Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01116/06
Data do Acordão:01/17/2007
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO TRIBUTÁRIA.
RECURSO PARA MELHORIA DA APLICAÇÃO DO DIREITO.
NULIDADE.
DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA.
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA.
SANAÇÃO.
Sumário:I – É aplicável subsidiariamente ao processo contra-ordenacional tributário, regulado pelo RGIT, a norma do art. 73.º, n.º 2, do RGCO, em que se permite aos tribunais superiores aceitar recursos da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência, mesmo em casos em que o valor da coima é inferior à alçada do tribunal tributário.
II – Decretada a nulidade da decisão de aplicação de coima por contra-ordenação tributária, mesmo na fase judicial, não há lugar à absolvição da instância mas, antes, à baixa dos autos à autoridade administrativa que aplicou a coima, para eventual sanação da nulidade e renovação do acto sancionatório.
Nº Convencional:JSTA00064009
Nº do Documento:SA22007011701116
Data de Entrada:11/09/2006
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A...
Recorrido 2:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LOURES PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART3 B ART63 N3 ART83 N1.
L 3/99 DE 1999/01/13 ART24 N1.
DL 433/82 DE 1982/10/27 ART73 N2.
CONST97 ART32 N10.
CPPTRIB99 ART98 N3.
CPTRIB91 ART195 N3.
CPC96 ART201 N2.
CPP87 ART122 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC17465 DE 1995/12/13 IN AP-DR DE 1997/11/14 PAG2912.; AC STA PROC23900 DE 1999/06/30.; AC STA PROC25748 DE 2001/02/08 IN AP-DR DE 2003/06/27 PAG413.; AC STA PROC1507/02 DE 2002/11/06 IN AP-DR DE 2004/03/12 PAG2589.; AC STA PROC1747/03 DE 2004/02/18.; AC STA PROC531/04 DE 2004/09/22.; AC STA PROC833/05 DE 2005/11/30.; AC STA PROC503/03 DE 2003/06/18.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – No processo de contra-ordenação tributária n.º 118/05, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa 2, em que é arguido A..., foi proferida sentença declarando a nulidade da decisão administrativa de aplicação de coima e absolvendo o arguido da instância.
A Excelentíssima Procuradora da República naquele Tribunal interpôs o presente recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo, em que concluiu da seguinte forma:
1 – Não obstante a coima aplicada à arguida pela autoridade administrativa não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.º instância e não ter sido aplicada sanção acessória – cfr. artigo 83.ºdo RGIT – o que impediria a interposição do presente recurso,
2 – Sucede que o mesmo se mostra, manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito e visa, inequivocamente, a uniformidade da jurisprudência relativa à questão em causa que é
3 – Saber se a consequência de ser decretada a nulidade insuprível decorrente da falta de requisitos essenciais da decisão da autoridade administrativa que aplicou à arguida uma coima,
4 – Que tem sido objecto de decisões, transitadas em julgado, proferidas por este Tribunal em sentido não coincidente com a decisão judicial sob recurso a saber: decisão proferidas nos autos de recurso de contra-ordenação.n.ºs488/04.0BELRS,166/05.3BELRS,219/05.8BELRS, 507/05.3BELRS
5 – Bem como de Acórdãos do STA a saber Ac n. 0531/04, de 22.9.2004, 01507/02, de 6.11.2002.
6 – Importando, pois uniformizar a jurisprudência,
7 – Sendo certo que a decisão sob recuso contém claro erro de direito sendo comprovadamente duvidosa a solução jurídica preconizada na decisão sob recurso, sendo pois o presente recurso, manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito e á promoção da uniformidade da jurisprudência.
8 – São, pois, esses objectivos que a recorrente pretende alcançar através deste recurso.
9 – Assim requer-se que o mesmo seja admitido, nos termos do artigo 73.º n. 2 do RGCO, aplicável, subsidiariamente ao RGIT, por força do disposto no artigo 3.º al. b) do RGIT, conforme Ac do STA de 18.6.2003, rec. n.º 503/03
10 - Quanto à questão sob recurso, diremos:
11 – A declaração de nulidade da decisão de aplicação da coima não tem, como efeito, a absolvição dos arguidos da instância, como refere o Mmº Juiz na decisão sob recurso;
12 – A declaração de nulidade da decisão de aplicação de coimas, nos termos do disposto no artigo 63.º do RGIT tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que dela dependam absolutamente, devendo, porém aproveitar-se as peças úteis ao apuramento dos factos;
13 – As nulidades previstas no artigo 63.º do RGIT não são, susceptíveis de constituir excepção dilatória determinante da absolvição da instância, figura jurídica não existente no processo contra-ordenacional.
14 – O Mm. Juiz ”a quo” ao decidir como decidiu, absolvendo a arguida da instância, violou, claramente, o disposto no art.º 63 do RGIT,
15 - Para além de ter decidido em sentido contrário ao de outras decisões deste TAF e de Acórdão do STA sobre a mesma matéria. – cfr. certidões juntas.
