Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02278/23.2BELSB
Data do Acordão:02/01/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTENCIOSO ELEITORAL
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário: Não é de admitir a revista quando tudo aponta para a sua inviabilidade, por não ter sido cumprido o prazo estabelecido no n.º 2 do art.º 98.º do CPTA para intentar a acção de contencioso eleitoral.
Nº Convencional:JSTA000P31877
Nº do Documento:SA12024020102278/23
Recorrente:AA
Recorrido 1:DIRECÇÃO GERAL DA ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:
1.AA, intentou, no TAC, ao abrigo do art.º 98.º, do CPTA, acção de contencioso eleitoral, contra o Ministério da Educação, indicando como contra-interessados BB e "demais concorrentes à Direcção do Agrupamento de Escolas ...", onde pediu que a sua candidatura ao cargo de Director do referido agrupamento fosse admitida.
Foi proferida decisão a rejeitar liminarmente a petição inicial.
A A apelou para o TCA-Sul, o qual, por acórdão de 09/11/2023, negou provimento ao recurso.
É deste acórdão que a A. vem pedir a admissão do recurso de revista.

2. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada pelo acórdão recorrido.

3. O art.º 150.º, n.º 1, do CPTA, prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos possa haver excepcionalmente revista para o STA “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como decorre do texto legal e tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência deste STA, está-se perante um recurso excepcional, só admissível nos estritos limites fixados pelo citado art.º 150.º, n.º 1, que, conforme realçou o legislador na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs. 92/VIII e 93/VIII, corresponde a uma “válvula de segurança do sistema” que apenas pode ser accionada naqueles precisos termos.
O TAC, para indeferir liminarmente a petição inicial, entendeu que se verificava a nulidade do erro na forma de processo - porque a A., para impugnar a exclusão da sua candidatura no procedimento concursal prévio à eleição do director do agrupamento de escolas pelo conselho geral, nos termos do DL n.º 75/2008, de 22/4, deveria ter intentado “uma acção administrativa nos termos gerais e não um processo de contencioso eleitoral” que apenas era aplicável “ao procedimento eleitoral propriamente dito” - e que, ainda que se mandasse seguir esta forma processual correcta, sempre se teria de concluir pela intempestividade da acção por o prazo para a intentar se ter iniciado em 4/4/2023 e ela só ter sido instaurada em 6/7/2023.
O acórdão recorrido, após ter considerado que o indeferimento liminar não padecia da omissão de pronúncia que lhe era imputada - por o conhecimento do mérito da acção ter ficado prejudicado -, analisou o erro de julgamento que era invocado, nos seguintes termos:
“(…)
A recorrente apresentou reclamação da exclusão da sua candidatura, que se deve ter como o recurso hierárquico previsto no artigo 22.º-B, n.º 4, do Regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário (RAAGEPE).
Recurso este que é obrigatório, atenta a atribuição de efeito suspensivo, cf. artigo 3.º, n.º 1, al. c), do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, que aprovou o novo Código do Procedimento Administrativo.
E sobre o qual não recaiu decisão do Conselho Geral, no prazo de 5 dias úteis previsto no referido artigo 22.º-B, n.º 4, do RAAGEPE.
No que concerne ao início do prazo de impugnação, prevê o artigo 59.º, n.º 4, do CPTA, que a “utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal, consoante o que ocorra em primeiro lugar.”
Sendo certo que, nos termos do número seguinte, esta suspensão “não impede o interessado de proceder à impugnação contenciosa do ato na pendência da impugnação administrativa, bem como de requerer a adoção de providências cautelares.”
Como observam Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, “[c]omo o ato que tem de ser objeto de reclamação ou recurso necessário não é ainda passível de impugnação contenciosa, o prazo de impugnação contenciosa não corre enquanto a impugnação administrativa não for utilizada e só começa a correr se a impugnação administrativa for decidida ou expirar o prazo legal dentro do qual ela devia ser decidida” (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, pág. 412).
O que vale por dizer que, caso se esgote o prazo legal de decisão do recurso hierárquico antes da entidade competente proferir decisão, é o decurso daquele prazo e não a notificação da decisão que implica a cessação da suspensão e o reinício do prazo de impugnação contenciosa.
Isto posto, ao contrário do que se concluiu em primeira instância, afigura-se que efetivamente o meio processual próprio a que a recorrente teria de lançar mão era efetivamente o processo de contencioso eleitoral, tal como o fez.
