Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0826/07.4BEPRT
Data do Acordão:01/08/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:OPOSIÇÃO
PRESCRIÇÃO
Sumário:I - O artigo 297.º, n.º 1, parte final, do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que falta menos tempo para o prazo se completar segundo a lei antiga quando, considerando o tempo em concreto decorrido e o tempo que em abstrato importa decorrer, este último seja mais curto do que o prazo estabelecido pela lei nova.
II - A ocorrência de um facto que inutilizou o prazo de prescrição decorrido no âmbito da lei antiga e que, à data da entrada em vigor da lei nova, ainda não tinha voltado a correr, implica a aplicação do prazo de prescrição da lei nova, contado da sua entrada em vigor, se este for o mais curto.
III - Os efeitos jurídicos dos factos são determinados pela lei vigente no momento em que ocorrem – n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.
IV - Tem efeito interruptivo da prescrição a citação do executado a que a lei em vigor à data atribui esse efeito, ainda que a execução respetiva tenha sido instaurada quando a lei não o atribuía.
V - Tem efeito interruptivo da prescrição a citação pessoal, se a citação postal efetuada anteriormente é meramente provisória e não dispensa a citação ulterior, definitiva.
Nº Convencional:JSTA000P25386
Nº do Documento:SA2202001080826/07
Data de Entrada:05/16/2019
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. Relatório

1.1. A…………, LDA., pessoa coletiva n.º ………, com sede na Rua ……….., n.º ….., ……, 4470-….. Maia, recorreu da sentença da Mm.ª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto na parte em que julgou improcedente a oposição à execução fiscal n.1805199601020072 e apensos, que o Serviço de Finanças da Maia 1 lhe moveu para cobrança coerciva de dívidas fiscais de diversas proveniências, no montante total de € 164.649,61.

Recurso este que foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificado da sua admissão, apresentou alegações, que rematou com as seguintes conclusões: «(…)

1. Nos processos nº.s 1805199801024469 – dívidas de IRS dos anos de 1991, 1992, 1993, 1994, 1995 e 1996 – e 1085199801023853 – dívida de IVA de 1997 ocorre a prescrição.

2. No processo 1805199801024469, tratando-se de um imposto periódico a prescrição começa a contar a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.

3. O PEF em causa foi instaurado em 17/04/1998.

4. A Recorrente aderiu ao Decreto-Lei n.º 124/96 (Plano Mateus) tendo obtido despacho de deferimento em 11/04/1997.

5. Tendo sido excluída desse plano de regularização de dívida em 29/06/2005.

6. A sentença em causa foi proferida em 21/11/2018.

7. O prazo de prescrição a aplicar ao caso é o prazo de 8 anos da LGT, dado que à data da entrada em vigor da LGT (1/01/1999) faltavam mais de 8 anos para a prescrição se completar.

8. O termo inicial do prazo prescricional desta obrigação tributária ocorreu em 31/12/1996 e foi interrompido em 17/04/1998 com a instauração da execução, o que provocou a eliminação de todo o tempo até aí decorrido.

9. Esse efeito interruptivo não cessou até à data da entrada em vigor da LGT, em 1/01/1999, já que a acção executiva não esteve até então parada mais de um ano por facto imputável à Recorrente face à adesão ao Plano Mateus, que suspendeu o prazo de prescrição.

10. Posteriormente à cessação da suspensão da prescrição, que ocorreu em 29/06/2005 (data do despacho de exclusão do Plano Mateus), deverá ter-se em conta o período de 1 ano, convertendo-se em suspensivo o efeito interruptivo da prescrição, de acordo com o disposto no nº. 2 do artigo 49º da LGT, na sua versão originária, entretanto revogado.

11. Assim, em 29/06/2006 completou-se um ano em que o processo esteve parado por facto não imputável à Recorrente.

12. Desde 29/06/2006 até à data da prolação da sentença já haviam decorrido 4526 dias, ou seja, 12 anos e 4 meses.

13. Sendo que não se atende à citação, no caso, como facto interruptivo do prazo prescricional, nos termos da redação originária da norma da LGT.

