Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0859/17.2BELSB
Data do Acordão:03/13/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:LEGITIMIDADE
Sumário:I - O procedimento de compra e venda de acções de um banco de transição não está submetido às regras do CCP;
II - O critério de elegibilidade que, integrado no respectivo caderno de encargos, impediu fundos de investimento de participar nesse procedimento, não constitui um acto administrativo mas antes uma norma imediatamente operativa;
III - A regra geral de legitimidade para impugnação de acto administrativo está consagrada no artigo 55º do CPTA, sendo atribuída a quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos;
IV - Regra que vigora, ainda, no caso de impugnação de normas imediatamente operativas, como se constata da leitura do artigo 73º do CPTA;
V - Deste modo, e por regra, só o participante em determinado procedimento, e que dele não tenha sido excluído, está em condições de invocar um interesse relevante, em termos de legitimidade activa, para atacar o acto final do mesmo;
VI - O artigo 103º do CPTA consagra uma legitimidade excepcional temporária, permitindo a quem tem mero interesse em participar no procedimento que peça a declaração de ilegalidade de disposições contidas, nomeadamente no caderno de encargos e impugne, nessa base, o acto administrativo que as aplica.
Nº Convencional:JSTA000P24328
Nº do Documento:SA1201903130859/17
Data de Entrada:01/11/2019
Recorrente:A...... FUND LIMITED E OUTRA
Recorrido 1:BANCO DE PORTUGAL E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. «A………………FUND LIMITED» e a «B……………… FUND LIMITED» - identificadas nos autos - interpõem recurso de revista do acórdão, datado de 26.07.2018, pelo qual o Tribunal Central Administrativo Sul negou provimento à «apelação» que lhe dirigiram, e, embora por fundamentos diversos, manteve a sentença de 22.12.2017 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

Culminam assim as suas alegações de revista:

A) Da admissibilidade do recurso de revista

1- O presente recurso de revista vem interposto do acórdão, proferido em conferência, a 26 de Julho de 2018, pela 1ª Secção do 2º Juízo do Tribunal Central Administrativo Sul, que negou provimento ao recurso interposto pelas recorrentes e, embora com fundamentação diversa, manteve a decisão de 1ª instância;

2- Com a presente revista tem-se em vista que este Supremo Tribunal aprecie uma questão de inegável relevância jurídica e social e, nessa medida, de importância fundamental;

3- Do ponto de vista jurídico, está em causa uma situação enredada num absoluto pioneirismo jurídico, seja ao nível das normas legais aplicáveis, seja das cláusulas inseridas no Caderno de Encargos, seja no alegado afastamento do Código dos Contratos Públicos;

4- O que se tem em vista é saber se as cláusulas das peças do procedimento que determinam critérios de inelegibilidade para eventuais potenciais concorrentes são normas ou são actos administrativos, e se, nesses casos, em que não houve um acto administrativo de exclusão dos potenciais concorrentes - que lhes tenha sido notificado - podem ou não «estes» impugnar o acto de adjudicação, invocando incidentalmente a «invalidade das normas» constantes das peças do procedimento;

5- É uma questão jurídica muito relevante, com potencial para se aplicar noutras situações, e em que não tem havido uma posição unívoca, nem nas instâncias, nem na doutrina, nem no Ministério Público, sendo que, tanto quando é do conhecimento das recorrentes, este Supremo Tribunal ainda não se pronunciou sobre esta temática num caso com estes contornos;

6- Por outro lado, é clara a relevância social fundamental do tema, pois que a questão que aqui se discute extravasa, por completo, os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio;

7- Como se sabe, a medida de resolução do BES de Agosto de 2014 e as ocorrências que se lhe seguiram assumiram dimensão sem precedentes no nosso país, deixando um rasto infindável de lesados e um conjunto igualmente infindável de impugnações judiciais;

