Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01065/08.2BEALM
Data do Acordão:03/21/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:NULIDADE
ALVARÁ DE LOTEAMENTO
DEMOLIÇÃO
Sumário:É nula a licença de construção emitida em desrespeito com o teor do alvará de loteamento [que remete para a planta síntese], por força do disposto na al. a) do nº 1 do artº 68º do RJUE.
Nº Convencional:JSTA000P24356
Nº do Documento:SA12019032101065/08
Data de Entrada:02/15/2019
Recorrente:MUNICÍPIO DE SESIMBRA
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

O Ministério Público, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, interpôs acção administrativa especial contra o Município de Sesimbra, através da qual pede a declaração de nulidade dos Despachos da Presidente da Câmara Municipal de Sesimbra de 30.11.2005 e de 03.03.2006, proferidos no âmbito do processo de obras n° 368/2001, bem como, a demolição de parte do imóvel em causa, tendo indicado como contra-interessados A……………… e B…………...


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O TAF de Almada, por acórdão datado de 19.12.2012, julgou a acção procedente e declarou a nulidade dos actos impugnados, com as demais consequências legais, ou seja, a demolição, ainda que parcial, da construção do Lote n° 1 para assegurar o alinhamento com a construção contígua, à frente e a tardoz, sem qualquer empena.

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Inconformado, o Município de Sesimbra interpôs recurso da decisão do TAF de Almada para o TCA Sul.

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O TCA Sul, por acórdão datado de 11.07.2018, decidiu negar provimento ao recurso jurisdicional e confirmar a decisão recorrida.

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É desta decisão que vem interposto o presente recurso de revista, por parte do Município de Sesimbra, que alegou e concluiu como segue:

«1. A questão submetida a este douto Tribunal centra-se em saber se a interpretação puramente restritiva de alvará de loteamento com planta anexa e cujos valores longitudinais e de distanciamento permitem um preenchimento diferenciado de acordo com a subjetividade técnica dos especialistas que auxiliaram na emissão das autorizações de construção e que fundamentaram os despachos proferidos pelo órgão competente sendo inclusive que estamos perante um lapso temporal superior a 10 anos.

2. Sendo certo que, a esta, vem associada a questão de saber se os direitos, liberdades e garantias de um particular e, concretamente, os direitos constitucionais de propriedade e habitação podem ser afetados por uma autorização que se considera como vinculativa sendo que nem todos os seus elementos se encontram formulados de forma clara, precisa e expressa, resultando tal imposição no afastamento de qualquer discricionariedade técnica que esteve por base dos pareceres técnicos externos que fundamentaram a emissão de despachos positivos relativamente ao licenciamento das obras a realizar no lote 1.

3. A importância da questão suscitada em torno do afastamento de interpretações restritivas relativamente a elementos de preenchimento vago e que após análise de novos técnicos especializados poderá ter uma nova formatação, compele a que se imprima, dentro do possível, uma certeza jurídica relativamente à atuação da Administração, ainda que quando recorra a entidades técnico científicas externas, seja possível alcançar a tão desejada segurança jurídica para os cidadãos. Daqui se retira a máxima relevância jurídica da questão em apreço.

4. Sendo que a relevância social da questão em apelo reside, essencialmente, na circunstância dos efeitos do caso em apreço, se projetarem muito para além da esfera jurídica do recorrente, porquanto é bastante suscetível de gerar um impacto negativo na comunidade social.

5. De onde fica evidenciada a necessidade clara de uma melhor aplicação do Direito, que incumbe a este douto Tribunal, uma vez que, como adiante melhor se demonstrará, os Tribunais das instâncias inferiores, cometeram clamorosos erros de julgamento, por via de uma incorreta aplicação do direito no caso sub judice.

6. Pois que o douto Tribunal a quo centrou a sua decisão, ora recorrida, na alegada violação por parte do Município de Sesimbra, das disposições contidas no alvará de loteamento no momento de emissão de licença de construção, desprezando por completo o facto do mesmo ter sido sujeito em confronto direto com o projeto de construção, a análise de entidades especializadas e com plenos conhecimentos para emitir pareceres científicos e técnicos, utilizando para o efeito o seu entendimento que, ainda que puramente científico, não deixa de ser subjetivo por forma a preencher os requisitos mínimos e máximos descritos na planta em causa.

7. Considerando o disposto na jurisprudência e doutrina nenhum desvalor poderá ser imputado aos atos administrativos de licenciamento, porquanto os mesmos respeitam o alvará e os distanciamentos que surgem mencionados, apenas interpretados por diferentes técnicos.