14. Sendo o prazo a aplicar o da LGT, a instauração da execução e a sua pendência, só por si, não terão qualquer efeito sobre o prazo da prescrição, pois todo o prazo a considerar decorrerá na vigência da lei nova.

15. Pelo que ocorre erro aplicação do direito quando a sentença recorrida entende a citação da Recorrente como facto interruptivo do prazo prescricional.

16. Mas ainda que se entenda que o prazo de prescrição a aplicar é o do CPT, 10 anos, também nesse caso a dívida estaria prescrita, considerando tudo o acima alegado.

17. No processo n.º 1805199801023853, relativo a dívida de IVA do período de Dezembro de 1997, considerando que se trata de um imposto de obrigação única, a prescrição começa a contar de 01/01/1998.

18. O PEF em causa foi instaurado em 03/04/1998.

19. Por esta dívida foi enviada citação por via postal registada em 4/01/1999.

20. A citação postal só ocorreu em 4/01/1999, sendo que o processo esteve parado por facto não imputável à Recorrente durante 1 ano e 3 dias.

21. Pelo que, fazendo apelo ao que já se disse quanto à sucessão da lei no tempo, o prazo de prescrição a atender seria o da LGT, de 8 anos.

22. Porque à data em vigor da LGT faltavam mais de 8 anos para a prescrição se completar.

23. Este processo foi remetido ao Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia no âmbito do processo de recuperação de empresas, tendo este encerrado em 24/11/1999.

24. Pelo que se deverá ter em atenção o período de 1 ano, convertendo-se em suspensivo o efeito interruptivo da prescrição, de acordo com o disposto no nº. 2 do artigo 49º da LGT, entretanto revogado.

25. Assim, mesmo nessa hipótese, em 24/11/2000 completou-se um ano em que o processo esteve parado por facto não imputável à Recorrente.

26. Pelo que nos termos do já referido nº. 2 do artigo 49º da LGT tal paragem do processo fez cessar o efeito interruptivo.

27. A sentença em causa foi proferida em 21/11/2018.

28. Pelo que à data da prolação da mesma já haviam decorrido 6570, ou seja, 18 anos.

29. Mas mesmo que se entenda que o prazo prescricional no caso é de 10 anos, a dívida de IVA está, em todo o caso, prescrita.

30. Ou seja, num ou noutro entendimento, em todos os processos a dívida exequenda encontra-se prescrita, pelo que a execução deve ser declarada extinta.».

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.2. Recebidos os autos neste tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.



2. Das questões a decidir

A questão fundamental a decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir – tomando por base a factualidade dada como assente – que as dívidas de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares dos anos de 1991 a 1996, cobradas na execução fiscal n.º 1805199801024469, e as dívidas de imposto sobre o valor acrescentado dos períodos de outubro a dezembro de 1997, cobradas na execução fiscal n.º 1805199801023853, não se encontram prescritas.

Confrontando o discurso fundamentador da sentença com o das alegações de recurso, verifica-se que o desacordo da RECORRENTE com o teor daquela se centra em duas questões de direito: a de saber se é aplicável o prazo de prescrição da lei nova (cfr. a 7.ª e a 21.ª conclusões) e a de saber se a citação é facto interruptivo do prazo prescricional (cfr. 15.ª conclusão).



3. Dos fundamentos de facto

Na douta sentença recorrida foram julgados provados os seguintes factos:

1. Foi instaurado no Serviço de Finanças de Maia 1, o processo de execução fiscal (PEF) n.º 18051199601020072 e apensos, respeitante a dívidas de IVA, IRS e coimas entre os anos de 1991 a 2006, no valor global de quantia exequenda de € 132.070,51 – cfr. Certidão de dívida e fls 3 a 31 e informação de fls 34 dos autos;

