Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0566/13
Data do Acordão:06/05/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:RECLAMAÇÃO GRACIOSA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
CORRECÇÃO À LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - Quando, após sentença anulatória de liquidação de tributo, a Administração Fiscal procede, em execução do julgado, a uma liquidação correctiva que notifica ao contribuinte com a expressa menção da possibilidade de impugnar ou reclamar desse acto tributário - do qual emerge a actual dívida em cobrança no processo de execução fiscal - e o contribuinte vem efectivamente deduzir reclamação graciosa contra essa liquidação, o órgão da execução não pode ir analisar, para efeitos de apreciação do pedido de suspensão da execução fiscal formulado ao abrigo do art. 169º do CPPT, se essa reclamação tem ou não viabilidade de procedência, se é ou não tempestiva, se o acto reclamado podia ainda ser sindicado, se o meio procedimental utilizado é o próprio, se o pedido nele formulado é fundado e legítimo ou se a causa de pedir gizada é pertinente e susceptível de determinar o efeito pretendido.

II - Relativamente à dedução de uma impugnação judicial ou recurso judicial, tal ingerência implicaria um vício de usurpação de poderes, por traduzir a ofensa, por um órgão da administração pública, do princípio da separação de poderes por via da prática de acto incluído nas atribuições de poder judicial; e relativamente à dedução de uma reclamação graciosa, dirigida necessariamente à entidade administrativa que lei indica no art. 75º do CPPT, tal ingerência implicaria, por parte do órgão da execução fiscal, um vício de incompetência, por traduzir a prática, por um órgão da administração, de um acto incluído nas atribuições ou na competência de outro órgão da administração.

III - Ainda que se aderisse ao entendimento de que a liquidação efectuada na execução do julgado anulatório da liquidação inicial não tem autonomia para efeitos de nova reclamação ou impugnação, trata-se de questão que tem de ser analisada e decidida no procedimento ou processo que o tenha por objecto, e nunca em sede de apreciação de pedido de suspensão do processo de execução fiscal, onde o órgão da execução se tem de limitar a verificar se se encontram preenchidos os requisitos previstos no art. 169º do CPPT e 52º da LGT, isto é, se além de ter sido prestada garantia idónea, foi instaurado algum dos meios de reacção aí enunciados e se esse meio de reacção tem efectivamente por objecto a legalidade da liquidação donde emerge a dívida que nesse momento se encontra em cobrança no processo executivo.

Nº Convencional:JSTA00068294
Nº do Documento:SA2201306050566
Data de Entrada:04/15/2013
Recorrente:A........., SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Área Temática 2:IRC
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART169 ART199 ART75 ART68 ART102 N1 B ART70.
LGT98 ART52.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A………… S.A., com os demais sinais nos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a reclamação que, ao abrigo do artigo 276º do CPPT, apresentou do despacho do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa que lhe indeferiu o pedido de suspensão da execução fiscal nº 1503201001104985 instaurada para cobrança do IRC do ano de 2006, no valor de € 1.794,164,08.
Concluiu as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1. Tendo a Administração Tributária emitido uma liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios referente ao exercício de 2006 e não tendo o contribuinte efectuado o pagamento, foi instaurado um processo de execução fiscal.
2. Tal processo foi suspenso porque, nos termos do art. 169º do CPPT, o contribuinte impugnou judicialmente a referida liquidação e prestou garantia idónea;
3. Tendo a referida impugnação judicial sido julgada procedente, a liquidação de IRC e de juros compensatórios foi anulada;
4. A Administração Tributária emitiu uma nova liquidação de IRC e de juros compensatórios, dela constando, como aliás decorre da lei, que o contribuinte tinha o direito de a contestar, fosse por reclamação, fosse por impugnação judicial;
5. O contribuinte considerou - e considera - que esta nova liquidação é ilegal, tendo deduzido contra ela reclamação nos termos dos arts. 68º e ss. do CPPT;
6. A Administração Tributária pretende executar as garantias prestadas no processo de execução, considerando que este já não está suspenso em face da sentença transitada em julgado referente à impugnação;
7. Esta decisão da Administração Tributária é ilegal, na medida em que existindo uma nova liquidação e estando ela contestada e havendo no processo de execução garantia prestada, está, nos termos do art. 169º do CPPT, a execução suspensa.
8. Como aliás se pronunciou, e bem, o Director de Finanças Adjunto: perante “a dedução de novo contencioso nos autos, cabe proceder, nos termos do disposto nos arts. 169º e 199º do CPPT, ao cálculo do valor da garantia a prestar...” sendo certo, que a garantia já se encontra prestada;
9. A decisão da Administração Tributária é, pois, ilegal;
10. Não releva, para efeitos da suspensão da execução, os fundamentos aduzidos na reclamação apresentada, nos termos dos arts. 68º e ss. do CPPT, contra a liquidação, ao contrário do que parece ser o entendimento da douta sentença recorrida;
11. O que releva é que a liquidação em causa foi contestada e, enquanto essa contestação/reclamação não for definitivamente decidida, a execução tem que se manter suspensa.

1.2. Não houve contra-alegações.

1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso com fundamento em que «a recorrente não pode impugnar a LA de 2006, na parte que não havia sindicado, pois faz caso decidido ou resolvido, sendo certo que na parte judicialmente impugnada, em que a recorrente obteve vencimento de causa, por decisão transitada em julgado, a AT deu cumprimento integral à determinação judicial».