16 – A decisão recorrida deve ser revogada e substituída outra que, declarando a nulidade da decisão da Autoridade Administrativa declare a nulidade dos termos que lhe são subsequentes e ordene a remessa do processo de contra-ordenação ao Serviço de Finanças competente para ser proferida decisão que dê cumprimento ao disposto nos artigos 63.º n.º 3, e 79.º n.º 1, do RGIT.
17 – Normas jurídicas violadas: artigos 63, nºs 1al d) e 3 e 79.n.i do RGIT.
O arguido contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
a) Salvo o devido respeito e, melhor entendimento, o douto despacho do Meritíssimo Juiz "a quo” não merece qualquer censura ou reparo, antes pelo contrário;
h) Conforme refere, a Exma. Senhora Doutora Procuradora da República, o artigo 63º do Regime Geral das Infracções Tributárias (“RGIT”), prevê os tipos de nulidade do processo de contra-ordenação tributária;
c) E, um dos regimes legais invocados pela Recorrente, a Digníssima Procuradora da República, é o Regime Geral de Contra-Ordenações, previsto no Dec.-Lei nº 433/82, de
d) Ora, ao abrigo daquele diploma, não é permitida a remessa dos autos à autoridade administrativa para ser suprida a omissão referida ou, qualquer outra;
e) Efectivamente, o regime aplicável ao processo de contra-ordenação, não contém qualquer norma que permita ao Tribunal reenviá-lo à entidade administrativa que proferiu a decisão impugnada, ou proferir decisão anulatória;
f) Na verdade, como resulta do art. 64.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, o Tribunal apenas pode: - 1 - ordenar o arquivamento do processo ou: - 2 - absolver o arguido ou: - 3 - manter a condenação ou: - 4 - alterar a condenação;
g) Implicando, todavia, em qualquer uma daquelas três últimas hipóteses, a apreciação do mérito da causa pressuposto este que, no caso em apreço, se não verifica;
h) Resta pois, a primeira das mencionadas hipóteses, ou seja, a de ordenar o arquivamento dos autos;
i) Deste modo, salvo o devido respeito e, melhor entendimento, não assiste razão ao Ministério Público, devendo em consequência manter-se o douto despacho recorrido.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deverá ser negado provimento ao recurso e consequentemente confirmada a douta decisão recorrida, com todas as legais consequências.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Nos termos do n.º 1 do art. 83.º do RGIT, «o arguido e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância para o Tribunal Central Administrativo, excepto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e não for aplicada sanção acessória».
A alçada dos tribunais de judiciais de 1.ª instância em processo civil foi fixada em € 3740,98, pelo n.º 1 do art. 24.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro).
Por isso, a recorribilidade das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância, nos processos de contra-ordenações tributárias, depende, em princípio, de ter sido aplicada coima superior a € 935,25.
A coima que foi aplicada ao arguido na decisão administrativa foi de 378,27 euros, inferior à alçada dos tribunais tributários.
No entanto, como bem afirma a Excelentíssima Magistrada do Ministério Público recorrente, é aplicável subsidiariamente o disposto no art. 73.º, n.º 2, do RGCO, por força do disposto no art. 3.º, alínea b), do RGIT, em que se estabelece que, mesmo quando o processo contra-ordenacional tem valor à alçada, o tribunal de recurso pode «a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência».
A aplicação subsidiária do n.º 2 do art. 73.º já foi afirmada por este Supremo Tribunal Administrativo ( ( ) Acórdão de 18-6-2003, recurso n.º 503/03. ) e justifica-se pelo facto de se tratar de uma norma que é necessária para assegurar ao arguido o direito de defesa que a Constituição garante em matéria sancionatória (art. 32.º, n.º 10, da CRP). Por outro lado, sendo a alçada dos tribunais tributários superior à prevista no art. 73.º, n.º 1, alínea a), do RGCO, justificar-se-á, por maioria de razão, a utilização da válvula de segurança do regime de recursos em processo contra-ordenacional que constitui aquele art. 73.º, n.º 2.
No caso em apreço, para evidenciar que o recurso é manifestamente necessário para a promoção da uniformidade de jurisprudência, a Excelentíssima Magistrada do Ministério Público junta à sua alegação certidões de sentenças do mesmo Tribunal em que, na sequência de decisões de declaração de nulidade da decisão administrativa de aplicação de coima, não se absolve o arguido da instância, antes se ordenando a remessa do processo à autoridade administrativa, a fim de ser reformulada a decisão, se a tal nada obstar.
A existência de várias decisões em sentido diferente da decisão recorrida, em matéria semelhante, patenteia a necessidade da admissão do recurso para promover a uniformização de jurisprudência.
Por outro lado, o facto de a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo ser uniforme em sentido contrário ao decidido na sentença recorrida, evidencia também que a admissibilidade do recurso é manifestamente necessária para a melhoria da aplicação do direito.
Por isso, é de admitir o recurso, ao abrigo do referido art. 73.º, n.º 2, do RGCO.
3 – A questão que é objecto do presente recurso jurisdicional é a de saber se, declarada anulação de uma decisão administrativa de aplicação de coima, por enfermar de nulidade insuprível, o processo deve findar, com absolvição da instância, ou deve ser remetido à autoridade administrativa, a fim de ser sanada a nulidade, se tal for possível.
