Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0969/13
Data do Acordão:11/13/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
CPTA
PRESSUPOSTOS
Sumário:I - O recurso de revista excecional previsto no artº 150º do CPTA só é admissível se for claramente necessário para uma melhor aplicação do direito ou se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental.
II - Não se justifica, à luz da apontada disposição legal, a admissão de revista para reapreciar a questão de saber se o pagamento de uma garantia bancária, destinada a garantir o pagamento da quantia exequenda num processo de execução fiscal pode ser exigido no processo de execução originado pela alteração da numeração (identificação) do processo original.
Nº Convencional:JSTA000P16578
Nº do Documento:SA2201311130969
Data de Entrada:05/30/2013
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. A……………….., SA, com os demais sinais nos autos, veio, ao abrigo do disposto no artigo 150.° do CPTA, recorrer do acórdão do TCAS, de 19 de fevereiro 2013, que consta de fls. 450/465, que concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto de sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no entendimento de que, em execução fiscal, a garantia autónoma à primeira solicitação, prestada a favor do executado, garante a dívida exequenda, não sendo prestada a favor do processo em concreto e que a renumeração do PEF, por remessa para outro SLF, não dá origem a outro processo, mantendo-se, antes, o mesmo processo, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

A). Nos termos do artigo 150°, número 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, Revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando verificados os seguintes requisitos:
i) estar em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância juridica ou social, se revista de importância fundamental;
ou ii) ser a admissão do recurso claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

B). O primeiro requisito - importância jurídica ou social da questão - tem sido interpretado pela jurisprudência como estando verificado sempre que a questão decidenda revista de uma relevância manifestamente prática, em atenção à suscetibilidade da questão controvertida se expandir para além dos limites da situação singular, independentemente da sua relevância teórica, medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, a que a mesma obrigue;

C) Por sua vez, o segundo requisito - necessidade de melhor aplicação do direito - tem sido entendido pela jurisprudência como devendo resultar da possibilidade de repetição da questão noutros casos e da necessidade de garantir a uniformização do direito, estando em causa matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente e/ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça como condição para dissipar dúvidas e alcançar melhor aplicação do direito;

D). No caso em apreço é o próprio Tribunal a quo que reconhece a natureza problemática da questão decidenda e admite a suscetibilidade da sua repetição em casos futuros, que efetivamente se verifica, atenta as frequentes renumerações de processos de execução fiscal ditadas pela extinção de serviços periféricos locais da Autoridade Tributária e Aduaneira ou pela transferência de processos entre os Serviços de Finanças;

E). Ao admitir-se que, sem o conhecimento e intervenção do garante, a Administração Tributária possa modificar ex officio os pressupostos literais em que assentam as garantias bancárias prestadas para efeitos de suspensão dos processos de execução fiscal, permitir-se-á uma alteração substancial do risco em que as instituições de crédito incorrem com a prestação deste tipo de garantias, o que terá, forçosamente, implicações ao nível dos encargos que lhe estão associados e das exigências impostas (aos clientes, executados nos processos) para a sua concessão;

F). Caso as instituições bancárias deixem de poder confiar na imutabilidade dos termos e condições apostos no próprio texto da garantia para efeitos da sua responsabilização, as mesmas ver-se-ão forçadas a recusar a emissão de garantias bancárias aos seus clientes, em virtude da incerteza quanto aos riscos em que incorrem ou, eventualmente, serão forçadas a aumentar de tal forma as suas comissões que os executados nos processos de execução fiscal não terão capacidade económica para suportar os encargos associados à emissão de garantias, situação que não só implicará uma alteração do comércio jurídico ao nível da emissão das garantias, como, sobretudo, porá em causa a satisfação do interesse público na cobrança dos tributos, uma vez que as garantias que os executados passarão a constituir nos processos de execução fiscal têm uma menor liquidez;

G). Em face do referido, entende o Recorrente estarem preenchidos, tu casu, os requisitos legais exigidos pelo artigo 150º, número 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos para a admissão do Recurso de Revista para o Supremo Tribunal Administrativo;

