Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0850/05
Data do Acordão:08/10/2005
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BAETA DE QUEIROZ
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA.
ACTO ADMINISTRATIVO EM MATÉRIA FISCAL.
EXECUÇÃO FISCAL.
Sumário:I - Através da oposição o executado pode, prestando garantia - ou mesmo sem o fazer, caso esteja impossibilitado e requeira em conformidade - obter a suspensão da execução fiscal.
II - existindo fundamentos para essa oposição, a suspensão da eficácia do acto administrativo que determinou o pagamento da quantia acordada entre o Estado e Liga Portuguesa de Futebol Profissional não é meio processual adequado para evitar a penhora dos depósitos bancários da Liga e assim assegurar a continuidade dos campeonatos desportivos que organiza.
III - Daí que a Liga não possa obter, na pendência da execução fiscal, visando a tutela preventiva e temporária do direito que defende na acção principal, a suspensão de eficácia do acto que determinou aquele pagamento, podendo a tutela de que carece ser obtida através da dedução da oposição à execução
Nº Convencional:JSTA00062436
Nº do Documento:SA2200508100850
Data de Entrada:07/07/2005
Recorrente:A...
Recorrido 1:MINFIN
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA NORTE.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - MEIO PROC ACESSÓRIO.
Legislação Nacional:CPTA02 ART120 N1 A ART112.
LGT98 ART52 N4.
CPPT99 ART170.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC620/04 DE 2004/09/15.; AC STA PROC1273/04 DE 2005/01/13.; AC STA PROC41275 DE 2005/06/09.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1. A A…, com sede no Porto, recorre do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCA) que indeferiu a providência cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo em matéria fiscal consubstanciado no ponto 7 do despacho nº 7/98-XIII, de 4 de Março de 1998, de S. Exª. o SECRETÁRIO DE ESTADO DOS ASSUNTOS FISCAIS.
Formula as seguintes conclusões:
«1ª
Juridicamente qualificada, a requerida suspensão de eficácia é uma providência cautelar conservatória, pois visa assegurar a permanência do statu quo ante à prolação do Despacho n° 7/98-XIII, no segmento impugnado;
Nas providências cautelares de natureza conservatória, a lei (art. 120º, n° 1, al. b) do CPTA) basta-se com um juízo negativo de não improbabilidade da procedência da pretensão, fumus boni iuris que, in casu, está demonstrado, em múltiplas sedes e a diversos títulos, no requerimento de suspensão de eficácia, como, aliás, se julgou — e bem — no Acórdão recorrido;
Por sua vez, nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n° 1 do art. 120° do CPTA, o requisito periculum in mora considera-se verificado quando os factos concretos alegados pelo requerente consubstanciam o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornar depois impossível ou difícil, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade;
Representando a situação futura de uma hipotética sentença de provimento no processo principal, o juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose e concluir se há, ou não, razões para recear que tal decisão venha a ser inútil por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela (periculum in mora de infrutuosidade), ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação que obstem à reintegração específica da esfera jurídica do requerente (periculum in mora de retardamento);
Na aferição da possibilidade de se produzirem prejuízos de difícil reparação, o critério não é o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar;
A providência cautelar ajuizada visa, através do instituto da suspensão de eficácia, paralisar os efeitos do acto administrativo materializado no ponto 7 do Despacho n° 7/98-XIII; entre esses efeitos avulta a execução fiscal instaurada contra a recorrente, a qual tem a sua matriz, suporte e fundamento no acto suspendendo: a responsabilidade da Liga nele estabelecida, unilateral e autoritariamente, é justamente aquela que, depois de quantificada, é dada à execução;
A instauração do procedimento executivo que, em si e por si, integra a execução do acto impugnado, faz convencer objectivamente da seriedade da ameaça invocada pela recorrente e da inexistência de outra forma de tutelar para além da cautelar que permita pô-la a coberto de uma situação lesiva de facto consumado ou, em derradeira alternativa, de prejuízos de difícil reparação;
