Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0403/15
Data do Acordão:09/23/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:RETENÇÃO NA FONTE
SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA
IMPUGNAÇÃO
PRAZO
Sumário:De harmonia com o que dispõem os nºs. 3 e 4 do artigo 132º do CPPT, o substituído que quiser impugnar a retenção de imposto na fonte a título definitivo dispõe do prazo de dois anos a contar do final do ano em que ocorreu a retenção para apresentar a necessária reclamação graciosa.
Nº Convencional:JSTA00069340
Nº do Documento:SA2201509230403
Data de Entrada:04/07/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
DIR FISC - IRC.
DIR PROC FISC GRAC - RECL GRACIOSA.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART132 N2 N3 N4.
CCIV66 ART9 N1 N2.
DL 193/05 DE 2005/11/07 ART9 N3.
Referência a Doutrina:MANUEL DE ANDRADE - ENSAIO SOBRE A TEORIA DA INTERPRETAÇÃO DAS LEIS PAG64.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A FAZENDA PÚBLICA interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial que a sociedade A…………, com sede nos Países Baixos, deduziu contra o acto de indeferimento, por intempestividade, da reclamação graciosa que apresentara, nos termos do artigo 132º, nº 4, do CPPT, contra a retenção na fonte de IRC sobre dividendos que lhe foram distribuídos.
Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:

I - A Recorrida é uma entidade não residente, com sede nos Países Baixos, que em 19 de Maio de 2007 adquiriu títulos de dívida pública, conforme o Decreto-Lei n.º 193/2005, de 07 de Novembro de 2005 - Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos da Dívida.

II - Da aquisição de tais títulos auferiu dividendos por parte do Banco B............, S.A., actuando este último enquanto intermediário financeiro, tendo esta entidade procedido a retenção na fonte com efeitos liberatórios à taxa de 20%.

III - O valor retido foi efectivamente entregue nos Cofres do Estado em 20 de Julho de 2007.

IV - Por ser uma entidade não residente, e como tal, isenta nos termos da lei, apresentou reclamação graciosa, com vista a anulação do valor retido e ao seu consequente reembolso, em 13 de Novembro de 2009.

V - Sobre a reclamação graciosa apresentada foi proferido despacho, com fundamento em extemporaneidade.

VI - A Fazenda Pública encontra-se inconformada com a sentença proferida pelo Mmº Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa-1ª UO, na parte em que considera que o prazo de dois anos para reclamar graciosamente, constante da norma legal aplicável no caso (art. 132º do CPPT), se inicia no termo do ano em que a retenção se efectivou.

VII - Assim, entende a Fazenda Pública que o início do prazo de dois anos expresso na referida norma legal se aplica ao substituto e não ao substituído.

VIII - Entende a Fazenda Pública que, efectivamente, o n.º 4 do art.º 132º do CPPT determina que o disposto no n.º 3 aplica-se à impugnação pelo substituído da retenção que lhe tiver sido efectuada, salvo quando a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.

IX - Ora, o predito nº 3 está directamente legado ao que é determinado no nº 2 do mesmo preceito legal.

X - Sendo que o nº 2 determina que o imposto entregue a mais será descontado nas entregas seguintes da mesma natureza a efectuar no ano do pagamento indevido e depois o n.º 3 vem dizer que caso não seja possível a correcção referida no número anterior, o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de 2 anos a contar do termo do prazo nele referido.

XI - Ora, esta forma de contagem do prazo apenas pode ter aplicabilidade para as situações de entrega de imposto em montante superior ao da retenção na fonte por parte do substituto tributário, uma vez que só o substituto tributário é que poderá vir a ter mais entregas de imposto da mesma natureza.

XII - Ou seja, não pode o substituído usufruir de uma regra específica quando esta cabe unicamente na esfera jurídica do substituto.

XIII - Efectivamente, quanto ao substituído, importa considerar duas situações distintas:

a) Se o imposto tem natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, deverá ser objecto de englobamento e, como tal, efectuado o acerto no final aquando da liquidação da sua declaração.

b) Se o imposto tiver a natureza de pagamento definitivo, não se coloca aqui a possibilidade de posteriores entregas. Ou seja, logo que ocorre o facto tributário consuma-se a impossibilidade de dedução do imposto, passando a sua recuperação a ser possível apenas através do processo de reclamação graciosa ou da impugnação judicial.