2. A sentença deu como assente os seguintes factos:
A) Na sequência de procedimento inspectivo levado a efeito à contabilidade da Reclamante, foram efectuadas correcções ao lucro tributável declarado quanto ao exercício de 2006, da qual originou em 24.03.2010, a liquidação adicional de IRC nº 20108310001852 no montante de € 1.794.164,08 – (cfr. informação fls.32/43 dos autos);
B) Em 09.06.2010, para cobrança coerciva do montante a que alude a al. a) do probatório, foi instaurado contra a reclamante o processo de execução fiscal n.º 1503201001104985, com vista à cobrança coerciva de divida proveniente de IRC do ano de 2006, no montante de € 1.794.164,08. (cfr. informação fls.32/43 dos autos e doc. fls. 1 do processo de execução fiscal apenso);
C) Em 15.07.2010, a reclamante deduziu impugnação judicial contra o segmento da liquidação adicional de IRC relativo às correcções à matéria tributável referente a dividendos de acções com permanência inferior a um ano, no valor de € 117.401,97 – (cfr. carimbo aposto a fls. 3 do proc. n.º 1111/10.0BESNT apenso);
D) A impugnação judicial a que alude a al. c) do probatório correu termos sob o n.º 1111/10.00BESNT no TAF de Sintra. (proc. n.º 1111/10.0BESNT apenso);
E) Em 11.08.2010, com vista à suspensão do processo de execução n.º 1503201001104985, a reclamante apresentou garantia bancária, prestada pelo Banco Espírito Santo, S.A. no montante de € 1.000.000,00 e o remanescente foi garantido por meio de penhor de acções da Sociedade B………… (doc. fls. 59 e 96/98 do processo de execução fiscal apenso);
F) Em 16.06.2011, nos autos de impugnação judicial n.º 1111/10.0BESNT, foi proferida sentença julgando procedente o pedido e em consequência anulada a liquidação no montante de € 9.170,29. (doc. fls. 82/87 do proc. n.º 1111/10.0BESNT apenso);
G) Em 08.11.2011, foi emitida a Nota de Compensação 2011.00007081589, com a Demonstração de liquidação de IRC n.º 20118310027378 (exercício de 2006) no valor de € 1.774.993,79. (doc. fls. 178/179 do processo de execução fiscal apenso);
H) Em 19.12.2011, a reclamante manifestando a intenção de deduzir reclamação graciosa contra a liquidação IRC a que alude a al. g) do probatório requereu a manutenção da suspensão do processo de execução fiscal n.º 1503201001104985 – (doc. fls. 175/177 do processo de execução apenso);
I) Em 05.01.2012, por despacho da autoria do Chefe do Serviço de Finanças de Cascais-1 foi a pretensão a que alude a al. h) do probatório indeferida. (doc. fls. 190 do processo de execução apenso);
J) Em 10.01.2012, a reclamante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação de IRC n.º 20118310027378, invocando a existência de uma relação de prejudicialidade entre a impugnação deduzida contra a liquidação de IRC de 2005 e a correcção efectuada ao exercício de 2006, pedindo a anulação da liquidação de IRC de 2006 e a suspensão da instância (doc. fls. 193/195 do processo de execução apenso);
L) Em 11.01.2012, a reclamante foi notificada do despacho a que alude a al. i) do probatório. (doc. fls. 191/192 do processo de execução apenso);
M) Sobre o requerimento, apresentado a 19.12.2011, recaiu a informação donde consta o seguinte:

«A) Em 2010-06-09 foi instaurado, no SE de Cascais 1, processo de execução fiscal contra a executada A…………SA sob o n.º 1503201001104985, no valor de €1.794,164,08, por dívidas de IRC referentes ao ano de 2006.

B) A liquidação de imposto subjacente ao referido processo foi, em parte, objecto de impugnação judicial deduzida pela executada.

C) Por sentença transitada em julgado (2021-10-07), foi ordenada a anulação parcial da liquidação de Imposto em causa, no valor de € 9.170,29.

D) Na sequência de tal sentença foi emitida pelos serviços a nota de compensação n.º 2012.00007081389, de que a executada foi notificada em Novembro de 2011, sendo que aquando daquele acto a executada foi igualmente notificada para, querendo, reclamar ou impugnar da aludida nota nos termos e prazos previstos na lei.

E) Após o que a executada manifestou nos presentes autos a intenção de deduzir reclamação graciosa, bem como solicitou a manutenção da suspensão do processo executivo em apreço em virtude de terem sido constituídas no mesmo garantias consubstanciadas em penhor de acções da sociedade B………… Gás, SA (NLPC …………) e numa garantia bancária.

F) Por despacho de 2012. 01.05, proferido pelo Sr. Chefe do SE de Cascais 1, foi indeferido o pedido de manutenção da suspensão dos autos; decisão essa que foi notificada à executada, com fundamento no facto de a reclamação que se pretendeu deduzir não incidir sobre uma liquidação nova mas sim sobre uma liquidação que decorreu da anterior, até porque a citada sentença determinou apenas a anulação parcial da liquidação anterior, pelo que não podia ser objecto de reclamação ou impugnação a liquidação de que a executada foi notificada em Novembro de 2011.

G) Por força desse despacho, foi ordenada a notificação da executada para, no prazo de 15 dias, efectuar o pagamento integral da divida em causa, sob pena de não o fazendo se proceder à execução das garantias prestadas nos autos,

H) Notificada do citado despacho, a executada informou os autos de que já tinha deduzido reclamação graciosa, sob o nº 1508201204001184, tendo requerido a manutenção da suspensão dos presentes autos executivos em virtude de terem sido prestadas garantias nos mesmos e se encontrar pendente em Tribunal impugnação referente IRC de 2005 alegando que os resultados se reflectiriam sobre o IRC de 2006.

I) Mediante despacho do Sr. Director de Finanças Adjunto, lavrado em 2012-02-24 na Informação n.º 183/2012, de 2012-02-21, desta DF/DGDE (Processo IPJ nºs/5/12) foi decidido, em suma, e com itálico nosso, o seguinte:

“a) - A dedução de uma reclamação graciosa, constitui nos termos do nº 1 do art. 169° do CPPT uma causa suspensiva do processo, de execução fiscal e como tal deve ser considerada (...)”

“c) - No caso vertente, órgão liquidador de imposto, na “demonstração de liquidações IRC” remetida à executada, também a notificou da possibilidade de reclamar ou impugnar a legalidade da liquidação, não sendo, por tal facto, legitimo que este direito seja coarctado com base num entendimento de que não se trata de tema liquidação “nova” mas antes de decorrência da liquidação inicial.
d) - Perante a dedução de novo contencioso nos autos cabe proceder, nos termos do disposto nos arts. 169º e 199º do CPPT, ao cálculo do valor da garantia a prestar, devendo a executada ser dele notificada para efeitos da respectiva prestação.
As garantias a prestar pela executada deverão ser objecto de posterior apreciação por parte do órgão competente para o efeito, quanto à sua idoneidade e verificação de suficiência de valor para efeito de suspensão dos autos. Só depois de apreciadas e aceites as novas garantias é que poderão ser dispensadas as que já se encontram prestadas nos autos”.

J) Da comunicação electrónica (e-mail) remetida pela DGCT – Devedores Estratégicos para o SF de Cascais-1, em 2012-03-28, pelas 11h02, junta aos presentes autos, reverteu, em suma, o que com itálico nosso, ora se transcreve:
“(...) Assim, uma vez que a sentença foi parcialmente procedente ao contribuinte no montante de € 19.170.29, e encontrando-se ainda por solver o montante de € 1.774.993,79, propõe-se a execução das garantias associadas - garantia bancárias e penhor - nos termos ora propostos.
Nesta conformidade deverá ser executada a sentença, em cumprimento do disposto no art. 102º, nº 1 da LGT, assistindo-se para o efeito à devolução do processo ao órgão de execução fiscal (SF Cascais 1), confirme se estatui no preceito 213º do CPPT. Em resultado, deverá ser apensada ao processo de execução a sentença, findo em vista a execução da garantia bancária nº 2503.2020.298, no valor de € 1.000;000,00, bem como do penhor nº 1503.2010.199, no valor de e 1.821.826,38, que suspendam do mencionado PEF (cf. art.1 69.º nº 2, do CPPT).
Note-se que a execução de tais garantias deverá ser na devida proporção face à quantia em dívida, € 1.774.938,79, pelo que não deverá exceder tal montante.
Atendendo-se ao exposto, e salvo melhor opinião, a emissão de eventual nova liquidação pelo SLF não suspenderá a execução da garantia bancária, uma vez que o processo de impugnação judicial transitou em julgado judicial, sob pena de violação do princípio da separação de poderes, por sobreposição de competências face ao poder judicial”.