2. Dá-se por reproduzida a informação prestada a fls 34 dos autos que aqui se transcreve:

“(…)
I. O processo de execução fiscal 1805199601020072 foi instaurado em 27.5.1996 e respeita a coimas fiscais aplicadas em 28.9.1995 e 22.11.1995.
Foi enviada citação por via postal em 24.6.1996.
Em 4.7.1996, a executada solicitou o pagamento da divida em prestações.
Em 9.9.1996 foi proferido despacho de deferimento do pedido de pagamento prestacional.
Em 12.9.1996 foi a executada notificada do referido despacho. Não cumpriu.
2. O Processo 1805199701051938 foi instaurado em 30.9.1997 e respeita a coima fiscal aplicada em 11.8.1997.
3. O Processo 1805199801023853 foi instaurado em 30.4.1998 e respeita a IVA do período 9712. Para esta dívida foi enviada citação por via postal registado em 4.1.1999.
4. O processo 1805199801024469 foi instaurado em 17.4.1998 e respeita a IRS de 1991 a 1996.
5. O processo 1805199801036351 foi instaurado em 30.9.1998 e respeita a coimas fiscais aplicadas em 13.8.1998.
6. O processo 1805200101022946 foi instaurado em 30.7.2001 e respeita a IVA relativo aos períodos 0010 a 0012.
Para esta divida foi enviada citação via postal registado em 8.7.2004.
7. O processo 1805200101049836 foi instaurado em 18.12.2011 e respeita a coima fiscal aplicada em 19.6.1998.
Em 17.9.2004 foi enviada citação via postal registado,
8. O processo 1805200101049844 foi instaurado em 18.12.2001 e respeita a coima fiscal aplicada em 18.11.1999.
Em 17.9.2004 foi enviada citação via postal registado.
9. O processo 1805200201502689 foi instaurado em 2.12.2002 e respeita a IVA relativa ao período 0112T.
Foi enviada citação via postal em 28.3.2003.
10. O processo 1805200201528084 foi instaurado em 15.11.2002 e respeita a Contribuição Autárquica de 2001. 11.O processo 1805200401063146 foi instaurado em 29.7.2004 e respeita a IRC de 2002.
Foi enviada citação via postal em 27.8.2004.
12. O processo 1805200601014900 foi instaurado em 17.3.2006 e respeita a coima fiscal de 2005.
Foi enviada citação via postal em 20.3.2006.
13. O processo 1805200601016911 foi instaurado em 18.3.2006 respeita a coima fiscal de 2005.
Foi enviada citação via postal em 22.3.2006.
14. Mais se informa que em 1997 deu entrada no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, processo de Recuperação de Empresas, o qual teve despacho de conclusão em 24.11.1999.

(…)”.

3. Em 29-01-2009 foi proferido despacho a reconhecer a prescrição pelo Chefe de Serviço de Finanças de Maia 1 relativo aos seguintes dos PEFs, referindo-se que a prescrição ocorreu em 18-12-2006:

- 1805199801036351;
- 1805199701051938;
- 1805200101049844;
- 1805200101049836;
- 1805199601020072;

- Documento junto a fls 105 e seguintes dos autos;

4. Relativamente aos seguintes PEF.S, que ora se transcrevem não foi proferido qualquer despacho de reconhecimento de prescrição:

“(…)
2- PEF1805199801023853, processo instaurado em 1998-04-30, por dívidas de IVA do ano de 1997, num total de duas certidões de divida no valor de € 2.519,12; Este processo foi remetido ao Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia no âmbito do processo de recuperação de empresa, nos termos do art2. 282 do CPEREF, tendo este encerrado em 1999-11-24. O executado foi citado pessoalmente em 2007-02-13.
Assim, o processo no valor actual de € 116,30, não está prescrito:
3- PEF1805199801024469, processo instaurado em 1998-04-17, por dívidas de IRS dos anos de 1991 a 1996, num total de sete certidões de divida no valor de € 115.213,97; o executado aderiu ao DL124/96 com estas dívidas, tendo obtido despacho de deferimento, notificado em 11/04/1997;
Foi excluído do plano através de despacho de 29-06-2005. O executado foi citado pessoalmente em 2007-02-13.
Assim, o processo no valor actual de € 166.492,58, não está prescrito;
4- PEF1805200101022946; processo instaurado em 2001-07-30, por dívidas de IVA do ano 2000, num total de três certidões de dívida no valor de € 26.512,43; o executado foi citado pessoalmente em 2007-02-13. Assim, o processo no valor actual de € 26.512,43, não está prescrito:
5- PEF1805200201502689; processo instaurado em 2002-10-02, por dívidas de IVA do ano 2001, no valor de € 16.439,06; o executado foi citado pessoalmente em 2007-02-13. Assim, o processo no valor actual de € 23.866,10, não está prescrito;
6- PEF1805200201528084; processo instaurado em 2002-11-15, por dívidas de CA do ano 2001, no valor de € 119,45; o executado foi citado pessoalmente em 2007-02-13. Assim, o processo no valor actual de € 173,24, não está prescrito;
7- PEF1805200401063146; processo instaurado em 2004-07-29, por dívidas de IRC do ano 2002, no valor de € 100,42; 0 executado foi citado pessoalmente em 2007-02-13. Assim, 0 processo no valor actual de € 144,49, não está prescrito;
8- PEF1805200601014900; processo instaurado em 2006-03-17, por dívidas de Coimas, no valor de € 79,65; 0 executado foi citado pessoalmente em 2007-02-13. Assim, o processo no valor actual de € 121,56, não está prescrito;
9- PEF1805200601016911; processo instaurado em 2006-03-18, por dívidas de Coimas, no valor de € 7:17.02; o executado foi citado pessoalmente em 2007-02-13.
Assim, o processo no valor actual de € 121,56, não está prescrito:

- cfr informação dos autos a fls 99;

5. Dá-se por reproduzida a informação prestada a fls 147 dos autos, que aqui se transcreve:
“(…)
1- PEF1805199801023853, este processo foi remetido ao Tribunal de Comercio de Vila Nova de Gaia no âmbito do processo de recuperação de empresa nos termos de artº 28 do CPEREF, tendo este encerrado em 1999-11-24. O Executado foi citado pessoalmente em 2007-02-13.
2- PEF1805199801024469, o executado aderiu ao DL124/96, tendo obtido despacho de deferimento, notificado em 11/04/1997; foi excluído do plano através de 29-06-2005. O Executado foi citado pessoalmente em 2007-02-13.
3- PEF1805200101022946, o executado foi citado pessoalmente em 2007-02-13.
4- PEF1805200201502689, o executado foi citado pessoalmente em 2007-02-13.
5- PEF1805200201528084, o executado foi citado pessoalmente em 2007-02-13.
6- PEF1805200401063146, o executado foi citado pessoalmente em 2007-02-13.
7- PEF1805200601014900, o executado foi citado pessoalmente em 2007-02-13.
8- PEF1805200601016911, o executado foi citado pessoalmente em 2007-02-13.
(…)”

6. A presente Oposição deu entrada no Serviço de Maia 1, em 21-03-2007 - cfr. fls. 1 dos autos.



4. Dos fundamentos de Direito

4.1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença da Mm.ª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na parte em que julgou não prescritas as dívidas de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares dos anos de 1991 a 1996 e de imposto sobre o valor acrescentado do último trimestre de 1997 e, em consequência, improcedente a oposição às execuções fiscais respetivas.

Com o assim decidido não se conforma a RECORRENTE por entender que o tribunal de primeira instância fez errada interpretação da lei aplicável e que da correta interpretação das disposições legais respetivas deriva que a dívida exequenda se encontra prescrita.

A RECORRENTE não deu cabal cumprimento ao ónus que sobre si recaía de indicar as normas jurídicas violadas e o sentido em que deviam ser interpretadas e aplicadas – cfr. o artigo 639.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Deriva, no entanto, do confronto entre o discurso fundamentador da sentença recorrida e do teor das alegações de recurso que o que está em causa é a interpretação e aplicação de regras sobre a aplicação da lei no tempo.

Concretizando:

Na sentença recorrida entendeu-se que era aplicável o prazo de prescrição de 10 anos a que alude o artigo 34.º do Código de Processo Tributário, para a dívida mais antiga (IRS 1991) de harmonia com o regime prescrito no artigo 297.º, n.º 1 do Código Civil. Porque o contou desde 1 de janeiro de 1992, isto é, sem considerar para a determinação da lei aplicável quaisquer factos interruptivos ou suspensivos (incluindo a instauração da execução respetiva e a adesão ao denominado “Plano Mateus”).

A RECORRENTE entende que é aplicável o prazo de prescrição de 8 anos a que alude o artigo 48.º da Lei Geral Tributária, para todas as dívidas em causa e de harmonia com o mesmo dispositivo legal (o artigo 297.º, n.º 1 do Código Civil). Porque considerou que a instauração das execuções respetivas eliminou todo o tempo decorrido anteriormente e a adesão ao “Plano Mateus” impediu que voltasse a correr. E que, por conseguinte, à data da entrada em vigor da Lei Geral Tributária faltavam mais de oito anos para a prescrição se completar.

A primeira questão de direito a decidir é, por isso, a de saber se o artigo 297.º, n.º 1, do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que deve ser considerado para a determinação da lei aplicável o prazo estabelecido na lei (em abstrato e sem considerar quaisquer causas interruptivas ou suspensivas) ou a sua aplicação em concreto, considerando todas as causas interruptivas e suspensivas determinadas pela lei antiga.

Prosseguindo:

Na sentença decorrida entendeu-se que a citação da Oponente em 13 de fevereiro de 2007 relevava como facto interruptivo da prescrição por força do disposto no artigo 49.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, na redação que lhe foi introduzida pela Lei n.º 100/99, de 26 de julho.

A RECORRENTE entende que não se atende à citação como facto interruptivo do prazo prescricional. Porque o artigo 49.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, na redação original, não a considerava entre os factos que produziam esse efeito.

A segunda questão de direito a decidir é, por isso, a de saber se o artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que – na aplicação no tempo das leis sobre os efeitos de factos – se atende à redação originária da lei nova ou à redação em vigor à data em que o facto ocorre.

À primeira questão respondemos que o artigo 297.º, n.º 1, parte final, do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que falta menos tempo para o prazo se completar segundo a lei antiga quando, considerando o tempo em concreto decorrido e o tempo que em abstrato importa decorrer, este último seja mais curto do que o prazo estabelecido pela lei nova.

Ou seja: para a determinação da lei aplicável nos termos do n.º 1 do artigo 297.º citado deve atender-se: à data em que entra em vigor a lei nova; ao tempo decorrido de acordo com a lei antiga, considerando todas as causas interruptivas e suspensivas; ao tempo que falta para esse prazo se completar, desconsiderando quaisquer causas interruptivas e suspensivas; ao tempo necessário para decorrer o prazo da lei nova, desconsiderando eventuais causas interruptivas e suspensivas.

E por uma razão fundamental: é que a finalidade da norma é evitar que o estabelecimento (em abstrato) de um prazo mais curto redunde (em concreto) num alargamento do prazo. O que só se consegue considerando (em concreto) o prazo efetivamente decorrido de acordo com a lei antiga e (em abstrato) o que ainda faltaria decorrer.

Assim, tomando por referência as dívidas de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares:

O termo inicial do prazo de prescrição respetivo era o do início do ano seguinte àquele em que tivesse decorrido o facto tributário – artigo 34.º, n.º 2, do Código de Processo Tributário, então em vigor. O que significa que o prazo de prescrição respetivo se iniciaria em 1 de janeiro de 1992 quanto à dívida de 1991, em 1 de janeiro de 1993 quanto à dívida de 1992, em 1 de janeiro de 1994 quanto à dívida de 1993 e assim sucessivamente.

O decurso deste prazo suspendeu-se com o deferimento, em 11 de abril de 1997, do pedido de pagamento em prestações destas dívidas, atento o disposto no artigo 5.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 124/96. E interrompeu-se com a instauração da execução respetiva, em 17 de abril de 1998, visto que o artigo 34.º, n.º 3 do Código de Processo Tributário atribuía efeito interruptivo a esse facto. Não obstando a tal que o prazo estivesse já suspenso porque, existindo uma causa de suspensão e uma causa de interrupção, cada uma delas produzirá os seus próprios efeitos independentemente dos produzidos pela outra.

O que significa que a instauração da execução teve como efeito instantâneo a inutilização de todo o tempo decorrido antes da suspensão. Não relevando aqui os efeitos de qualquer paragem do processo após a exclusão do plano de pagamentos, em 29 de junho de 2005, visto que para a determinação da lei aplicável releva a situação vigente na data da entrada em vigor da lei nova. No caso, em 1 de janeiro de 1999.

A inutilização de todo o tempo decorrido antes da entrada em vigor da lei nova importa que, para os efeitos do artigo 297.º, n.º 1, do Código Civil, ainda não tinha decorrido nenhum prazo segundo a lei antiga. Ora, sendo mais curto o prazo de prescrição da lei nova, é este o aplicável. Contado a partir da entrada em vigor da lei respetiva.

Pelo que a RECORRENTE tem razão neste particular: o tribunal de primeira instância interpretou e aplicou erradamente o artigo 297.º do Código Civil.

O que não significa que o recurso respetivo mereça provimento. Tal só sucederá se o prazo de prescrição da lei nova já se tivesse completado, à data da sentença.

O que nos obriga a passar desde já para a segunda questão, a de saber se o artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que – na aplicação no tempo das leis sobre os efeitos de factos – se atende à redação originária da lei nova ou à redação em vigor à data em que o facto ocorre.

Na prática, é a questão de saber se se atende ou não à citação da RECORRENTE em 13 de fevereiro de 2007, como facto interruptivo da prescrição.

A esta questão respondemos que os efeitos jurídicos dos factos são determinados pela lei vigente no momento em que ocorrem. É o que deriva do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.

O que significa que, tendo a citação da RECORRENTE ocorrido em 2007 e decorrendo do artigo 49.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, na redação então em vigor, que a citação interrompe a prescrição, será de concluir, em princípio, que a citação teve os seus efeitos interruptivos próprios.

Disse-se «em princípio» porque o n.º 3 do mesmo artigo 49.º, na redação introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, passou a dispor que a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.

O que obriga o tribunal de recurso a colocar – agora oficiosamente – uma outra questão jurídica, a de saber se, existindo um facto com efeito interruptivo em 1998 (a instauração da execução fiscal, de acordo com a lei em vigor nessa data) e outro com efeito interruptivo em 2007 (a citação, de acordo com o artigo 49.º da Lei Geral Tributária, na redação vigente), a citação é o facto que se verifica em primeiro lugar para os efeitos do n.º 2 deste artigo 49.º, na atual redação.

A esta questão respondemos afirmativamente. É o que deriva da primeira parte do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil: em caso de dúvida, quando a lei nova dispõe sobre os efeitos de factos, entende-se que só visa os factos novos.

Assim, estabelecendo a lei nova que a interrupção só tem lugar uma única vez, entende-se em caso de dúvida, que só releva o primeiro efeito interruptivo ocorrido no âmbito da lei nova.

Na prática, isto significa que, perdurando na lei nova o efeito duradouro da interrupção ocorrida no âmbito da lei antiga, o facto que teria efeito interruptivo no âmbito da lei nova já não o vai ter, porque os efeitos da interrupção só se podem projetar uma vez no âmbito da lei nova.

No entanto, se o efeito interruptivo ocorrido no âmbito da lei antiga se tiver degradado em suspensivo ainda no âmbito da lei antiga (designadamente por causa da paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao sujeito passivo), nada obstará a que o primeiro facto com efeitos interruptivos no âmbito da lei nova os produza efetivamente.

No caso, e tendo o processo executivo estado parado por motivo não imputável ao sujeito passivo desde 29 de junho de 2005 (como, de resto, alega a RECORRENTE), o efeito interruptivo duradouro decorrente da instauração da execução em 1998 degradou-se em suspensivo quando a paragem do processo por motivo não imputável ao sujeito passivo completou um ano. Ou seja, em 29 de junho de 2006.

