Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01478/15
Data do Acordão:04/26/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:AJUDAS COMUNITÁRIAS
IRREGULARIDADE
PEDIDO
DEVOLUÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Sumário:I - O prazo para ser pedida a devolução de quantias recebidas irregularmente no âmbito do «Fundo de Orientação e Garantia Agrícola» é o prazo de 4 anos, previsto no nº1 do artigo 3º do Regulamento [CE EURATOM] nº2988/95, do Conselho, de 18.12, relativo à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeia;
II - O artigo 3º, nº1, 2º parágrafo, segunda parte, deste Regulamento, deve ser interpretado no sentido de que um programa operacional, na acepção do artigo 9º, alínea f), do Regulamento [CE] nº1260/99 do Conselho, de 21.06 - que fixa disposições gerais sobre os Fundos estruturais - como o Programa Operacional Norte, aprovado pela Decisão C (2000) 1775 da Comissão, de 28.07, não está abrangido pelo conceito de programa plurianual na acepção da primeira destas disposições, excepto se o referido programa já identificar acções concretas a executar;
III - Dado que o Programa Operacional Norte, a Decisão da Comissão Europeia que o aprovou, e os diplomas nacionais que o regulam, não identificam «acções concretas a executar», que só aparecem nos contratos de atribuição de ajuda, não pode, para efeitos da prescrição aqui em referência, ser considerado um programa plurianual.
Nº Convencional:JSTA000P23216
Nº do Documento:SA12018042601478
Data de Entrada:12/18/2015
Recorrente:IFAP - INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP
Recorrido 1:FREGUESIA DE ESPIUNCA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP [IFAP] interpõe recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte [TCA], de 19.06.2015, que negou provimento ao recurso de apelação para ele interposto do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro [TAF/A], de 30.05.2014, que julgou procedente a acção administrativa especial em que foi demandado pela FREGUESIA DE ESPIUNCA [Município de Arouca].

Culmina as suas alegações de revista com as seguintes conclusões:

1- A ajuda em causa nos presentes autos foi concedida no âmbito do Programa AGRIS inserido no PROGRAMA PLURIANUAL do III Quadro Comunitário, designado P.O. Norte [CCI: 1999PT161P0017], aprovado pela Decisão C [2000] 1775, de 28 de Julho é um «programa plurianual», pelo que o «prazo de prescrição do procedimento», por «irregularidade», tem como termo extintivo o encerramento definitivo do programa – ver artigo 3º, nº1, do 2º parágrafo do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95, que dispõe «O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa»;

2- O douto acórdão proferido pelo TCAN, na sua parte final, é obscuro, contraditório, desaplica o direito, incorrendo em «erro de julgamento» quanto à interpretação e aplicação das normas comunitárias aplicáveis;

3- Contraditório porque tendo expressamente referido que «nos programas plurianuais, o prazo de prescrição corre até ao encerramento do mesmo não se interrompe ou suspende» e, em sequência, considera a possibilidade de interrupção da prescrição ao afirmar que a «recorrida foi notificada para efeitos de audiência prévia em 24.04.2009, pelo que será a partir desta data que se interrompe prazo prescricional»;

4- Obscuro porque, admitindo que a ajuda a reembolsar [AGRIS] se enquadra no âmbito dos programas plurianuais, não esclarece, nem fundamenta, porque aplica a regra geral sobre prescrição, que estipula que o prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade;

5- Desaplica, assim, o direito, pois não obstante referir que «o prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa», procede, no entanto, à contagem do tempo decorrido para prescrição considerando 4 anos, ignorando desta forma o segmento da norma do artigo 3º que refere que a contagem do prazo se faz «até ao encerramento definitivo do programa»;

6- Enferma, assim, o acórdão em erro grosseiro de interpretação da norma e de não adequação dos factos ao plano abstracto da norma porque não aplica o 3º parágrafo do artigo que cita, ignorando-o;

7- Com efeito, o tribunal, ao concluir pela prescrição do procedimento nos termos do disposto no artigo 3º, nº1, 1º parágrafo do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95, não ponderou e não valorou o respectivo regime jurídico aplicável, pelo que acórdão no que a esta questão se refere não pode ser mantido, justificando-se o presente recurso;

8- Por outro lado, a admissão do presente recurso assume a maior relevância jurídica, pois a controvérsia é susceptível de extravasar os limites da situação singular em apreço, como aliás já sucede, pois tem-se assistido a uma aplicação indiscriminada pelos tribunais, da mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, e do Tribunal de Justiça da União Europeia [TJUE] sobre a regra da prescrição sem atender à natureza específica das ajudas bem como à circunstância de as mesmas não se pronunciarem quanto ao regime a aplicar às irregularidades praticadas no âmbito de ajudas enquadradas em PROGRAMAS PLURIANUAIS [como a dos presentes autos];

9- Com efeito, o tribunal, ao concluir pela prescrição do procedimento nos termos do disposto no artigo 3º, nº1, 1º parágrafo do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95, não ponderou e não valorou o respectivo regime jurídico aplicável, tendo o tribunal a quo feito uma interpretação errada, «contra legem», da legislação comunitária aplicável, verificando-se ter existido uma violação clara tanto de lei substantiva, como processual, nomeadamente, violação do disposto no referido artigo 3º do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95, e dos artigos 8º e 9º nº2 do Código Civil, cumprindo-se a necessidade, salvo o devido respeito, de ancorar a admissão da revista na necessidade de melhor aplicação do direito comunitário;

10- Nestes termos o acórdão ora recorrido é susceptível de recurso, com vista a uma melhor aplicação de direito, com fundamento no facto de nos presentes autos estarmos perante uma irregularidade praticada no âmbito de um programa plurianual e de que nesses casos o prazo de prescrição corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa;

11- Assim, o presente recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo preenche os seus requisitos de admissibilidade previstos e instituídos no nº1 do artigo 150º do CPTA;

12- Por outro lado, entende o ora recorrente que a questão trazida a juízo se apresenta de fundamental relevância jurídica e social já que esta abrange questões que têm impacto no ordenamento jurídico nacional, tendo uma incontroversa aplicabilidade a um universo alargado de outros casos, sendo certo que são na ordem dos milhares os subsídios pagos a beneficiários que aderiram a este Programa Comunitário, sendo que muitos deles são ou foram objecto de procedimentos semelhantes àquele que está em causa nos presentes autos;

13- Ignorar, tal como fez o acórdão recorrido, o que é disposto no 2º parágrafo do artigo 3º do Regulamento 2988/95, viola expressamente as regras de interpretação previstas no disposto nos artigos 8º e 9º do Código Civil;