H). Compulsado o Acórdão recorrido verifica-se que o Tribunal a quo, seguindo de perto a factualidade fixada pelo Tribunal Tributário de Lisboa (4ª Unidade Orgânica), na sentença proferida nos autos em 21 de setembro de 2012 (mas erroneamente datada de 2011), incorreu num erro material evidente ou lapso manifesto na indicação do número associado ao processo de execução fiscal por referência ao qual foi prestada a garantia bancária número 976-02-0236692 e do número associado ao processo de execução fiscal por referência ao qual o Recorrente foi citado para pagamento da dívida exequenda e acrescido;

I).Tratando-se de um erro material cirúrgico, mas persistente, que recai sobre um ponto central da factualidade subjacente ao caso sub judice, o Recorrente teme que o mesmo tenha confundido no passado, e possa em sede do presente Recurso (compreensivelmente) vir a confundir o julgador, razão pela qual se insiste na sua cabal retificação, em momento prévio à prolação da decisão que recair sobre o presente Recurso de Revista;

J). O contrato de garantia celebrado entre o Recorrente e a executada B…………., S.A. - consubstanciado na garantia bancária número 976-02-0236692-, destinou-se a garantir o pagamento até um determinado montante no processo de execução fiscal número 3255200101003453;

K). A celebração do referido contrato de garantia entre o ora Recorrente e a executada B………………, S.A. em benefício da Administração Tributária respeitava a uma determinada situação fáctica e jurídica, de que o Recorrente tomou oportunamente conhecimento e de cuja valoração resultou a sua decisão de prestar a garantia em causa. Aquela situação fáctica e jurídica constitui um elemento essencial do contrato, pelo que qualquer alteração a essa situação introduzida pelo beneficiário da garantia - como a instauração de um novo processo ou a “transferência” da garantia para o cumprimento de uma obrigação (num outro processo) distinta da assumida pelo garante - afeta inelutavelmcnte a validade da garantia;

L) Nos termos do artigo 762.°, número 1 do Código Civil, aplicável ex vi artigo 11º da Lei Geral Tributária, “o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado”, sendo que, no caso em apreço, a obrigação do Recorrente, decorrente do contrato de garantia bancária, apenas (e só) se aplicava ao processo de execução fiscal número 3255200101003453, na medida em que foi em relação a este processo concreto que foram estabelecidas as condições constantes do contrato-base;

M). No caso em apreço, a recusa do cumprimento por parte do Recorrente no âmbito do processo de execução fiscal 3298200101006630 é legítima, uma vez que não se verifica o preenchimento dos termos e das condições constantes do teor literal do contrato de garantia celebrado entre o Recorrente e a executada B……………, S.A., segundo o qual o mesmo apenas está vinculado a garantir a dívida exequenda e respetivos acrescidos no que concerne ao processo de execução fiscal número 3255200101003453;

N). A alteração, por rasura, do número do processo de execução fiscal constante da garantia bancária (do número 3255200101003453 para o número 3298200101006630) não foi efetuada ou provocada pelo Recorrente, que da mesma nem sequer tinha conhecimento, pelo que o não vincula nem pode vincular, em obediência aos princípios gerais aplicáveis em matéria de garantias;

O). A alteração do número do processo de execução fiscal na garantia bancária produzida pelo Recorrente, sem a sua intervenção ou conhecimento, configura uma falsificação de documento, suscetível de configurar um ilícito civil e também criminal, punível nos termos do artigo 256.°, número 1, alínea b) do Código Penal, por implicar uma alteração dos elementos que integram a mesma e, em consequência, escapando à regulação das condições contratuais estabelecidas entre o Recorrente e a executada B………………, S.A., com o inerente prejuízo para o Recorrente;

P). O Recorrente não se encontrava obrigado a honrar, no processo de execução fiscal número 3298200101006630, a garantia que, nos seus termos inequívocos, foi prestada no processo de execução fiscal número 3255200101003453, na medida em que a garantia apenas poderá valer para os fins nela mencionados - neste caso, para o processo de execução fiscal número 3255200101003453 -, não podendo, em caso algum, ser afetada a outro processo de execução fiscal, sem o consentimento expresso do garante;