Com efeito, em face da impossibilidade de a recorrente obter e prestar garantia que cubra a astronómica quantia que lhe é reclamada, a execução avançará para a fase da penhora e, penhorados que sejam os depósitos bancários, daí segue-se a inevitável paralisação dos campeonatos por impossibilidade de movimentação dos dinheiros necessários ao pagamento dos serviços e dos agentes das competições;
Uma vez paralisadas as competições, será impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade; por definição, os prejuízos decorrentes dessa situação de facto consumado não são susceptíveis de reparação através da execução da sentença que julgue nulo o questionado acto;
10ª
Vale isto por dizer que a não concessão da providência compromete o efeito útil da decisão a proferir no processo principal, que em caso de procedência, se esgotará numa pronúncia puramente platónica e despojada de alcance;
11ª
E não se objecte como faz o Acórdão recorrido que, constituindo a prestação de garantia e a penhora actos processuais previstos no CPPT, é “a lei, e não o risco de infrutuosidade da sentença ou o risco de retardamento da tutela, que constitui a fonte dos prejuízos invocados";
12ª
Na verdade, é mister ter presente que essas consequências legais têm lugar no âmbito de um concreto processo de execução fiscal, cuja origem e fundamento está firmada no acto suspendendo; a responsabilidade da Liga não nasce da lei, mas sim desse acto;
13ª
Ou seja, a fonte dos prejuízos invocados está radicada no acto suspendendo; a execução fiscal apenas concretiza e executa a responsabilidade nele (acto) estabelecida, de sorte que pode e deve ser abrangida pela paralisação dos seus efeitos, como decidiu o Ac. STA de 6.11.96 (Rec. n° 19.481);
14ª
Donde, deve considerar-se verificado o requisito do periculum in mora;
15ª
Finalmente, a ponderação equilibrada dos interesses em jogo, segundo o critério de proporcionalidade estabelecido no n° 2 do art. 120º do CPTA, leva à conclusão segura de que a grandeza dos prejuízos que a recusa da providência poderá trazer à recorrente é substancialmente superior aos eventuais riscos que a sua concessão envolveria para o interesse público;
16ª
Designadamente, a ameaça séria e actual da paralisação dos campeonatos, com todo o cortejo de danos irreparáveis nela implicados, sobreleva em muito o risco de lesão do interesse público: a suspensão provisória da cobrança do alegado crédito do Estado não coloca em perigo a execução das suas atribuições e funções e, de resto, a satisfação do seu interesse está garantida pelas receitas do Totobola que até 2010 continuam a afluir aos cofres públicos;
17ª
Nesta sede, apenas releva a comparação dos resultados ou dos prejuízos que possam resultar da concessão ou da recusa providência, sejam eles públicos ou privados, sendo certo que a organização dos campeonatos profissionais cometida legalmente, e de modo infungível, à recorrente tem uma dimensão e conotação publicista;
18ª
Consequentemente, mostram-se preenchidos todos e cada um dos requisitos de que a lei faz depender a concessão da requerida providência cautelar;
19ª
Na douta decisão recorrida violaram-se as disposições legais supra citadas
Termos em que, deve o recurso ser julgado procedente e, por via da sua procedência, revogar-se o Acórdão recorrido e substitui-lo por outro que decrete a concessão da providência».
1.2. A entidade recorrida contra-alega, defendendo a manutenção do julgado, formulando as conclusões que seguem, sob nossa numeração:
«1.
A Entidade recorrida considera que é patente a falta de viabilidade da pretensão da Requerente, tanto mais quanto se invoca a nulidade;
2.
Sendo patente a não nulidade do n° 7 do despacho 7/98-XIII, a acção administrativa especial intentada seria, aliás, intempestiva tal como a presente providência;
3.
Mas ainda que se admita a inexistência de manifesta falta de fundamento da acção principal e que se trata de concessão de providência cautelar conservatória, não basta, face à alínea b) do n° 1 do artigo 120º do CPTA, que haja um juízo, negativo, de não improbabilidade da procedência da pretensão — de fumus malus – tendo que existir algum dos restantes requisitos previstos na referida alínea b);
4.
E esses pressupostos não se encontram reunidos: a não concessão da providência cautelar não provocará qualquer situação que impeça os efeitos da declaração de nulidade, nem causará prejuízos de difícil reparação para os interesses defendidos com a acção principal;
5.
A utilização do pedido de suspensão de eficácia (e até da acção para declaração de nulidade) foi o meio encontrado pela requerente para tentar alcançar, indirectamente, a suspensão de eficácia da execução fiscal, que deve ser matéria apreciada face ao disposto no CPPT e de acordo com os respectivos procedimentos.