O que significa que, à entrada em vigor da nova redação do artigo 49.º, em 1 de janeiro de 2007, os efeitos da primeira interrupção já não perduravam e nada obstava a que a citação produzisse os seus efeitos interruptivos próprios, por ser o primeiro facto com efeitos interruptivos no âmbito da lei nova.

E como, se a interrupção resultar da citação, o novo prazo não começa a correr enquanto não se puser termo ao processo (artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil), não existindo atualmente norma equivalente à do n.º 2 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária, na redação originária, torna-se manifesto desde já que estas dívidas ainda não prescreveram.

Improcedem, por isso, as conclusões 12 a 13 e 15 a 16 do recurso. E, com elas, a conclusão de que estas dívidas estariam prescritas.

Pelo que o recurso não merece provimento nesta parte.

4.2. A situação relativamente às dívidas de imposto sobre o valor acrescentado cobradas na execução fiscal 1805-98/102385.3 é um pouco diferente: o que a RECORRENTE invoca nesta parte é que a citação ocorreu em 4 de janeiro de 1999 (20.ª conclusão), data em que a citação ainda não relevava como facto interruptivo da prescrição (o que só sucedeu com a alteração do n.º 1 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária pela Lei n.º 100/99, de 26 de Julho).

Este facto consta da informação reproduzida no ponto 2 dos factos provados na douta sentença, pelo que a questão que se coloca agora é a de saber se tendo sido enviada carta para citação da executada em janeiro de 1999 e nos termos do artigo 275.º do Código de Processo Tributário então em vigor, pode ser atribuído efeito interruptivo à citação pessoal em fevereiro de 2007, a que alude outra informação dos serviços, reproduzida no ponto 5 dos factos provados.

A esta questão respondemos afirmativamente.

Fundamentalmente, porque a primeira citação (a citação postal) «é considerada como uma citação meramente provisória que só dispensa uma citação definitiva (pessoal ou edital), nos casos em que não vier a ser efetuada penhora» (JORGE LOPES DE SOUSA, in «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», Volume III, Áreas Editora, 6.ª edição 2001, pág. 373).

A confirmar que esta é uma citação provisória vinha o artigo 277.º do Código de Processo Tributário, a que corresponde o artigo 193.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, segundo o qual se procedia à citação pessoal aquando da penhora ou depois dela.

Assim, tendo sido efetuada uma citação por simples aviso postal em janeiro de 1999 e não tendo sido efetuada entretanto qualquer penhora, deve entender-se como citação definitiva a efetuada em fevereiro de 2007, à qual devem ser atribuídos os efeitos da interrupção da prescrição a que já aludimos no número anterior.

E, por ser manifesto que, nesta data, ainda não se tinha completado o prazo de oito anos desde que o processo esteve parado por motivo não imputável ao executado, é de concluir desde já que também esta dívida não prescreveu.

Pelo que ao recurso deve ser negado provimento na totalidade.



5. Conclusões

5.1. O artigo 297.º, n.º 1, parte final, do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que falta menos tempo para o prazo se completar segundo a lei antiga quando, considerando o tempo em concreto decorrido e o tempo que em abstrato importa decorrer, este último seja mais curto do que o prazo estabelecido pela lei nova.

5.2. A ocorrência de um facto que inutilizou o prazo de prescrição decorrido no âmbito da lei antiga e que, à data da entrada em vigor da lei nova, ainda não tinha voltado a correr, implica a aplicação do prazo de prescrição da lei nova, contado da sua entrada em vigor, se este for o mais curto.

5.3. Os efeitos jurídicos dos factos são determinados pela lei vigente no momento em que ocorrem – n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.

5.4. Tem efeito interruptivo da prescrição a citação do executado a que a lei em vigor à data atribui esse efeito, ainda que a execução respetiva tenha sido instaurada quando a lei não o atribuía.

5.5. Tem efeito interruptivo da prescrição a citação pessoal, se a citação postal efetuada anteriormente é meramente provisória e não dispensa a citação ulterior, definitiva.



6. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela RECORRENTE.

D.n.

Lisboa, 8 de janeiro de 2020. – Nuno Bastos (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.