14- Têm-se assistido à aplicação indiscriminada pelos tribunais, da mais recente jurisprudência sobre a regra da prescrição. Todavia essas decisões não têm tido em consideração a natureza específica das ajudas ao investimento, como no caso dos presentes autos, pagas no âmbito de programas plurianuais;

15- A revista revela-se, por isso, de maior utilidade jurídica, na medida em que, a posição a adoptar por este Venerando Tribunal irá assumir um ponto obrigatório de referência, pois irá esclarecer os exactos termos em que será aplicável o disposto no artigo 3º do Regulamento 2988/95, no âmbito das ajudas ao investimento, pagas no âmbito de programas plurianuais;

16- O presente recurso de revista patenteia ainda uma valorizada relevância social, dado que, a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, expandirá a sua linha orientadora para os demais vindouros casos análogos ou apenas do mesmo tipo;

17- Assim sendo, considera o IFAP, o organismo pagador em Portugal das despesas financiadas pelo «FEOGA - Secção Orientação», que os contornos do presente processo extrapolam a aplicação do caso concreto, indo muito além da esfera jurídica da recorrida, podendo mesmo pôr em causa a segurança jurídica do nosso sistema judicial e a observância das normas comunitárias aplicáveis;

18- Considerando que, nos termos do artigo 8º do Regulamento [CEE] nº729/70 do Conselho, de 21.04.1970, relativo ao financiamento da política agrícola comum, os Estados-membros devem adoptar as medidas necessárias para garantir a realidade e regularidade das operações financiadas pelo Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola [FEOGA], evitar e combater as irregularidades e recuperar as verbas perdidas na sequência de irregularidades ou negligência, nomeadamente através de controlos, a orientação que será disponibilizada por este Venerando Tribunal para além de fixar sentido decisório na presente lide, constituirá uma linha orientadora para futuros casos análogos ou do mesmo tipo;

19- Ora, em face do que resulta dos autos, é de concluir que a questão que o recorrente quer ver tratada tem em vista, basicamente, questionar a posição assumida no acórdão recorrido quanto à aplicação aos presentes autos do disposto no artigo 3º do Regulamento 2988/95, no que se refere ao 2º parágrafo da disposição aplicável no caso dos programas plurianuais;

20- Deve o presente recurso ser admitido pois que as questões cuja apreciação se suscitam assumem importante e fundamental relevância jurídica e social, revelando-se a intervenção deste Venerando Tribunal, essencial, útil e indispensável para uma melhor aplicação do Direito;

21- Preenchendo o presente recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo os seus requisitos de admissibilidade previstos e instituídos nos termos do nº1 do artigo 150° do CPTA, e, dada a complexidade das questões suscitadas, deverá ser objecto de reenvio prejudicial ao Tribunal da Justiça da União Europeia;

22- O Programa AGRIS está inserido num PROGRAMA PLURIANUAL do III Quadro Comunitário, designado de PO. Norte [CCL 1999PT161P0017], o qual foi aprovado pela Decisão C [2000] 1775, de 28.07, sendo que, na presente data, ainda se encontra em curso o contraditório referente ao encerramento do P2. Norte [CCI: 1999PT161P0017], nos termos do artigo 39º, nº3, do REG [CE] 1260/1999;

23- Conforme resulta dos factos provados alíneas A), B) e C) as ajudas foram concedidas ao abrigo do artigo 33º do Regulamento 1257/1999 do Conselho de 17.05.1999, sendo que este regulamento se refere à execução de um dos fundos estruturais o FEOGA – Orientação;

24- O Regulamento [CE, EURATOM] 2988/95, do Conselho, de 18.12.1995, estabelece disposições para lutar contra a fraude lesiva dos interesses financeiros das Comunidades Europeias. Prevê controlos homogéneos em todos os Estados Membros e medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito comunitário, nomeadamente, regula a matéria da prescrição relativa às irregularidades praticadas no âmbito das ajudas comunitárias;

25- O artigo 1º do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95, do Conselho, de 18.12.1995, define «Irregularidade», e a prescrição do procedimento encontra regulação no artigo 3º do mesmo Regulamento;

26- Na análise de uma situação em concreto, para efeitos de apuramento da prescrição, há pois que indagar da indicação legal de um determinado facto ou prazo, findo o qual, se extingue o direito [artigo 298º do Código Civil];

27- Nestes autos está em causa a apreciação da prescrição do procedimento administrativo de aplicação de uma «medida», pelo Estado membro, na sequência da prática de irregularidades, por parte do beneficiário da ajuda, que foi concedida enquadrada num programa plurianual, e definir o facto ou prazo, findo o qual, se extingue o direito do IFAP de solicitar o reembolso;

28- Do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95, do Conselho, de 18.12.1995 resulta que nos casos das irregularidades terem sido praticadas no âmbito das ajudas concedidas ao abrigo de programas plurianuais a prescrição ocorre com o encerramento definitivo do programa;

29- O douto acórdão recorrido, entende que a expressão do segmento da norma «O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa», significa que nos programas plurianuais não são aplicadas as regras da suspensão ou a interrupção dos prazos de prescrição;

30- E, a consequência que advém deste entendimento do tribunal é a de que aplicando a regra geral [4 anos] e não havendo possibilidade de prorrogação de prazo [no pressuposto de que se verificam as condições], nos programas plurianuais o prazo de prescrição é só e apenas de 4 anos;

31- Esta interpretação não tem qualquer suporte no preceito legal citado;

32- Aliás, conforme facilmente se concluirá do acórdão - folhas 27 a 29 - o tribunal, quando confrontado com as consequências da interpretação por si defendida, faz tábua rasa da mesma e passa a aplicar a regra geral, analisando, então, [????] a data em que ocorreu a audiência prévia para verificar da possibilidade de ocorrer a interrupção do procedimento;

33- Concordando o recorrente com o acórdão na parte em que entende que no caso dos programas plurianuais não há lugar a ser considerada a interrupção ou suspensão do prazo de prescrição do procedimento, entende, contudo, diversamente, que o legislador para estes programas regulou a matéria de prescrição de forma específica e especial;

34- Tal norma corresponde aquela que refere «O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa» [artigo 3º, nº1, parte final do 2º § do diploma citado];

35- E, decorre da mesma que o legislador considera, como facto extintivo do direito do IFAP, não um período de tempo, mas sim a ocorrência de um facto «o encerramento definitivo do programa»;

36- A data de encerramento definitivo de um programa plurianual é portanto determinante no apuramento da verificação da prescrição do procedimento e a sua aplicação não pode ser ignorada, com tem vindo a ser;

