Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0549/10
Data do Acordão:07/14/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:IRS
AVALIAÇÃO FISCAL
MÉTODOS INDIRECTOS
MÉTODOS INDICIÁRIOS
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
Sumário:O artigo 146.º-B, n.º 3 do CPPT, ao restringir os meios de prova à prova documental está ferido de inconstitucionalidade material por ofensa ao princípio do direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4 da CRP).
Nº Convencional:JSTA00066539
Nº do Documento:SA2201007140549
Data de Entrada:06/23/2010
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PENAFIEL PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
DIR PROC FISC GARC - MATÉRIA COLECTÁVEL.
Área Temática 2:DIR CONST.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART146-B N3.
CONST 97 ART13 ART18 N2 ART20 N4.
Jurisprudência Nacional:AC TC 646/06 DE 2006/11/28.; AC STA PROC590/07 DE 2007/11/07.; AC STA PROC135/09 DE 2009/03/19.
Referência a Doutrina:GOMES CANOTILHO E OUTRO CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA 3ED PAG163.
JORGE MIRANDA E OUTRO CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA T1 PAG190.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1- A… e mulher B…, melhor identificados nos autos, vêm recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou parcialmente improcedente o recurso interposto do despacho do Directos de Finanças Adjunto, em substituição legal do Director de Finanças do Porto, que lhes fixou o rendimento tributável por métodos indirectos nos termos dos artigos 9.º n.º 1, alínea d) do CIRS, 87.º alínea d) e 89.º-A da LGT, formulando as seguintes conclusões:
01. O objecto das presentes alegações cinge-se a saber se as prestações suplementares feitas às sociedades pelos respectivos sócios correspondem ao “acréscimo de património ou consumo” a que se referem os arts. 87°/l/f e 89°-A/5 da LGT, constituindo as mesmas manifestações de fortuna, objecto assim de tributação em sede do IRS.
02. A Sentença em crise considera que, ao não estarem as prestações suplementares previstas na al. d) do artigo 87° e no n° 4 artigo 89°.-A da L.G.T. sempre tais transferências monetárias terão de se subsumir à alínea f) do artigo 87° — tal raciocínio é flagrantemente contraditório com o regime da avaliação dos rendimentos por método indirecto, que o legislador, consabidamente, quis que fosse laxativo e excepcional.
03. A fundamentação da Sentença em recurso encerra erros lógicos, não se demonstrando convincente para fundamentar a decisão em crise, ao considerar que as prestações suplementares ou são restituídas ao sócio e integram o conceito de «acréscimo patrimonial» por constituírem um aumento patrimonial do respectivo titular, ou não são restituídas ao sócio e integram o conceito de «consumo».
04. As transferências patrimoniais são simples deslocações do património correspondente a essas prestações da esfera pessoal dos recorrentes para a esfera da sociedade de são sócios, as quais
05. Com essa deslocação, não se pratica um acto de consumo nem a mesma corresponde a aumento patrimonial de quem o presta.
06. Discorda-se ainda da interpretação da lei plasmada na Sentença por a mesma encenar em si diversas inconstitucionalidade, desde logo princípio da legalidade tributária, por não respeitar o (sub) princípio da determinabilidade ou da tipicidade das normas de incidência fiscal.
07. A aplicação conjugada da al. 1) do artigo 87.° e do n.º 5 do art. 89°-A da LGT determina a utilização de conceitos indeterminados na previsão das normas tributárias, sendo que delas não se retiram quais os limites que a Administração Fiscal terá no momento da respectiva aplicação em concreto, gerando insegurança para os contribuintes que podem vir a ser sujeitos a uma tributação verdadeiramente confiscatória do seu património, com base na aplicação desta norma.
08. De todo o modo, e admitindo-se por hipótese que a norma, em si mesma, não padece de inconstitucionalidade, o certo é que o Tribunal a que não teve a sensibilidade de ponderar que, perante cláusulas abertas como a de que aqui tratamos, o intérprete e o aplicador do direito deverá procurar preencher os conceitos por respeito ao sistema e à ordem jurídica.
09. Não existe nenhum indício de que tal montante tenha entrado no património dos recorrentes no ano em que realizaram essas prestações suplementares.
10. Por isso, a aderir-se à tese que sustenta a Sentença em apreço, autoriza-se que a Administração Fiscal, ao abrigo da cláusula geral inserta no regime excepcional da determinação indirecta da matéria colectável (no caso de IRS) converter um imposto sobre o rendimento num verdadeiro imposto sobre o património.
11. O confronto dos arts. 87°, n° 1, al.f), 89°-A, n°s 3,5 e 11, da LGT e o art. 72°, n° 9, da Código do IRS revela que a tributação proposta pela Administração Fiscal e sancionada pelo Tribunal a que é uma verdadeira tributação materialmente autónoma.
