Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01019/19.3BELSB
Data do Acordão:09/10/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
INTIMAÇÃO PARA ENTREGA DE CERTIDÃO
ACESSO À INFORMAÇÃO
REGISTO CIVIL
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista dado estar em discussão quaestiones juris envolvendo a definição e a delimitação do âmbito de aplicação da Lei n.º 26/2016 [vulgo LADA], in casu a sua aplicação ao acesso a documentos notariais e registrais e a documentos de identificação civil e criminal, bem como quanto à natureza ou não gratuita de que reveste tal acesso/obtenção, questões que revestem de importância fundamental pela sua relevância jurídica e social.
Nº Convencional:JSTA000P26285
Nº do Documento:SA12020091001019/19
Data de Entrada:07/03/2020
Recorrente:INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO - IP
Recorrido 1:A........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


1. «INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO, IP» [IRN, IP], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 16.04.2020 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] [cfr. fls. 196/212 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso que o mesmo havia dirigido à sentença que o intimou «a enviar ao Autor, por correio eletrónico duplicado eletrónico da cópia eletrónica, arquivada na sua base de dados, do processo de transcrição de nascimento n.º 50221 P/2010, no prazo de cinco dias» proferida pelo Tribunal Administrativo de Fiscal de Castelo Branco [doravante TAF/CB] nos autos de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões contra si deduzido por A………, devidamente identificado nos autos.

2. Motiva a admissão do recurso de revista [cfr. fls. 221/230] na relevância jurídica do objeto de litígio e, bem assim, a necessidade de «uma melhor aplicação do direito», enunciando como questões a apreciar e que se mostram incorretamente julgadas a aplicação feita no acórdão sob recurso do disposto nos arts. 01.º, n.º 4, al. c), da Lei n.º 26/2016, de 22.08 [diploma que regula o acesso aos documentos administrativos e à informação administrativa, incluindo em matéria ambiental] [vulgo LADA], 21.º, n.º 6, do DL n.º 135/99, de 22.04, 01.º a 05.º, 08.º e 10.º todos do DL n.º 322-A/2001, de 14.12 [respeitante ao Regulamento Emolumentar dos Registos e do Notariado (RERN)], já que, por um lado, a LADA não tem aplicação ao acesso a documentos notariais e registrais e a documentos de identificação civil e criminal, e, por outro lado, o art. 21.º, n.º 6, do DL n.º 135/99 reporta-se tão-só ao envio da documentação/certidão e não à sua produção, sendo que da aplicação do RERN não deriva a natureza gratuita do envio da cópia pretendida.

3. Não foram produzidas contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 231 e segs.].
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. Como vimos o TAF/CB decidiu intimar o R. «a enviar ao Autor, por correio eletrónico duplicado eletrónico da cópia eletrónica, arquivada na sua base de dados, do processo de transcrição de nascimento n.º 50221 P/2010, no prazo de cinco dias» [cfr. fls. 137/142], sendo que dessa decisão o aqui Recorrente, inconformado, interpôs recurso jurisdicional dirigido ao TCA/S o qual confirmou tal decisão para o efeito sustentando do disposto na al. c) do n.º 4 do art. 01.º da LADA não deriva que «esteja excluída a aplicação da LADA ao acesso a este tipo de documentação, mas apenas que se aplica prioritariamente o disposto em legislação específica», para além de que «pela reprodução realizada por meio eletrónico, designadamente envio por correio eletrónico, não é devida qualquer taxa, cf. artigo 14.º, n.º 1, al. d), da LADA, normativo que, conjugado com os já invocados artigos 21.º, n.ºs 1 e 6, do Decreto-Lei n.º 135/99 (…), 13.º, n.º 1, al. a), e n.º 4, da LADA, leva inelutavelmente à conclusão de que o autor/recorrido tem direito à satisfação do seu pedido, envio da informação pretendida através de correio eletrónico e de forma gratuita».

7. Presentes as quaestiones juris em discussão nos autos e que se mostram colocadas na presente revista, envolvendo a definição e a delimitação do âmbito de aplicação da LADA, in casu a sua aplicação ao acesso a documentos notariais e registrais e a documentos de identificação civil e criminal, bem como quanto à natureza ou não gratuita de que reveste tal acesso/obtenção, temos que as mesmas revestem de importância fundamental pela sua relevância jurídica e social.

8. Com efeito, as mesmas envolvem análise de questões de algum melindre e complexidade/dificuldade, e que aportam implicações não só em termos do exercício do direito de acesso e de reutilização dos documentos administrativos e dos seus eventuais custos, mas, também, daquilo que é a sua repercussão no trabalho dos diversos serviços [centrais, de registo civil e de nacionalidade] e no próprio orçamento do aqui recorrente, constituindo temáticas cuja elucidação assume relevo jurídico e social e que são suscetíveis de serem repetidas e recolocadas em casos futuros.

9. Flui do exposto a necessária a intervenção deste Supremo Tribunal, e daí que se justifique a admissão da revista.


DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas.
D.N..
Lisboa, 10 de setembro de 2020
[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Conselheiros Jorge Artur Madeira dos Santos e José Augusto Araújo Veloso]
Carlos Luís Medeiros de Carvalho