Q). O facto de o título executivo e de as dívidas subjacentes ao processo de execução fiscal identificado com o número 3298200101006630 puderem ser os mesmos que estavam subjacentes ao processo de execução fiscal número 3255200101003453 (situação que o Recorrente não sabia, nem tinha que saber, uma vez que não é executado no processo em apreço) não poderá justificar a tese do Acórdão recorrido de que se trata do mesmo processo (com uma mesma identidade), uma vez que a identificação do processo de execução fiscal configura um elemento essencial na relação entre a Administração Tributária e os contribuintes, uma vez que é através da mesma que se obtêm informações sobre o estado, averbamentos ou arquivos dos processos (vide artigos 27.° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário);

R). Nos termos da Portaria n.° 620-B/2008, de 16 de julho, a instauração dos processos de execução fiscal e os restantes atos praticados naquele processo previamente à extinção do Serviço de Finanças de Lisboa - 5, consideram-se imputados ao Serviço de Finanças de Lisboa - 1, uma vez que o processo em causa transitou rale quale para este Serviço de Finanças. No entanto, não resulta do teor da Portaria n.° 620-B12008, de 16 de julho, a “transferência” dos processos e, ainda, qualquer protocolo quanto à alteração dos números dos processos de execução fiscal, uma vez que o referido diploma legal apenas extinguiu o Serviço de Finanças de Lisboa - 5;

S). A renumeração do processo de execução fiscal não é justificada pela Portaria n.° 620- B12008, de 16 de julho, uma vez que o processo de execução fiscal número 3255200101003453 foi inicialmente instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa - 10, sendo que, por razões que, quer o órgão de execução fiscal (in casu, o Serviço de Finanças de Lisboa - 1), quer a própria Fazenda Pública, não explicaram, o mesmo foi, posteriormente, remetido ao Serviço de Finanças de Lisboa - 5, onde foi autuado com o número 3298200101006630;

T). A “transferência” do processo de execução fiscal número 3255200101003453 do Serviço de Finanças de Lisboa - 1 para o Serviço de Finanças de Lisboa - 5 (onde foi autuado com o número 3298200101006630) não está legalmente justificada, pelo que, não tendo sido o Recorrente notificado da situação em apreço, designadamente para se pronunciar se mantinha a garantia prestada no processo - de execução fiscal número 3255200101003453 no novo processo (número 3298200101006630), verifica-se que tal situação não lhe poderá ser oponível;

U). De qualquer modo, a Administração Tributária sempre deveria ter notificado o Recorrente da alteração da numeração do processo de execução fiscal, ao abrigo do princípio da colaboração, previsto no artigo 59.° da Lei Geral Tributária;

V). A numeração dos processos judiciais, aplicável aos processos de execução fiscal, por força do artigo 103.° da Lei Geral Tributária, mostra-se essencial, razão pela qual aquando da concretização da extinção dos Tribunais, operada pela Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, o legislador, ciente da sua importância, ordenou a publicação da redistribuição dos mesmos (vide artigos 39°, número 3 do Decreto-Lei n.° 74/2011, de 20 de junho e 12.° do Decreto-Lei n.° 11 3-A/2011, de 29 de novembro);

W). Ainda que se verifique que o titulo executivo e a dívida subjacente ao processo de execução fiscal 3298200101006630 sejam os mesmos que estiveram na origem da instauração do processo de execução fiscal número 3255200101003453, a recusa no cumprimento por parte do Recorrente é lícita, uma vez que, nos termos do contrato de garantia que celebrou com a executada (B……………….., S.A.), o mesmo obrigou-se perante um determinado (pela identificação) processo de execução fiscal (número 3255200101003453) e não perante uma determinada dívida (cuja identificação, aliás, o Recorrente desconhece);

X). Verifica-se, assim, que a recusa do Recorrente no cumprimento de uma obrigação a que não se encontrava adstrito é lícita, em virtude de não ter nunca intervindo no processo de execução fiscal em que tal cumprimento lhe foi exigido, enquanto garante ou a qualquer outro título;

Y). O Acórdão recorrido incorreu, nos termos das normas legais acima invocadas, num manifesto erro de julgamento ao sufragar o entendimento de que a renumeração do processo de execução fiscal não afeta a responsabilidade do garante, devendo, a decisão em escrutínio ser anulada pelo Tribunal Superior.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso de Revista ser dado como procedente, por provado, e em consequência ser anulado o Acórdão recorrido, por ilegal, e substituído por outro que dê provimento à Reclamação Judicial deduzida pelo Recorrente, tudo com as legais consequências.

II. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 535/536 no qual defende que a revista não deve ser admitida, louvando-se na seguinte argumentação:.
“Nos termos do estatuído no artigo 150.°/1 do CPTA o recurso excecional de revista ali regulado só é admissível quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica e social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Não é de admitir o recurso de revista excecional quando se está perante uma questão pontual e puramente individual, que não é particularmente complexa ou melindrosa do ponto de vista jurídico e não reveste uma importância fundamental do ponto de vista social, e quando não se invoca que a doutrina e/ou jurisprudência se tenha vindo a pronunciar em sentido divergente sobre a questão, tomando necessária a sua clarificação de forma a obter a melhor aplicação do direito, nem se invoca ou vislumbra que tenha ocorrido um erro manifesto ou grosseiro na decisão recorrida”.
A questão que a recorrente pretende ver apreciada consiste em saber se, em execução fiscal, a garantia prestada à primeira solicitação a favor do executado garante a dívida exequenda ou é prestada a favor do processo concreto, identificado através de determinado número e se a sua renumeração, por remessa para outro SLA, dá origem a um novo processo ou se se mantém o mesmo.
A nosso ver, ressalvado melhor juízo, não se verifica uma capacidade de expansão da controvérsia que legitime a admissão da revista como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática.
De facto, estamos perante uma situação pontual, que não é, de todo, particularmente complexa ou melindrosa do ponto de vista jurídico, nem revestindo uma importância fundamental do ponto de vista social.
A recorrente não alega que a doutrina e/ou jurisprudência se tenham vindo a pronunciar em sentido contrário sobre as questões suscitadas, tornando, desse modo, necessária a sua clarificação para se obter uma melhor aplicação do direito.
Por último diga-se que, nem a recorrente alega nem se vê que a decisão recorrida esteja ferida por erro manifesto ou grosseiro.
Como refere o MP junto do TCAS, a fls. 525, que não se verificam os requisitos do recurso excecional de revista decorre da conclusão Y, onde a recorrente se limita a declarar a sua discordância com o sentido da decisão, o que é, manifestamente, insuficiente para fundamentar o recurso excecional de revista.
Termos em que, ressalvado melhor juízo, não deve ser admitido o recurso”.

III. Com interesse para a decisão foram dados como provados no acórdão recorrido os seguintes fatos:

1º) Em 20.02.2001, com base nas certidões de dívida n.° 12665 e 12670, foi instaurado no Serviço de Finanças de LISBOA- l, o processo de execução fiscal n.° 3255200101003453, contra a B………………, S.A., pessoa coletiva n.° ………….., com sede na Av. …………., 1000 LISBOA, para cobrança coerciva de dívidas de IRC dos anos de 1996 e 1997- cfr. fls. 6 a 8.

2º) A Executada foi citada em 02.04.2001, cfr. fls. 9 e 10.

3º) Por ofício de 11.04.2001, foram os autos a que se refere a alínea A) remetidos ao Serviço de Finanças do 5.° Bairro Fiscal de Lisboa - cfr. fls. 4 e 11.

4º) Em 26-04-2001, o processo a que se refere a alínea A) foi autuado sob o n.° 3298011006630 - cfr. fls. 5 e segs..

5º) Em 30-05-2001, foi a Executada notificada para, no âmbito do processo n.° 3298011006630, tendo em vista a suspensão da execução, prestar garantia no valor de 1.698.085.003$00 - cfr. fls. 12 e 13.

6º) Por requerimento apresentado em 22.05.2001, remetendo uma garantia bancária, foi identificado o processo nos termos seguintes (fls. 14): Processo de Execução Fiscal n° 5520010 13453

7º) A garantia prestada destinou-se a garantir a dívida referente ao processo de execução Fiscal n.° 3255200101003453, que corre os seus termos na Repartição de Finanças do 5.° Bairro Fiscal de Lisboa, relativo a imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) dos exercícios de 1996 e 1997 - cfr. fls. 15.