8- Em particular, no caso da alienação do capital social do Novo Banco à C………., os Cadernos de Encargos lançados pelo «Fundo de Resolução» e promovidos pelo «Banco de Portugal» para a escolha do investidor encontravam-se inquinados por inúmeros vícios que os tornam ilegais, assim como o correspondente «acto de adjudicação de selecção» da C……….. e o contrato celebrado;

9- O resultado das ilegalidades dos Cadernos de Encargos lançados pelo Fundo de Resolução e promovidos pelo Banco de Portugal para a escolha do investidor no Novo Banco está à vista de todos, e é facto público e notório, falando-se já no impacto que a operação pode ter no défice público de 2018, e igualmente nos anos futuros, tendo em conta aquilo que ficou definido entre o Estado e a C……….. no momento da venda do Novo Banco;

10- Consequentemente, impõe-se, para o restabelecimento da paz jurídica social e estabilização jurisprudencial nesta matéria, uma pronúncia por parte deste Supremo Tribunal Administrativo;

11- A admissão deste recurso de revista é ainda necessária para melhor aplicação do direito;

12- Para além do dito a propósito da relevância jurídica da questão, cumpre salientar que, para fundamentar a manutenção da decisão recorrida, o tribunal «a quo» convocou argumentos de diversa índole daqueles que haviam sido convocados pela 1ª instância, não tendo permitido o contraditório quanto à fundamentação convocada, que não tinha sido considerada procedente pelo TAC de Lisboa, assim apresentando uma «decisão surpresa», sem dar lugar - ainda que por analogia - ao disposto no nº5 do artigo 149º do CPTA;

13- Na verdade, relativamente às questões apreciadas nestes autos tem sido, até agora, como já se disse, «cada cabeça, sua sentença», pelo que se impõe a serena e avisada decisão do STA, que contribua para melhor aplicação do Direito e sirva de luz para casos subsequentes e pendentes;

B) Da questão de fundo

14- Não tem razão o tribunal recorrido quando defende que o «Código dos Contratos Públicos» não é aplicável ao processo de alienação das participações sociais do Novo Banco;

15- À celebração do contrato público objecto dos «procedimentos de selecção de investidores para o Novo Banco» seria sempre aplicável, quer objectiva quer subjectivamente, o Código dos Contratos Públicos, designadamente, a sua Parte II, relativa aos procedimentos de formação de qualquer contrato público;

16- O que releva para que determinado contrato público seja sujeito às regras da contratação pública é o facto de «estar exposto à concorrência», pelo que sempre será inegável que ao contrato em apreço, a celebrar entre o «Fundo de Resolução e o Investidor», é aplicável o CCP. Tanto assim é que, como se disse, os recorridos [embora com regras ilegais] organizaram um procedimento pretensamente competitivo, que anunciam como sendo «conduzido de forma aberta, transparente, não discriminatória e concorrencial», o que é demonstrativo da convicção dos mesmos de que as prestações em causa se encontram sujeitas à concorrência do mercado;

17- É uma absoluta falácia querer dizer-se que, «como a Directiva Europeia sobre resolução bancária não remete para as Directivas Europeias de contratação pública», então também o RGISFC não remete para o CCP. A não aplicação do CCP não resulta de qualquer legislação especial em que o legislador pretendesse - em abstracto - afastar o CCP de todos os casos de alienação de bancos;

18- Mesmo numa situação em que as adstringentes regras da contratação pública não fossem aplicáveis aos procedimentos deste tipo, o que não é o caso, sempre lhes seriam aplicáveis os princípios da transparência, equidade e da concorrência, seja por imposição comunitária, seja mesmo por imposição nacional, como decorre do artigo 1º, nº4, do CCP e, bem assim, por força do artigo 145º-R, nº3, do RGICSF, e da respectiva norma de base europeia prevista no artigo 41º, nº4, da Directiva nº2014/59/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Maio de 2014 [que, aliás, mais não fazem que concretizar em letra de lei precisamente os princípios que, há muito, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias tem imposto à celebração de todos os contratos celebrados por entidades adjudicantes];