6.
Tudo visto, a providência cautelar de suspensão de eficácia do n° 7 do Despacho 7/98-XIII do SEAF, requerida pela Liga, não deve ser aceite dada a inexistência dos requisitos exigidos no artigo 120º do CPTA, porque:
- O acto suspendendo não é nulo nem sequer ilegal, não existindo qualquer fumus boni iuris, mas antes um elevadíssimo grau de probabilidade de a pretensão (de declaração de nulidade) formulada no processo principal vir a ser julgada improcedente (ou seja, há um nítido fumus malus...), até porque extemporânea;
- Não existe perigo de se constituir uma situação de facto consumado, que torne inútil a acção principal (a não suspensão não impede a declaração de nulidade);
- A concessão dessa suspensão seria, pelo contrário, prejudicial para o interesse público desencadeando o alarme na opinião pública de que as “forças do futebol” conseguem sempre um regime condescendente quando não claramente privilegiado e legitimando formas enviesadas de alcançar a suspensão de uma execução fiscal sem prestação de garantias nem penhora.
Ou seja, o douto Acórdão recorrido não deve ser revogado, antes devendo ser confirmada a não procedência da pretensão da ora Recorrente».
1.3. O Exmº. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, notificado, não se pronuncia sobre o mérito do recurso.
1.4. O processo vem à conferência em férias judiciais e com dispensa de vistos prévios, atento o seu carácter urgente.
***
2. O acórdão recorrido fixou a seguinte factualidade:
«1.
Em 31/01/97 a A… e a …, na qualidade de gestores de negócios, aderiram em nome dos clubes de futebol das (então designadas) I Divisão, II Divisão de Honra, 2ª Divisão B e 3ª Divisão, ao plano de regularização de dívidas fiscais regulado no DL n° 124/96, de 10 de Agosto;
2.
Nessa qualidade de gestores de negócios, a Liga e a Federação ofereceram ao Estado, para liquidação das dívidas ao fisco existentes até 31/07/96, as receitas futuras das apostas mútuas desportivas a que os clubes tenham direito.
3.
Porque se tratava da dação de um bem futuro e de valor relativamente incerto, o Ministro das Finanças determinou a avaliação das receitas dessas apostas mútuas desportivas, de harmonia com o despacho de 16/09/97 que homologou a Proposta n° 1149/97 do SEAF, que se encontra documentado a fls. 78/79 e cujo teor se dá aqui por reproduzido;
4.
Na sequência desse despacho, foi nomeada em 28/10/97 uma Comissão Técnica para avaliar as receitas oferecidas em pagamento das dívidas fiscais, que avaliou as receitas das apostas mútuas desportivas entre um valor mínimo de 8,2 e o máximo de 13,1 milhões de contos, com um valor médio de 10.902.000 contos para um período de 12 anos e meio (de 1/07/1998 a 31/12/2010), período de tempo esse equivalente às 150 prestações mensais previstas no n° 1 do art. 5º do DL n° 124/96.
5.
Por sua vez, a Administração Fiscal avaliou em 11.367.198 contos o montante global das dívidas fiscais dos clubes até 31/07/96, apurado no respectivo processo de regularização e calculado nos termos do art. 4° do DL n° 124/96.
6.