37- Aplicando o direito ao caso concreto e tendo em conta a matéria de facto assente conclui-se que nos presentes autos em 04.03.2005 teve início a contagem do prazo para efeitos de prescrição, e esse prazo ainda não terminou porquanto o programa AGRIS [plurianual] ainda não se encontra encerrado;

38- Releva referir que em virtude do procedimento ter sido concluído em 26.11.2010 [data da decisão final] tal facto implica que não se verifica a prescrição do procedimento e portanto assiste ao recorrente o direito de exigir o reembolso da ajuda, devendo por consequência ser mantida a decisão tomada pelo IFAP;

39- Salienta-se que a jurisprudência até agora produzida, nomeadamente, do TJUE, o acórdão de 17.09.2014 [processo nºC-341/13] e do STA o AC nº1/2015 [Série I], de 26.02.2015, processo nº173/13 - Pleno da Secção do Contencioso Administrativo - Uniformização de jurisprudência, não equacionou a questão da prescrição no que concerne às irregularidades praticadas no âmbito dos Programas Plurianuais;

40- Face ao exposto, atendendo a que o acórdão recorrido incorre ainda em erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação das normas comunitárias aplicáveis e desaplicando o direito, nega provimento parcial ao recurso, com consequente revogação da decisão final, julgando procedente a excepção de prescrição da obrigação de restituição, comunitárias aplicáveis, e por consequência, não pode ser mantido, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, proferindo acórdão que revogue o acórdão ora impugnado.

Termina pedindo a admissão do recurso de revista, e o seu provimento, sendo, em consequência, revogado o acórdão recorrido e mantida a decisão do IFAP.

2. Conforme refere na conclusão 21ª, o recorrente solicita o reenvio prejudicial ao Tribunal da Justiça da União Europeia [TJUE], nos termos que se transcrevem:

DO REENVIO PREJUDICIAL

Dada a complexidade da situação em apreço, cabendo a interpretação do direito comunitário ao TJUE, subsistindo dúvidas quanto à correcta aplicação da norma do Regulamento [CE] nº1260/1999 [programa plurianual], bem como do artigo 3° do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95, requer o recorrente que seja colocada ao TJUE, em sede de reenvio prejudicial, a seguinte questão:

No caso de a irregularidade ter sido praticada no âmbito de um PROGRAMA PLURIANUAL, como nestes autos, o Programa AGRIS inserido no Programa Plurianual do III Quadro Comunitário, designado de PO Norte [CCI:1999PT161P001 7], aprovado pela Decisão C [2000] 1775, de 28.07

I. À prescrição do procedimento administrativo por irregularidade é aplicável o disposto na 2ª parte do 2º parágrafo do nº1 do artigo 3º do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95 que refere «O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa?»

II. Na prescrição do procedimento administrativo por irregularidade, caso dos programas plurianuais, apenas a data do encerramento definitivo do «programa plurianual» releva para efeitos da verificação da mesma?

III. Na prescrição do procedimento administrativo por irregularidade, no caso dos programas plurianuais, não tem aplicação o disposto no primeiro parágrafo do nº1 do artigo 3º e o nº1 do artigo 6º do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95?».

3. A autarquia recorrida não ofereceu contra-alegações.

4. O «recurso de revista» foi admitido por acórdão do STA [formação a que alude o nº5 do artigo 150º do CPTA] nos seguintes termos:

[…]

No presente recurso discute-se se o caso se identifica com aqueles que foram apreciados na referida jurisprudência deste Supremo, ou se do disposto no segundo parágrafo do referido artigo 3º, nº1, do Regulamento nº2988/95 - «o prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa» - resulta uma solução diferente quanto ao prazo de prescrição do direito de exigir a restituição de ajudas comunitárias que lhe seja aplicável.

Trata-se de uma questão de alcance geral, susceptível de colocar-se repetidamente perante situações do tipo da presente e cuja apreciação não parece esgotada, na perspectiva agora apresentada pela recorrente, pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, designadamente, a que se materializou na jurisprudência de 26.02.2015, processo 0173/13.

Assim, por se tratar de questão jurídica de importância fundamental, justifica-se a admissão do recurso excepcional de revista [ver, no mesmo sentido, AC de 20.10.2015, processo 1198/15].

[…]

Pelo exposto, decide-se admitir o recurso.

[…]

5. Notificado para tal efeito, o Ministério Público não se pronunciou [artigo 146º, nº1, do CPTA].

6. Colhidos que foram os «vistos» legais, cumpre apreciar e decidir este recurso de revista.

II. De Facto

As instâncias forneceram-nos o seguinte quadro factual:

A) De acordo com o disposto no artigo 33º do Regulamento [CEE] nº1257/99 do Conselho, de 17.05, foi criada a Medida AGRIS - Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural dos Programas Operacionais de âmbito Regional - a qual se rege pelos DL nº54-A/2000, de 07.04, e nº163-A/2000, de 27.07, e pela Portaria nº48/2001, de 26.01, alterada pelas Portarias nº1103-B/2001, de 15.09, e nº1043/2003, de 22.09, que republicou, em anexo, o Regulamento de aplicação desta acção;

B) Em 12.11.2002, nos termos do artigo 9º da Portaria nº48/2001, de 26.01, a autora da AAE apresentou na Direcção Regional de Agricultura de Entre-Douro-e-Minho, um projecto de investimento, no âmbito da Medida AGRIS, enquadrado na Medida 7 - Valorização do Ambiente e do Património Rural, Sub-Acção 7.1 - Recuperação e Valorização do Património, da Paisagem e dos Núcleos Populacionais em Meio Rural - ver documentos juntos no PA, a folhas 1 a 15;

C) O Projecto apresentado pela autora da AAE, tramitado sob o nº20021000791116, visava a reconstrução de um moinho de água tradicional, sendo o investimento proposto e aprovado de 32.500,00€, e um subsídio de 24.375,00€ - ver documentos juntos ao PA a folhas 54 a 56;

D) Em 15.12.2003, na sequência da aprovação do projecto, e nos termos do artigo 13º da Portaria nº48/2001, de 26.01, entre a autora da AAE e o ex-IFADAP foi celebrado contrato de atribuição de ajuda, ao abrigo do Programa AGRIS - Medida 7 – Sub-Acção 7.1. - ver documento junto ao PA a folhas 57 a 58 e documento nº2 da petição inicial;

E) A Cláusula 7ª do contrato de atribuição da ajuda prevê que: «A execução material do projecto a que respeite o presente contrato deve ter início e deve terminar nas datas a seguir indicadas, salvo prorrogações previamente autorizadas por escrito pelo Coordenador da Medida AGRIS Data Início: /11/2002; Data Fim:/12/2004»;