19- Ademais, ainda que não fosse de aplicar o CCP, o procedimento em causa não cumpriu, nem pelos mínimos, as exigências de «transparência do processo e o tratamento equitativo dos interessados» na acepção do artigo 145º-R do RGICSF;

20- Na verdade, o que sucedeu é que os recorridos quiseram fazer um procedimento à medida, por forma a poder afastar alguns potenciais concorrentes, não os deixando sequer concorrer, bem como poder negociar com a entidade seleccionada novas condições contratuais, que não estivessem nas peças do procedimento;

21- Ora, não pode haver «transparência do processo», se se assume que o que se pretende é estabelecer com o concorrente seleccionado termos contratuais diferentes dos constantes das peças do procedimento, tal como não pode haver «tratamento equitativo dos interessados», se se assume que o que se pretende é impedir que alguns interessados possam sequer apresentar propostas;

22- Ao decidir como decidiu a este propósito, o Tribunal Central Administrativo Sul «incorreu em erro de julgamento», não podendo o acórdão recorrido ser mantido.

23- Por outro lado, não tem também razão o tribunal recorrido quando decidiu, sem aduzir uma linha de fundamentação própria, e em «manifesto erro sobre os pressupostos de facto», que a cláusula do Caderno de Encargos que «fixou os critérios de elegibilidade» era, afinal, um acto administrativo;

24- Como fundamentação desta verdadeira decisão-surpresa veio o TCAS, surpreendentemente, apenas aderir integralmente e sem reservas à argumentação de um dos 5 pareceres juntos aos autos, ignorando totalmente os outros 4 - sem nada analisar ou ponderar previamente, para depois poder concluir num determinado sentido;

25- Encontram-se juntos aos autos outros pareceres [incluindo juntos pelos mesmos recorridos] que defendiam posições diametralmente opostas, sendo que não nos parece que os Professores Mário Aroso de Almeida, Paulo Otero ou Vieira de Andrade devam ser considerados doutrina menos elevada, que possa ser ignorada pelo TCAS, como foi;

26- Com efeito, os recorridos, a par com os Professores Mário Aroso de Almeida e Paulo Otero [e até, dubitativamente, o Professor Vieira de Andrade] sempre consideraram as disposições dos Cadernos de Encargos como sendo normas, pelo que o prazo de impugnação dessas mesmas normas não terminou ainda, tendo as mesmas sido, aliás, impugnadas judicialmente juntamente com o acto de adjudicação;

27- Tanto assim é que os recorridos nunca construíram esta disposição como sendo um acto, caso contrário teria o mesmo de [i] estar sujeito a audiência prévia dos interessados, [ii] sujeito ao dever de fundamentação e [iii] teria devidamente notificado aos seus destinatários, o que manifestamente não sucedeu. Pelo que sempre estaríamos, assim, perante invalidades que contaminam o referido «acto»;

28- Verdade é que os recorridos nunca tiveram qualquer propósito de notificar os destinatários de acordo com as regras previstas para a publicitação dos actos administrativos, limitando-se a anunciar um caderno de encargos e não um acto administrativo plural;

29- Assim, no caso em apreço, não houve qualquer acto de exclusão, mas antes uma norma que impede que as recorrentes sejam seleccionadas para participarem no procedimento;

30- Ou seja, o que existiu foi uma norma que castigava todos os que no passado, no presente ou no futuro, ousassem discutir em tribunal as opções do Banco de Portugal relativamente à resolução do BES, pelo que não há dúvidas que as disposições dos procedimentos que definem as regras de elegibilidade para o procedimento se revestem de natureza normativa;

31- Não há qualquer paralelismo entre um caso de exclusão, através de acto concreto que directamente afecta a esfera jurídica de um particular, ou a existência de uma norma, que impede certos particulares indeterminados de serem convidados a participar no procedimento, razão pela qual o próprio CPTA estabelece prazos para impugnação de actos e não estabelece prazos para impugnação de normas, prevendo especificamente [no artigo 51º, nº3, do CPTA] a necessidade de impugnação autónoma de actos de exclusão e não prevendo a mesma restrição para o caso de possível aplicação de uma norma;