8. O imperativo de clareza e de certeza jurídica que deverá estar associado à eventual restrição de direitos análogos a direitos, liberdades e garantias, in casu, os direitos de propriedade e à habitação, impede que tal restrição resulte de forma indireta, por via de um afastamento de uma interpretação feita dentro dos trâmites legais e que originou o licenciamento da obra.

9. De onde decorre sem margem para dúvidas, o erro de julgamento cometido pelo Tribunal a quo ao defender que os actos praticados pelo Município de Sesimbra se encontram feridos de nulidade por violação do disposto nos artigos 67º e 68º do RJUE, já que de acordo com o exposto não existe qualquer desrespeito pelo alvará de loteamento mas tão-somente uma interpretação diferenciada».


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O Ministério Público apresentou contra alegações que concluiu da seguinte forma:

«A - O douto acórdão proferido em 11 de Julho de 2018, pelo colendo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), julgou totalmente improcedente o recurso interposto pelo Município de Sesimbra do acórdão proferido pelo TAF Almada, que julgou procedente a acção instaurada pelo MP;

B - E que declarou a nulidade dos despachos do Presidente da Câmara Municipal de Sesimbra (CMS) de 30-11-2005 e de 03-03-2006, proferidos no processo de obras n° 368/2001 e determinou a demolição parcial da construção do lote 1, para assegurar o alinhamento com a construção contígua, à frente e a tardoz, sem qualquer empena;

C - O recurso de revista excepcional não é um recurso normal de revista, devendo funcionar apenas “como uma válvula de segurança do sistema” - Ac. STA de 18-09-2008, Rec. 0616/08.

D - Ora, no presente caso, com o devido respeito, a questão submetida à apreciação do colendo Supremo Tribunal Administrativo não é uma questão de relevância social, nem jurídica, nem será necessária uma melhor aplicação do direito.

E - Isto porque estamos perante duas decisões judiciais que deram uma mesma solução jurídica ao caso trazido a juízo - a demolição parcial da construção do lote 1, para assegurar o alinhamento com a construção contígua, à frente e a tardoz, sem qualquer empena - o qual se afigura que não tenha qualquer virtualidade de expansão e relevância prática, para efeitos de verificação dos requisitos de admissão do recurso.

F - Assim, contrariamente ao que sustenta o recorrente, não estarão reunidos os requisitos legais para que esse colendo e Alto Tribunal reaprecie o caso, mediante os seus elevados critérios de justiça e equidade, nos termos do referido art° 150°, nºs 1, 2 e 4, do CPTA.

G - Sustenta o recorrente ter o tribunal incorrido num erro de julgamento de direito, consubstanciado desta forma «... sem margem para dúvidas, o erro de julgamento cometido pelo Tribunal a quo ao defender que os actos praticados pelo Município de Sesimbra se encontram feridos de nulidade por violação do disposto nos artigos 67° e 68º do RJUE, já que de acordo com o exposto não existe qualquer desrespeito pelo alvará de loteamento mas tão-somente uma interpretação diferenciada» (Conclusão nº 9)

H - O douto Tribunal a quo decidiu, e bem, como já decidira o Tribunal de 1ª instância, na violação do alvará de loteamento, consubstanciadora de uma nulidade nos termos dos artigos 67° e 68° al. a) do RJUE.

I - Como é dito no douto acórdão sob recurso, «... não se pode aceitar o argumento do Município de Sesimbra quando defende que as áreas de implantação das moradias, o seu alinhamento e profundidade, ainda que desenhados com determinadas proporções na planta síntese e autorizados no alvará por reporte para as áreas e localizações assinaladas naquela planta, eram aspectos que não vinculavam a Câmara ou os particulares, porque os únicos aspectos a respeitar eram os afastamentos mínimos entre as áreas de construção e os limites dos lotes, os números de pisos ou a área de construção».

J - «Esta defesa afasta-se radicalmente da factualidade provada e dos termos do alvará de loteamento, que remete de forma clara para a planta síntese. Logo, a licença que foi emitida em dissonância com os termos do alvará de loteamento tem de ser considerada nula, tal como se ajuizou na decisão recorrida - cf. artº 68°, n° 1, al. a), do RJUE».

L - Continua o recorrente a não conseguir explicar como o acórdão recorrido incorreu em violação de interpretação dos artigos 67° e 68°, a) do RJUE, e como os actos em causa não devam ser declarados nulos, por contrariarem o alvará de loteamento no 11/95».