F) O projecto referente ao contrato em causa foi executado no prazo contratual;

G) O procedimento pré-adjudicatório utilizado pela Junta de Freguesia de Espiunca foi o ajuste directo, com consulta a duas entidades, conforme acta da reunião ordinária do dia 31.12.2003 - ver folhas 211 e seguintes do PA;

H) Das Condições Gerais do referido contrato de atribuição de ajuda nos pontos C.8 e C.9 da Condição Geral C, referente às obrigações do beneficiário, consta o seguinte: «C.8. Cumprir a legislação ambiental e demais legislação aplicável; C.9. Assegurar a exploração e a conservação das instalações e dos equipamentos após a conclusão do projecto durante um período mínimo de dez anos»;

I) No âmbito da execução do contrato, e nos termos do artigo 17º da Portaria nº48/2001, de 26.01, o IFADAP pagou à autora o montante total de 24.374,59€, pelos valores e nas datas a seguidamente indicadas: 7.434,15€, em 30.06.2004; 10.361,30€, em 26.10.2004; 6.579,14€, em 04.03.2005 - ver documentos juntos ao PA a folhas 137, 155 e 181;

J) Nos termos do artigo 10º do DL nº163-A/2000, de 27.07, e da Condição D.1 do Contrato, cabe ao IFADAP assegurar o controlo de primeiro nível de execução da Medida AGRIS, podendo o IFADAP e demais entidades nacionais e comunitárias, a todo o tempo, e pela forma que entenderem conveniente, fiscalizar a execução do projecto, a efectiva aplicação das ajudas e a manutenção pelo beneficiário dos requisitos da sua concessão;

K) Em 12.04.2006 foi solicitado pelo Coordenador Regional da Medida AGRIS da Direcção Regional de Agricultura de Entre Douro e Minho [DRAEDM] à Entidade Promotora do Plano de Intervenção [ver artigo 4º da Portaria nº48/2001, de 26.01] de Paiva e Montemuro - entidade que na situação do projecto em crise nos presentes autos era a Associação de Desenvolvimento Rural Integrado das Serras de Montemuro, Arada e Gralheira - ADRIMG - o seguinte:

«Na sequência de auditorias realizadas pelo IFADAP/INGA enquanto Autoridade de Pagamento a projectos financiados pela Medida AGRIS, o Coordenador Regional da Medida AGRIS deverá informar o Gestor do ON-Programa Operacional da Região Norte relativamente ao cumprimento dos procedimentos inerentes à contratação pública nas situações em que tal seja requerido. Assim a fim de habilitar a DRADEM para a preparação da resposta, solicita-se que nos sejam remetidos, até ao próximo dia 21 de Abril, os documentos constantes na lista anexa, aplicáveis ao[s] procedimento[s] utilizado[s] no[s] projecto[s] abaixo indicado[s] - Freguesia de Espiunca» - ver documento junto ao PA a folha 182;

L) Em resposta ao anteriormente solicitado a DRAEDM recepcionou em 05.05.2006, carta remetida pela ADRIMAG, na qual esta entidade remete a «documentação referente à contratação pública do projecto nº2002100079116» - ver documento junto ao PA, a folhas 183 a 213;

M) Após análise do processo a DRAP Norte [Ex- DRAEDM] notificou a autora, através do ofício BGSGLO9O4O35, em 24.04.2009, para efeitos de audiência prévia dos factos apurados e das respectivas consequências legais – ver documento junto ao PA a folhas 215 e 216;

N) Nesse ofício, a Entidade Demandada comunicou que, não obstante, o projecto se encontrar em situação regular, em termos de execução física, em termos de execução financeira foi detectado que não foram cumpridas as regras de contratação pública, porquanto a autora procedeu à adjudicação das obras por ajuste directo, procedimento que violou o artigo 48º do DL 59/99, de 02.03, que exigia o procedimento pré-adjudicatório de Concurso por Negociação, não sendo os trabalhos objecto do contrato subsumíveis ao disposto a qualquer alínea do artigo 136º do mesmo diploma, notificando a autora da intenção de determinar a modificação do contrato pelo incumprimento dos requisitos necessários à concessão das ajudas, com consequente devolução das ajudas indevidamente recebidas, no montante de 6.093,65€ - ver documentos juntos ao PA a folhas 215 a 216;

O) Em 12.05.2009, mediante carta que deu entrada nos Serviços do DRAP Norte, veio a autora apresentar a sua resposta ao ofício de audiência prévia, enviando dois documentos explicativos do facto de ter optado pelo ajuste directo, alegando que na altura não foram juntos por esquecimento, constando de um dos documentos [Declaração da Junta de Freguesia] que pela natureza da obra se optou pelo ajuste directo, uma vez que nesta zona não há oferta de empreiteiros que saibam trabalhar com engenhos e restaurá-los - ver documento junto ao PA a folhas 217 a 219;

P) Face à resposta recebida, foi emitida pelo Coordenador Regional da Medida AGRIS do Programa Operacional da Região Norte em 09.09.2009 «proposta de decisão», preparatória da decisão final, que concluiu que o procedimento utilizado pela autora não foi o adequado, considerando ter havido violação da alínea b) do artigo 136º do DL nº59/99, de 02.03, o que implicava a correcção financeira da ajuda paga à autora, no montante de 6.093,65€, resultante da aplicação da taxa de 25% conforme o estipulado na Tabela de Correcções Financeiras aos Mercados Públicos – ver documento junto ao PA a folhas 220 a 221;

Q) Consta de referido documento, entre o demais, o seguinte:

«[…] 5. O procedimento pré adjudicatória utilizado pela Freguesia foi o ajuste directo, com consulta a duas Entidades, conforme teor da Acta da Reunião Ordinária da junta de Freguesia de Espiunca do dia 31.12.03. Existe, no entanto, no processo consultado, uma proposta de uma terceira empresa, que não foi apreciada pelo dono da obra. […]

[...] 8. Uma regra básica para melhor promover a concorrência e de observar os demais princípios que regem a contratação pública, consagrados nos artigos 7º a 15º do DL nº197/99, de 08.06, é a estabelecida no artigo 48º, nºs 1 e 2, do DL 59/99, de 02.03, onde se define o procedimento pré-contratual a adoptar em função do valor do contrato.

9. Em síntese, é nosso parecer que a Freguesia ao proceder à adjudicação dos trabalhos através de ajuste directo, violou o estipulado no artigo 48º do DL 59/99 de 02.03, por ausência do procedimento pré-adjudicatório legalmente exigido que era o Concurso por Negociação. Isto porque não sendo os trabalhos objecto do contrato subsumíveis ao disposto a qualquer alínea do artigo 136º do mesmo diploma, o que quanto a este último dispositivo nem sequer foi alegado, não podia a Freguesia lançar mão daquele tipo de procedimento - o ajuste directo - pois o procedimento aplicável era no caso o Concurso por Negociação, nos termos do artigo 48º, nº2 alínea c), do DL nº59/99.