XIV - Assim sendo, não pode considerar-se que o prazo para apresentar o processo de reclamação graciosa previsto no nº 4 do art.º 132º do CPPT apenas se começa a contar a partir do final do ano em que ocorre o facto tributário, mas sim a partir do momento em que se torna impossível a sua dedução, ou seja, a partir da data em que ocorre o facto tributário.

XV - No caso sub judice, estamos perante uma situação de retenção indevida com natureza de pagamento definitivo do imposto.

XVI - Entende-se que nestas situações é o próprio acto de retenção que, tendo a natureza de pagamento definitivo, não está sujeito a qualquer outro ajuste, daí que não possa vir a ser objecto de qualquer acerto posterior à sua prática.

XVII - Assim, sendo, a contagem do prazo para se poder por em causa a validade deste acto de retenção indevida começa a contar desde o momento da consumação do acto de retenção, pois só assim entendido se cumprirá os ditames legais do art.º 132º em consonância com os princípios legais e constitucionais subjacentes.

XVIII - Assim, a douta sentença ora recorrida, a manter-se na ordem jurídica, é convencimento da Fazenda Pública que incorreu em erro de julgamento.

1.2. A Recorrida apresentou contra-alegações que terminou com o seguinte quadro conclusivo:

1 - Nos termos do disposto no art.º 280º, nº 1, do CPPT, “das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância cabe recurso, no prazo de 10 dias, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.”

2 - No caso do presente recurso, a matéria é exclusivamente de direito, pelo que o Tribunal competente para apreciar o recurso é a Secção do Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo.

Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio,

2 - A argumentação apresentada pela Recorrente assentou na ideia de que a reclamação graciosa terá que ter sido apresentada no prazo de dois anos a contar da data da retenção na fonte de imposto, ou seja até 18 de julho de 2009 (uma vez que a retenção foi efetuada em 18 de julho de 2007).

3 - Nos termos da lei e no entendimento do Tribunal a quo, o referido prazo de dois anos conta-se não da data da retenção, mas do termo do ano do pagamento indevido, ou seja, conta-se a partir de 31 de Dezembro 2006 e, portanto, terminava em 31 de Dezembro de 2008.

4 - É isso que decorre expressamente do art.º 9, nº 3, do Dec.Lei nº 193/2005, de 7 de novembro.

5 - Nos termos dessa disposição, “decorrido o prazo referido no nº 1 [de 90 dias - o chamado quick refund], o pedido de reembolso do imposto indevidamente retido deve ser efectuado nos termos previstos no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

6 - No que respeita ao caso de retenção na fonte dos presentes autos, é aplicável o art.º 132º do CPPT.

7 - Dispõe o nº 4 do art.º 132º o seguinte: “O disposto no número anterior [isto é, no nº 3] aplica-se à impugnação pelo substituído [no caso, a ora Recorrida] da retenção que lhe [a ela, substituída, ora Recorrida] tiver sido efectuada, salvo quanto a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final [o que não se verifica no presente caso, uma vez que a retenção na fonte em causa teria caráter definitivo]”.

8 - Ou seja, o nº 3 do art.º 132º aplica-se à impugnação, pela ora Impugnante, da retenção que lhe foi efetuada pelo substituto tributário.

9 - Nos termos do nº 3 do art.º 132.º do CPPT, “[c]aso não seja possível a correcção referida no número anterior [isto é, no nº 2], o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de 2 anos a contar do termo do prazo nele [isto é, no nº 2] referido”.

10 - Qual é então o prazo (e como se conta) para que o substituto que quiser impugnar apresente reclamação graciosa?

11 - O prazo é de 2 anos e conta-se do termo do prazo referido no nº 2.

12 - O único prazo referido no nº 2 é o termo do ano do pagamento indevido.

13 - O substituído que quiser impugnar a retenção na fonte tem que previamente reclamar. Porque, por força do nº 4 do artº 132º, o nº 3 se aplica à impugnação pelo substituído.