L) No mesmo sentido, a DSGCT - Devedores Estratégicos remeteu para o SF de Cascais-1 nova comunicação electrónica (e-mail), em 2012-02-08, pelas 12h20, junta aos presentes autos (entrada geral n.º 89668 de 2012-04-20), da qual resultou, e igualmente com itálico nosso, o que se segue:
Solicita-se que com a maior celeridade possível se avancem com as medidas de execução fiscal tendentes à boa cobrança do Processo de Execução Fiscal n. 1508201001104985, e em particular no que toca à execução das garantias constituídas, no seguimento do trânsito em julgado da impugnação 1508201008000811 cujo trânsito em julgado ocorreu em 2011.11.20 com referência à executada A………… SA., NIF …………”».

M) Atendo ao exposto, e na sequência do proposto pela DSGCT devem realizar-se as diligências necessárias a assegurar os créditos em causa,” (doc. n.º 1 junto aos autos).


N) Em 04.05.2012, sob a informação a que alude a al. m) do probatório, o Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa exarou o despacho seguinte: «Concordo. Proceda-se como proposto. Ao SF de Cascais, para efeitos.» (doc. n° 1 junto aos autos).

3. A questão em apreciação no presente recurso jurisdicional consiste em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento em matéria de direito ao ter julgado improcedente a reclamação deduzida pela executada A…………, S.A., contra o despacho proferido pelo Director de Finanças Adjunto de Lisboa, em 04/05/2012, de indeferimento da pretensão por si formulada no sentido de obter a suspensão do processo executivo em face dedução de reclamação graciosa contra o acto de liquidação correctiva de IRC/2006 donde emerge a actual dívida em cobrança coerciva (realizada após a anulação judicial da liquidação de IRC inicial) e em face da subsistência e suficiência da garantia que prestou quando impugnou judicialmente a liquidação donde brotava o montante de imposto que constituía a dívida exequenda inicial.
Com efeito, a sociedade executada impugnou judicialmente a liquidação inicial de IRC e juros compensatórios que lhe fora efectuada relativamente ao exercício de 2006 (liquidação nº 20108310001852, de 24/03/2010) emitida na sequência de procedimento inspectivo do qual resultaram diversas correcções à matéria colectável, atacando a legalidade da correcção relativa a dividendos de acções com permanência inferior a um ano. E para obter a suspensão do processo executivo instaurado para cobrança desse imposto, no montante de € 1.794.164,08, enquanto estava pendente a impugnação judicial, prestou garantia bancária e ofereceu o penhor de acções, o que foi aceite face à idoneidade e suficiente das garantias prestadas, com o consequente deferimento do pedido de suspensão da execução.
Tal impugnação foi julgada procedente por sentença transitada em julgado, onde se determinou que fosse «corrigida a liquidação do imposto e os concomitantes juros compensatórios que lhe correspondam de acordo com o decidido», razão por que a administração fiscal procedeu à referida ordem de correcção através da emissão da liquidação de IRC nº 20118310027378, de 7/11/2011, relativa a esse exercício de 2006, que integrou na nota de compensação que emitiu para fixação da obrigação tributária ainda em dívida.
Desta liquidação correctiva integrada na nota de compensação foi a executada notificada com a expressa menção de que podia, querendo, deduzir contra ela reclamação ou impugnação nos termos e prazos previstos na lei.
Nessa sequência, a executada deduziu reclamação graciosa tendo por objecto essa liquidação correctiva de IRC nº 20118310027378, de 7/11/2011, e solicitou ao órgão da execução fiscal a suspensão do processo executivo pendente para cobrança da dívida que subsiste após esta liquidação correctiva, tendo em conta a subsistência e validade das garantias que anteriormente prestara quando deduzira a impugnação e que se conservavam válidas e suficientes para garantir a totalidade da dívida e legais acréscimos, tudo em conformidade com o disposto no artigo 169º do CPPT.
O órgão da execução fiscal – Serviço de Finanças de Cascais-1 – tendo dúvidas sobre o pedido de suspensão da execução fiscal, solicitou esclarecimentos à Direcção de Finanças de Lisboa -Divisão de Gestão da Dívida Executiva (doravante DF/DGDE), tendo o Director de Finanças Adjunto esclarecido, por despacho de 24/02/2012, que o órgão da execução devia suspender a execução mediante a apresentação e aceitação de novas garantias a prestar pelo executado, com a seguinte motivação [cfr. alínea M) do probatório, subalínea I)]:
“a) - A dedução de uma reclamação graciosa, constitui nos termos do nº 1 do art. 169° do CPPT uma causa suspensiva do processo, de execução fiscal e como tal deve ser considerada (...)”
“c) - No caso vertente, órgão liquidador de imposto, na “demonstração de liquidações IRC” remetida à executada, também a notificou da possibilidade de reclamar ou impugnar a legalidade da liquidação, não sendo, por tal facto, legitimo que este direito seja coarctado com base num entendimento de que não se trata de tema liquidação “nova” mas antes de decorrência da liquidação inicial.
d) - Perante a dedução de novo contencioso nos autos cabe proceder, nos termos do disposto nos arts. 169º e 199º do CPPT, ao cálculo do valor da garantia a prestar, devendo a executada ser dele notificada para efeitos da respectiva prestação.
As garantias a prestar pela executada deverão ser objecto de posterior apreciação por parte do órgão competente para o efeito, quanto à sua idoneidade e verificação de suficiência de valor para efeito de suspensão dos autos. Só depois de apreciadas e aceites as novas garantias é que poderão ser dispensadas as que já se encontram prestadas nos autos”.