Na sequência desses procedimentos de avaliação, em 4 de Março de 1998, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais proferiu, no âmbito do DL n° 124/96, o Despacho n° 7/98-XIII, com o seguinte teor:
“Considerando que, em 31 de Janeiro de 1997, a Liga e a Federação aderiram, como gestores de negócios dos clubes das 1ª, 2ª divisão de honra, 2ª divisão B e 3ª divisão, ao plano de regularização de dívidas ao fisco constante do DL no 124/96, de 10 de Agosto;
Considerando que a Liga e a Federação oferecerem, em dação em pagamento, para liquidação do valor das dívidas ao fisco existentes até 31 de Julho de 1996, as receitas futuras das apostas mútuas desportivas a que os clubes tenham direito;
Considerando que a dação em pagamento está prevista no Código Civil e nos artigos 109°-A e 284° do Código de Processo Tributário, na redacção que lhe foi dada pelo D.L. no 125/96, de 10 de Agosto;
Considerando que nada obsta, no plano jurídico, à aceitação de bens de montante relativamente indeterminado, como os supra-referidos, ou mesmo de bens futuros, já que podem ser dados em pagamento todos os bens mobiliários ou imobiliários sem excepção;
Considerando que, por razões de uniformidade de tratamento, o prazo de arrecadação das receitas oferecidas em dação em pagamento se deve aproximar do prazo máximo permitido no regime prestacional previsto no DL n° 124/96 (12,5 anos);
Considerando que, por despacho de 28 de Outubro de 1997, foi nomeada uma Comissão Técnica para avaliar as receitas das apostas mútuas desportivas para um período de doze anos e meio;
Considerando que, segundo o relatório da Comissão Técnica, a árvore de cenários construídos permite identificar uma “banda de sensibilidade” em torno do valor de tais receitas em que o valor mínimo será de 8,2 e o máximo de 13,1 milhões de contos;
Considerando que, segundo o relatório, o valor médio de tais receitas, para uma taxa provável de actualização de 3%, é de 10,902 milhões de contos;
Considerando que o valor global das dívidas fiscais de todos os clubes, até 31 de Julho de 1996, apurado nos respectivos processos de regularização e calculado nos termos do artigo 4° do D. L. n° 124/96, de 10 de Agosto e do Código do IVA, é de 11.367.198 contos;
Considerando que os clubes aderentes, constantes da lista em anexo, devem ter, à data da certificação das condições de adesão, a sua situação tributária, posterior a 31 de Julho de 1996, regularizada, de acordo com a lei geral e com as orientações administrativas constantes do Despacho n° 17/97, de 14 de Março;
Considerando que as dívidas dos clubes à Segurança Social têm vindo a ser pagas, no quadro da lei, por mecanismos próprios;
Considerando que a Liga e a Federação se comprometem a respeitar cláusulas de salvaguarda que neutralizem qualquer risco financeiro da dação em cumprimento,
DETERMINO:
1. A aceitação, como forma de extinção das dívidas fiscais globais dos clubes existentes até 31 de Julho de 1996, no valor de 11 367 198 contos, da dação em pagamento das receitas das apostas mútuas desportivas oferecidas pela Liga e Federação, durante o período que vai de 1 de Julho de 1998 a 31 de Dezembro de 2010, sem prejuízo da manutenção e consideração dos pagamentos por conta já efectuados ou a efectuar até à data do início daquele período.
2. A aceitação do montante de 10 902 000 contos como valor de avaliação das receitas das apostas mútuas desportivas oferecidas.
3. A aceitação em regime de pronto pagamento ou em 150 prestações mensais do pagamento da dívida remanescente, no valor de 465.198 contos.
4. A nomeação de uma Comissão de acompanhamento, constituída por um representante da Inspecção-Geral de Finanças, um representante da Direcção dos Serviços de Justiça Tributária da DGCI e um representante dos Serviços de Inspecção Tributária da DGCI, para análise da situação tributária dos clubes ao longo do período referido no ponto 1.
5. À Comissão de acompanhamento compete, nomeadamente:
a) Certificar que os clubes constantes da lista anexa satisfazem, em 1 de Junho de 1998, as condições de adesão previstas no D. L. nº 124/96, de 10 de Agosto;
b) Verificar o cumprimento pontual das entregas dos valores das apostas mútuas a efectuar pela Liga e pela federação;
c) Propor os mecanismos de inspecção necessários para garantir o cumprimento integral do presente despacho;
d) Certificar, sempre que necessário, que os clubes em anexo mantém, ao longo do período referido no ponto 1., a sua situação tributária regularizada, nos termos do n° 5 do artigo 6° da Lei n° 103/97, de 13 de Setembro, cumprindo as suas obrigações tributárias principais e acessórias.
6. A Comissão avaliará, no segundo semestre de 2004 e de 2010, o cumprimento do presente despacho e quantificará as importâncias recebidas.
7. No caso de metade do valor arrecadado ser insuficiente para o pagamento de metade da dívida global ao fisco apurada no segundo semestre de 2004 e de 2010, a Liga e a Federação deverão proceder ao pagamento da diferença até ao valor dessas metades.
8. No caso do montante apurado no segundo semestre de 2004 ser superior à metade da dívida global ao fisco apurada, devem os serviços proceder ao reescalonamento da dívida remanescente ou ao encurtamento dos prazos de entrega da dação em pagamento”.