Com efeito, está em causa a avaliação das candidaturas ao cargo de diretor, a que se seguirá a eleição propriamente dita. E a impugnação desta decisão de exclusão da lista eleitoral, não obstante prévia à eleição propriamente dita, enquadra-se no quadro mais alargado da eleição para o cargo de diretor de escola, ao qual respeita o litígio.
Isso mesmo decorre do n.º 3 do artigo 98.º do CPTA, que expressamente enquadra nos processos abrangidos pelo contencioso eleitoral os atos relativos à exclusão, inclusão ou omissão de eleitores ou elegíveis nos cadernos eleitorais prevendo que a ausência de reação contra estes atos impede o interessado de reagir contra as decisões subsequentes com fundamento em ilegalidades de que enfermem os atos anteriormente praticados.
Como tal, a impugnação tem de ser efetuada através do processo previsto no artigo 98.º do CPTA, tratando-se de processo urgente a instaurar em prazo curto, dada a natureza do litígio. Que assim se pretende dada a premente necessidade de estabilização do universo eleitoral e de evitar repetições sistemáticas de atos eleitorais ou da prática de atos eleitorais que sejam à partida inválidos por vícios de atos procedimentais já verificados, como assinala a aqui recorrida.
E para esta impugnação será necessariamente parte legítima a pessoa diretamente afetada com a exclusão (cf. op.cit., pág. 780, e o acórdão aí citado do TCA Norte de 12/01/2006, proc. n.º 813/04, que reconheceu legitimidade para impugnar a exclusão da lista eleitoral para a eleição para o conselho científico de um instituto politécnico a um interessado que, arrogando-se possuir as condições legais para se apresentar ao cargo, viu recusada a sua candidatura).
No caso, o Conselho Geral tinha cinco dias úteis para decidir o recurso, o qual terminou no dia 03/04/2023.
Iniciou-se então o prazo de impugnação no dia seguinte.
E tinha a recorrente sete dias para propor tal impugnação, nos termos do disposto no artigo 98.º, n.º 2, do CPTA.
Ora, à data da interposição da ação, 06/07/2023, já há muito se esgotara tal prazo de que dispunha a recorrente, extinguindo o respetivo direito.
E como se afigura evidente, carece de qualquer suporte a invocação de inconstitucionalidade material da interpretação dos artigos 22.º a 22.º- B do RAAGEPE, quando está aqui em causa o incumprimento de um prazo legal por parte da recorrente, que patentemente não redunda em violação do princípio do Estado de Direito democrático, na vertente de constar dos cadernos eleitorais e de ser eleito, ou em violação da liberdade de escolha de profissão, que de todo o modo são invocados à míngua da sua mínima consubstanciação”.
A A. justifica a admissão da revista com a relevância social das questões a dirimir - por se revestirem de relevo comunitário, ultrapassando o mero interesse particular das partes - e com a necessidade de uma melhor aplicação do direito, imputando ao acórdão recorrido a nulidade de omissão de pronúncia - por não ter apreciado a questão da sua “exclusão ilícita” dos cadernos eleitorais -, a “inconstitucionalidade material” da interpretação dos artºs. 22.º a 22.º-B, do DL n.º 75/2008 (por violação do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no art.º 2.º, da CRP e da liberdade de escolha da profissão, consagrada no art.º 47.º, n.º 1, 1.ª parte, da CRP) e erros de julgamento, por não se verificar o erro na forma de processo e por o prazo para intentar a acção só começar a correr com a homologação.
Sendo a alegada “exclusão ilícita” a questão de mérito cujo conhecimento ficou prejudicado e tendo o acórdão recorrido considerado que não se verificava a nulidade de erro na forma de processo e que o indeferimento liminar se justificava por a acção ser intempestiva, a questão fundamental que está em causa na revista é a de saber se foi cumprido o prazo estabelecido no n.º 2 do art.º 98º do CPTA para a sua propositura.
Perante o que preceitua este normativo e o que consta dos factos provados, o acórdão recorrido, ao responder negativamente a essa questão, decidiu com aparente acerto.
Por outro lado, tal questão não tem relevância social, por não se tratar de matéria particularmente sensível em termos de impacto comunitário.
Assim, tudo apontado para a inviabilidade do recurso e considerando que, como tem entendido esta formação, as inconstitucionalidades não constituem objecto próprio do recurso de revista por sempre poderem ser colocadas separadamente no Tribunal Constitucional (cf., entre muitos, o AC. de 7/12/2023 — Proc. n.º 1065/22.0BESNT e a jurisprudência aí citada), deve prevalecer a regra da excepcionalidade da sua admissão.

4. Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.

Lisboa, 1 de Fevereiro de 2024. – Fonseca da Paz (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.