No cumprimento desse despacho/esclarecimento, que nunca foi comunicado à executada, o órgão da execução colocou uma nova questão à DF/DGDE, traduzida no seguinte: uma vez que as garantias anteriormente prestadas se mantinham válidas, podia o órgão da execução notificar o executado para efectuar apenas o reforço dessas garantias, no valor de € 160.913,00?
E é na sequência deste novo pedido de esclarecimentos que o Director de Finanças Adjunto muda a sua orientação, por adesão a nova informação prestada pela DF/DGDE e determina que se indefira o pedido de suspensão da execução e se avance imediatamente com as medidas de execução tendentes à cobrança da dívida, em particular no que toca à execução das garantias constituídas, com o argumento de que tendo a sentença proferida na impugnação deduzida contra a liquidação de IRC/2006 gerado apenas a anulação de 19.170,29 € de imposto, encontrando-se ainda em dívida 1.774.993,79 €, tal sentença devia ser executada, pois «a emissão de eventual nova liquidação pelo SLF não suspenderá a execução da garantia bancária, uma vez que o processo de impugnação judicial transitou em julgado judicial, sob pena de violação do princípio da separação de poderes, por sobreposição de competências face ao poder judicial» - cfr. alínea M) do probatório, subalíneas J), L) e M).
Notificada que foi a executada desta decisão, com a advertência de que podia dela reclamar para tribunal nos termos previstos no art. 276º do CPPT, deduziu a presente reclamação judicial para o tribunal tributário de 1ª instância, onde invoca a ilegalidade do acto com a seguinte e essencial fundamentação:
· a administração tributária, em face da anulação judicial da liquidação de IRC e juros compensatórios referente ao ano de 2006 emitiu uma nova liquidação;
· a legalidade desta nova liquidação está em discussão na reclamação graciosa que deduziu contra ela nos termos dos arts. 68º e segs. do CPPT;
· existe uma garantia válida e idónea prestada na execução fiscal pendente para cobrança da dívida emergente desta nova liquidação;
· encontram-se, por isso, reunidos todos os requisitos previstos no art. 169º do CPPT para a suspensão da execução fiscal.

A Fazenda Pública contestou esta reclamação judicial, alegando que apesar de ser verdade que «A Administração Tributária emitiu uma nova liquidação de IRC, também referente a 2006, nela fazendo reflectir a matéria decidida, a favor do contribuinte, pela douta sentença do TAF de Sintra» e que «em conformidade com o doutamente decidido procedeu à correcção da liquidação de IRC de 2006 e emitiu uma liquidação correctiva com o nº 20118310027378, de 7/11/2011», e que o contribuinte «nos termos dos arts. 68º e segs do CPPT deduziu reclamação contra tal liquidação» porque «considerou - e considera – que essa liquidação é ilegal», imputando-lhe «ilegalidades diferentes daquelas que foram objecto da decisão do TAF de Sintra», o certo é que se verifica «pela análise dos valores impugnados, bem como das liquidações efectuadas e que constam dos doc. (…) que a liquidação correctiva não se encontra ferida de qualquer ilegalidade, tendo em conta o doutamente decidido na Impugnação Judicial nº 1111/10.00BESNT». «Mas mesmo que assim não se entendesse, o meio de reacção contra a mesma era o procedimento executivo previsto no art. 157º e ss. do CPTA, ou seja, em sede de execução de sentença, porquanto só esta execução poderia ser posta em causa». «Na verdade, não tendo tais correcções sido objecto de impugnação as mesmas mantém-se válidas, tal como a liquidação efectuada com base nas mesmas.».

A sentença recorrida deu acolhimento a esta tese e julgou improcedente a reclamação judicial com a seguinte motivação: «No caso em apreço, a reclamante deduziu impugnação judicial contra o segmento da liquidação adicional de IRC (exercício de 2006) originada pelas correcções à matéria tributável referente a dividendos de acções com permanência inferior a um ano, no valor de € 117.401,97 (…) Os autos de impugnação correram termos sob o nº 1111/1o.0BESNT neste TAF, nos quais foi proferida a 16.11.2011, sentença concedendo provimento ao pedido (…)
O que significa que o tribunal reconheceu que o ato tributário estava inquinado de ilegalidade na parte colocada em crise, permanecendo subsistente a parte não impugnada e porque transitada em julgado a decisão a Administração Tributária na execução do julgado limitou-se a expurgar o que fora liquidado em ato anterior, emitindo nova liquidação é certo, mas que nada acrescenta de novo que não tivesse já contido no primeiro ato de liquidação, antes a vem reduzir, retirando-lhe parte do montante liquidado. E, sendo assim, naturalmente que o processo de execução haverá de prosseguir tendo em vista a execução das garantias bancárias nele prestadas, na devida proporção, face ao montante em divida, isto é € 1.774.933,79.(…)
No que tange à invocada causa de prejudicialidade, já o Tribunal se pronunciou, no sentido da inverificação, quando foi confrontado com a questão prévia suscitada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, no âmbito do processo de impugnação deduzido contra a liquidação de IRC do exercício de 2006. (cfr. fls. 70 do Proc. nº 1111/1o.0BESNT)
Acresce, que não compete aqui sindicar a bondade do então decidido, e mais seria em sede do Proc. nº 1111/1o.0BESNT que a reclamante deveria ter levantado a questões ora invocada, não podendo agora pôr em crise uma sentença já transitada em julgado.
Termos em que se conclui pela improcedência da reclamação e manutenção do acto reclamado.».