14 - Tem que o fazer no prazo de dois anos, porque isso resulta do nº 3 do art. 132º, aplicável ex vi do nº 4.

15 - Dois anos a contar do termo do prazo referido no nº 2, ou seja, a contar do termo do ano do pagamento indevido, porque é isso que resulta, sem margem para qualquer dúvida, do nº 2 do art.º 132º, aplicável por força do nº 3 que, por sua vez, é aplicável por força do nº 4.

16 - Estamos claramente perante uma norma remissiva designada como “remissão à segunda potência”.

17 - Resulta assim cristalino da aplicação da lei que o prazo para apresentação da reclamação é de dois anos a contar do termo do prazo previsto no nº 2 do art. 132º do CPPT, isto é, de dois anos a contar do termo do ano do pagamento indevido. No caso, dois anos a contar do final de 2007, isto é, 31 de Dezembro de 2009.

18 - A reclamação foi apresentada a 12 de novembro de 2009, pelo que não pode deixar de ser considerada tempestiva.

19 - Qualquer outra solução constituiria uma violação de elementares princípios de interpretação e aplicação da lei fiscal que, aliás, conforme resulta do art.º 11º da Lei Geral Tributária, deve ser feita com observação das regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

20 - A interpretação feita pela Recorrente é, salvo o devido respeito, contra legem e, por isso, inadmissível.

21 - Pelo que, o ato de indeferimento da reclamação graciosa, com base na sua alegada intempestividade, é ilegal.



1.3. O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida, com a seguinte argumentação:

«No caso em análise está em causa aferir da tempestividade da dedução de reclamação graciosa, por banda do substituído, de retenção a título definitivo. […]

Nos termos e condições referidas do nº 2 do artigo 132º do CPPT o substituto pode reclamar graciosamente no prazo de 2 anos a contar do termo do ano em que foi efectuada a retenção (Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª edição, 2011, II volume, página 418, Jorge Lopes de Sousa).

Ora, de acordo com o estatuído no n.º 4 mesmo artigo 132.º do CPPT, nos casos em que a retenção na fonte é efectuada a título definitivo, é aplicável à impugnação por parte do substituído o mesmo regime de impugnação previsto para o substituto, nomeadamente, o prazo de dois anos para deduzir reclamação graciosa, contados do termo do ano em que foi feita a retenção (Obra citada, página 421).

A interpretação que a recorrente faz não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, sendo, como tal, ilegal (artigo 9º/2 do CC).

Na verdade, do artigo 132º do CPPT resulta claro que o prazo de dois anos para o substituído deduzir reclamação graciosa se conta do termo do ano em que foi feita a retenção e não a partir da data em que foi feita a retenção.

Ora, como resulta dos autos, a retenção foi feita em 18 de Julho de 2007, pelo que o prazo de dois anos se conta a partir de 1 de Janeiro de 2008.

Uma vez que a reclamação graciosa foi deduzida em 13 de Novembro de 2009, foi, manifestamente, deduzida em tempo.»


1.4. Colhidos os vistos dos Exmos. Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.

2. Da sentença recorrida constam como provados os seguintes factos:

1 . A Impugnante, A………, com sede em ………, em [……] Amsterdão, Países Baixos, adquiriu a 19 de maio de 2007 € 1.570.000.000 em títulos da dívida a que se refere o Decreto-Lei 193/2005 de 7 de novembro – Regime Especial de Tributação dos Rendimentos de Valores Mobiliários Representativos da Dívida – nomeadamente identificados por ISIN PTOTE1OE0019.

2 . Desses títulos recebeu dividendos de € 686.875, em 18 de junho de 2007, mas, ao prestar-lhos, o Banco B............, S.A., atuando como intermediário financeiro, aparentemente por deficiente informação acerca da sua isenção — pois que esses rendimentos deviam estar isentos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, nos termos daquele diploma legal — reteve deles a título de retenção na fonte com efeitos liberatórios, 20%, o que representou € 137.375, com a finalidade os entregar ao Fisco àquele titulo, como veio a fazer, com outras quantias retidas, entregando-os a 20 de julho de 2007, pela guia nº 80139128913.