12. Por isso se conclui que a aplicação da al. f) do artigo 87,° e do n.° 5 do art. 89°-A da LGT se revela claramente confiscatório do património do contribuinte singular, com a agravante de atingir proporções intoleráveis por se tratar de um imposto com taxa progressiva.
13. A interpretação sob censura é também inconstitucional conquanto põe em crise os princípios da capacidade contributiva já que a presunção em que assenta não tem verosimilhança com a situação patrimonial do contribuinte e que o valor fixado conduz a uma situação de intolerável iniquidade.
14. O princípio da capacidade contributiva exige pois que o “acréscimo patrimonial” terá de consubstanciar um aumento real e efectivo do património do contribuinte e não uma mera modificação jurídica do estatuto de alguns bens que já faziam parte do seu património.
15. Por seu turno, o «consumo evidenciado» terá de corresponder a uma despesa efectivamente realizada pelo próprio contribuinte.
16. Os arts. 87°/ 1/1) e 89°-A/5 da LGT afrontam igualmente o principio da igualdade fiscal e da coerência do sistema (fiscal), porquanto no n.° 4 do art. 89°-A da LGT se estipulam valores presumidos de rendimento tributável que tomam em consideração minimamente o princípio da tributação do rendimento liquido, estipulando como rendimento-padrão (rendimento tributável), não a totalidade do valor dos bens, mas apenas uma percentagem do mesmo — situação que se não verifica no caso para as prestações suplementares,
17. Se as prestações suplementares forem interpretadas como preenchendo os conceitos de «acréscimo patrimonial” ou de «consumo”, limita-se fortemente a capitalização das empresas mediante essas entradas em dinheiro, as quais, como é sabido, constituem, hoje em dia, uma importante forma alternativa e flexível de financiamento societário
18. Estamos perante uma restrição da liberdade de gestão empresarial violadora da liberdade fundamental de iniciativa económica e de empresa consagrado no art. 61.º da Constituição.
19. Ao admitir-se a interpretação de que as prestações suplementares» integram o conceito de acréscimo de património ou de consumo — como o fez o Tribunal a quo — a conclusão a reiterar, em última ratio, é a de que o IRS se transmuta, de imposto sobre o rendimento pessoal num verdadeiro, mas impróprio, imposto sobre o património.
20. A norma constante do n.° 5 do art. 89°-A da LGT - quando interpretada como na Sentença quo, i.e., como uma norma que contém uma incidência fiscal autónoma — viola não apenas a Constituição, mas igualmente o art. 1° do Protocolo Adicional á Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem.
21. Mal andou o tribunal a quo ao não interpretar as normas da LGT em conformidade com a Convenção (por força do art. 16°/2 da Constituição) segundo o principio da preferência de aplicação das normas consagradoras de um nível de protecção mais elevado (conforme srI. 530 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia).
22. E ao não o ter feito, fica, para além das instâncias nacionais, aberta a porta para a interposição recurso para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH Cf. art. 35°f/1 da CEDH).
23. Salvo o devido respeito, a Sentença a quo interpretou e aplicou incorrectamente os artigos 87°l/f/ e 8°-A/5 da LGT, e, em consequência, violou os princípios constitucionais vindos de elencar, bem com as normas jurídicas que os suportam, designadamente o artigo 61° 1, 103° 2, e 104° da CRP.
2- A Fazenda Pública contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
I-A sentença recorrida, ao determinar a improcedência parcial da pretensão dos RR, no segmento respeitante à manutenção do acto de fixação do rendimento tributável, só poderá pecar pode defeito, porquanto, ao anular parcialmente o acto de fixação do rendimento, assumiu com justificada a origem de incrementos patrimoniais na esfera jurídica dos RR, apenas por ter concluído que, sendo tais montantes originários da sociedade beneficiária das transferências monetárias por parte dos RR, estaria justificada a sua origem, e como tal, não haveria lugar a tributação sobre aquele montante.
II — Olvidou porém a sentença recorrida que, pese embora a origem seja conhecida, não é líquido que tais valores respeitem apenas a fluxos financeiros recíprocos, não susceptíveis de tributação em sede de IRS, nomeadamente a título de “lucros antecipados”, ou qualquer outra forma de retribuição/remuneração — os RR não fizeram prova de que os valores que tiveram origem na sociedade de que o RR marido é sócio, não correspondem a montantes susceptíveis de tributação em sede de IRS.