A Reclamante, ora Recorrente, discorda do assim decidido, invocando que, tal como reconhece a administração tributária, foi efectuada uma nova liquidação de IRC/2006, dela constando que o contribuinte tinha o direito de a contestar, fosse por reclamação, fosse por impugnação judicial. E porque considera que essa liquidação é ilegal, deduziu contra ela reclamação graciosa nos termos dos arts. 68º e ss. do CPPT. Ora, face a tal nova liquidação, que se encontra contestada e cujo pagamento se encontra acautelado por garantia idónea já prestada, o processo de execução tinha de ficar suspenso em conformidade com o preceituado no art. 169º do CPPT, não relevando, para efeitos dessa suspensão, os fundamentos aduzidos na reclamação apresentada, ao contrário do que parece ser o entendimento da sentença recorrida; o que releva é que a liquidação donde emerge a actual dívida exequenda se encontra contestada/reclamada e enquanto a reclamação não for definitivamente decidida a execução fiscal tem de se manter suspensa.
Vejamos.
Antes de mais, importa salientar que o processo tributário de reclamação dos actos praticados pelo órgão de execução fiscal constitui o meio processual de controle judicial de legalidade da actividade da administração tributária no quadro do processo executivo, visando a apreciação da legalidade da actuação desse órgão administrativo à luz da fundamentação contextual do acto impugnado, não podendo o tribunal apreciar se essa actuação poderia basear-se noutros fundamentos, já que não pode substituir-se a esse órgão e sancionar o acto com a fundamentação jurídica que julgue mais adequada.
Pelo que será apenas à luz do conteúdo da declaração formal fundamentadora do acto reclamado e da sua motivação contextual que o tribunal poderá aferir da sua legalidade.
No caso vertente, olhando para essa fundamentação, logo se vê que o motivo determinante do indeferimento do pedido de suspensão da execução – pedido que se alicerçava no disposto no art. 169º do CPPT, segundo o qual a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, desde que a dívida se encontre garantida – foi o facto de a impugnação judicial deduzida contra a liquidação inicial de IRC/2006 já ter sido definitivamente decidida, dela tendo resultado apenas a anulação de 19.170,29 € de imposto, encontrando-se ainda em dívida 1.774.993,79 €. Sentença que, na perspectiva do autor do acto reclamado, devia ser imediatamente executada, pois «a emissão de eventual nova liquidação pelo SLF não suspenderá a execução da garantia bancária, uma vez que o processo de impugnação judicial transitou em julgado judicial, sob pena de violação do princípio da separação de poderes, por sobreposição de competências face ao poder judicial».
Ora, salvo o devido respeito por contrária opinião, não tem cabimento legal esta fundamentação.
É inequívoco que a administração tributária deve obediência às decisões proferidas pelos tribunais tributários, as quais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas, prevalecendo sobre as de quaisquer outras entidades (art. 205º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa). Pelo que tendo sido anulada parcialmente a liquidação inicial de IRC/2006 (nº 20108310001852) por sentença proferida em processo de impugnação deduzida contra essa liquidação, a administração ficou obrigada à execução dessa decisão anulatória, o que cumpriu através da emissão de liquidação correctiva nº 20118310027378, pela qual corrigiu e expurgou a liquidação inicial dos vícios de que esta padecia e do montante de imposto que, por força daquela decisão, se mostrava liquidado em excesso.
Isto é, a administração deu oportuno cumprimento e pôs em prática o conteúdo de sentença jurisdicional dotada de força de caso julgado, sendo a liquidação correctiva a consequência necessária da definição da situação jurídica contida naquela sentença. E como o processo executivo estivera suspenso até à decisão desse pleito, em conformidade com o disposto no art. 169º do CPPT, deveria, em princípio, ser levantada a suspensão e determinado prosseguimento da execução para cobrança do montante de imposto apurado em dívida pela liquidação correctiva.
Todavia, após a execução dessa decisão judicial anulatória pela administração fiscal, a executada deduziu reclamação graciosa contra esta liquidação correctiva, ao abrigo do disposto nos arts. 68º e ss. do CPPT, até porque havia sido notificada pela entidade liquidadora da possibilidade de deduzir essa reclamação ou de impugnar judicialmente a legalidade desse acto tributário.
Com efeito, tal como resulta da petição dessa reclamação graciosa, o acto que constitui o seu objecto é a liquidação de IRC nº 20118310027378, de 7/11/2011, relativa ao exercício de 2006. Isto é, o acto reclamado é, sem dúvida, a liquidação correctiva que foi efectuada após a anulação parcial da liquidação inicial na impugnação judicial; é a liquidação donde emerge a dívida que actualmente está em cobrança no processo de execução fiscal.
Essa reclamação foi dirigida ao Director de Finanças de Lisboa e nela pediu-se, na parte final, «que a presente reclamação deve ser julgada procedente», tendo-se deixado, contudo, formulado um pedido subsidiário de suspensão da instância até que seja decidida a impugnação relativa ao IRC de 2005 - (cfr. o art. 11º, onde se diz claramente que esse é um pedido subsidiário, pois «...em primeiro lugar a reclamante considera que a liquidação de IRC de 2006 é ilegal porque ela tem direito à totalidade de reporte de prejuízos», e o art. 12º, onde se diz que «em segundo lugar, a apreciação dessa invocada ilegalidade está dependente do resultado do processo de impugnação referentes ao IRC de 2005»).
E como consta da informação prestada nesse procedimento gracioso, esta «liquidação nº 20118310027378 foi emitida com origem na execução da sentença transitada em julgado, relativamente ao lucro tributável do exercício de 2006, o que quer dizer, estarmos em presença de uma liquidação correctiva a favor do contribuinte», defendendo a reclamante que tal liquidação é ilegal porque tem direito à totalidade de reporte de prejuízos.
Ora, foi esta realidade que o acto aqui reclamado escamoteou, indeferindo um pedido de suspensão da execução que se fundava na pendência de novo contencioso, com o argumento de que a decisão proferida no processo de impugnação transitara em julgado e tinha de ser cumprida com o prosseguimento da execução fiscal.