8º) Pelos DUA de 27.08.2002 e de 03.09.2002, foi parcialmente anulada a dívida exequenda a que se refere o processo de execução Fiscal nº 3255200101003453 - cfr. fls. 24 e 25.

9º) Em 30-11-2011, pelo ofício C-4420, foi o Reclamante citado, no âmbito do processo de execução Fiscal n.° 3255200101003453, para, no prazo de 30 dias, efetuar o pagamento da dívida ainda existente e acrescido até ao montante de €1.632.538,08 e relativa a IRC de 1997- cfr. fls. 68 e 69.

10º) Por carta registada recebida no Serviço de Finanças em 14.12.2011, o Reclamante solicitou à Administração Tributária os seguintes esclarecimentos -cfr. fls. 77 e 78:
“Tendo sido citados, através do v/ Oficio n° C-4420, datado de 24.11.2011, para honrar parcialmente a garantia acima identificada, pelo montante de Eur. 1.632.538,08. relativo ao IRC de 1997, em cobrança coerciva através do processo executivo n° 3298200101005630, verificamos que, como da própria garantia consta, este número não é coincidente com o do processo a cuja suspensão a mesma se destinou (o processo executivo n° 3298200101003453)
E, tratando-se de um único processo, não vem referida a razão pela qual a mesma deve manter-se em vigor pelo remanescente de Eur 1.913.317,58”.

11º) A Administração Fiscal, pelo ofício C-446o, de 16.12.2011, prestou os esclarecimentos solicitados - cfr. fls. 86 que aqui se dá por integralmente reproduzido.

12º) Em 23.12.2011, pelo oficio n.° C-4661, foi o Reclamante citado para, no prazo de 30 dias, efetuar o pagamento da dívida ainda existente e acrescido até ao montante de 1.488.766,22€, relativa a IRC de 1996 - cfr. fls. 90 a 92.

13º) Em 02.01.2012, o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-1, proferiu o despacho de fls. 105 e 106, que aqui se dá por integralmente reproduzido e donde resulta com interesse para a decisão:
“Em 30.11.2011 procedeu-se à competente citação para remessa do valor de 1.632.538,08€ assim como da redução da garantia.
A citação pessoal foi efetuada a coberto do registo CTT n.° RM 588238842 PT cujo aviso de receção consta junto aos autos.
Terminado o prazo em 30.12.2011 não foi efetuado o pagamento solicitado.
O pagamento solicitado refere-se ao IRC de 1997 e perfaz o montante de 1.632.538,08€’.
Nestes termos e em cumprimento do n° 2 do artigo 200.° do CPPT, ultrapassado que se encontra o prazo de 30 dias para o garante – A………….. S.A- efetuar apagamento da dívida ainda existente e acrescido até ao montante da garantia prestada, determino que este seja executado no processo. Extraia-se mandado de penhora para os devidos efeitos. Lisboa, 02-01-2012»

14º) Em 05.01.2012, o Reclamante procedeu ao pagamento do montante de 1.632.538,08€ relativo a IRC de 1997 - cfr. fls. 113.

15º) Por requerimento apresentado em 16.01.2012, o ora Reclamante solicitou ao abrigo e para efeitos do artigo 37º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, lhe fosse notificada a decisão constante do ofício n° 466, de 16 de dezembro de 2011, da qual constasse a indicação dos meios de defesa e respetivos prazos para reação - cfr. fls. 125 e 126.

16º) O indeferimento do requerimento a que se refere a alínea anterior foi notificado ao Reclamante em 26.01.2012 - cfr. fls. 151 e 152.

17º) Em 16.01.2012, foi apresentada a reclamação a que se refere o artigo 276.° do C.P.P.T., contra o despacho que ordenou a citação do aqui Reclamante para efetuar o pagamento do valor garantido - cfr. fls. 140 e segs.