III — Assim sendo, e porque o n° 3 do artigo 89°-A exige não só que seja feita a prova da origem dos valores que evidenciam o acréscimo patrimonial, mas igualmente que os valores por si declarados correspondem à realidade (e consequentemente, que dos valores cuja origem seja demonstrada, não são susceptíveis de alterar os rendimentos por si anteriormente declarados) deverá ser apreciado o requerimento de ampliação do objecto do recurso, no sentido de o douto Tribunal Superior se pronunciar sobre se entende que para ser considerada feita a prova exigida no n° 3 do artigo 89°-A da LGT, bastará demonstrar a origem da manifestação de fortuna, ou dos acréscimos de património ou de consumo evidenciados para afastar a tributação nos termos dos n°4 e 5 da LGT (sendo o n° 5 aquele que no presente recurso nos ocupa), ou se caberá igualmente aos sujeitos passivos demonstrar que — além de justificarem a origem das proveniências — as mesmas não seriam susceptíveis de integrar nenhuma das normas de incidência previstas no CIRS, e como tal os rendimentos por si declarados em sede de IRS correspondem integralmente à realidade, e não comportam qualquer omissão — prova que não foi feita pelos RR nos presentes autos, e como tal, o segmento A) da sentença proferida em 1ª instância é ilegal.
IV — Cingindo-se o recurso interposto à demonstração de que as transferências a título de “prestações suplementares de capital” não integram o conceito de “consumo” ou “acréscimo patrimonial” constantes na alínea f) do artigo 87° da LGT, denota-se que o mesmo se reconduz apenas à apreciação feita pelo tribunal “a quo” relativamente a uma nota final suscitada pelos RR no seu requerimento de recurso — e não à questão de fundo em causa nos autos — e dela depreendem que o julgador proferiu a decisão de indeferimento parcial da sua pretensão por assumir que as prestações suplementares de capital integram o conceito de “acréscimo patrimonial” ou de “consumo”, da alínea f) do artigo 87°.
V — Não pode porém ser ignorado pelo Tribunal “ad quem” que tanto o teor da alínea f) do artigo 87.º, como o n° 5 do artigo 89°-A da LGT se referem à possibilidade de avaliação indirecta apenas no caso de existir, por parte dos sujeitos passivos, a “evidenciação” de acréscimos patrimoniais, ou consumo — e, no caso dos autos, ainda que seja admissível que as prestações suplementares não integrem o conceito de acréscimo patrimonial, não pode ser negado que as mesmas “evidenciam” a existência de um acréscimo patrimonial.
VI — Decorrendo dos artigos 87° e 89°-A da LGT, que a avaliação indirecta tem como pressupostos a evidenciação de um acréscimo, resulta do teor da lei, que quando os administrados exteriorizem a existência de um incremento patrimonial não concordante com os rendimentos por si declarados para efeitos de tributação, há que apurar a origem dos mesmos, por forma a acautelar a possibilidade de estarmos perante uma situação de evasão fiscal.
VII — E, no caso presente, ao subscrever o capital da sociedade, e ao efectuar prestações suplementares, os RR demonstraram uma capacidade contributiva não congruente com os rendimentos por si declarados — razão pela qual há que apurar a origem dos ingressos patrimoniais que vieram a ser aplicados naquelas transferências para a esfera jurídica da sociedade.
VIII — Não se antevê por que forma a alínea f) será susceptível de estar ferida de inconstitucionalidade ao enquadrar uma situação — em que manifestamente exista divergência entre o rendimento declarado, e a exteriorização da capacidade contributiva ostentada pelos RR — num procedimento de avaliação indirecta da matéria colectável.
IX — O sistema mais lógico de assegurar a participação dos contribuintes na determinação do seu rendimento tributável, é garantir-lhes que, perante evidências da existência de rendimentos de origem desconhecida, mas que em abstracto serão susceptíveis de integrar uma ou mais das categorias de rendimentos sujeitas a tributação, serão chamados a pronunciar-se sobre a origem dos acréscimos evidenciados, mediante o mecanismo de inversão de ónus da prova, a fim de estes poderem afastar a presunção legalmente prevista (e, caso os sujeitos passivos queiram e possam afastar a dita presunção, facilmente a mesma será postergada, mantendo-se inalterável a situação tributaria dos contribuintes).
X — O que não será justo é admitir que haja contribuintes que — pese embora evidenciem ser detentores de capacidade contributiva, proveniente de rendimento susceptível de integrar categorias de rendimentos previstas no CIRS — por mecanismos de planeamento fiscal abusivo, ou outras práticas fiscalmente ilícitas, não venham a ser chamados à sua responsabilidade máxima de pagar impostos.
XI — E, se como constitucionalmente consagrado, o imposto sobre o rendimento pessoal, visa a diminuição das desigualdades, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar, outro não poderá ser o entendimento da jurisprudência, senão o de que é essencial à prossecução do interesse público, e à igualdade entre os cidadãos, que o IRS contemple a possibilidade de tributar rendimentos associados a incrementos patrimoniais de origem desconhecida, mas susceptíveis de tributação.
XII — O que se tributa é efectivamente o rendimento, não sendo o regime do n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT uma forma encapotada de tributar o património, ou a propriedade dos RR, mas tão somente os rendimentos por este obtidos, mas cuja origem não logrou demonstrar.