Com efeito, a apresentação daquela reclamação graciosa, acompanhada das garantias já anteriormente prestadas e que subsistem no processo executivo, constitui motivo para a suspensão da execução em face do disposto no art. 169º do CPPT, desde que essas garantias continuem a mostrar-se suficientes para acautelar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, pois, como se viu, este preceito determina que, caso a dívida esteja garantida, a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda. E o órgão administrativo a quem compete decidir este pedido de suspensão da execução não detém competência para ir analisar, para este efeito, se esses meios procedimentais e processuais (reclamação graciosa, impugnação judicial e recurso judicial) têm ou não viabilidade de procedência, se são ou não tempestivos, se o acto impugnado pode ainda ser sindicado graciosamente ou contenciosamente, se o meio utilizado é o próprio, se o pedido formulado é fundado e legítimo ou se a causa de pedir gizada é pertinente e susceptível de determinar o efeito pretendido.
Aliás, relativamente à impugnação judicial e ao recurso judicial, dirigidos necessariamente ao tribunal tributário, tal ingerência implicaria um vício de usurpação de poderes, por traduzir a ofensa, por um órgão da administração pública, do princípio da separação de poderes por via da prática de acto incluído nas atribuições de poder judicial. E relativamente à reclamação graciosa, dirigida necessariamente à entidade administrativa que lei indica no art. 75º do CPPT, tal ingerência implicaria, por parte do órgão da execução fiscal, um vício de incompetência, por traduzir a prática, por um órgão da administração, de um acto incluído nas atribuições ou na competência de outro órgão da administração.
Em suma, e voltando ao caso vertente, para efeitos de apreciação de pedido de suspensão da execução fiscal por força da dedução de reclamação graciosa que tem por objecto a legalidade da liquidação donde emerge a actual dívida exequenda, o órgão da execução não pode ir analisar, dada a sua falta de competência para o efeito, se essa reclamação tem ou não viabilidade face ao seu objecto, se o acto reclamado constitui ou não uma liquidação “nova” susceptível de reclamação, se os vícios que nela são invocados deviam ou não ter sido alegados na impugnação deduzida contra a liquidação inicial e se são ou não adequados, pertinentes e suficientes para a anulação da dívida que subsiste em cobrança, se nela podia ou não ter sido pedida a suspensão da respectiva instância face a uma invocada causa de prejudicialidade (impugnação deduzida contra a liquidação de IRC/2005), se a pretendida invalidade da liquidação reclamada apenas é possível após a anulação da liquidação de 2005 ou se a reclamação graciosa constitui o meio próprio e adequado para atacar a liquidação correctiva donde brota a obrigação tributária que constitui a actual dívida exequenda.
Ainda que se adira ao entendimento de que a liquidação subsequente a uma reclamação ou impugnação parcialmente procedente tem natureza executiva da decisão proferida, não tendo autonomia para efeitos de nova impugnação judicial, trata-se de questão que tem de ser analisada e decidida dentro do procedimento gracioso ou do processo contencioso respectivo, e nunca em sede de apreciação de pedido de suspensão do processo de execução fiscal. O órgão da execução só pode ir verificar se a reclamação tem por objecto a legalidade da liquidação donde emerge a dívida exequenda, não podendo avançar para qualquer tipo de análise sobre os fundamentos ou viabilidade dessa reclamação.
E aqui reside o erro em que incorreu a sentença, ao “desviar-se” da motivação contextual do acto reclamado e indo apreciar, perante a nova tese sustentada pela Fazenda Pública na contestação (e que representa uma verdadeira fundamentação a posteriori para o acto reclamado), o teor da reclamação graciosa, concluindo que a reclamante deveria ter colocado as questões que nela invoca no anterior processo de impugnação que deduziu contra a liquidação inicial, não podendo agora pôr em crise, na reclamação graciosa, a decisão proferida naquela impugnação.
É que perante a dedução desta reclamação, que tem inequivocamente por objecto a legalidade da liquidação correctiva efectuada após a anulação parcial da liquidação inicial e da qual emerge a actual dívida em cobrança coerciva - como a própria administração fiscal reconhece e a Fazenda Pública admite expressamente na contestação -, não há como negar ao sujeito passivo/executado o direito à suspensão da respectiva execução fiscal, desde que, naturalmente, se mostre prestada garantia idónea e suficiente para acautelar o pagamento dessa dívida. Pelo que se impunha, apenas, analisar se ocorriam os pressupostos enunciados nos arts. 169º do CPPT e 52º da LGT para a pretendida suspensão, verificando se a garantia já prestada é suficiente para esse efeito, sem entrar na análise do mérito da reclamação.
Aliás, e como decorre dos elementos juntos aos autos, essa reclamação foi apreciada e decidida pela entidade competente à luz da argumentação tecida pela reclamante, tendo sido indeferida por se ter julgado que a reclamada liquidação estava correcta, pois não se podia afirmar a sua ilegalidade no tocante ao reporte de prejuízos enquanto não fosse proferida decisão anulatória na impugnação deduzida relativamente à liquidação de IRC/2005. Isto é, a reclamação foi admitida pelo órgão competente, que conheceu do seu mérito depois de ter expressamente deixado dito que ela vem deduzida contra a «liquidação de IRC nº 20118310027378, de 7/11/2001, relativa ao exercício de 2006», e que «A presente Reclamação Graciosa é o meio próprio para a obtenção dos fins pretendidos, nos termos do disposto no art. 68º e seguintes do CPPT, e há legitimidade, nos termos do nº 1 do art. 9º do CPPT (…), e é tempestiva nos termos do artigo 70º, conjugado com a alínea b) do nº 1 do artigo 102º do CPPT», não tendo, assim, erguido a esse conhecimento de mérito os obstáculos que a Fazenda Pública suscitou na contestação que apresentou nestes autos e que o Mmº Juiz acolheu na sentença.
Uma nota final para dizer que apesar de a reclamação graciosa ter sido decidida em 16/05/2012 e notificada ao executado já depois de ele ter apresentado a presente reclamação do acto que indeferiu o pedido de suspensão da execução, não sabemos se a decisão proferida nessa reclamação graciosa foi objecto de recurso hierárquico ou de impugnação judicial, pelo que não dispomos de quaisquer elementos para afirmar que não existe pendente neste momento qualquer processo administrativo ou contencioso de impugnação da liquidação.
Pelo exposto, assiste total razão à Recorrente, pois perante a dedução da reclamação graciosa, e caso se verifique que as garantias já prestadas são suficientes para acautelar o pagamento integral da dívida exequenda e dos legais acréscimos, o processo de execução fiscal tem de ficar suspenso enquanto essa reclamação não for definitivamente decidida, tudo em conformidade com o preceituado no art. 169º do CPPT e art. 52º da LGT.
O que implica a revogação da sentença recorrida e a anulação do acto que constitui o objecto da presente reclamação judicial, o qual deve ser substituído por outro que aprecie o pedido de suspensão da execução à luz dos requisitos previstos nos artigos 169º do CPPT e 52º da LGT e de tudo o que aqui deixámos exposto.