32- É precisamente o facto de o acto de exclusão não ter existido que confere às recorrentes a possibilidade de arguição das ilegalidades do procedimento aquando da impugnação do acto final do mesmo;

33- Em suma, se é certo que as ora recorrentes não impugnaram as normas do CE, logo no momento em que tomaram conhecimento das mesmas, com isso não precludiram o direito de as impugnar mais tarde, na medida em que a impugnação de normas não está, in casu, nos termos do disposto no CPTA, sujeita a prazo;

34- Finalmente, importa ainda notar - com toda a relevância - que a decisão do TCAS está viciada por «erro sobre os pressupostos de facto», já que não corresponde à verdade a conclusão, desse tribunal, segundo a qual o elenco dos potenciais candidatos excluídos era determinável;

35- A cláusula de elegibilidade incluída no caderno de encargos não pode ser considerada como um acto plural, já que o elenco dos seus destinatários não era determinado, nem tão pouco poderia ser determinável no momento em que foi emitido: houve vários casos de potenciais candidatos afastados do procedimento de venda do Novo Banco que, «à data» da promoção do procedimento não tinham qualquer litígio judicial com as recorridas, relativamente à resolução do BES;

36- Assim, uma vez demonstrada plenamente a legitimidade das recorrentes para os presentes autos, e a tempestividade da impugnação apresentada, por se impugnar em tempo o acto de adjudicação, e, incidentalmente, as normas do Caderno de Encargos, conclui-se que nunca poderia o TCAS ter decidido como decidiu, pelo que sempre se impõe que seja o seu acórdão substituído por outro que «conclua pela legitimidade das recorrentes» e «decrete a providência cautelar requerida».

Terminam pedindo que o recurso de revista seja admitido, e lhe seja concedido «provimento», revogando-se o acórdão recorrido e decretando-se a providência cautelar nos termos solicitados.

2. Os recorridos BANCO DE PORTUGAL e FUNDO DE RESOLUÇÃO, apresentaram as suas contra-alegações das quais extraíram as conclusões seguintes:

A. Com o presente recurso de revista, as recorrentes pretendem colocar em xeque a conclusão a que chegou o TCAS - e, antes, o TAC de Lisboa - no sentido de que elas carecem de legitimidade activa para impugnar o acto, praticado pelo Banco de Portugal, de selecção da C……….. para conclusão da operação de venda do Novo Banco;

B. O STA tem sido muito restritivo quanto à admissão de revistas em processos cautelares, para mais quando, como sucede no caso, está em causa «uma questão de pressupostos da instância, que pode repetir-se nas mesmos termos essenciais na acção principal», sendo que «o que aqui foi decidido [ou o que pudesse vir a ser decidido se a revista fosse admitida] não terá valor de caso julgado» [AC do STA de 07.06.2016, processo nº0682/16] e, nesse sentido, «não é de admitir a revista excepcional em que se pretendem ver apreciadas questões que constituem matéria a averiguar na acção principal, por não ser o procedimento cautelar, com a sumariedade cognitiva e a provisoriedade decisória inerente, o lugar idóneo para a sua dilucidação pelo Supremo Tribunal Administrativo» [AC do STA de 20.01.2016, processo nº022/16];

C. Podendo ainda ver-se, a respeito da inadmissibilidade da revista quando em causa está uma questão relacionada com a excepção de ilegitimidade activa suscitada em processo cautelar, os acórdãos deste STA de 24.09.2015 [processo nº01002/15] e de 14.04.2016 [processo nº0390/16];

D. Acresce que, de acordo com as leis processuais, as recorrentes deviam ter identificado concretamente a norma ou preceito legal violado pelo TCAS no acórdão em crise, e o sentido com que ele deveria ter sido interpretado e aplicado pelo tribunal recorrido, como se impunha, à luz do artigo 150º, nº2, do CPTA, mas não o fizeram, não vindo invocada nas conclusões das suas alegações qualquer norma substantiva ou processual pretensamente violada pelo tribunal a quo - pelo que o recurso deve ser julgado inadmissível por este Supremo;