XIII — Igualmente a lei fiscal não pretende limitar a capitalização das empresas, porquanto não prevê a tributação de entradas de dinheiro para as sociedades — tal conclusão, retirada do teor da sentença recorrida, e que sustenta o argumento da suposta violação dos princípios da constituição fiscal, poderia eventualmente ser legítima, caso se pretendesse tributar a saída de dinheiro da esfera jurídica dos RR para a sociedade — mas sim os ingressos que terão ocorrido na esfera jurídica dos RR, e que lhe permitiram efectuar as atribuições patrimoniais que evidenciam tais ingressos.
XIV -A AT não está a lançar mão — através da alínea f) do artigo 87 — de um meio de tributação das atribuições patrimoniais feitas pelos sócios às sociedades — está, antes sim, a evitar que por via de um planeamento que vise contornar a norma de incidência constante do n° 4 do artigo 89.º-A, os contribuintes que assumam condutas que evidenciem a existência de sinais exteriores de riqueza (manifestações de fortuna) não contemplados na incidência daquele n 4, fiquem fora do âmbito de actuação da Administração Tributária (enquanto entidade competente para a prossecução do interesse público, mediante a liquidação dos impostos e cobrança das receitas devidas pelos administrados).
XV — Por este mecanismo introduzido pela Lei nº 55-B!2004 (alínea f) do artigo 8 e nº 5 do artigo 890-A), a tributação não incide sobre a exteriorização do acréscimo patrimonial, mas sobre o acréscimo patrimonial propriamente dito, consubstanciado no ingresso patrimonial ocorrido na esfera jurídica dos RR — evidenciado pelas atribuições feitas por estes à sociedade — e cuja origem e não sujeição a tributação estes não lograram demonstrar.
XVI — É assim patente que a sentença recorrida, ao determinar a improcedência parcial da pretensão dos RR, configura uma correcta aplicação do direito, porquanto admite verificado, não só os pressupostos para a avaliação indirecta da matéria tributável, nos termos da alínea E) do artigo 870, assim como, em decorrência de tal alínea, a inversão do ónus da prova, à luz do n.º 3 do artigo 77.º e do n.º 3 do artigo 89.º-A, e ainda, a não comprovação por parte dos RR da origem das importâncias aplicadas na realização das entradas de capital para a sociedade, quer a título de subscrição de capital, quer a título de prestações suplementares — o que legitima a aplicação do n 5 do mesmo artigo 89 — todos da LGT.
XVII — Posto isto, forçoso será concluir pela não violação dos mencionados princípios por parte dos normativos cuja ilegalidade e inconstitucionalidade foi suscitada, porquanto tal ilegalidade/inconstitucionalidade parte da interpretação que o julgador conferiu à letra da lei — interpretação essa, de carácter pessoal, e não integralmente consentânea com o teor dos normativos legais contendidos.
XVIII — Razões pelas quais, deverá o Douto Tribunal Superior reconhecer que, não ferindo o teor da lei (alínea f) do artigo 87° e n° 5 do artigo 89°-A da LGT), nos segmentos respeitantes à expressão “acréscimo patrimonial ou consumo evidenciado” qualquer violação de princípios estruturantes do ordenamento jurídico nacional, e porque in casu, tendo-se verificado os pressupostos da alínea 1) do artigo 87° da LGT, e não tendo os RR feito a prova exigida pelo n° 3 do artigo 89°-A da LGT (quer quanto à origem das importâncias, quer quanto à sua não sujeição a IRS) é legitima a decisão proferida pelo Director-Geral dos Impostos, que procedeu à fixação do rendimento tributável dos RR a enquadrar na Categoria G em €532.964,98.
3- Igualmente inconformados com o segmento do despacho interlocutório de fls. 166 e seguinte que lhes indeferiu um pedido de inquirição de testemunha e a realização de uma prova pericial, A… e mulher dele interpuseram recurso, que veio a ser admitido com efeito devolutivo e subida com o recurso interposto da decisão final (fls. 194), tendo formulado as seguintes conclusões:
01. Vem o presente recurso interposto do despacho de fls., datado de 12/4/2010, na parte em que o Tribunal a quo indeferiu “a inquirição da testemunha e a requerida prova pericial” — prova essa que havia sido indicada pelos alegantes na p.i. destes autos — estribando-se na parte final do n°3 do artigo 146°-B do CPPT.
02. Tal preceito foi já declarado inconstitucional pelo Ac. 646/2006 de 28/11/2006 “por violação dos artigos 20.º, n° 1, em conjugação com. o artigo .78°, n° 1, ambos da Lei Fundamental”, como, aliás, também já decidiu este STA que em sumário lavrado no Ac. 0135/09 de 19/03/2009 liminarmente consignou que “o art.° 146°-B, n° 3 do CPPT, na parte em que determina que os elementos de prova acompanhar a petição inicial, “devem revestir natureza documental”, é materialmente inconstitucional por violar o disposto no art.° 20°, n° 4 da CRP.”.