7.
Nessa sequência, foi celebrado em 25/02/99 o Auto de Aceitação de Dação em Pagamento, que se encontra documentado a fls. 90 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido
8.
Nesse Auto consta que: «Pelos representantes da … e da …, foi dito que pela sua adesão ao decreto Lei no 124/96, de 10 de Agosto, com vista à regularização das dívidas fiscais dos clubes de futebol que constam da lista anexa, e com o conhecimento e o consentimento pleno dos mesmos, dão como dação em pagamento, as verbas do Totobola, pelo prazo máximo de doze anos e meio, a contar de 1 de Julho de mil novecentos e noventa e oito até 31 de Dezembro de dois mil e dez no montante máximo de dez milhões novecentos e dois mil contos.
A dação definida no despacho n° 7/98-XIII, de 4 de Março, de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que passa a fazer parte integrante do presente auto, destina-se a pagar as dívidas fiscais nele quantificadas, dos clubes de futebol constantes da lista anexa, até ao montante atrás indicado».
9.
Em 17/12/2004 o Chefe do Serviço de Finanças 5 do Porto notificou a A… nos termos que constam do oficio que se encontra documentado a fls. 84 e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, para efectuar o pagamento da quantia de 19.957.145,00 Euros, que resulta da diferença entre o valor arrecadado com a Dação em Pagamento com as verbas do Totobola no período que medeia entre 1 de Julho de 1998 e Junho de 2004, e metade da dívida global com que os clubes fizeram a sua adesão;
10.
Em 23/02/2005 a Liga foi citada em processo de execução fiscal pendente no Serviço de Finanças 5 do Porto para pagar aquela quantia, tal como consta do documento de fls. 123 cujo teor integral aqui se dá por reproduzido».
***
3.1. A recorrente interveio em negociações tendentes à regularização das dívidas ao fisco, até 31 de Julho de 1996, dos clubes de futebol intervenientes nas competições desportivas nacionais, oferecendo, para o seu pagamento, as receitas das apostas mútuas a que esses clubes teriam direito entre 1 de Julho de 1998 e 31 de Dezembro de 2010.
Pelo despacho cuja suspensão de eficácia aqui é requerida foi, além do mais, aceite a dação em pagamento dessas receitas «como forma de extinção das dívidas fiscais» aludidas.
Na sequência de tal despacho foi elaborado «Auto de Aceitação de Dação em Pagamento», no qual consta ter sido afirmado pela recorrente que dava, «como dação em pagamento, as verbas do Totobola, pelo prazo máximo de doze anos e meio, a contar de 1 de Julho de mil novecentos e noventa e oito até 31 de Dezembro de dois mil e dez no montante máximo de dez milhões novecentos e dois mil contos», referindo-se, no mesmo auto, que «a dação definida no despacho n° 7/98-XIII, de 4 de Março, de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que passa a fazer parte integrante do presente auto, destina-se a pagar as dívidas fiscais nele quantificadas, dos clubes de futebol constantes da lista anexa, até ao montante atrás indicado».
Nos pontos 6, 7 e 8 do dito despacho determinou-se que, nos segundos semestres de 2004 e 2010, seriam quantificadas «as importâncias recebidas» e que, «no caso de metade do valor arrecadado ser insuficiente para o pagamento de metade da dívida global ao fisco apurada no segundo semestre de 2004 e de 2010, a Liga e a Federação deverão proceder ao pagamento da diferença até ao valor dessas metades». Se o montante apurado no segundo semestre de 2004 ser «superior à metade da dívida global ao fisco apurada, devem os serviços proceder ao reescalonamento da dívida remanescente ou ao encurtamento dos prazos de entrega da dação em pagamento”.
Constatando-se que o recebido pelo fisco até Junho de 2004 foi inferior, em € 19.957.145,00 a metade da dívida global apurada, foi a recorrente notificada para pagar essa quantia. Como o não tenha feito, foi instaurada execução fiscal com vista à sua cobrança coerciva.
Reagiu a recorrente requerendo a suspensão de eficácia do segmento do apontado despacho contido no seu ponto 7, cujos precisos dizeres são os seguintes: «No caso de metade do valor arrecadado ser insuficiente para o pagamento de metade da dívida global ao fisco apurada no segundo semestre de 2004 e de 2010, a Liga e a Federação deverão proceder ao pagamento da diferença até ao valor dessas metades».