O regime das nulidades no processo de contra-ordenações tributárias consta do art. 63.º do RGIT, que estabelece o seguinte:
Artigo 63.º
Nulidades no processo de contra-ordenação tributário
1 - Constituem nulidades insupríveis no processo de contra-ordenação tributário:
a) O levantamento do auto de notícia por funcionário sem competência;
b) A falta de assinatura do autuante e de menção de algum elemento essencial da infracção;
c) A falta de notificação do despacho para audição e apresentação de defesa;
d) A falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação do arguido.
2 - Não constitui nulidade o facto de o auto ser levantado contra um só agente e se verificar, no decurso do processo, que outra ou outras pessoas participaram na contra-ordenação ou por ela respondem.
3 - As nulidades dos actos referidos no n.º 1 têm por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, devendo, porém, aproveitar-se as peças úteis ao apuramento dos factos.
4 - Verificadas as nulidades constantes das alíneas a) e b) do n.º 1, o auto de notícia vale como participação.
5 - As nulidades mencionadas são de conhecimento oficioso e podem ser arguidas até a decisão se tornar definitiva.
Como se vê pelo n.º 3 deste artigo, a consequência da declaração de nulidade dos actos referidos no n.º 1, entre os quais se inclui a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, é «a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, devendo, porém, aproveitar-se as peças úteis ao apuramento dos factos» e não a absolvição da instância ou o arquivamento do processo contra-ordenacional.
Na sentença recorrida, restringe-se o campo de aplicação desta norma à face anterior à apresentação dos autos ao juiz, mas não há qualquer suporte legal para esse entendimento e, pelo contrário, a sistematização do RGIT evidencia que se trata de uma disposição de aplicação generalizada no processo contra-ordenacional.
Na verdade, o «Processo de contra-ordenações tributárias» consta do Capítulo II do RGIT que inclui
– a Secção I, com a epígrafe «Disposições gerais», e
– a Secção II com a epígrafe «Processo de aplicação de coimas», subdividida em duas Subsecções: a Subsecção I, com a epígrafe «Da fase administrativa» e a Subsecção II, com a epígrafe «Da fase judicial».
O referido art. 63.º vem incluído na Secção I, que contém as disposições gerais, o que evidencia que se trata de uma norma de aplicação geral, pois como é óbvio, se se pretendesse restringir o seu campo de aplicação à fase administrativa, ele seria inserido na Subsecção I da Secção II, relativa a esta fase, e não entre as «disposições gerais».
Assim, tendo de presumir-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9.º, n.º 3, do Código Civil), a única interpretação aceitável é a de que aquele art. 63.º é de aplicação tanto na «fase administrativa» como na «fase judicial».
De resto, o desaparecimento jurídico do acto nulo e dos actos que dele dependam é a regra generalizada do nosso ordenamento jurídico, como pode ver-se, além do n.º 3 do transcrito art. 63.º, pelos arts. 201.º, n.º 2, do CPC, 195.º, n.º 3, do CPT, art. 98.º, n.º 3, do CPPT e art. 122.º, n.º 1, do CPP.
Na sequência da declaração de uma nulidade processual, a regra é a de repetição do acto, se ele não estiver sujeito a prazo que tenha expirado, como se conclui dos arts. 208.º do CPC e 122.º, n.º 2, do CPP.
É, aliás, neste sentido a jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal Administrativo, quer à face do art. 63.º do RGIT, quer da norma do CPT correspondente, que é o art. 195.º, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:
– de 13-12-1995, recurso n.º 17465, AP-DR de 14-11-97, 2912; ( ( ) Na sentença recorrida invoca-se em abono da posição assumida, o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 13-12-1995, recurso n.º 17465, mas o nele decidido é precisamente oposto ao decidido: com efeito, nesse acórdão confirmou-se uma sentença de um Tribunal Tributário de 1.ª Instância em que se entendera «ocorrer uma nulidade insuprível nos termos da al. d), do n.º1 e n.º 5 do art. 195.º do CPT, da qual conheceu, anulando a decisão que aplicará a coima e os actos dela dependentes e julgando prejudicado o conhecimento do recurso, que daquela decisão fora interposto». )
– de 30-6-1999, recurso n.º 23900;
– de 8-2-2001, recurso n.º 25748, AP-DR de 27-6-2003, 413;
– de 6-11-2002, recurso n.º 1507/02, AP-DR 12-3-2004, 2589;
– de 18-2-2004, recurso n.º 1747/03;
– de 22-9-2004, recurso n.º 531/04; e
– de 30-11-2005, recurso n.º 833/05.
Nestes termos acordam em
– conceder provimento ao recurso jurisdicional;
– revogar a decisão recorrida na parte em que se decide a absolvição da instância;
– ordenar a remessa do processo à autoridade administrativa, a fim de dar seguimento ao processo contra-ordenacional, em conformidade com o preceituado no art. 63.º, n.º 3, do RGIT.
Custas pelo arguido, que contra-alegou.
Lisboa, 17 de Janeiro de 2007. - Jorge de Sousa (relator) – Baeta de Queiroz – Pimenta do Vale.