4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a reclamação judicial, com a consequente anulação do acto reclamado.
Sem custas.

Lisboa, 5 de Junho de 2013. – Dulce Neto (relatora por vencimento) – Isabel Marques da Silva – Lino Ribeiro (com voto de vencido).

Voto de vencido

A solução a que o acórdão chegou partiu, a meu ver, de um pressuposto incorrecto: o de que, na sequência da sentença de anulação parcial da liquidação de 2006, a administração tributária praticou “nova liquidação” que substituiu o acto anulado.
Acontece que o acto que foi adoptado em cumprimento do dever de executar a sentença anulatória, qualquer que seja o nome que se lhe dê (“liquidação correctiva”, “nota de compensação”, “reforma”, ou outro), não constitui nem envolve uma verdadeira substituição da liquidação anulada.
Salvo o devido respeito, a entender-se que foi praticada nova liquidação, que eliminou a primeira, dá-se um “golpe profundo” nos conceitos de execução de sentenças de anulação e de inopugnabilidade dos actos administrativos.
A anulação parcial da liquidação de 2006 produziu um efeito constitutivo, que se traduziu na eliminação de parte desse acto do mundo jurídico. Desse efeito resultou para a administração tributária o dever de executar a sentença anulatória, que se traduziu no puro e simples dever de extrair as consequências da anulação. Não podendo a Administração anular a parte do acto que foi contenciosamente anulada, o cumprimento do dever de reconstituir o statu quo ante também não podia ficar pela emissão de um acto declarativo que se limitasse a reconhecer os termos em que a situação do contribuinte ficou definida por efeitos da anulação, pois, durante o período de vigência do acto anulado, foram praticados actos de execução do acto anulado (v.g os relativos à execução fiscal) que tinham que ser removidos. A execução do efeito repristinatório da anulação passava, assim, por suprimir a desconformidade entre o título executivo e a realidade substantiva que resultou da anulação.
A forma usada para apagar o vestígio da ilegalidade cometida consistiu na emissão de uma “nota de compensação” do crédito do executado resultante da anulação parcial com o quantum de dívida exequenda, dando conta desse facto ao executado, o que se mostra conforme com a anulação e como o respeito pelo caso julgado (cfr. art. 89º do CPPT).
Por conseguinte, a liquidação de 2006, corrigida pela compensação, manteve-se na ordem jurídica, materializada ou incorporada no título que serve de base à execução fiscal. Por esse motivo, como escreve Aroso de Almeida, «aqueles actos não constituem substituição do acto anulado, mas execução do efeito repristinatório da anulação»; «Subordinado à anulação, em plano subalterno em relação ao poder exercido através do acto anulado, não está em jogo um poder de dar nova definição às situações jurídicas existentes, mas de, pelo contrário, extrair consequências de um quadro jurídico que já se encontra prévia e heteronomamente determinado pela sentença de anulação» (cfr. Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes, Almedina, pág. 480-481).
O facto do acórdão pressupor que, em consequência da anulação contenciosa, foi praticada nova liquidação, em substituição da primeira, tem efeitos perversos na estabilização dos actos tributários. Para além de extinguir o acto incorporado no título executivo, com a inevitável extinção do processo de execução (cfr. arts. 176º e 270º do CPPT), legitima a impugnação (administrativa ou contenciosa) da nova liquidação por vícios relativamente aos quais já ocorreu a sanação ope legis. É que, a partir do momento em que o contribuinte deixa esgotar o prazo de impugnação do acto, com base num determinado vício, ele torna-se inopugnável – desde essa altura o acto tornou-se válido pelo decurso do tempo. A nova liquidação, emitida em cumprimento do dever de executar a sentença de anulação, seria contrária a sanatória da anterior liquidação, possibilitando que contra ela se fizessem valer vícios que não foram invocados na impugnação.
Ora, como a liquidação de 2006, que é um acto divisível, só foi impugnada numa pequena parte (a correcção aos dividendos), na restante parte, tornou-se inatacável, não podendo mais deixar de ser acatado como produtor dos efeitos a que se dirige nessa parte. É por isso que, a partir do momento da inopugnabilidade, ficam fora do alcance do contribuinte meios processuais, sejam eles quais forem, de fazer valer a invalidade.
Resta, assim, averiguar se existe (ou existiu) um processo em que se discute a legalidade da parte da liquidação que está em execução.
No projecto de acórdão que foi vencido, respondeu-se negativamente como base em argumentos que, pela complexidade da questão, passamos a expor integralmente.
A questão fulcral consiste em determinar se a pendência da impugnação judicial da liquidação do exercício de 2005 e da reclamação graciosa da liquidação corrigida de 2006 pode ou não justificar a suspensão da execução fiscal.
O raciocínio da recorrente é este: se a impugnação da liquidação de 2005 for procedente, a liquidação de 2006 é inválida na parte em que procedeu a “correcções à dedução dos lucros tributáveis”. É que a recorrente, no exercício de 2006, calculou e declarou prejuízos fiscais referentes ao ano de 2005, mas a administração tributária corrigiu o resultado de 2005, passando, em tal exercício, a haver lucros e não prejuízos. Como a liquidação adicional de 2005 foi impugnada, em caso de procedência, anula-se automaticamente a correcção ao lucro tributável efectuada em 2006.
Porque os prejuízos fiscais apurados no exercício de 2005 foram deduzidos no exercício de 2006, nos termos permitidos pelo actual artigo 52º do CIRC, há uma relação de conexão relevante entre as liquidações de ambos exercícios: a eventual anulação da liquidação de 2005, na parte relativa aos prejuízos fiscais, pode e deve projectar-se no plano da validade da liquidação onde tais prejuízos foram deduzidos. A queda parcial do “acto conexo”, para além de ser um efeito substantivo da sentença anulatória do acto antecedente (cfr. alínea i) do nº 2 do artigo 133º do CPA), é também ditada pelo nº 4 do referido artigo 52º do CIRC.
Porque assim é, defende a recorrente a existência de uma “relação de prejudicialidade” impeditiva da continuação da execução fiscal de uma liquidação que tende para a invalidade.
À primeira vista, a existência de uma conexão juridicamente relevante entre ambas as liquidações parece apontar para a necessidade de se suspender a execução da segunda liquidação, uma vez que a sua validade se encontra suspensa ou pendente até que seja proferida decisão na impugnação judicial da primeira. Se esta acção for procedente, anulando-se a correcção efectuada aos prejuízos fiscais declarados em 2005, cai o pressuposto essencial em que assentou a liquidação de 2006, impondo-se à Administração Tributária o dever de reexaminar, reformar ou substituir tal liquidação.
Acontece que, apesar da validade precária da liquidação adicional de 2006, decorrente da impugnação judicial da liquidação adicional de 2005, ela não deixa de produzir efeitos enquanto esta não for anulada. Sem a anulação da liquidação de 2005, a invalidade da liquidação de 2006 apenas se apresenta como possível, pois só se manifesta e pode ser efectivada com eventual anulação daquela liquidação. Por conseguinte, é só se e no momento em que transitar em julgado a sentença anulatória da liquidação de 2005 que se verifica que a liquidação de 2006 nunca foi válida. Ou seja: sem aquela anulação, a invalidade desta liquidação não é atendível, pois durante a vigência daquela liquidação tudo se passa como se esta não fosse inválida.
Assim sendo, a execução da liquidação de 2006 apenas poderá ser suspensa: (i) se no âmbito da impugnação (graciosa ou contenciosa) da liquidação de 2005, em acumulação formal, foi formulado um pedido dirigido à eliminação da liquidação de 2006: (ii) ou se na impugnação da liquidação de 2006 foi invocada como causa de pedir a invalidade da liquidação de 2005. É que, os meios processuais que, cumulados com a prestação de garantia idónea, têm virtualidade para suspender a execução da liquidação de 2006 são a reclamação graciosa e a impugnação judicial «que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda» (cfr. nº 1 do art. 169º do CPPT).