3.2. Na definição corrente da jurisprudência deste Tribunal – veja-se, por todos, o acórdão de 13 de Janeiro de 2005 proferido pela Secção de Contencioso Administrativo no recurso nº 1273/04 –, o pedido de suspensão de eficácia de um acto administrativo constitui, tipicamente, uma providência cautelar conservatória, pois é seu objectivo manter a situação que existia antes da prática do acto, ameaçada por ele.
Sem suscitar desacordo manifesto, merecendo, antes, a expressa adesão da recorrente, a decisão recorrida entendeu estar perante um acto administrativo em matéria tributária e, assim, de acordo com a falada jurisprudência, houve como conservatória, e não antecipatória, a providência que lhe era solicitada.
Daí resultou, desde logo, que tenha sido menos exigente na verificação do requisito relativo ao êxito do processo principal: em lugar de estimar a probabilidade da procedência do pedido feito nesse processo (formulação positiva do requisito), o acórdão bastou-se com a avaliação da inexistência de manifestas falta de fundamento da pretensão e de circunstâncias impeditivas da apreciação do seu mérito (formulação negativa).
Antes, o Tribunal considerara já que não estava preenchida a previsão da alínea a) do nº 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ou seja, que não era manifesta a ilegalidade do acto administrativo, razão por que não podia dispensar-se de ajuizar sobre a convergência dos requisitos que apontou para a concessão da requerida suspensão de eficácia.
Ainda neste ponto o Tribunal se não afastou da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo – vejam-se, por todos, os acórdãos da Secção de Contencioso Administrativo de 15 de Setembro de 2004, 13 de Janeiro de 2005 e 9 de Junho de 2005, nos recursos nºs. 620/04, 1273/04 e 412/05, respectivamente –, enunciando deste modo os requisitos cumulativos que era exigível que a requerente demonstrasse:
«1) que há fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora)
2) que não é manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal, nem é manifesta a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito (fumus boni iuris)
3) que, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da concessão da providência requerida não se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, nem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências».
3.3. Até aqui, a decisão recorrida não merece o desacordo da recorrente.
Acontece que, adiante, o acórdão veio a julgar que não haviam sido alegados e provados factos integradores do requisito periculum in mora, abstendo-se, em consequência, de balancear os interesses em presença, tendo em vista verificar se os danos resultantes da suspensão de eficácia do acto não serão maiores dos que os emergentes da sua não suspensão. Isto porque, sendo exigível a presença cumulativa dos três requisitos, a falta de um deles importa, desde logo, que a providência não seja decretada. E, assim, indeferiu o pedido da agora recorrente.
É este segmento da decisão que a recorrente rejeita, condensando a sua crítica nas conclusões 3ª a 14ª das suas alegações.
O objecto do recurso salda-se, pois, em saber se está ou não verificado o apontado requisito.
Vale isto por dizer que importa que nos debrucemos sobre a questão que assim se pode formular (de modo, aliás, próximo do usado pela decisão recorrida e, também, do proposto pela recorrente):
Se a eficácia do acto administrativo em causa não for suspensa, corre-se o risco de uma eventual decisão favorável no processo principal se tornar inútil, por, entretanto, se ter consumado uma situação de facto incompatível, ou o de se gerarem prejuízos de reparação de tal modo difícil que não possa reconstituir-se integralmente a esfera jurídica da requerente, como se o acto não tivesse sido praticado?
As alegações do recurso interposto, não obstante o seu facilmente reconhecível mérito, não são, a nossos olhos, de molde a pôr em crise decisiva a bem fundada decisão que nos cumpre apreciar.
Daí que, subscrevendo, no essencial, os seus fundamentos, nos limitemos a tecer algumas considerações coadjuvantes, procurando melhor precisar um fundamento que, abordado, embora, no acórdão recorrido, nos parece merecer melhor explicitação.
3.4. Conforme se escreveu no acórdão impugnado, «toda a alegação apresentada pela Requerente com vista à demonstração do “periculum in mora” prende-se exclusivamente com os prejuízos e com as gravosas consequências que lhe advém da imposição legal de prestação da garantia ou de penhora de bens no processo de execução fiscal para obter a suspensão da cobrança coerciva da quantia que lhe foi liquidada em face daquele despacho do SEAF e do consequente Auto de Aceitação da Dação em Pagamento.