E. Não estão em causa nestes autos [e nem sequer foram apreciadas na sentença do TAC de Lisboa ou no acórdão do TCAS] a medida de resolução aplicada ao BES no dia 03.08.2014, nem a decisão de venda do Novo Banco tomada no dia 31.03.2017, e muito menos se discute a interpretação e aplicação dos critérios de concessão da tutela cautelar, vertidos no caso em apreço no nº4 do artigo 132º do CPTA;

F. Do que se trata, aqui, é apenas da conclusão tirada no acórdão do TCAS [e, antes, na sentença do TAC de Lisboa] no sentido de que as recorrentes não têm legitimidade para impugnar o acima referido «acto de selecção da C………….. de 31.03.2017», na medida em que não impugnaram anterior e atempadamente o acto do Banco de Portugal de 30.03.2016 - posteriormente vertido em regra dos Cadernos de Encargos de cada via procedimental - que as impedia de participar no procedimento de venda do Novo Banco;

G. Tal questão não tem importância fundamental, seja porque não há capacidade de expansão da controvérsia, seja porque a mesma não ultrapassa os limites da situação singular;

H. De resto, nem as recorrentes, nesta parte das suas alegações, invocaram uma única norma ou diploma legal que permita concluir pela existência de enquadramento normativo complexo, ou a questão em apreço [ilegitimidade activa das recorrentes] seja de complexidade jurídica superior ao comum;

I. Sendo ainda manifesto que a capacidade de repercussão social dessa questão processual [que apenas respeita às recorrentes] é nula, tal como o seu impacto comunitário é inexistente - não há, em suma, interesses comunitários relevantes, mas mero interesse particular das recorrentes;

J. A admissão da revista não é necessária para uma melhor aplicação do direito: o acórdão do TCAS não decidiu a questão - conhecida das partes e já debatida em momento anterior, não tendo surgido «do nada» - de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo o total silêncio das recorrentes a este propósito bem revelador do não preenchimento deste requisito posto na parte final do nº2 do artigo 150º do CPTA, concluindo-se, também por aqui, ser o recurso em apreço inadmissível;

K. Não obstante os recorridos estarem convictos de que o recurso interposto pelas recorrentes não preenche os pressupostos de que dependente a sua admissibilidade, demonstrou-se, ainda assim, que o acórdão recorrido não merece qualquer censura;

L. Sendo certo que, em relação às diversas ilegalidades do acto suspendendo que as recorrentes vão afirmando, deve ter-se presente que esta providência se decide nos termos do artigo 132º, nº4, do CPTA, ou seja, de acordo com o critério da ponderação de interesses em presença, sendo portanto irrelevantes as questões levantadas que sejam atinentes ao requisito do fumus boni iuris;

M. Por outro lado, não negando os recorridos, é claro, que em abstracto este Supremo Tribunal possa, se decidir revogar o acórdão recorrido, conhecer do mérito da providência, a verdade é que, no caso dos autos, não há factos fixados que permitam o seu julgamento nos termos do artigo 132º, nº4, do CPTA pelo que, nessa circunstância, se imporia a baixa dos autos para que se «produza prova e se fixem os factos necessários à aplicação do critério estabelecido naquela disposição»;

N. No que respeita à alegada aplicabilidade da Parte II do CCP, ao procedimento de venda do Novo Banco, viu-se nestas contra-alegações - sem prejuízo de se tratar de matéria irrelevante, não só porque a providência se decide nos termos do artigo 132º, nº4, do CPTA, como também porque, como as próprias recorrentes afirmam, o entendimento do tribunal a quo sobre essa matéria «surge como um obiter dictum» - demonstrou-se que o procedimento de alienação de bancos de transição se encontra directa, específica e exclusivamente regulado no artigo 145º-R/3 do RGICSF [na esteira do disposto no artigo 41º da Directiva 2014/59/EU];