Ora, não está demonstrado nos autos que a impugnação judicial da liquidação de 2005 também tenha por objecto a liquidação de 2006, na parte em que teve como pressuposto a correcção efectuada ao exercício de 2005. Na ausência de cumulação formal, o destino da liquidação de 2006 não é apreciado e decido naquele processo e por isso mesmo não pode ser imputado directamente à eventual sentença de anulação. Em caso de anulação, o acto que imediatamente deixa de fazer parte da ordem jurídica, e que é visado pelo juiz no dispositivo da sentença, é a liquidação de 2005 e não a de 2006. A eventual invalidade desta resultará de uma causa autónoma em relação àquela que determinou a anulação da liquidação de 2005: o vício de que poderá padecer resultará da invalidade da liquidação que vier a ser anulada. Mas isso só acontece porque o seu conteúdo foi adoptado enquanto se produziram os efeitos da liquidação de 2005, e sem que existisse a certeza que esta poderia ser anulada.
Na impugnação da liquidação de 2006, o recorrente, embora tivesse informado que havia impugnado a liquidação de 2005, circunscreveu a causa de pedir à questão dos dividendos de acções com permanência inferior a um ano.
A sentença que aí foi proferida declarou que a liquidação era ilegal, mas apenas quanto à correcção efectuada aos dividendos declarados, nada ficando dito quanto a outros fundamentos que pudessem ser apreciados. Assim, o que está coberto pelo caso julgado é a anulação da liquidação na parte relativa aos dividendos, no montante de €19.170,29, e não a parte relativa a correcção às deduções do lucro tributável. Como a eficácia objectiva do caso julgado impõe que a imutabilidade da decisão só abranja a causa de pedir que foi invocada e conhecida pelo tribunal, a liquidação de 2006 manteve-se válida quanto à correcção efectuada aos prejuízos declarados.
Em virtude da existência de uma conexão jurídica entre a liquidação de 2005 e a liquidação de 2006, na parte relativa ao reporte de prejuízos, a única maneira de proteger o interesse da recorrente na invalidade da liquidação de 2006, derivada ou sequencial da invalidade da liquidação de 2005, era suspender a instância do processo impugnatório interposto da liquidação de 2006 durante a pendência do processo movido contra a liquidação de 2005, podendo haver mesmo lugar à apensação de ambos os processos.
Após a sentença anulatória da liquidação de 2006, que deixou em suspenso a questão da validade da correcção ao reporte de prejuízos, torna-se necessário aguardar a sentença que for emitida no processo de impugnação da liquidação de 2005, pois só se pode qualificar aquela como inválida quando esta for finalmente eliminada da ordem jurídica. Ou seja, a invalidade só se torna efectiva e presente, a partir do momento em que a liquidação de 2005 for anulada, na parte em que não atendeu aos prejuízos fiscais deduzidos ao lucro tributável de 2006.
É por isso que, durante a vigência da impugnação da liquidação de 2005, tudo se passa como a liquidação de 2006 seja válida e produtora de efeitos, incluindo os executivos. Apesar da conexão existente entre ambas as liquidações, não se pode dizer que a impugnação da liquidação de 2006 também tem por objecto da liquidação de 2005. De igual modo, o facto da eventual sentença anulatória da liquidação de 2005 ter efeitos substantivos na liquidação de 2006 não significa que o objecto do processo impugnatório também seja esta liquidação. Em si mesma, a sentença de anulação não apreciará, nem pode apreciar, a legalidade da liquidação de 2006, pois a nulidade do acto consequente é um efeito que opera ipso iure e não um efeito que seja imputado ao conteúdo da sentença. Este efeito só poderá ser declarado no âmbito do procedimento e/ou processo de execução da sentença anulatória da liquidação de 2005, como um dos actos que reconstitui a situação que existiria se a ilegalidade não tivesse sido praticada.
Certamente por isso é que a recorrente se socorreu da reclamação graciosa do acto que, em execução da sentença de anulação, procedeu à correcção da liquidação exequenda, dizendo que se tratou de uma “nova liquidação”. Após a sentença que anulou parcialmente a liquidação de 2006, a administração tributária, através de uma “nota de compensação”, procedeu à correcção da liquidação excessiva, deduzindo a quantia correspondente à parte anulada.
Mas, ao invés do que diz a recorrente, não se tratou de uma nova liquidação nem de uma liquidação adicional, mas sim de um acto jurídico que executa o efeito repristinatório da sentença de anulação e por conseguinte de um acto enquadrado no âmbito do dever de executar a sentença, visando restabelecer a situação jurídica da contribuinte lesada pelo acto ilegal (cfr. art. 100º da LGT).
Tal reclamação graciosa não teve por objecto, nem podia ter, dada a formação de «caso decidido» ou «caso resolvido», a liquidação de 2006. A parte não impugnada desta liquidação, a única que ficou em execução após a sentença anulatória, não é objecto da reclamação graciosa. A recorrente reclamou de um acto que se limitou a reconhecer os termos em que a sua situação ficou definida por efeito da anulação. Esse “acto de execução”, ainda que se possa apelidar de “liquidação correctiva”, representa uma mera transposição da sentença anulatória para o universo da administração tributária, como necessária repercussão na execução fiscal, através da emissão do acto de compensação. Naturalmente que esse acto de transposição da sentença não tocou na parte da liquidação de 2006 que não foi impugnada, nem destruída pela sentença.
Como é evidente, para saber se existe ou não meio processual que ponha em causa a “legalidade da dívida exequenda” (art. 169º do CPPT) o órgão de execução fiscal pode e deve apreciar se tais processos têm virtualidade para tocar na legalidade da quantia exequenda, sem que isso represente qualquer interferência na apreciação do seu mérito. Se ele sabe que, em virtude da inopugnabilidade, a dívida exequenda já não está ao alcance de um expediente extintivo, porquê dar relevo ao uso abusivo de formas procedimentais e processuais que tenham esse fim?
Em verdade, deve dizer-se que a reclamação graciosa constitui um “mero expediente” para se tentar obter a suspensão da execução fiscal até à decisão da impugnação da liquidação de 2005, pois nem sequer se imputa à “nota de compensação” qualquer ilegalidade. Este acto, que se limita a reintegrar a ordem jurídica ofendida, só é susceptível de impugnação por “vícios próprios” e não por ilegalidades imputadas a outros actos. Ora, o reclamante limitou-se a alegar a existência de prejudicialidade da liquidação de 2005 relativamente à de 2006, para justificar a suspensão da instância enquanto não fosse decidida a impugnação judicial daquela liquidação. Mas é evidente que tal reclamação não poderia conduzir à anulação parcial da liquidação de 2006 enquanto não transitasse em julgado a sentença de anulação da liquidação de 2005. Significa isso que para se conhecer o fundamento da reclamação graciosa seria necessário suspender esse procedimento até ao trânsito da sentença a proferir na impugnação da liquidação de 2005. Mas, na hipótese desta liquidação ser anulada, o que seria objecto de nulidade ipso iure era parte não impugnada da liquidação de 2006 e nunca o acto que executou a sentença anulatória da parte impugnada.
Portanto, a reclamação graciosa não tem por fundamento uma ilegalidade já consumada, mas uma ilegalidade que poderá ser possível, caso a liquidação de 2005 venha a ser anulada. Ora, sem esta anulação, a situação jurídica constituída pela liquidação de 2006 existe e mantêm-se na ordem jurídica, servindo assim de base à adopção de actos executivos.
Por fim, não pode deixar de se referir a inutilidade processual que representa a solução do acórdão.
Como se vê dos documentos de fls. 111 do p.a apenso, a reclamação graciosa findou duas semanas após a data de prolação do acto reclamado, ainda antes da entrada em juízo da presente reclamação. Estando o original da reclamação apenso aos autos, deduz-se que nenhum recurso hierárquico ou impugnação contenciosa foi intentada contra a decisão nela proferida (nem sequer o reclamante deu conta disso). Assim sendo, que interesse tem anular o acto que negou a suspensão da execução se esta vai seguir necessariamente? Não é caso para se decidir de acordo com os factos existentes no momento da decisão, tal como se determina no artigo 663º do CPC?
Estas as razões da nossa discordância: não existindo pendente um meio processual em que, de forma directa, se discuta a legalidade da liquidação exequenda, consideramos que não estão verificados os pressupostos que, nos termos do artigo 169º do CPPT, poderiam justificar a suspensão da execução fiscal.

Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro