Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:063/15.4BEMDL
Data do Acordão:12/09/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PROMOÇÃO
MILITARES
Sumário:Perante a divergência decisória das instâncias, a complexidade da «questão» litigada, e a incerteza quanto ao mérito da decisão prevalecente, tudo aconselha a que a revista seja admitida.
Nº Convencional:JSTA000P28624
Nº do Documento:SA120211209063/15
Data de Entrada:11/25/2021
Recorrente:EXÉRCITO PORTUGUÊS
Recorrido 1:A..................
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. O «EXÉRCITO PORTUGUÊS» - demandado nesta acção administrativa especial - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, peticionar a admissão deste «recurso de revista», do acórdão do TCAN, de 21.05.2021, que concedeu provimento à «apelação» do autor – A………………… -, revogou a sentença do TAF de Mirandela - 08.01.2020 - «na parte impugnada» e, conhecendo em substituição, julgou a acção parcialmente procedente, anulando as Portarias nºs 854/2014, 859/2104 e 863/2014 [DR 2ª série, nº196, de 10.10.2014] e as Portarias nºs 1019/2014 a 1036/2014 e 1038/2014 a 1040/2014 [DR 2ª série, nº238, de 10.12.2014], e o condenou a realizar uma nova distribuição dos lugares que «no despacho nº11052» [de 02.07] ficaram afectos a QQEsp [qualquer quadro especial] pelos quadros especiais, de acordo com as necessidades orgânicas do Exército, bem como com o objectivo de eliminar, ou atenuar, eventuais desequilíbrios, por referência aos quadros de origem, que ocorram nas promoções ao posto imediato de Tenente-Coronel, com a enunciação das razões que explicam a atribuição dessas vagas e a consequente promoção do autor da acção a Tenente-Coronel, caso sejam atribuídas vagas ao «quadro especial a que pertence», em função dos referidos critérios, e o mesmo preencha as condições gerais e especiais para a promoção.
Defende que a revista interposta - e pretende ver admitida - se mostra necessária a «uma melhor aplicação do direito».

O autor da acção, por sua vez, defendeu nas suas contra-alegações a «não admissão da revista», por não estarem preenchidos os pressupostos legalmente exigidos para o efeito.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. O autor desta acção administrativa especial – A……………………. - demandou o EXÉRCITO PORTUGUÊS - e mais três entidades que acabaram absolvidas da instância por «ilegitimidade» - visando a impugnação de portarias de promoção ao posto de tenente-coronel de vários militares pertencentes a «quadros especiais» distintos do seu, e à condenação do réu a promovê-lo, a ele, a tenente-coronel com data de antiguidade de 01.01.2014.

Para tanto alegou - em síntese - que tais portarias «são ilegais» por violarem as normas ínsitas nos artigos 51º, 60º, 125º, 180º, 216º, alínea b), 217º e 241º, do Estatuto dos Militares das Forças Armadas [EMFAR] - aprovado pelo DL nº236/99, de 25.06, com as alterações do DL nº211/2012, de 21.09, e da Lei nº83- C/2013, de 31.12 -, por violarem o Despacho nº11052/2014 e o Despacho nº5453-A/2014, e desrespeitarem os princípios constitucionais da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade. Mais alegou, que os actos impugnados carecem da devida fundamentação e de vício de desvio de poder.

O tribunal de 1ª instância - TAF de Mirandela - apreciou cada um desses invocados vícios, e acabou por - no que interessa - julgar improcedentes os pedidos anulatório e condenatório, por entender que, legalmente, não assiste ao autor o direito a ser promovido do posto de major ao posto de tenente-coronel.

O tribunal de 2ª instância - TCAN - reapreciando todos esses fundamentos de invalidade - em sede de recurso de apelação - e procedendo à interpretação das várias normas jurídicas pertinentes à luz, também, das várias decisões de tribunais superiores que chamou à colação, acabou por revogar a sentença recorrida, anular as portarias de promoção, e condenar o réu à prática do acto devido «nos termos» que acima ficaram exarados, ou seja, a proceder a uma nova distribuição pelos «quadros especiais» dos lugares que no Despacho nº11052 ficaram por distribuir, da forma e com as finalidades determinadas.

O EXÉRCITO PORTUGUÊS discorda e, na revista, aponta «nulidade» ao acórdão recorrido - por se ter excedido na sua pronúncia - e erros de julgamento na apreciação dos pressupostos de direito que conduziram aos actos impugnados. Sublinha, no tocante à dita nulidade, que o autor «apenas impugnou as portarias de promoção ao posto de tenente-coronel de militares pertencentes a quadros especiais distintos do seu […] pelo que o objecto da acção não comporta a impugnação do despacho nº11052/2014, designadamente pelos vícios que o autor invocou». E sublinha, no tocante aos erros de julgamento que, ao contrário do decidido, «não ocorre violação dos princípios da igualdade, da confiança e da boa-fé», pois que «não existiu atraso na promoção a tenente-coronel do quadro do Serviço Geral do Exército relativamente a outros quadros», e que para a promoção se realizar «apenas se deve ter em conta a lista de antiguidade do quadro especial a que o militar pertence, sendo irrelevante que um militar do mesmo posto, mas pertencente a outro quadro especial, seja promovido mais rapidamente por via de necessidades ou diferentes possibilidades desse outro quadro, não tendo tal promoção de respeitar a antiguidade no quadro geral».

Estamos, pois, perante duas decisões das instâncias que divergem na interpretação e aplicação de um quadro legal complexo, tal o relativo a «graduações e promoções» de militares das Forças Armadas. E tanto mais que, no caso, foram promovidos ao posto de tenente-coronel militares com o posto de major pertencentes a «quadros especiais» diferentes daquele a que pertence o major autor - os primeiros pertencentes aos quadros especiais de Infantaria, Artilharia, Cavalaria, Engenharia, Transmissões, Medicina Veterinária, Material, e Administração Militar, e ele pertencente ao de Serviço Geral do Exército.

Tudo aconselha, pois, a que o presente litígio seja revisto por este órgão de cúpula da justiça administrativa, uma vez que, atenta a divergência das instâncias e a complexidade do quadro legal aplicável, suscitam-se dúvidas pertinentes acerca do efectivo acerto da solução jurídica a que se chegou no acórdão recorrido.

Assim, importa, neste caso, quebrar a regra da excepcionalidade do recurso de revista, e admiti-lo.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir o recurso de revista interposto pelo EXÉRCITO PORTUGUÊS.

Sem custas.

Lisboa, 9 de Dezembro de 2021. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.