O. Sendo o Banco de Portugal inquestionavelmente a «entidade adjudicante», e não o Fundo de Resolução, então o regime de contratação pública da Parte II do CCP apenas se aplica aos contratos que tenham por objecto prestações típicas dos contratos de empreitada ou concessão de obras públicas, de concessão de serviço público, de locação ou aquisição de bens móveis ou de aquisição de serviços [nºs 1 e 2 do artigo 6º do CCP];

P. Por outro lado, atento o princípio geral de direito segundo o qual lex specialis derogat legi generali, a existência do regime previsto no nº3 do artigo 145º-R do RGICSF afasta a aplicação da Parte II do CCP àquele procedimento - como, aliás, conclui o Professor Sérvulo Correia no seu Parecer de 29.05.2017;

Q. A idêntica conclusão se chega também por via do disposto no artigo 201º, nº1, do CPA, na parte em que refere explicitamente a existência [e possibilidade de aplicação] de «lei especial» a procedimentos de formação de contratos, como defendem os Professores Sérvulo Correia e o Mário Aroso de Almeida;

R. Decidiu bem o tribunal a quo ao ter decidido que - não tendo as recorrentes impugnado, nos termos do artigo 51º, nº3, do CPTA, o acto do Banco de Portugal, de 30.03.2016, que determinou o critério de elegibilidade que viria depois a ser reflectido no Caderno de Encargos - carecem de legitimidade para a impugnação do acto final de selecção da C……….. para a conclusão da operação de venda do Novo Banco;

S. Não configurando tal decisão, como já se viu, uma qualquer «decisão-surpresa», porque, contrariamente ao afirmado pelas recorrentes, o enquadramento jurídico que o TCAS viria a dar à [i]legitimidade das recorrentes foi avançado pelos recorridos nas oposições e vem defendido, aliás, em parecer junto aos autos, sobre o qual as recorrentes exerceram oportunamente o respectivo direito de contraditório;

T. Ao contrário do que referem as recorrentes nas suas alegações, o que o TCAS considerou ser um acto administrativo de exclusão foi a «Deliberação do Conselho de Administração do BdP» datada de 30.03.2016 - publicitada no dia seguinte - a qual determinou a imposição de um «critério de elegibilidade» que viria depois a ser incorporado em anexo ao CE divulgado a 22.04.2016, e não «as cláusulas do Caderno de Encargos»;

U. Essa Deliberação do CA do BdP corresponde, efectivamente, a um acto administrativo - que se traduz, nomeadamente, na decisão de sujeitar a participação no procedimento de venda do Novo Banco à condição de os interessados não terem pendentes litígios relacionados com a resolução do BES - que foi depois incorporado nas regras aplicáveis ao procedimento de venda, mas a situação jurídica de quem estivesse excluído ao abrigo desse critério foi modificada logo por aquele primeiro acto;

V. Por outro lado, o critério em causa não tem os atributos de abstracção e generalidade que lhe confeririam natureza normativa, tratando-se de acto administrativo geral, cujos destinatários são identificáveis;

W. Sendo certo que, como se viu, a alegada inobservância das regras legais aplicáveis aos actos administrativos [como as dos artigos 114º, 124º e 152º CPTA] não afasta, a qualificação da Deliberação de 30.03.2016 como acto administrativo - que não é mais ou menos acto por isso -, podendo, no limite, ter consequências em matéria da respectiva validade, mas que nunca estariam em causa nestes autos, não só porque esse acto não foi aqui impugnado, nem poderia já sê-lo, por ter decorrido o prazo legal previsto no artigo 58º do CPTA, como também porque esta providência se decide nos termos do respectivo artigo 132º, nº4, do CPTA;

X. Na verdade, como se demonstrou nas presentes contra-alegações, a conclusão de que as recorrentes são parte ilegítima é correta independentemente da sua qualificação como acto ou como norma, porque, nos dois cenários, elas não o impugnaram tempestivamente [não o impugnaram, sequer];