03. Ao indeferir a prova requerida, bastando-se com a documental, o Tribunal a quo praticou um acto que objectivamente restringe os meios de defesa dos recorrentes, violando o n.° 4 do artigo 20° da Constituição da República Portuguesa.
04. As excepções que contendem com matéria probatório hão de encontrar a sua justificação na teleologia do instituto substantivo em que estão em insertas (pois só assim se poderá admitir e controlar tal restrição ao artigo 200 da CRP) e não por força da natureza (adjectiva) do processo.
05. A prova documental, para além de ser, por natureza, insusceptível, de retratar a vida humana em todas as suas matizes, é propícia a aparentar factos de forma imperfeita, sustentando conclusões erradas e penalizantes — como sucede no caso dos autos.
06. A decisão que está na mira do presente recurso refere-se, em termos latos, e por isso dúbios, somente quanto à «demonstrabilidade” (assim posta na decisão em apreço com um sentido académico) dos factos alegados e dos quesitos formulados.
07. Todavia, e em homenagem aos Direitos Fundamentais em contenda, a exegese do n° 3 do artigo 146-8 do CPPT conforme à Constituição será aquela que apenas admite a prova de natureza testemunhal quando os factos em apreço apenas e efectivamente possam ser provados através de documentos.
08. Equivale isto por dizer que a Mmo. Juiz a quo apenas poderia ter indeferido a produção de prova requerida se esta não pusesse efectivamente em causa a “efectividade” da tutela jurisdicional.
09. Tal não corresponde à realidade dos presentes autos, nem tão pouco se retira ser esse o raciocínio que enformou a da fundamentação da decisão ora posta em crise, que se apresenta marcadamente formal.
10. Os alegantes, na prudente convicção de que os documentos oferecidos aos autos poderiam não se revelar suficientes para a prova dos factos alegados, decidiram, na p.i., socorrer-se dos meios de prova que tiveram por pertinentes e que em Direito são admissíveis.
11. Os recorrentes, no exercício do seu direito de defesa jurisdicional e ponderada a prova oferecida e a matéria alegada, consideraram avisado inquirir uma testemunha e requerer prova pericial que viesse aos autos esclarecer o sentido e alcance dos factos alegados e para os quais, concretamente, se venham a revelar insuficientes ou dúbios os meios de prova documentais juntos.
12. A decisão em apreço, ao postergar essa dimensão da tutela jurisdicional efectiva é, por si só, ilegal,
13. De todo o modo, sempre se diga que a fundamentação da decisão sob recurso lavra em erro, já que, ao contrário do que dela se alcança, da totalidade dos factos alegados na p.i. alguns há que não “são demonstráveis por prova documentar.
14. Os recorrentes alegaram factos são insusceptíveis de serem provados exclusivamente por via documental (vide, entre outros, artigo 27°, 28° e 70°).
15. Há elementos documentais que carecem de análise pericial para se aferir sobre a proveniência de montantes que foram considerados pela DOCI como manifestações de fortuna dos recorrentes, já que, tendo sido alegado erro de lançamento contabilístico dessas verbas a significar que as mesmas não provieram do património dos recorrentes, a própria Fazenda Pública considera que os documentos juntos pelos Recorrentes não são por si só aptos a comprovar o alegado.
16. A prova pericial é ainda a única forma de provar a existência de montantes aforrados pelos recorrentes cuja existência é alegada mas que apenas é parcialmente provada pelos elementos documentais que os recorrentes lograram obter.
17. A procedência da acção — verdadeira realização da justiça e efeito útil que os alegantes pretendem com a tutela jurisdicional — não fica assegurada se a decisão em recurso se mantiver na Ordem Jurídica.
18. Em suma, a demonstração dos factos que, no entendimento dos RR conduzem à defesa do seu direito ou interesse legalmente protegido não é passível de ser realizada exclusivamente por via documental, pelo que é apodíctico que a decisão a que, postergou o direito o direito consagrado no n° 1 do art° 20° da Lei Fundamental, pois que totalmente preclude uma apreciação e valoração de factos invocados como consubstanciadores da pretensão deduzida em juízo.
19. E assim sendo, como é, deverá a decisão em recurso ser revogada e substituída por outra que permita a produção de prova requerida, pois violou os invocados preceitos constitucionais, em especial o artigo 200 número 1 da CRP.
4- Contra-alegou a Fazenda Pública, concluindo do seguinte modo:
1) Contrariamente ao sustentado pelos Recorrentes nas suas conclusões de recurso, a decisão do Tribunal “a quo” que indeferiu a sua pretensão de produção de prova testemunhal e pericial, não teve como fundamento a parte final do n° 3 do artigo l46-B do CPPT.
II) Tal ilação, que fundamenta o presente recurso, carece de fundamento, porquanto é aferida fora do contexto em que se insere o despacho recorrido.