[…]

III. Resposta.

Notificado o beneficiário... para apresentar resposta escrita […] recebemos em 12.05.09 o ofício s/referência de 09.05.09 da freguesia de Espiunca [beneficiário].

Na resposta, o beneficiário solicita que se juntem ao processo documentos que explicam o facto de ter optado pelo ajuste directo que, na altura, por esquecimento, não foram enviados.

[…]

No documento referenciado em a) é declarado pelo Presidente da Junta que o ajuste directo foi realizado de acordo com a alínea b) do artigo 36º do DL nº59/99 atendendo a que face à natureza do projecto, o Restauro do moinho com mecanismos tradicionais, não existirem naquela zona oferta de empreiteiros que saibam trabalhar com engenhos e restaurá-los.

[…]

IV. Conclusões

[…] não devem se consideradas procedentes as alegações do beneficiário uma vez que:

IV.1 O suporte documental do processo é manifestamente incipiente, designadamente a deliberação relativa à realização do ajuste directo, cuja fundamentação está documentada apenas por uma declaração do Presidente da Junta. Não existem no processo cópias das cartas-convites. As propostas apresentadas não especificam com rigor os trabalhos a executar, em concreto a do adjudicatário não discrimina os referentes aos engenhos tradicionais.

IV.2 O texto legal para justificar o ajuste directo é alínea b) do artigo 136º do DL 59/99. Ora não se pode ter por demonstrado que as empresas consultadas eram as únicas a poder executar os trabalhos previstos, e sendo assim a alínea b) do artigo 136º é inaplicável ao caso em apreço. Efectivamente as declarações da junta levam a concluir que a avaliação da realidade do mercado se restringiu à zona de intervenção, o que confraria os princípios da contratação pública designadamente o da concorrência previsto no artigo 10º do DL 197/99 – «na formação dos contratos deve garantir-se o mais amplo acesso aos procedimentos dos interessados em contratar […]».

IV.3 Por outro lado, o recurso ao ajuste directo há fazer-se na medida do estritamente necessário, isto é na parte em que for rigorosamente indispensável. Assim se apreciarmos a composição do mapa de trabalhos aprovado no projecto, conclui-se que o valor da despesa prevista para a recuperação de engenhos representa apenas 8,44% do total. Baseando-se a argumentação da autarquia... no condicionalismo da aptidão artística ou técnica necessária à execução deste trabalho, quando muito poderia ter sido aceitável o recurso ao disposto no nº 2 do artigo 205º DL 97/99 que permite a separação de empreitadas em partes. Desse modo teria sido possível recorrer a um ajuste directo para a parte dos engenhos e submeter a restante à concorrência.

IV.4 Em síntese, o procedimento utilizado pela autora não foi o adequado, pelo que se considera ter havido violação da alínea b) do artigo 136º do DL nº59/99, de 2 de Março»ver documento junto ao PA a folhas 221 a 220-A;

R) Em 10.11.2009 foi tomada decisão pelo Gestor do PO Norte, após a proposta do Coordenador Regional da Medida AGRIS do programa Operacional da Região Norte no sentido de, considerando que os factos apurados ao longo do processo constituem irregularidades, se determinar o reembolso pela autora do montante de 6.093,65€, bem como a respectiva informação e sua remessa para o IFAP, IP, para que o mesmo proceda à recuperação do montante da ajuda considerado em dívida - ver documento junto ao PA a folhas 224 a 228;

S) A mencionada Decisão quanto à irregularidade de execução do projecto juntamente com documentos constantes do processo de controlo [mormente, a resposta da autora, em sede de audiência prévia], a proposta de decisão final emitida pelo Coordenador Regional da Medida AGRIS do Programa Operacional da Região Norte em 09.09.2009, ficha de decisão e identificação da dívida na qual consta a Decisão do Gestor do PO Norte, foi remetida ao IFAP -IP, em 11.11.2009, através de ofício com referência DAAFI ID 780232 - ver documento junto ao PA a folhas 5 a 12;

T) Em 26.11.2010 o IFAP-IP, através de ofício nº028436/2010, proferiu decisão final, a qual foi notificada à autora em 29.11.2010 nos seguintes termos:

[…]

«1. Através do ofício nº8GSGL0904035 do Gestor do PO Norte, datado de 24.04.2009, foi notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 100º e seguintes do CPA da intenção de se determinar a devolução do valor indevidamente pago, relativo à medida/acção referida no assunto deste ofício.

2. Tal intenção encontra fundamento nas conclusões de controlo administrativo, onde foram verificadas irregularidades passíveis de correcção financeira, a saber:

2.1. O projecto em apreço refere-se ao “Restauro de Moinho com Dois Engenhos” e atendendo à natureza dos investimentos inerentes, estamos perante uma empreitada de obras públicas, pelo que a legislação aplicável é o DL nº59/99, de 2 de Março.

2.2. O procedimento pré-adjudicatório utilizado pela Junta de Freguesia foi o ajuste directo, com consulta a duas entidades, conforme v/Acta da Reunião Ordinária do dia 31.12.2003.

2.3. O procedimento utilizado não foi o adequado, devido ao valor do investimento. Conforme definido no artigo 48º do DL nº59/99, de 02.03, pois o concurso a prover deveria ter sido o concurso por Negociação.

3. Tendo em conta a natureza do montante irregular de 24.374,59€ foi aplicada a taxa de correcção de 25% da tabela de orientações do COCOF, sobre o montante considerado irregular, pelo que deverá repor o montante de 6.093,65€

4. Considerando que foi apresentada resposta escrita às alegações supra mencionadas, em 18 de Maio de 2009, foi a mesma objecto de análise e não havendo alterações aos pressupostos acima descritos e de acordo com a decisão do Gestor do PO Norte, determina-se, a alteração do contrato de atribuição de ajudas e a reposição no valor total de 7.427,24€ correspondentes ao montante de capital de 6.093,65€ acrescido de juros compensatórios no valor de 1.333,59€ calculados desde que esse montante foi posto à vossa disposição [18.05.2005], até à data de emissão deste ofício.

5. Pelo exposto, e para efeitos de reposição voluntária da verba em questão, fica essa edilidade notificada de que a mesma poderá ser efectuada por meio de cheque a enviar para a Tesouraria deste Instituto, fazendo referência ao número de processo indicado neste ofício, no prazo de 30 dias a contar da data de recepção do mesmo.