Com efeito, no que concerne ao requisito do periculum in mora, a Requerente alegou que a suspensão da execução fiscal depende da prestação de garantia idónea, mas que não tem possibilidade de a prestar por qualquer dos meios estabelecidos no n° 1 do art. 199° do CPPT dada a grandeza do montante em dívida, pois que como património tem apenas a sua sede, estando as contribuições que recebe dos seus associados afectadas às despesas de organização dos campeonatos profissionais de futebol.
E, acrescenta, caso não preste garantia serão penhoradas as contas bancárias, o que conduzirá à paralisação dos campeonatos profissionais de futebol, com ruinosas consequências para os clubes e sociedades anónimas desportivas integrantes dessas competições, que se verão impedidos de competir e arrecadar receitas, inviabilizando-se também o pagamento pela Requerente das despesas de funcionamento das diversas estruturas que suportam a organização das competições».
A recorrente concretiza claramente nas alegações de recurso (vd. fls. 296) que o seu objectivo, ao instaurar a presente providência, consiste em «manter ou conservar o direito à organização dos campeonatos». Esse direito é ameaçado pela execução fiscal, uma vez que a recorrente não está em condições de obter a sua suspensão, mediante prestação de garantia, por isso que inexoravelmente se seguirá a penhora dos seus depósitos bancários, sem cuja disponibilidade deixará de poder satisfazer as despesas de organização daqueles campeonatos. Daí que a recorrente alegue que a execução do acto administrativo, por via da instauração da execução fiscal, não elimina o seu interesse na suspensão da sua eficácia, pois que «a execução não pode prosseguir», não sendo «legalmente possível avançar para a fase da penhora», o que «permitirá o normal desenrolar das competições» (artigos 391º a 394º da petição inicial).
Ou seja, o que nos diz a requerente é que, a prosseguir a marcha da execução fiscal, as suas contas bancárias serão penhoradas e daí resultará a paralisação dos campeonatos profissionais de futebol, com severas consequências para os clubes participantes e sociedades desportivas. Numa palavra, a providência visa a suspensão da execução, para que possa sobreviver o direito da recorrente à organização das competições desportivas que se disputam sob a sua égide.
3.5. Mas, contra o que é afirmado na conclusão 7ª das alegações de recurso, existe «outra forma de tutelar» a «ameaça invocada pela recorrente», que permite «pô-la a coberto de uma situação lesiva de facto consumado ou, em derradeira alternativa, de prejuízos de difícil reparação».
Essa outra forma, porque capaz de proporcionar uma tutela directa, imediata e definitiva do direito invocado pela recorrente, afasta, só por si, a necessidade (e a possibilidade de ser concedida) tutela cautelar.
Do modo como a própria recorrente configura as coisas, a tutela definitiva do seu direito há-de ser obtida mediante a decisão a proferir no processo principal, que é, como afirma no artigo 34º da petição inicial, a acção administrativa especial.
É sabido que o resultado favorável desta acção será a declaração de nulidade ou a anulação do segmento do acto administrativo contido no seu ponto 7.
Tendo as providências cautelares um carácter instrumental e provisório, relativamente ao processo principal, é pressuposto da sua concessão que sejam capazes de tutelar, preventiva e temporariamente, o mesmo direito a que aquele processo conferirá tutela final – e que esse direito careça de tal tutela transitória.
Na verdade, por força da sua natureza, a tutela provisória não só não pode dar mais do que se obterá com a acção principal, como nem sequer pode produzir o mesmo efeito a título definitivo, com o que resultaria inutilizada a decisão a proferir no processo relativamente ao qual está em relação de instrumentalidade.
Mas também não pode, atendendo à relação existente entre os dois processos, conceder-se, com a medida tutelar, coisa substancialmente diferente daquela que há-de alcançar-se com a acção principal. Mesmo que se admita não ser exigível a completa identidade dos efeitos a produzir definitivamente com aqueles que se alcançam a título temporário, parece patente que não poderá, entre uns e outros, deixar de existir uma proximidade que salvaguarde o carácter instrumental e provisório da medida cautelar, de tal modo que sempre se possa dizer, desta, que está em relação de intrumentalidade e provisoriedade.
O que não acontece no nosso caso.
A eventual decisão final favorável que a recorrente venha a obter na acção administrativa especial não terá como efeito directo e imediato senão o desaparecimento da ordem jurídica do ponto 7. do despacho em crise. Não afastará, directamente, o perigo de não poder satisfazer as despesas de organização dos campeonatos nacionais de futebol por os seus depósitos bancários terem sido penhorados. Deve, todavia, admitir-se que possa decorrer dessa decisão judicial, reflexamente, a extinção da execução – mas isso é coisa diferente do que agora persegue a recorrente, que é, na pendência da execução, o afastamento do risco da efectivação da penhora dos seus depósitos bancários.
Porém, a recorrente não só tem ao seu alcance, para conseguir a extinção definitiva da execução fiscal, a respectiva oposição, como lhe é facultado, para evitar a penhora, requerer a prestação de garantia ou, em caso de impossibilidade de a prestar, conforme aqui alega, pedir a sua dispensa, nos termos do disposto nos artigos 52º nº 4 da Lei Geral Tributária e 170º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Assim obterá tutela directa, efectiva e definitiva do seu direito à realização dos campeonatos de futebol.
É verdade que, em abstracto, nem sempre há possibilidade de o executado deduzir oposição à execução contra si instaurada. Designadamente, essa possibilidade não existe, em regra, quando os fundamentos a invocar se relacionam com a legalidade, em concreto, da dívida exequenda. Porém, no caso, parte da matéria que a recorrente alega na presente providência consubstancia fundamentos que se integram na previsão do nº 1 do artigo 2º4º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Como assim, não há obstáculo a que a recorrente se oponha à execução fiscal para a qual foi já citada, obtendo a suspensão do processo executivo e evitando a penhora dos seus depósitos bancários.
Deste modo, a suspensão de eficácia do acto administrativo requerida pela agora recorrente não só não é adequada a assegurar a utilidade da sentença a prolatar na acção administrativa especial (cfr. o artigo 112º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), como a providência requerida não está, relativamente àquela acção principal, numa situação de instrumentalidade e provisoriedade.
É na linha destas considerações que merece o nosso acordo o aresto impugnado, quando afirma que «(…) os prejuízos alegados não se relacionam com a impossibilidade de execução da sentença que venha a julgar nulo o despacho que fixou a responsabilidade da Requerente pela diferença das receitas obtidas, pois que a matéria alegada não se prende com o perigo de, caso a providência não seja decretada, sobrevir a inutilidade da decisão que decrete a nulidade desse despacho por se ter consumado uma situação de facto incompatível com essa decisão, isto é, de a sentença que julgue nulo o despacho se tomar uma decisão puramente platónica, inútil e ineficaz.
(…) os efeitos negativos derivados da pendência da acção que o Requerente pretende evitar não se subsumem ao perigo de infrutuosidade da sentença a proferir no processo principal.
Nem, tão pouco, se subsumem ao perigo de retardamento da tutela que vier a ser conferida pela decisão do processo principal pois que a materialidade alegada não se reporta às razões que levam a recear pela dificuldade do restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar, não se reporta à produção de prejuízos causados por uma difícil reintegração da legalidade, mas aos prejuízos causados pelo facto de o legislador ter imposto, como condição para a suspensão da cobrança de qualquer dívida tributária, a prestação de garantia ou a penhora de bens suficientes para garantir a totalidade da dívida e do acrescido».
(…) Assim, a alegada incapacidade financeira da Requerente para prestar garantia idónea a fim de obter a suspensão da execução fiscal, e os invocados prejuízos que lhe advém da penhora das suas contas bancárias para obter esse mesmo efeito, não preenchem o requisito do periculum in mora previstos no art. 120º do CPTA, não se enquadram na categoria dos prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal que são susceptíveis de fundamentar a providência conservatória delineada nesse preceito».
O que basta para que a providência requerida não deva ser decretada e que, consequentemente, o presente recurso jurisdicional não mereça ser provido.
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4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo em, negando provimento ao recurso, confirmar o aresto impugnado.
Custas a cargo da recorrente, com 1/6 (um sexto) de procuradoria.
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Lisboa, 10 de Agosto de 2005. – Baeta de Queiroz (relator) – Alberto Augusto OliveiraFernanda Xavier.