III) Despacho esse que fundamenta o indeferimento da pretensão dos Recorrentes, por entender que todos os factos relevantes para a decisão final sobre o pleito são demonstráveis mediante prova documental e, tendo a mesma — que os Recorrentes entenderam por bem juntar aos autos — acompanhado a sua petição inicial — em cumprimento, aliás, do n 3 do artigo 146-B do CPPT — não se afigura, em concreto, necessária a produção de qualquer prova adicional.
IV) Encontra-se na disponibilidade das partes a junção da prova que entendem relevante para a decisão do pleito. Todavia, é ao julgador que assiste o poder de livremente decidir sobre a admissão e a preparação das diligências probatórias, requeridas pelas partes.
V) A oportunidade de admissão dos meios de prova a produzir é, no direito tributário, concretamente ponderada pelo julgador, que poderá ou não dispensar a produção de prova que entenda, segundo um juízo de prognose sobre a necessidade e oportunidade da mesma (cf. Artigo 13 do CPPT)
VI) Como escreve Jorge Sousa, in CPPT anotado, 5. edição, Vol. 1, pág. 168 e 169, “é o critério do juiz que prevalece no que concerne a determinar quais as diligências que são úteis para o apuramento da verdade, sendo inevitável em tal determinação uma componente subjectiva, ligada à convicção do juiz”.
VII) No caso vertente, o julgador entendeu que os factos sub judice são demonstráveis por prova documental, e que a mesma foi já oportunamente junta aos autos pelos Recorrentes.
VIII) E, pese embora os Recorrentes defendam ter alegado factos insusceptíveis de ser provados exclusivamente por via documental (cf. ponto 14. das suas conclusões, que se reporta aos artigos 27, 280 e 70 da sua petição inicial de recurso), a verdade é que os mesmos, não são essenciais à descoberta da verdade material.
IX) E o mesmo se diga relativamente à pretensa essencialidade da prova pericial, tendente a demonstrar a existência de aforro — a existência de aforro demonstrava-se, nomeadamente, se os Recorrentes apresentassem os seus extractos bancários respeitantes ao ano de 2005, o que não fizeram.
X) Assim, todos os factos essenciais à descoberta da verdade são passíveis de comprovação documental — prova directa - não podendo a mesma ser afastada pela tentativa de demonstrar mediante prova indirecta.
XI) Razão pela qual é plenamente válida a decisão propalada no despacho colocado em crise pelos Recorrentes, que assim deve ser mantida.
5- O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
“1. Nos presentes autos foram interpostos dois recursos: o recurso interlocutório de fls. 179, que incidiu sobre o despacho de fls. 167 (indeferindo a prova testemunhal e a prova pericial) e o recurso de fls. 235, interposto da sentença de fls. 198 e segs.
Por sua vez a entidade recorrida — DGI — veio pedir a ampliação do objecto do recurso de fls. 235, sobre determinados pontos da matéria de facto, fundando a sua divergência com a decisão recorrida sobre a questão factual da comprovação, exigida pelo art.º 89-A, n.º 3 da Lei Geral Tributária, de que correspondem à realidade os rendimentos declarados pelo sujeito passivo e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada.
Também na conclusão 9.ª do recurso de fls. 235 os recorrentes vêm pôr em causa os juízos de apreciação da prova feitos pelo Tribunal recorrido.
Afigura-se-nos, pois, que quer o recurso interposto da sentença final quer, sobretudo, o pedido de ampliação do objecto do recurso provocam a necessidade de dirimir questões de facto, pelo que este Supremo Tribunal Administrativo seria incompetente, em razão da hierarquia para conhecer de ambos — ver neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.04.2010, recurso 189/10 e de 12.11.2009, recurso 842/09, ambos in www.dgstpt.
Mas se assim é em relação àqueles recursos, o mesmo não se poderá dizer quanto ao recurso interlocutório de fls. 179, que versa exclusivamente questões de direito, e que poderá ter consequências sobre todo o processado posterior, incluindo a sentença recorrida.
2. Importa, pois, em primeiro lugar, emitir pronúncia sobre o recurso de fls. 179, recurso este que tem por objecto o despacho de fls. 167 que indeferiu a inquirição de uma testemunha e a prova pericial atento o disposto no art. 146-B, n.º 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário.
A questão objecto do referido recurso é a inconstitucionalidade dos art. 146.º-B, n 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário por ofensa do art. 2.º, n 4 da CRP, que consagra o direito a um processo equitativo.
Alegam os recorrentes que a demonstração de factos que no seu entender conduzem à defesa do seu direito não é passível de ser realizada exclusivamente por via documental, nomeadamente os factos alegados nos arts. 27, 28 e 70, pelo que foi postergado o direito consagrado no art.º 20, n.º 1 da Constituição da República.
Afigura-se-nos que o recurso deve proceder.
Como foi decidido pelo Tribunal Constitucional (Acórdão 646/06 de 28, de Novembro de 2006) a limitação decorrente da parte final do art.º 146-B n.º 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário é de considerar como conflituante com a Lei Fundamental, enquanto se reporta à exclusão da prova testemunhal, nomeadamente por contender com o direito à tutela judicial efectiva consagrado no art. 20.º da CRP.
Na verdade, sublinha-se naquele aresto do Tribunal Constitucional, «são cogitáveis situações em que, ( ) a demonstração de que as «manifestações de fortuna» não produziram rendimentos diversos daqueles que foram trazidos às declarações se não alcança unicamente (ou, mais propriamente, não se pode alguma vez atingir) através de meios documentais, carecendo-se de prova testemunhal »
Também neste sentido se pronunciou, para além do acórdão 135/09 citado pelo recorrente, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.11.2007, recurso 590/07:
«O n.º 3 do artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na parte em que determina que os elementos de prova, a acompanhar a petição, “devem revestir natureza documental”, viola o direito a um processo equitativo (artigo 20., nº 4, da Constituição da República), se a prova documental for insuficiente para o contribuinte demonstrar os factos que, na sua perspectiva, suportam o direito ou o interesse que visa defender com recurso ao tribunal».
E essa parece-me ser também a hipótese do caso sub judice já que, nos termos do art. 89.º-A, n2 3, da Lei Geral Tributária, cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, nomeadamente herança ou doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito.
Sendo que no caso os recorrentes alegaram factos para os quais se podem revelar insuficientes ou dúbios os meios de prova documentais juntos (nomeadamente os referidos nos arts. 26.º a 28.º e 70.º a 73.º)
Assim, e como bem se refere nas alegações de recurso, a demonstração dos factos que conduzem à defesa do direito dos recorrentes não é passível de ser realizada exclusivamente pela via documental, pelo que a decisão recorrida incorre na violação do referido normativo constitucional.
Deve pois proceder o recurso de fls. 179, julgando-se nulo o despacho recorrido, por aplicação de norma inconstitucional, e bem assim o processado subsequente, devendo o mesmo ser substituído por outro que não rejeite a requerida prova com aquele fundamento.
Ficará desta forma prejudicado o conhecimento do recurso de fls. 235, interposto da sentença de fls. 198 e segs, bem do pedido de ampliação do objecto do recurso.”
Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir.
6- Importa começar pelo conhecimento do recurso interposto do despacho interlocutório acima referido, uma vez que o seu eventual provimento prejudica necessariamente a apreciação do recurso interposto da sentença final.
Vejamos, então.
O despacho sob recurso vem impugnado no segmento cujo teor é o seguinte:
“Os recorrentes arrolaram uma testemunha e requereram a realização de prova pericial. - - -
Porém, os factos alegados na petição inicial e os quesitos constantes do requerimento da prova pericial são demonstráveis por prova documental, de resto já junta pelos recorrentes. - - -
Pelo exposto, e atento o disposto no art. 146.° - B, n.° 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), indefere-se a inquirição da testemunha e a requerida prova pericial. - - -
#) Notifique. - - -“
A questão fulcral que cumpre conhecer no presente recurso consiste em apurar da conformidade constitucional do n.º 3 do artigo 146.º-B do CPPT, quando aplicado por força do artigo 89.º-A, n.º 8 da Lei Geral Tributária, ao restringir à prova documental os meios de prova admissíveis, por ofensa do n.º 4 do artigo 20.º da CRP, que consagra o direito a um processo equitativo.
A questão acima delineada tem obtido uma resposta neste STA no sentido da inconstitucionalidade do normativo em causa (acórdãos de 7/11/07 e 19/03/09, nos recursos n.ºs 590/07 e 135/09), no mesmo sentido se tendo pronunciado o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 646/06, de 28 de Novembro de 2006.
Também é esse o nosso entendimento.
Na verdade, como se deixou expresso no citado aresto do TC “enquanto a administração está vinculada à prossecução de finalidades estabelecidas, o legislador pode determinar, dentro do quadro constitucional, a finalidade visada com uma determinada medida. Por outro lado, é sabido que a determinação da relação entre uma determinada medida, ou as suas alternativas, e o grau de consecução de um determinado objectivo envolve, por vezes, avaliações complexas, no próprio plano empírico (social e económico). E de tal avaliação complexa que pode, porém, depender a resposta à questão de saber se uma medida é adequada a determinada finalidade
Ora, não pode deixar de reconhecer-se ao legislador — diversamente da administração —, legitimado para tomar as medidas em questão e determinar as suas finalidades, uma ‘prerrogativa de avaliação’, como que um crédito de confiança’, na apreciação, por vezes difícil e complexa, das relações empíricas entre o estado que é criado através de uma determinada medida e aquele que dela resulta e que considera correspondente, em maior ou menor medida, à consecução dos objectivos visados com a medida
Contra isto não vale, evidentemente, o argumento de que, perante o caso concreto, e à luz do princípio da proporcionalidade, ou existe violação — ou não existe e a norma é constitucionalmente conforme. Tal objecção, segundo a qual apenas poderia existir uma ‘resposta certa’ do legislador, conduz a eliminar a liberdade de conformação legislativa, por lhe escapar o essencial: a própria verificação jurisdicional da existência de uma inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade por uma determinada norma, depende justamente de se poder detectar um erro manifesto de apreciação da relação entre a medida e os seus efeitos, pois aquém desse erro deve deixar-se na competência do legislador a avaliação de tal relação, social e economicamente complexa.