6. No termo do prazo acima estipulado sem que se verifique o pagamento da importância em dívida será instaurado, por não restar qualquer outra alternativa a este Instituto, o competente processo de execução fiscal, com vista à cobrança coerciva do montante em dívida no qual serão ainda pedidos juros de mora vencidos e vincendos» - ver documento junto ao PA a folhas 19 e 20.

E é tudo, quanto a factos provados.

III. De Direito

1. A autora - Freguesia de Espiunca - pediu ao TAF, nesta AAE, que «anulasse» a decisão do IFAP, datada de 26.11.2010, e que lhe foi notificada no dia 29 desse mesmo mês [ponto T) do provado].

Apontou-lhe, para tal efeito, as seguintes causas de anulação: falta de objecto, erro nos pressupostos, preterição de audiência prévia, falta de fundamentação, e prescrição do reembolso da ajuda comunitária de que beneficiou.

O TAF julgou improcedentes os quatro primeiros vícios invocados, mas acabou por anular o acto impugnado, e assim julgar procedente o pedido impugnatório, com fundamento na «prescrição do reembolso da dívida».

Estribando-se essencialmente na doutrina adoptada no AC STA de 09.04.2014 - processo nº0173/13 - considerou que o prazo de prescrição em causa, ou seja, o prazo «dentro do qual poderá ser pedida a devolução de quantias recebidas no âmbito Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola» [FEOGA], não é o prazo geral de prescrição de 20 anos [artigo 309º do CC], nem o prazo especial de 10 anos [artigos 40º do Código Comercial, 118º nº2 do CIRS, e 115º nº5 do CIRC], nem, tão pouco, o de 5 anos [artigo 40º do DL nº155/92, de 28.07], mas antes o prazo de 4 anos previsto no artigo 3º, nº1, do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95, do Conselho, de 18.12.1995, o qual se conta a partir da data em que foi praticada a irregularidade justificadora da medida administrativa de reembolso.

E, nesta base, tendo presente que a irregularidade que foi imputada à autora - opção pelo procedimento pré-adjudicatório de «ajuste directo» - se mostra praticada em 31.12.2003, resulta que à data da prática do acto impugnado - 26.11.2010 - já se encontrava prescrito o direito de exigir a devolução da quantia recebida.

E a mesma conclusão se impõe ainda que se considere que a notificação para a audiência prévia, ocorrida em 24.04.2009 [ponto M) do provado], tinha potencialidade interruptiva da prescrição, pois que esta, mesmo nessa altura, já tinha ocorrido.

Esta decisão do TAF foi objecto de apelação para o TCAN, que a manteve, muito embora com fundamentação parcialmente diferente.

Efectivamente, o TCAN entendeu que a irregularidade em causa era continuada, e que, portanto, o prazo de 4 anos teria como termo a quo de contagem a data em que terminou a execução do respectivo contrato, que seria a de 04.03.2005 [ponto I) do provado], e não a data de 31.12.2003, em que a autarquia autora decidiu adoptar o procedimento pré-adjudicatório de «ajuste directo» [ponto G) do provado].

Entendeu, também, que tratando-se, no caso, de um «programa plurianual», o prazo de prescrição correria até ao encerramento definitivo do programa, sem suspensões ou interrupções.

Assim, e com deficit de lógica jurídica, concluiu que tendo o prazo de prescrição começado a contar em 04.03.2005, quando em 24.04.2009 podia ser, de facto, interrompido, já tinham decorrido os 4 anos para a prescrição do reembolso das quantias indevidamente subvencionadas.

Nesta base, negou provimento ao recurso de apelação do IFAP, e manteve, por razões algo diversas, o acórdão do TAF.

2. A autarquia autora candidatou-se e obteve uma ajuda comunitária - na quantia de 24.375,00€ - no âmbito das «operações financiadas pelo FEOGA», ao abrigo do PROGRAMA AGRIS, aprovado pela Decisão C [2000] 1775 da Comissão, de 28.07.

Tal subvenção visava «a reconstrução de um moinho de água tradicional», e foi entregue à autarquia autora pelo organismo que, em Portugal, está incumbido de proceder ao pagamento das despesas financiadas pelo FEOGA: o IFAP.

O «projecto financiado» foi executado no prazo contratual, e, passados alguns anos, com base em irregularidade administrativa detectada - consistente no uso do procedimento pré-adjudicatório do «ajuste directo» em vez do «concurso por negociação», que era o legalmente exigido - foi exigido à autarquia recorrida o «reembolso da quantia de 6.093,65€», resultante da aplicação da taxa de 25%, conforme o estipulado na «Tabela de Correcções Financeiras aos Mercados Públicos».

A questão colocada em revista tem a ver, como decorre do já referido no ponto anterior, com a «prescrição ou não» do direito ao reembolso dessa quantia com fundamento na dita irregularidade administrativa.

As instâncias entenderam que o prazo de prescrição aplicável era o de quatro anos, previsto no artigo 3º, nº1, do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95, do Conselho, de 18.12.1995. E o recorrente IFAP concorda.

Aliás, nesse sentido foi uniformizada jurisprudência por este STA, pondo cobro a alguma incerteza jurisprudencial, anterior, sobre qual dos prazos de prescrição previstos na lei deveria ser o aplicável a esse direito de exigir o reembolso. Nos termos do AC STA/Pleno, de 26.02.2015 [processo nº0173/13], decidiu-se que «O prazo para ser pedida a devolução das quantias recebidas irregularmente no âmbito do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola é o previsto no nº1 do artigo 3º do Regulamento [CE EURATOM] nº2988/95, do Conselho, de 18.12, por se tratar de uma norma jurídica directamente aplicável na ordem interna, e, porque não existe no ordenamento nacional norma especificamente aplicável que preveja prazo superior».

A divergência ocorre, pois, não quanto ao prazo aplicável, que todos concordam nos autos ser esse prazo de quatro anos, mas quanto à sua contagem, e, mais especificamente, quanto à determinação do seu termo final, ou «ad quem».

3. Para melhor enquadramos tal «questão» importa ter presente o artigo 3º do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95, do Conselho, de 18.12.1995 [Regulamento que estabelece disposições para lutar «contra a fraude lesiva dos interesses financeiros das Comunidades Europeias», e que, nomeadamente, regula a matéria da prescrição relativa a irregularidades no âmbito das ajudas comunitárias]:

«O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no nº1 do artigo 1º. Todavia, as regulamentações sectoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos.

O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade. O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa.

A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer acto, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.

Todavia, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, excepto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o nº1 do artigo 6º.

2. O prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. Este prazo corre desde o dia em que a decisão se torna definitiva. Os casos de interrupção e de suspensão são regidos pelas disposições pertinentes do direito nacional.

3. Os Estados-membros conservam a possibilidade de aplicar um prazo mais longo que os previstos respectivamente nos nºs 1 e 2».

Para o TAF, já vimos, o prazo de quatro anos começou a contar em 31.12.2003, data em que foi «decidido pela Junta de Freguesia de Espiunca» lançar mão do procedimento pré-adjudicatório do ajuste directo. Isto é, foi considerado como termo «a quo» da contagem do prazo de prescrição uma irregularidade isolada, iniciada e esgotada num determinado momento temporal.

O prazo de 4 anos, para a 1ª instância, só seria susceptível de ser interrompido em 24.04.2009, com a notificação da ora recorrida para audiência prévia, e, em tal data, já estava esgotado…

O TCAN entendeu, porém, que estava perante uma «irregularidade continuada» que só cessou em 04.03.2005, com o último pagamento relativo à execução do contrato, efectuado pelo então IFADAP à autarquia recorrida.

E entendeu, também, que estava perante um «programa plurianual». Todavia, de forma algo incongruente, acabou por reduzir a regra segundo a qual, quanto a estes, o prazo de prescrição corre «até ao encerramento definitivo do programa», à limitação de ausência de suspensões e interrupções. E assim, decorridos os 4 anos sobre a «cessação da irregularidade» [04.03.2005], a possibilidade de exigir o reembolso da subvenção em causa prescreveu.

4. A discordância do recorrente, o IFAP, tem a ver, e exclusivamente, com este termo «ad quem» do prazo de prescrição.

Concorda, na linha de entendimento subscrito pelo Tribunal de Justiça da União Europeia [TJUE – processo nºC-465/10] que se trata, no caso, de uma irregularidade continuada, e que o prazo de prescrição apenas se iniciará com a sua cessação, mas discorda que tal prazo termine, necessariamente, «decorridos quatro anos sobre o seu início». Ele só terminará, alega, com o «encerramento definitivo do programa» plurianual.

No caso, ao momento da interposição da AAE o programa em causa - Programa AGRIS - ainda não estava encerrado, pois ainda estava em curso o contraditório referente ao encerramento do P2.Norte [CCI: 1999PT161P0017], conforme o artigo 39º, nº3, do Regulamento [CE] nº1260/1999, razão pela qual, sempre segundo o recorrente IFAP, ainda não tinha ocorrido a pertinente prescrição.

Esta é, pois, a tese do recorrente IFAP: o prazo de prescrição do procedimento por irregularidade, no caso de programa plurianual, tem como termo extintivo o encerramento definitivo do respectivo programa, nos termos do artigo 3º, nº1, 2ª parte do 2º parágrafo, do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95, do Conselho, de 18.12.1995.

Em boa verdade, como salienta o acórdão da formação preliminar, que admitiu este recurso de revista, apesar do Pleno da Secção Administrativa deste STA já ter uniformizado jurisprudência no sentido supra referido, isto é, de que o prazo para ser pedida a devolução das quantias recebidas irregularmente ser o prazo de 4 anos previsto no artigo 3º do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95, do Conselho, de 18.12.1995, importa saber se a solução legal deverá ser diferente no caso de se tratar de «plano plurianual».

5. Neste sentido, porque não existia, a tal respeito, nem jurisprudência nacional nem jurisprudência do TJUE, foi suscitado o respectivo «reenvio prejudicial» no âmbito do processo nº0912/15, desta mesma Secção, e cujo acórdão foi proferido pelo TJUE a 16.11.2017, e se encontra junto, em cópia, a estes autos - ver folhas 397 a 408.

Nesse «reenvio», porque aí a candidatura em causa tinha ocorrido no universo do «Programa AGRO» - que é um programa operacional, na acepção do artigo 9º, alínea f), do Regulamento [CE] nº1260/1999 do Conselho, de 21 de Junho de 1999 - foi suscitada ao TJUE, desde logo, a questão de saber se tal programa deveria ser considerado programa plurianual para efeito de aplicação do disposto na 2ª parte, do 2º parágrafo, do nº1, do artigo 3º, do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95.

E, na pressuposição, obviamente, de uma resposta positiva a esta questão, foi ainda suscitada a «questão» de saber se - sendo o «Programa AGRO» um «programa plurianual» para o efeito acabado de referir - «a prescrição dos procedimentos administrativos abertos no âmbito do Programa AGRO está sujeita ao referido prazo de 4 anos; e, a estar, se este prazo terminar antes do encerramento do programa, ocorre a prescrição; ou se o dies ad quem do prazo de prescrição passa a ser o dia do encerramento definitivo do programa [plurianual]».

Quanto à primeira questão ora enunciada, o dito acórdão do TJUE declarou que «O artigo 3º, nº1, 2º parágrafo, segunda parte, do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, relativo à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, deve ser interpretado no sentido de que um programa operacional, na acepção do artigo 9º, alínea f), do Regulamento [CE] nº1260/1999 do Conselho, de 21 de Junho de 1999, que estabelece disposições gerais sobre os Fundos estruturais, como o programa operacional AGRICULTURA E DESENVOLVIMENTO RURAL, aprovado pela Decisão C (2000) 2878 da Comissão, de 30.Outubro.2000, não está abrangido pelo conceito de programa plurianual na acepção da primeira destas disposições, excepto se o referido programa já identificar acções concretas a executar, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar» - ver página 408 dos autos, folha 12 do acórdão do TJUE.

Quanto à segunda, o TJUE considerou-a manifestamente inadmissível, porque, atento o teor da declaração acabada de citar, se verifica que, «no caso concreto, a decisão de reenvio não contém precisões quanto ao conteúdo exacto da Decisão C (2000) 2878 da Comissão, de 30 de Outubro de 2000, que aprova o Programa AGRO, ou ao teor exacto deste programa», de modo que, nestas condições, o Tribunal de Justiça «não dispõe de todos os elementos, de facto e de direito, necessários para responder utilmente à questão que lhe é submetida».

6. Vejamos.

No âmbito do «III Quadro Comunitário de Apoio», para o período 2000 a 2006, foram aprovados ao Estado Português o programa operacional AGRO bem como os programas operacionais de âmbito regional, onde se inclui a medida AGRIS, nomeadamente o «Programa Operacional NORTE» objecto da «Decisão C [2000] 1775 da Comissão, de 28.07», e que integra a acção «Valorização do ambiente e do património rural» enquadrada no âmbito do artigo 33º do Regulamento (CE) nº1257/1999, do Conselho, de 17 de Maio.