18º) A reclamação a que se refere a alínea anterior foi registada neste TT de Lisboa sob o n.° 550-12.6 BELRS, consultável no SITAF.

19º) Pela douta sentença de 09.05.2012, proferida no processo a que se refere a alínea anterior foi determinada a convolação da reclamação em requerimento, a ser junto ao processo de execução Fiscal, de arguição da nulidade da citação por falta de requisitos essenciais do título executivo, e a ser, como tal, apreciado - cfr. processo referido, consultável no SITAF.

20º) Por despacho de 24.01.2012, do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-i, foi determinada a extração de mandado para efeitos de penhora e efetiva apreensão de bens - cfr. fls. 162 e 163.

21º) Em 26.01.2012, foi efetuada a apreensão das quantias de €1.488.766,22, €2.804,56 e € 3.595,13 e, bem assim, a penhora de saldos bancários no valor atual de €72.159,99, cfr. fls. 177, 178, 182, 183, 186 e 187.

22º) A presente reclamação foi apresentada em 06.02.2012 - cfr. fls. 283.

23º) No Serviço de Finanças foi prestada a informação de fls. 284 a 292 que aqui se dá por integralmente reproduzida e donde resulta com interesse para a decisão:
“O ato reclamado foi praticado pelo Chefe de Finanças de Lisboa-1.
O processo em causa foi instaurado em 26.04.2001 por dívidas de IRC dos anos de 1996 e 1997 em nome de B…………… S.A., NIF ……….., no valor de 1.233.71 9.282PTE, provindo do processo 3255200101003453.
O valor em causa encontra-se assim discriminado - 1 918 772,84€ com data limite de pagamento em 22-11-2000 para o ano de 1996 e 3234993,00€ com data limite de pagamento em 22-11-2000 para o ano de 1997.
Em 20.11.2000 tinha sido apresentada reclamação graciosa.
Em 09.05.2001 foram apresentadas as impugnações judiciais n° 3298200103000095 (1996) e 3298200103000109 (1997);
Em 30.05.2001 o contribuinte foi notificado pelo ofício n° 3100 de 2110512001 para apresentar garantia bancária fixada em PTE 1.698.085.003$00, nos termos do art° 199º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, para os efeitos previstos no n.° 5 do artº. 169º do mesmo Diploma - o referido ofício foi remetido pelo Serviço de Finanças de Lisboa e refere-se ao processo ora reclamado;
Em 22.05.2001 foi apresentada no referido Bairro Fiscal a garantia bancária prestada pelo 1CR no referido valor - garantia bancária n° 976-02-0236692;
Na referida garantia consta o no de processo 3255200101003463 e a indicação que o processo correrá na Repartição de Finanças do 6° Bairro Fiscal de Lisboa.
A citação ocorreu em 15.05.2003.
Em 16.03.2005 foram efetuadas anulações de 1.530.654,066 - 1996 e 1.969.086,30€ -1997.
Encontrava-se assim em falta 1.388.118,786 - 1996 e 1.265.906,706 - 1997 e acrescidos (juros de mora e custas).
Em 02.12.2011 deu entrada neste Serviço informação da DADE informando que os autos de impugnação 62-2002 Ex 1 J 2S tinham sentença proferida em 24.11.2004 e que o pagamento da conta de custas ocorreu em 27-11- 2006.
Nos casos de suspensão da instância, pela pendência de impugnação judicial sobre o objeto da divida exequenda, pode o executado, no prazo de 15 dias após a notificação da decisão neles proferida, requerer o pagamento em prestações ou solicitar a dação em pagamento.
O contribuinte não apresentou pedido de pagamento em prestações nem pedido de dação em pagamento.