Y. Vimos que, tratando-se de um acto administrativo, as recorrentes tinham o ónus de proceder à sua impugnação directa, por aplicação do artigo 51º, nº3, do CPTA, dispondo de um prazo de 3 meses para o efeito, nos termos do artigo 58º, nº1 alínea b), do CPTA, o que não fizeram [sendo esta a posição do Professor Sérvulo Correia no parecer junto aos autos e subscrita no acórdão recorrido];

Z. E vimos também que tratando-se de acto normativo - e é esta a tese das recorrentes - impunha-se que procedessem à sua impugnação «no prazo de um mês» ou, pelo menos, «no decurso do procedimento», por se aplicar [se não directamente, seguramente por analogia] o disposto nos artigos 101º e 103º do CPTA - neste sentido concluiu também o Professor Vieira de Andrade no parecer junto aos autos e acima citado;

AA. A falta de impugnação atempada do critério de elegibilidade implica que este se tenha consolidado na ordem jurídica e leva, consequentemente, à ilegitimidade e falta de interesse em agir das agora recorrentes «na impugnação do acto de selecção da C…………», dada a insusceptibilidade de retirarem qualquer benefício concreto da sua respectiva anulação [neste sentido, pareceres dos Professores Mário Aroso de Almeida, Vieira de Andrade e Sérvulo Correia, juntos aos autos];

BB. Na verdade, o acto de selecção da C………. não causa a lesão de qualquer direito, ou interesse [directo e pessoal] legalmente protegido das recorrentes, não tendo elas, por isso, à luz do artigo 55º, nº1 alínea a), do CPTA, legitimidade para impugnar esse acto, não havendo, também, interesse em agir, pelo simples facto de as recorrentes não retirariam da anulação do acto em causa qualquer benefício directo, imediato ou pessoal;

CC. Não tendo por isso, também, legitimidade no âmbito do presente processo cautelar [artigo 112º, nº1, do CPTA].

Terminam pedindo a não admissão da revista, e, de todo o modo, que «lhe seja negado provimento».

3. O recorrido NOVO BANCO, S.A. - demandado nos autos como contra-interessado - apresentou também contra-alegações que concluiu assim:

1- O acórdão recorrido não merece censura, tendo decidido bem, particularmente, quanto às questões de direito: a da não aplicação do CCP, a da qualificação como acto administrativo [de exclusão] o que definiu os critérios de elegibilidade dos concorrentes que participariam no processo de alienação do Novo Banco, e a da caducidade do direito de acção;

2- O recurso de revista tem natureza absolutamente excepcional, sendo apenas admissível nos precisos e estritos termos em que o legislador o consagrou;

3- Sucede que, no caso dos presentes autos, não se vislumbra a verificação de qualquer um dos pressupostos essenciais do artigo 150º do CPTA, pelo que o presente recurso carece de qualquer fundamentação lógica ou pragmática;

4- A questão de direito principal respeita à legitimidade activa [e interesse em agir] das recorrentes e à tempestividade da providência cautelar;

5- Os recorrentes têm conhecimento dos Cadernos de Encargos - e, por isso, dos critérios de elegibilidade para apresentação de propostas no âmbito da alienação do Novo Banco - desde de 31.03.2016;

Relativamente à eventual aplicação das disposições do CCP,

6- A alienação do Novo Banco não está legalmente sujeita ao regime da contratação pública, em particular às regras que decorrem do CCP, estando antes sujeita ao regime jurídico especial do RGICSF, o qual não remete para as normas da contratação pública;

7- O RGICSF constitui, face ao CCP, uma norma especial, que prevalece e que não é afastada pelo CCP;

8- O RGICSF apenas exige um tratamento equitativo dos interessados [e não igualitário], de modo a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis;

9- O CCP não foi concebido, e não se articula, com a finalidade a prosseguir pelo Novo Banco, nem é aplicável às vendas públicas;