3 . Discordando de tal retenção, dado aquele regime legal e por ser sociedade de direito holandês sediada na indicada morada, em Amsterdão, não residente em Portugal, portanto, e por ser a beneficiária daqueles rendimentos, a Impugnante apresentou a 13 de novembro de 2009 reclamação graciosa daquele ato, com vista à sua anulação e ao consequente reembolso daquela importância, bem como de outras mais, retidas sob igual circunstancialismo.

4 . Esse procedimento, após algumas vicissitudes, viria a ter despacho de indeferimento de 31 de outubro de 2011, da Exma. Sr.ª Diretora de Finanças Adjunta de Lisboa, com fundamento em extemporaneidade da própria reclamação graciosa.

5 . Em sua fundamentação é invocado o projeto de decisão que havia sido elaborado, que, em suma, conclui que a retenção na fonte a título definitivo, sob taxa liberatória, como aquela, por remissão do disposto no art. 9º nº 3 do mencionado Decreto-Lei, nos termos do art. 132º do CPPT, é passível de ser objeto de reclamação graciosa pelo próprio substituído no prazo de dois anos a contar do facto da retenção, não do ano em que esta se processou, porque [ou há lugar a englobamento e aí o prazo de reação é o aplicável à própria liquidação do tributo, in casu não pertinente, ou] a retenção é a título de pagamento definitivo e, como tal, não há possibilidade de ulteriores entregas em que possa fazer-se dedução, pelo que a recuperação do imposto opera pela reclamação/impugnação e, assim, não pode considerar-se que o prazo comece a contar-se do termo do ano da retenção, mas da data em que ela se consuma, porque a retenção coincide, nestes casos, com a data em que a dedução é insuscetível de operar.

6 . Notificada desse despacho a 9 de novembro de 2011, no dia 21 seguinte a Impugnante apresentou a petição na origem dos presentes autos.

3. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a impugnação judicial que a sociedade não residente A………… deduziu com vista à anulação da decisão, proferida pela Directora de Finanças Adjunta de Lisboa, de indeferimento, por intempestividade, da reclamação graciosa que apresentara, ao abrigo do art.º 132º, nº 4, do CPPT, contra a retenção na fonte, a título definitivo, de IRC sobre dividendos que lhe foram distribuídos e que estavam isentos de tributação de acordo com a disciplina contida no Dec. Lei nº 193/2005, de 7 de Novembro.

Tal impugnação teve por fundamento a ilegalidade da interpretação dada ao art.º 132º do CPPT pela Administração Tributária, porquanto, na tese da impugnante, o prazo de dois anos previsto nessa norma para deduzir a reclamação graciosa é contado a partir do termo do ano a que se reporta a retenção, e não, como afirma a Administração, a partir da data em que o substituto procedeu à entrega do montante retido na fonte.

O tribunal “a quo” deu razão à impugnante e anulou o despacho impugnado, determinando que, na sequência desta decisão que reconhece a tempestividade da reclamação, fosse conhecido o seu mérito se a tal nada mais obstar, alinhando a seguinte motivação:

«Como decorre das posições expressas por cada uma das partes, o regime da reclamação graciosa de atos de retenção na fonte por parte do substituído tributário, aqui a Impugnante, em que o mencionado Banco atuou como substituto tributário ao proceder a tal ato, processa-se nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, seja, do seu art. 132º, por expressa remissão do art. 9º nº 3 do Decreto-Lei 193/2005 de 7 de novembro, além de certo lapso de tempo, como aqui ocorreu. […]
Ora, se é certo que é como que residual a faculdade de o substituído impugnar a retenção na fonte que lhe é feita, certo é também que ela lhe é deferida, justamente, quando de outro modo não possa reagir a tal ato, através dos modos e nos termos gerais. E isso ocorre, precisamente, quando a função concreta da retenção na fonte é de pagamento do imposto a título definitivo. O que daí se segue é que é o mesmo prazo de dois anos, de que dispõe o substituto, aquele que é concedido ao substituído para exercer essa faculdade: eis o que resulta da remissão do art. 132º nº 4 para o seu nº 3.
Dito de outro modo, estando, como está, fora de hipótese a correção por dedução a que se refere o nº 2, porque por sua natureza é privativa de quem na posição de substituto, a remissão para o nº 3 feita pelo nº 4, referida que é ao substituído, só pode ter o sentido de o por em igualdade de circunstâncias com o substituto — o que, como dito, apenas tem aplicação nos casos de retenção a título definitivo. E essa sintonia só é conseguida partindo, precisamente, de um mesmo dies a quo aplicável ao substituto: a impossibilidade de dedução pensada para este, a qual como dito ocorre no termo do ano da entrega excessiva em relação à retenção.

Deste modo, perante a identidade dos prazos de dois anos aqui em causa, para o exercício de uma faculdade com função análoga, possivelmente confluente até, mas na titularidade de dois sujeitos distintos que atuam em posições também distintas, é concebida pelo regime instituído como correndo paralelamente para ambos, substituto e substituído, partindo do mesmo dies a quo, o termo do ano — pois que como dito o substituído nunca tem a possibilidade de dedução que cabe primeiramente cabe ao substituto — sendo as diferenciações feitas no despacho em causa, quanto ao início de cada desses prazos, destituídas de sentido a propósito do substituído, de resto sem suporte normativamente orientado, ou sistémico, muito menos com algum suporte literal.

Ora, tendo tal prazo instituído a favor da impugnante sido iniciado, em concreto, a 1 de janeiro de 2009, em 13 de novembro de 2009 ele ainda não se mostrava exaurido.

Em suma, o despacho é de anular por violação de lei, por erro na interpretação da norma em causa. E por isso o anulamos na contrariedade que exibe em relação ao disposto no art. 132º nº 3 ex vi do seu nº 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, devendo ser proferida decisão que, recebendo a reclamação graciosa por tempestiva, conheça do seu mérito, se a isso outras razões não obstarem.».

Inconformada com o decidido, vem a Fazenda Pública insistir que o prazo para apresentar a reclamação a que se refere o art.º 132º do CPPT se inicia em momentos diversos consoante o reclamante seja o substituto ou o substituído, advogando que, quanto a este, estando em causa a própria retenção e inexistindo outras entregas de imposto que permitam a dedução, o prazo começa a correr a partir do momento em que ocorre o facto tributário, que situa na data da entrega do imposto pelo substituto.

A questão que se coloca neste recurso é, assim, a de saber se o prazo de dois anos para o substituído apresentar a reclamação prevista no art.º 132º tem o seu início no termo do ano a que se reporta a retenção, ou antes, na data em que o substituto procedeu à entrega do imposto retido.

Vejamos.

O art.º 132º do CPPT sob a epígrafe «Impugnação em caso de retenção na fonte» faculta ao substituto a possibilidade de eliminar o erro consubstanciado na entrega de imposto superior ao que efectivamente reteve na fonte, e permite ao substituído reagir contra a própria retenção de imposto na fonte, como resulta, respectivamente, dos seus nºs. 1 e 4. O que quer dizer que, no caso do substituído, está em causa a devolução do próprio imposto na medida em que se mostre indevido, enquanto relativamente ao substituto do que se trata é de repor a diferença entre o imposto entregue e o que foi retido na medida em que aquele seja maior que este.

Por outro lado, o dito art.º 132º estabelece, no nº 2, que a correcção do indicado erro do substituto se opera por desconto do excesso «nas entregas seguintes da mesma natureza a efectuar no ano do pagamento indevido» e determina, no nº 3, que «Caso não seja possível a correcção referida no número anterior, o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de 2 anos a contar do termo do prazo nele referido.».

O que significa que o substituto pode corrigir o erro na entrega através do mecanismo previsto no nº 2, ou, na impossibilidade de dele fazer uso, pode deduzir impugnação com o mesmo propósito. Ou seja, na impossibilidade de deduzir o excesso através do seu desconto nas entregas de imposto retido que vier a realizar até ao final do ano em que se verificou o erro, o substituto tem ainda a possibilidade de apresentar impugnação a fim de reaver o que entregou a mais, desde que reclame graciosamente nos subsequentes dois anos.

É, pois, fora de dúvida que a reclamação do substituto, prevista no nº 3 do art.º 132º, terá de ser apresentada no prazo de dois anos contado do final do ano em que ocorreu o erro.