Essa decisão da «Comissão das Comunidades Europeias», destinada ao Estado Português, contém os eixos prioritários do programa, os seus objectivos específicos, a sua coerência com o respectivo quadro comunitário de apoio, a descrição resumida das medidas previstas, as disposições de execução do programa operacional incluindo a designação da respectiva autoridade de gestão e regras de gestão [artigo 2º da Decisão].

No plano comunitário, o programa operacional regional onde se integra a medida AGRIS, mostra-se regulado por três Regulamentos: - Regulamento [CE] nº1260/1999 do Conselho, de 21 de Junho, referente aos fundos estruturais comunitários; - Regulamento [CE] nº1257/1999 do Conselho, de 17 de Maio, referente à execução de um dos fundos estruturais, o FEOGA - Orientação; - e o Regulamento [CE] nº1685/2000 da Comissão, de 28 de Junho, com as alterações decorrentes do Regulamento [CE] nº438/2001, de 2 de Março.

O artigo 9º, alínea f), do primeiro regulamento referido - que estabelece disposições gerais sobre os «Fundos estruturais», financiadores do programa operacional regional em que se integra a «medida AGRIS», aprovada pela Decisão C (2000) 1775 da Comissão, de 28 de Julho - define «Programa Operacional» como «o documento aprovado pela Comissão, que visa a execução de um quadro comunitário de apoio e contém um conjunto coerente de eixos prioritários compostos por medidas plurianuais, para cuja realização se pode recorrer a um ou vários Fundos e a um ou vários dos outros instrumentos financeiros existentes, bem como ao BEI».

No plano nacional, a aplicação da medida AGRIS dos programas operacionais de âmbito regional está regulada no DL nº163-A/2000, de 27.07, cujo artigo 1º diz que «O presente diploma estabelece as regras gerais de aplicação do Programa Operacional de Agricultura e Desenvolvimento Rural, abreviadamente designado por AGRO, bem como da Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural dos programas operacionais de âmbito regional, abreviadamente designada por AGRIS, aprovados no âmbito do III Quadro Comunitário do Apoio para o período de 2000 a 2006 [QCA III]», e no DL nº54-A/2000, de 07.04, o qual define a «estrutura orgânica responsável pela gestão, pelo acompanhamento, avaliação e controlo da execução do III Quadro Comunitário de Apoio [QCA III] e das intervenções estruturais de iniciativa comunitária relativas a Portugal, nos termos do Regulamento (CE) nº1260/1999, do Conselho, de 21.06.

Segundo estes diplomas, no «âmbito da medida AGRIS» poderão ser concedidas ajudas em vários domínios, taxativamente elencados, entre eles se encontrando o do «Valorização do ambiente e do património rural» [ver artigo 3º, nº2, alínea g) - acção nº7], as quais serão objecto de regulamentação específica aprovada por portaria [artigo 22º, nº1 e nº2].

Essas «ajudas» concretizam-se mediante contratos escritos celebrados entre os beneficiários e o actual IFAP, e sujeitos às normas de direito privado [artigo 8º].

No âmbito específico das ajudas à «valorização do ambiente e do património rural» - acção nº7 - temos o regime de ajudas regulamentado pela Portaria com o nº48/2001 de 26.01 - alterada pelas Portarias 1103-B/2001, de 15.09, e 1043/2003, de 22.09 - emanada dos Ministros da Agricultura e do Ambiente, ao abrigo do disposto no nº2 do artigo 22º do DL nº163-A/2000, de 27.07. Esta «portaria» estabelece o regime de aplicação da «acção nº7», desenvolve-a em sub-acções, determina a legitimidade para beneficiar das respectivas ajudas e as condições de acesso às mesmas.

Ora, a candidatura apresentada pela autora da acção e ora recorrida, que, uma vez deferida, foi objecto do respectivo «contrato de atribuição de ajuda», situa-se no âmbito da medida AGRIS inserida nos «programas operacionais regionais» aprovados pela Comissão Europeia ao Estado Português através da «Decisão C (2000) 1775 de 28.07, regida no plano nacional pelo DL nº163-A/2000, de 27.07, pelo DL nº54-A/2000, de 07.04, e pela Portaria nº48/2001, de 26.01, alterada pelas Portarias nº1103-B/2001, de 15.09, e nº1043/2003, de 22.09. Foi, assim, ao abrigo deste quadro legal, comunitário e nacional, que a autora apresentou o projecto de «reconstrução de um moinho de água tradicional», que veio a ser tramitado sob o nº20021000791116 e obteve um subsídio de 24.375,00€.

E o que se constata, pela análise quer da Decisão C (2000) 1775 da Comissão de 28 de Julho, que aprovou o «Programa Operacional NORTE», quer da referida legislação europeia que o «regula», quer, ainda, dos diplomas legais nacionais que o «regulamentam» - concretamente no que respeita ao domínio de ajudas à «valorização do ambiente e património rural» - é que não ocorre indicação de quaisquer «acções concretas a executar» antes da celebração dos respectivos «contratos de atribuição de ajuda».

Efectivamente, ao «objectivo geral e grandes linhas orientadoras» do Programa Operacional NORTE consagradas na referida Decisão e Regulamentos europeus, seguem-se «regras gerais da sua aplicação», no plano da legislação nacional, bem como a dissecação e densificação daquele objectivo geral num conjunto de objectivos específicos, medidas e acções.

Ressuma, pois, que se o conceito de «programa plurianual», ínsito no artigo 3º, nº1 - segundo parágrafo, segunda parte - do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95, do Conselho, de 18.12, exige, «para o ser», que o respectivo programa «já indique acções concretas a executar» - ver página 408 dos autos, folha 12 do acórdão do TJUE -, e sendo certo que a indicação de tais acções concretas a executar não sobressai da análise acabada de referenciar, nem, tão pouco, a autora da acção e agora recorrida as alega, as esclarece ou sublinha, resta-nos concluir que não estamos perante um programa plurianual para efeitos da previsão dessa norma segundo o sentido que lhe é dado pelo TJUE.

O que significa que permanece incólume o julgamento feito pelas instâncias no tocante ao vício de prescrição do reembolso de parte da ajuda comunitária que foi prestada à autora, e ora recorrida, FREGUESIA DE ESPIUNCA [Município de Arouca].

Impõe-se, portanto, negar provimento ao presente recurso de revista, e manter o decidido no acórdão recorrido.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos negar provimento ao recurso de revista e manter o decidido pelo acórdão recorrido com a presente fundamentação.

Custas pelo recorrente.




Lisboa, 26 de Abril de 2018. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela - Alberto Acácio de Sá Costa Reis.