilização deste mecanismo legal, é que o contribuinte poderia lançar mão da competente impugnação:
- Excecionalmente, a revisão dos atos tributários poderia ocorrer no prazo de três anos contados após a entrega da declaração, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes condições (n° 4 do artº. 78° da LGT): não tenha havido comportamento negligente por parte do contribuinte e tenha ocorrido injustiça grave ou notória.

Ora, desde logo e quanto à necessidade de tal reclamação, tem este STA entendido que a mesma, em caso de pedido de revisão ao abrigo do artº 78º, nº 1, é desnecessária (Neste sentido, por exemplo, v. o Acórdão acima citado e o Acórdão de 12.07.2006, proferido no Recurso n.º 402/06, este no caso de retenção na fonte).
Por outro lado, a autora formulou o seu pedido com fundamento em ilegalidade e não com fundamento em injustiça grave ou notória, pelo que tal fundamento nem sequer tem cabimento nestes autos.

Concluímos então no sentido de que, tendo a autora formulado pedido de revisão oficiosa da autoliquidação no prazo de quatro anos previsto na parte final do nº 1 do artº 78º da LGT (v. nºs 2 e 6 do probatório), a Administração Tributária está obrigada legalmente a conhecer de tal pedido, pelo que o acórdão recorrido merece confirmação.

X. Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 12 de Setembro de 2012. – Valente Torrão (relator) – Ascensão Lopes – Pedro Delgado.