Deixaram pois de existir motivos de suspensão do processo executivo que se encontrava legalmente suspenso desde 22.05.2001, mercê da apresentação de garantia bancária e considerando a existência de contencioso onde as liquidações referentes a 1996 e 1997 foram postas em crise. Nos termos do n° 2 do artigo 200° do CPPT a entidade que tiver prestado a garantia deverá ser citada para, no prazo de 30 dias, efetuar o pagamento da dívida ainda existente e acrescido até ao montante da garantia prestada, sob pena de ser executada no processo.
Quanto ao valor a solicitar, considerando as anulações por compensação efetuadas nos autos determinou-se o seguinte:
Para o ano de 1996 o valor da garantia prestada foi de 4.017.384,43 a que correspondia um imposto em falta de 2.918.772,84E. O imposto em falta à data do cálculo era de 1.388-18,786. Considerando a parte já regularizada de imposto (1.530.654, 066) acrescida de 25% (382.663,526) coube uma redução à garantia de 2.104.066,85E ficando 1.913.317,58E de garantia disponível para aplicação.
O valor a remeter compõe-se do imposto em falta, dos juros de mora desde a data limite de pagamento até maio de 2001 (altura em que o processo ficou suspenso) no montante de 97.168,31 € e custas processuais.
Para o ano de 1997 o valor da garantia prestada foi de 4.452.627.86€ a que correspondia um imposto em falta de 3.234.993,006. O imposto em falta à data do cálculo era de 1.265.906,706. Considerando a parte já regularizada de imposto (1.969.086,30€) acrescido de 25% (492.271,586) coube uma redução à garantia de 1.991.269,98€ ficando 2.461.357,88€ de garantia disponível para aplicação.
Deste valor foi solicitada a execução do imposto em falta acrescido de juros de mora no montante de 363.419,11€ (calculados desde a data de limite de pagamento voluntário até à data da apresentação e desde o mês seguinte à data da última decisão-notificação desta em processo de impugnação judicial até ao mês atual) e taxa de justiça respetiva no montante de 3.212,276, cabendo seguidamente nova redução da diferença (828.819,806).
Em 30.11.2011 procedeu-se à competente citação para remessa do valor de 1.632.538, o86 assim como da redução da garantia.
A redução da garantia foi comunicada à entidade bancária em 30.11.2011 pelo oficio n° C4420, (fls. 66 a 67).
A citação pessoal para 1997 foi efetuada a coberto do registo CTT n° RM 5882 38842 PT cujo aviso de receção consta juntos aos autos de execução Fiscal.
Terminado o prazo em 30.12.2011 no foi efetuado o pagamento solicitado. Nestes termos e em cumprimento do fls. 2 do artigo 200º do CPPT, ultrapassado que se encontrava o prazo de 30 dias para o garante – A………….. SA - efetuar o pagamento da dívida ainda existente e acrescido até ao montante da garantia prestada foi determinado por despacho de 02.01.2012 que este fosse executada no processo. Extraiu-se mandado de penhora para os devidos efeitos (fls. 103 a 104 e 109).
Em 05.01.2012 foi efetuado o pagamento ora reclamado por transferência - crédito em conta do IGCP nº 0237350174.
Mais se informa que as penhoras efetuadas no âmbito da execução do garante nos próprios autos foram levantadas após verificação da sua desnecessidade.
Dado o exposto, afigura-se, salvo melhor opinião, que o presente requerimento deverá seguir os seus trâmites normais, devendo ser remetido ao Tribunal Tributário de Lisboa para decisão.
À consideração superior. Lisboa, 18-05-2012»

24º) O Chefe do Serviço de Finanças manteve o ato reclamado - cfr. fls. 292.

IV. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

V. Conforme acima referido, está interposto recurso de revista do acórdão do TCAS, de 19 de fevereiro 2013, ao abrigo do disposto no artº 150º do CPTA, pelo que importa apreciar agora a sua admissão liminar.

V.1. O artº 150º citado, estabelece o seguinte:
“1. Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2. A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3. Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5. A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo”.
Sobre essa relevância jurídica ou social, de importância fundamental ou da necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, esta Secção tem-se pronunciado de forma reiterada e uniforme, pelo que iremos aqui reproduzir parte do que ficou escrito nesta matéria no recente acórdão de 25.09.2013 – Processo nº 01013/13.

2. Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, “das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, competindo a decisão sobre o preenchimento de tais pressupostos, em termos de apreciação liminar sumária, à formação prevista no n.º 5 do referido preceito legal.
Tal preceito prevê, assim, a possibilidade recurso de revista excecional para o STA quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Razão por que a jurisprudência tem reiteradamente sublinhado a excecionalidade deste recurso, referindo que ele só pode ser admitido nos estritos limites fixados no preceito, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador.
Por conseguinte, este recurso só é admissível se for claramente necessário para uma melhor aplicação do direito ou se estivermos perante uma questão que pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental, sendo que esta importância fundamental tem de ser detetada, não perante o interesse teórico ou académico da questão, mas perante o seu interesse prático e objetivo, medido pela utilidade da revista em face da capacidade de expansão da controvérsia ou da sua vocação para ultrapassar os limites da situação singular.
Deste modo, e como tem sido explicado nos inúmeros acórdãos proferidos por esta formação, que aqui nos dispensamos de enumerar, a relevância jurídica fundamental deve ser detetada perante a relevância prática da questão, medida pela sua utilidade face à capacidade de expansão da controvérsia, e verificar-se-á tanto em face de questões de direito substantivo como de direito processual, quando apresentem especial ou elevada complexidade (seja em razão da dificuldade das operações exegéticas a efetuar, seja de um enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, seja da necessidade de compatibilizar diversos regimes legais, princípios e institutos jurídicos) ou quando a sua análise suscite dúvidas sérias ao nível da jurisprudência e/ou da doutrina.
Já a relevância social fundamental verificar-se-á quando estiver em causa um caso que apresente contornos indiciadores de que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio, representando uma orientação para a resolução desses prováveis futuros casos, e se detete um interesse comunitário significativo na resolução da questão.
Por outro lado, a clara necessidade da revista para uma melhor aplicação do direito há de resultar da repetição ou possibilidade de repetição noutros casos e necessidade de garantir a uniformização do direito, estando em causa matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente e/ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça como condição para dissipar dúvidas e alcançar melhor aplicação do direito. Pelo que a admissão do recurso terá lugar, designadamente, quando o caso concreto contém uma questão bem caracterizada e passível de se repetir em casos futuros e a decisão nas instâncias esteja ostensivamente errada ou seja juridicamente insustentável, ou se suscitem fundadas dúvidas por se verificar uma divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, tornando-se objetivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.
Deste modo, e como repetidamente tem sido afirmado pela jurisprudência, o que em primeira linha está em causa no recurso excecional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional, pois que para isso existem os demais recursos, ditos ordinários”!.

V.2. Vejamos então se, no caso dos autos, tais requisitos se verificam.

A questão que a recorrente pretende ver apreciada por este STA, consiste em saber se, o pagamento de uma garantia bancária, destinada a garantir o pagamento da quantia exequenda num processo de execução fiscal pode ser exigido no processo de execução originado pela alteração da numeração (identificação) do processo original.

Ora, desde logo se vê que estamos perante uma situação pontual, pouco suscetível de se repetir em outros casos concretos, sem relevância do ponto de vista social.
Também do ponto de vista jurídico não se vê que a questão seja complexa ou melindrosa de molde a suscitar a intervenção deste STA para resolver divergências que se possam suscitar na jurisprudência. Aliás, como bem nota o MºPº a recorrente não alega sequer doutrina ou jurisprudência que se tenha pronunciado em sentido contrário ao decidido e que demonstre a tal necessidade de clarificação jurídica.
Finalmente, o fundamento da melhor aplicação do direito tem de resultar do fato de a decisão se mostrar ferida de erro manifesto ou grosseiro, o que não é o caso dos autos. Na verdade, o acórdão recorrido, louvando-se na natureza da garantia autónoma entendeu que a simples mudança da numeração do processo não constituía fundamento oponível pelo fiador ao credor para não honrar a garantia.
De todo o modo, ainda que existisse erro de julgamento, esse erro, só por si, não justificaria a admissão do recurso, pois que não estamos perante 3º grau de jurisdição.

Em resumo: não ocorrem os requisitos para a admissão da revista, com ela se pretendendo apenas manifestar a discordância com o decidido, o que está fora do âmbito do presente recurso de revista.

VI. Nestes termos e pelo exposto não se admite o recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 13 de novembro de 2013. – Valente Torrão (relator) – Dulce Neto – Casimiro Gonçalves.