Ora, por expressa determinação do nº 4, o regime que o nº 3 estabelece para o substituto aplica-se à impugnação que seja deduzida pelo substituído no que tange à retenção de imposto na fonte a título definitivo.

E a Fazenda Pública, ora Recorrente, não põe em causa que, por decorrência do que dispõe o referido nº 3, o substituído dispõe de igual prazo de dois anos para apresentar a reclamação graciosa, mas advoga que esse prazo deve ser contado de forma diferente, isto é, deve ser contado a partir da data da entrega do imposto pelo substituto, e não a partir do final do ano em que ocorreu a retenção, por entender que o início do prazo referido no nº 3 respeita, de forma exclusiva, ao quadro impugnatório do substituto.

Pelo que importa aferir se a dita norma comporta tal interpretação.

Em matéria da interpretação da lei rege o art.º 9º do Código Civil, cujo nº 1 determina que «A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (nº 1), esclarecendo o nº 2 que «Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» e clarificando o nº 3 que «Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».

O que significa que, em qualquer dos casos, o teor verbal da lei é o elemento básico por onde deve começar toda a interpretação, sendo também o limite (dentro do fim ou ratio que subjaz à norma e ao sistema em que se insere) que não pode ser ultrapassado pelo intérprete, ou para usarmos a linguagem de MANUEL DE ANDRADE (Ensaio Sobre A Teoria Da Interpretação Das Leis, p. 64), «só até onde chegue a tolerância do texto e a elasticidade do sistema é que o intérprete se pode resolver pela interpretação que dê à lei um sentido mais justo e apropriado às exigências da vida.».

Face a estes cânones da interpretação da lei – dos quais decorre que o texto legal é sempre o ponto de partida e o limite negativo de toda a actividade de interpretação – não podemos deixar de concluir que a tese defendida pela Recorrente não tem qualquer correspondência verbal no texto da lei.

O que se diz no nº 4 do artigo 132º é que «O disposto no número anterior aplica-se à impugnação pelo substituído da retenção que lhe tiver sido efectuada, salvo quando a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.».

O que significa que o preceito se limita a estabelecer, de forma clara e peremptória, que a impugnação do substituído se rege pelas disposições que o nº 3 contém para o substituto. E, por conseguinte, o nº 4 não abre, de forma expressa ou implícita, qualquer excepção ou reserva no que toca à aplicação da disciplina contida no nº 3, designadamente quanto a prazos.

Daí que não possamos deixar de concluir que a única interpretação consentânea com a letra da lei é a de que a reclamação do substituído que pretenda impugnar a retenção do imposto na fonte a título definitivo é também, no que respeita a prazos, regulada nos termos do nº 3 do artigo 132º.

Com efeito, atenta a abrangência que decorre do teor literal do nº 4 do artigo 132º, não há que buscar, fora do que dispõe o nº 3, qualquer outra regra para a determinação do prazo em causa. Mal se entenderia, de resto, que o início do prazo do substituído para apresentar a reclamação estivesse dependente do momento da entrega do imposto pelo substituto, e, por conseguinte, da prática de um acto por um terceiro em data incerta.

De todo o modo, o prazo previsto no nº 3 refere-se, exclusivamente, à reclamação graciosa – que é facultada tanto ao substituto como ao substituído – e não ao mecanismo privativo do substituto a que alude o nº 2 (e que tem um prazo próprio), pelo que é totalmente destituída de sentido a tese de que, por via do que dispõe o nº 2, o prazo contado nos termos do nº 3 respeitará apenas ao substituto.

Face ao que vem dito, mais não resta concluir que, de harmonia com o que dispõem os nºs. 3 e 4 do art.º 132º do CPPT, o substituído que quiser sindicar a retenção de imposto na fonte a título definitivo (como acontece no caso) dispõe do prazo de dois anos a contar do final do ano em que ocorreu a retenção para apresentar a necessária reclamação graciosa.

Razão por que a sentença não merece qualquer censura.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 23 de Setembro de 2015. – Dulce Neto (relatora) – Ascensão LopesAna Paula Lobo.