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O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o artigo 150º do CPTA], proferido a 25.01.2019.

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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA, não emitiu pronúncia.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

A matéria de facto fixada na 1ª instância é a seguinte:

«A - Em 1990-08-10, C………. requereu a licença de loteamento do prédio, sito em …….., inscrito na matriz predial rústica, sob parte do art. 218 da secção T, registado na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n°11783, a fls. 128v, do livro B 34, tendo junto os seguintes elementos:

B - Em 1990-10-25,O DAU efectuou informação na qual se pode ler, por extracto:

C - Em 1991-05-23, o DAU efectuou informação na qual se pode ler, por extracto:

D - Em 1991-10-27 foi efectuada proposta de aprovação na qual se lê:

E - A Planta síntese e perfis do arruamento à escala 1:500 e 1:200 constam no doc. 10, a fls 19 dos autos.

F - O Vereador D………. formulou a seguinte proposta:

G - Em 1991-12-18 a Câmara Municipal de Sesimbra aprovou por deliberação o pedido de licenciamento de loteamento, nos seguintes termos:



H - Em 1992-10-01 C…………. requereu a aprovação dos projectos das infra-estruturas para o prédio sito em …….., cfr doc. 3, fls.9 dos autos.

I - Em 1993-02-10, a Câmara Municipal de Sesimbra aprovou deliberação com o seguinte teor:

J - Na “Memória Descritiva Desenho Urbano” relativa ao projecto de loteamento tal como consta no Anexo 1-A refere:

K - Em 1995-11-13 foi passado a C……….., o alvará de loteamento n° 11/95, do qual consta, por extracto:

L - Em 2000-11-30 foi convertida em definitiva a apresentação n° 08, referente à aquisição do lote de terreno para construção urbana n° 1, com 436 m2, por E………. e F……….., cfr. Certidão do Registo Predial, a fls. 24 e 25 do PA.

M - Em 2001-07-05 foi elaborada a memória descritiva e justificativa relativa ao projecto de moradia unifamiliar a edificar no Lote 1 da Urbanização de C……… em …… (Loteamento n° 11/95), na qual se pode ler:

N - O doc. 12 representa a implantação (topo) das construções nos lotes n°s 1, 2 e 3, cfr. fls 22 dos autos.

O - O doc. 13 representa os alçados posteriores das construções nos lotes n°s 1 e 2, cfr. fls. 23 dos autos.

P - O doc. 14 representa o confronto dos alçados laterais (direitos) nos lotes n°s 2 e 1, cfr. fls 24 dos autos.

Q - O doc 15 representa os alçados principais das construções nos lotes n° 2 e 1, cfr. fls. 25 dos autos.

R - Em 2001-07-11, E………, requereu o licenciamento para a construção de moradia no prédio sido em ……….., referente ao loteamento n° 11/95, inscrita na Conservatória do Registo Predial sob o n° 7133, na qualidade de proprietário, tendo dado origem ao processo 368/01, cfr. fls. 25 do PA.

S - Em 2001-09-27 foi proferido despacho de aprovação do projecto de arquitectura, cfr. fls. 25 do PA.

T - Em 2001-10-01, através do ofício refª. nº 20191/2001/DAPU, P° 368/2001 N/D 4.1.3. Processo de Licenciamento, foi comunicado a E…….. o despacho de deferimento do projecto de arquitectura, cfr. fls 29 do PA.

U - Em 2002-02-06, E………. requereu o licenciamento dos projectos de especialidade para a moradia no prédio sido em ………, referente ao loteamento n° 11/95, inscrita na Conservatória do Registo Predial sob o n° 7133, cfr. fls 185 do PA.

V - Em 2002-02-19, foi dirigido a E…….., o ofício Ref n° 3181/2002/DAPU, P° 368/2001 N/D 4.1.3. Processo de Licenciamento, que comunicou o despacho de deferimento de 2002-02-13 - cfr. fls. 187 e 188 do PA.

W - Em 2005-02-17, o lote n° 1 foi doado a A………., ora contra-interessada, cfr. Certidão do Registo Predial a fls 195 a 198 do PA;

X - Em 2005-08-17, a contra-interessada A……….. apresentou pedido de novo licenciamento, por caducidade do despacho anterior, para o prédio sito em ……. …, em ………, inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 7133, cfr. doc. 1, fls. 8 dos autos e fls. 214 do PA.

Y - Em 2005/11/30, foi exarado no requerimento de 2005-08-17 apresentado pela contra-interessada, o despacho do Presidente da Câmara Municipal de Sesimbra com o seguinte teor:

Z - Em 2006-03-03, foi passado o Alvará de construção n° 94/2006 relativo às obras aprovadas em 2005/11/30, cfr. fls. 243 do PA.

AA - Em 2006-05-23, o DAPU - Departamento de Administração e Planeamento Urbanístico - na folha de atendimento e planeamento urbanístico formulou parecer técnico, no qual se lê:

AB - Em 2006-08-21, a Vice-Presidente da Câmara dirigiu a H…….. e I………., o ofício Refª. 19053/2006/DAPU/ZOc, Pº 368/2001, N/C Atendimento aos Munícipes (Exposições, Reclamações e Outros), que comunicou a deliberação de 2006-08-16 que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pelos destinatários do ofício supra referidos, cfr. fls 280 e 281 do PA.

AC - Dos autos constam os docs. 16 a 21 com aspectos dos Lote 2 e 3 e da construção no Lote n°1, cfr. fls 26 a 31.

AD - Mais constam as fotografias a cores que demonstram as construções dos lotes 2 e 3; a construção do lote 1 e do lote 2 (tardoz) e confronto lateral das construções, cfr. fls 40 a 43».


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2.2. O DIREITO

Em causa na presente revista está o Acórdão proferido pelo TCAS que mantendo a decisão proferida em 1ª instância, julgou a acção procedente e declarou a nulidade dos despachos do Presidente da Câmara Municipal de Sesimbra, de 30.11.2005 e 03.03.2006 proferidos no proc. de obras nº 368/2001 e, determinou a parcial demolição da construção do lote 1, para assegurar o alinhamento com a construção contígua, à frente e a tardoz, sem qualquer empena.

Insiste o recorrente Município de Sesimbra, neste recurso de revista, que existe erro de julgamento quanto à decidida violação dos artºs 67º e 68º do RJUE, porque, segundo alega, o lote 1 observa os afastamentos mínimos exigidos no quadro síntese e no alvará de loteamento 11/95, que não exigem qualquer alinhamento a tardoz e, porque da planta síntese constam apenas simulações de ocupação de construções, meramente orientadoras, com a distância entre as construções e os limites dos lotes, não cotada, e apenas com sujeição a afastamentos mínimos, que, por isso, permitem afastamentos superiores, com a consequente exclusão do alinhamento a tardoz.

Mais alega o recorrente, que uma moradia geminada pressupõe apenas que os edifícios estejam agrupados dois a dois, justapondo-se pela empena, tal como resulta da ficha 32 do Dec. Regulamentar nº 9/2009 de 29.05, não se exigindo uma sobreposição pela totalidade da empena, como feito constar da decisão recorrida.

Vejamos:

O Regime Jurídico da Urbanização e Edificação [RJUE] aprovado pelo DL nº 555/99 de 16.12, alterado e republicado no DR, pelo DL nº 177/2001 de 04 de Junho, dispõe no artº 67º o seguinte:

“A validade das licenças ou autorizações das operações urbanísticas depende da conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis à data da sua prática (…)”.

Por sua vez, o art 68º do mesmo diploma legal, estabelece:

“São nulas as licenças ou autorizações previstas no presente diploma que:

a) Violem o disposto em (…) licença ou autorização de loteamento em vigor”.

No caso dos presentes autos, a construção levada a cabo no Lote 1, insere-se no loteamento titulado pelo alvará nº 11/95.

Deste alvará de loteamento faz parte integrante a planta síntese, da qual consta o seguinte:

“3. A planta de síntese deve apresentar: os lotes cotados (profundidade), os afastamentos – mínimos a tardoz e lateral – 3m, mínimo- 2,5m à frente; o impasse deve ser cotado (profundidade) bem como a zona verde, quantificando-se separadamente a área de cedência para a zona verde e para arruamentos; devem ser indicadas as cotas de soleira e suas relações com o terreno, apontando-se a existência de caves” [esta planta síntese surgiu na sequência da informação prestada pelo DAPU de 25.10.1990 – cfr. alínea B) dos factos provados]

(…)

11. O tipo de construção proposta, com filosofia e imagem subjacentes a uma forma de habitar, adaptada ao local e valorizando toda a zona envolvente, para não perder a unidade e serem salvaguardados os critérios (…), deverá ser defendido com a apresentação dum alçado (…) sobre perfil longitudinal da via; à esc. 1.200 (mínimo) – cfr. alínea B) dos factos provados).

A aprovação do pedido de licenciamento do loteamento em 18.12.1991 ficou condicionada ao cumprimento do parecer de 29.10.1991 – cfr. alíneas F) e G) dos factos provados.

Os projectos de obras de urbanização do loteamento foram aprovados em 10.02.1990 – cfr. al. I) dos factos provados.

A Memória descritiva do desenho urbano do loteamento refere que os lotes 1 e 4 da Ponta Poente se destinam a moradias geminadas com 2 pisos e, em matéria de Regulamento da Construção, remete para o ponto 3 e para planta síntese – cfr. al. J) dos factos provados.

E da planta síntese resulta bem definida a delimitação dos lotes e, a mesma representa, em cada lote, não só o polígono de implantação [áreas dentro da qual poderá ser implantada a edificação], mas a própria área e desenho da implantação das construções – cfr. al. E) dos factos provados.

Ora, esta factualidade só por si, e principalmente pela simples leitura e observação da planta síntese e atento o posicionamento das áreas de implantação [em rigoroso alinhamento, quer à frente, quer a tardoz], opera a falência da argumentação do recorrente quando defende que o perímetro da implantação aparece na planta síntese, sem estar cotado, ou seja sem qualquer cota.

Com efeito, da planta síntese não resultam apenas os polígonos de implantação, como pretende fazer crer o recorrente, mas essencialmente e de forma rigorosa, o posicionamento relativo da implantação das construções de cada lote.

E da mesma planta síntese também resulta que as moradias estão rigorosamente alinhadas quer à frente, quer atrás, o que significa que, na aprovação dos projectos de construção de cada uma delas, esse alinhamento deveria ter sido respeitado, o que como vimos, não sucedeu, no lote 1.

Desta forma, a aprovação de uma moradia com uma profundidade de 15 metros [superior aos 12 metros permitidos e que corresponde à profundidade das demais moradias] está em completo desrespeito com a planta síntese, dado que compromete o seu alinhamento a tardoz em três metros – cfr. als. M) e AA) dos factos provados.

Acresce que, esta desconformidade com a planta síntese também resulta bem patente nos desenhos de confronto dos alçados posteriores, laterais e principais, da construção do lote 1, com a do lote 2, assim pondo em causa a unidade do loteamento.

Esta desconformidade com a planta síntese resulta ainda evidente nos desenhos de confronto dos alçados posteriores, laterias e principais, da construção do lote nº 1, com a do lote nº 2, sendo manifesta a diferença de profundidade da construção entre os lotes – um com 12 metros de profundidade e o outro com 15 metros de profundidade.

Podemos, pois, concluir que da matéria de facto dada como provada, resulta de forma inequívoca que a construção implantada no lote 1 não se mostra, na íntegra, geminada com a construção implantada no lote 2, assim como a moradia do lote 1 não está alinhada a tardoz, resultando que também se mostra desalinhada com as moradias implantadas nos lotes 2 a 4, sendo certo que, na planta síntese, as moradias destes 4 lotes figuram alinhadas, quer à frente, quer atrás e todas apresentam a mesma profundidade, que é de 12 metros.

Ou seja, a moradia implantada no lote 1, apresenta-se desconforme em relação às demais, uma vez que apresenta uma profundidade de 15 metros, quando as outras apenas apresentam uma profundidade de 12 metros, não se mostrando por isso alinhada a tardoz, e assim desrespeitando a profundidade constante da planta síntese, como bem evidenciado pelas fotografias juntas aos autos; ademais, apresenta ainda 3 metros de diferença em relação à empena com a moradia com a qual gemina (lote 2).

Reitera, neste recurso, o recorrente que estas diferenças relativas à implantação, alinhamento e profundidade da construção erigida no lote 1, em relação à do lote 2 [ou até com as demais implantadas nos restantes lotes] não são dignas de relevo, não devendo por isso ser dignas de registo, uma vez que, a planta síntese e o alvará de loteamento 11/95 apenas exigiam que fossem observados os afastamentos mínimos, sendo que, quer a implantação, quer o alinhamento, quer a profundidade da moradia, constituem aspectos tratados por aquela planta, em termos meramente orientadores e não vinculativos; mais alega que a planta não está cotada.

Porém, tal alegação, como supra já se referiu, não se mostra comprovada pela factualidade dada como provada, uma vez que a planta/quadro síntese do loteamento - cfr. fls. 19 dos autos – se mostra cotado, dele constando as diversas medições, quer sejam das áreas dos lotes, quer das implantações, das construções, dos afastamentos de frente, tardoz, direito e esquerdo, bem como, a respectiva escala – características estas que já vinham sendo prestadas nas informações do DAU - cfr. als. B) e C) dos factos provados.

Também não colhe o argumento apresentado pelo recorrente ao defender que as áreas de implantação das moradias, o seu alinhamento e profundidade, ainda que desenhados com determinadas proporções na planta síntese, e autorizadas no alvará respectivo por referência para as áreas e localizações assinaladas naquela planta, constituem aspectos que não vinculam a Câmara Municipal ou os particulares, porque no seu entender, os únicos aspectos a respeitar seriam os afastamentos mínimos entre as áreas de construção e os limites dos lotes, os números de pisos ou a área de construção.

E não colhe, porque estes argumentos não encontram abrigo nos factos provados e nos termos do alvará de loteamento, que remete directamente e de forma inequívoca para a planta síntese.

E do alvará de loteamento, resulta à evidência que, apenas se autoriza a construção de 18 lotes de terreno, numerados de 1 a 18, com as áreas e localizações previstas na planta de alvará, anexa, que faz parte integrante do mesmo – cfr. als I) e K) dos factos provados – sendo que estas indicações coincidem depois com a memória descritiva do projecto de loteamento, que exige que as moradias fossem exteriormente iguais, com excepção das moradias de fim das bandas, em que uma das empenas dá lugar a uma frente – cfr. al. J) dos factos provados.

Aliás, não pode o recorrente desconhecer e pretender justificar esta irregularidade, nos termos em que alega, até porque esta irregularidade na construção da moradia implantada no lote 1, em relação ao previsto no alvará de loteamento, por referência à planta síntese, já vinha sendo aludida pelos serviços competentes, como resulta da Infª/Parecer técnico proferido pela DAPU em 23.05.2006 que expressamente refere a irregularidade do licenciamento e da construção numa profundidade de 15 metros e da existência da empena de 3 metros cegos a tardoz da moradia.

Face ao exposto, é manifesto que a licença de construção foi emitida em desrespeito com o teor do alvará de loteamento [que remete para a planta síntese], pelo que é nula atento o disposto na al. a) do nº 1 do artº 68º do RJUE, não se acolhendo a alegação do recorrente no sentido de que, seria possível outra interpretação do alvará de loteamento, quando do mesmo resultam claras as imposições a observar.

Aliás, mal seria se perante regras inequívocas, se permitissem interpretações, que dada a subjectividade que cada uma delas apresenta, sempre levariam a soluções completamente distintas, mas ilegais, porque desconformes ao previsto no alvará e planta de síntese.

Por último, alega ainda o recorrente que não existe a necessidade de sobreposição de empenas para as moradias geminadas, só que esta alegação in casu não releva dado que o que importa é aferir a conformidade do licenciamento com o alvará de loteamento e as imposições aí constantes – ainda que por remissão para a planta síntese- quanto à implantação das moradias, seus alinhamentos e profundidades.

Quanto à alegada “eventual” restrição de direitos análogos a direitos, liberdades e garantias, in casu, os direitos de propriedade e à habitação, impõe-se apenas sublinhar que, de acordo com a jurisprudência reiterada deste STA, o direito de propriedade só tem natureza análoga aos direitos fundamentais, nos termos previstos no artº 62º, nº 1 da CRP, enquanto categoria abstracta, entendido como direito à propriedade; ou seja, como susceptibilidade ou capacidade de aquisição de coisas e bens e à sua livre fruição e disponibilidade (núcleo essencial), e não como direito subjectivo de propriedade, isto é, como poder directo, imediato e exclusivo sobre concretos e determinados bens.

Por outro lado, a sujeição do direito de construção a normas de licenciamento não afronta, naturalmente, o direito de propriedade; ao invés, visa, num plano de legalidade, discipliná-lo com vista à obtenção da tutela de outros interesses públicos igualmente relevantes, como o urbanismo, o ordenamento do território, a defesa do ambiente.

Resta-nos concluir pela improcedência do recurso, mantendo-se na ordem jurídica o decidido no Acórdão recorrido, no sentido da nulidade dos actos impugnados, com a consequente demolição parcial da construção do lote 1, de molde a assegurar o alinhamento com a construção contígua, à frente e a tardoz, sem qualquer empena.

3. DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Supremo Tribunal em julgar improcedente o recurso interposto pelo Município de Sesimbra.

Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 21 de Março de 2019 – Maria do Céu Neves (relatora) – São Pedro – José Veloso.