(...)
Ora, são cogitáveis situações em que, no que ora importa... se não alcança unicamente (ou, mais propriamente, não se pode alguma vez atingir) através de meios documentais, carecendo-se de prova testemunhal e, obviamente, nos casos em que esta seja admissível nos termos gerais de direito.
Nessas situações, perante a determinação ínsita na norma em causa, o interessado, perante uma, então, manifesta e, quiçá, insuperável, dificuldade em alcançar o objecto probandi, ver-se-ia postado numa impossibilidade de demonstrar os factos que suportavam os seus direitos ou interesses.
Essa limitação, que, em tais situações, redunda numa absoluta constrição de quanto à utilização desse específico meio de prova, não se revela ponderada e adequada em face do direito fundamental que deflui do n° 1 do artigo 200 da Constituição.
O direito à tutela judicial efectiva, como vincam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Y’ edição, 163) “sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á, sobretudo, quando a não observância ... de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu alegar [e, acrescentar-se-á agora, de provar], daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses.
Também Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo 1, 190) referem que, muito embora disponha o legislador de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, não sendo incompatível com a tutela jurisdicional a imposição de determinados ónus processuais às «partes», o que é certo é que o direito ao processo inculca que “os regimes adjectivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando, portanto, o legislador autorizado, nos termos dos artigos 13.° e 18.°, n.°s 2 e 3, a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva”.
Neste circunstancialismo, e perante situações em que, face ao normativamente consagrado, a demonstração dos factos
— que, no entendimento da «parte», conduzam à defesa do seu direito ou interesse legalmente protegido
— não é possível, de todo, deixar de fazer-se através de prova testemunhal, desde que, repete-se, essa seja, nos termos gerais legalmente admissível, claramente que vai ficar afectada aquela defesa, porventura tomando inviável ou inexequível o direito de acesso aos tribunais.
E, nesse contexto, a solução legislativa que isso consagre não pode deixar de considerar-se como desproporcionada e afectadora do direito consagrado no n° 1 do art° 20° da Lei Fundamental, pois que totalmente preclude uma apreciação e valoração dos factos invocados como consubstanciadores da pretensão deduzida em juízo”.
Neste mesmo sentido se conclui no mencionado acórdão de 7/11/07 que “ O n.° 3 do artigo 146.°-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na parte em que determina que os elementos de prova, a acompanhar a petição, “devem revestir natureza documental”, viola o direito a um processo equitativo (artigo 20.°, n.° 4, da Constituição da República), se a prova documental for insuficiente para o contribuinte demonstrar os factos que, na sua perspectiva, suportam o direito ou o interesse que visa defender com recurso ao tribunal”.
Ora, no caso que nos ocupa, os recorrentes afirmam ter alegado factos que são insusceptíveis de serem provados por via exclusivamente documental (14. das conclusões), contendendo com a demonstração dos montantes que a DGCI considerou como manifestações fortuna, sendo ainda a prova pericial a única forma de provar a existência desses montantes aforrados por si, “cuja existência é alegada mas apenas parcialmente provados pelos elementos documentais que os recorrentes lograram obter (16. das conclusões).
Como parece manifesto não é de excluir liminarmente a possibilidade dos recorrentes virem a demonstrar a veracidade do que alegam, nomeadamente, nos artigos 26.º a 28 e 70.º a 73 da petição inicial através da inquirição da testemunha e da realização da prova pericial que requereram.
Neste contexto, por desconformidade constitucional, mormente com o princípio do direito a um processo equitativo, não será de aplicar o disposto no n.º 3 do artigo 146.º-B do CPPT ao restringir à prova documental os meios de prova admissíveis.
Daí que o despacho sob recurso não possa ser mantido, dessa forma ficando prejudicado o conhecimento do recurso interposto da sentença.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se, em consequência, o despacho de fls. 166 e seguinte na parte em que se indefere a inquirição da testemunha e a realização da requerida prova pericial, que deve ser substituída por outro que os admita, anulando-se ainda todo o processado subsequente.
Custas a cargo da recorrida Fazenda Pública, por ter contra-alegado, fixando-se a procuradoria em 1/8.
Lisboa, 14 de Julho de 2010. – Miranda de Pacheco (relator) – Pimenta do Vale – Jorge Lino.