10- No processo de alienação do Novo Banco foram assegurados os princípios da transparência e do tratamento equitativo dos interessados;

11- A este propósito refira-se que, ao contrário do alegado pelas recorrentes, não é necessário a aplicação do CCP para que aqueles princípios estivessem salvaguardados;

12- Apesar de não ter ocorrido qualquer violação do princípio de tratamento equitativo, é uma alegação que deveria ter sido debatida em sede própria e dentro dos prazos legais previstos no CPTA - o que não ocorreu;

Quanto à natureza jurídica da disposição do Caderno de Encargos que determina os critérios de elegibilidade

13- As normas dos Cadernos de Encargos integraram um procedimento que culminou no acto de adjudicação e eram autonomamente impugnáveis;

14- Desde 22.04.2016, encontram-se disponíveis os Cadernos de Encargos, onde se encontra estabelecido o referido critério de elegibilidade;

15. Esse acto possui conteúdo decisório - embora não tenha constituído a decisão final -, de onde resultou a exclusão das recorrentes, sendo autonomamente recorrível;

16- As recorrentes não impugnaram tempestivamente as disposições dos Cadernos de Encargos que previam o critério de elegibilidade, pelo que são processualmente ilegítimas;

17- Não podem agora, através dos presentes autos, impugnar a decisão de selecção da C………., requerendo a suspensão da eficácia do acto de adjudicação;

18- Ao não impugnarem o acto, este consolidou-se na ordem jurídica, tendo ficado precludido o seu direito de acção;

19- Face ao exposto, bem andou o tribunal a quo ao ter decidido acertadamente, não tendo incorrido num erro de julgamento.

Termina pedindo o «não provimento da revista» com a manutenção do decidido no acórdão recorrido.

4. As recorridas «C………… FUND IX [U.S.] LP», «C………. FUND IX [BERMUDA] LP», «C……….. FUND IX PARALLEL [BERMUDA] LP», e «D…….. HOLDINGS, SGPS, S.A.» - que foram demandadas como contra-interessadas - também contra-alegaram, e concluíram assim:

A) Quanto à admissibilidade do recurso:

1- As recorrentes afirmam, por um lado, ser a questão que trazem a este Supremo Tribunal de fundamental relevância jurídica e social por estar «em causa uma decisão que envolve a venda do Novo Banco, na sequência da resolução do Banco Espírito Santo», e alegam, por outro lado, que ao fundamentarem-se a sentença e o acórdão em diferentes argumentos, é necessária a intervenção do mesmo para uma melhor aplicação do Direito;

2- A respeito da alegada relevância social, as recorrentes limitam-se, sob a capa de defensoras da paz jurídica e social, a referir até à exaustão nas suas peças processuais a pretensa ausência de recebimento pelo Fundo de Resolução de qualquer contrapartida pela venda do capital social do Novo Banco, o que é falso e desmentido pelo que foi considerado provado pelas instâncias;

3- As recorrentes alegam ainda, na senda de tentar convencer este tribunal, que a recorrida C.......... prossegue estratégias essencialmente de curto prazo, adquirindo o controlo de empresas para, através da venda dos seus activos e de sofisticadas técnicas de «engenharia financeira», obter ganhos imediatos, algo que não corresponde à verdade;

4- A recorrida C……………… limita-se a realizar investimentos, como o efectuado no Novo Banco, que ajudam a estabilizar os mercados financeiros e a injectar liquidez nos mesmos, de modo a estimular a actividade económica;

5- A aplicação de direito feita pelo Tribunal Central Administrativo Sul é uma das interpretações possíveis do direito aplicável aos factos trazidos a juízo e, só por esse facto, torna frontalmente inadmissível o presente recurso;

6- Não basta para firmar a «necessidade» e, em consequência, a admissibilidade do recurso de revista, como 3º grau de jurisdição, a frontal discordância das recorrentes com a interpretação do texto legal feita pelos tribunais que antes julgaram a causa;

7- Não é, também, de molde a justificar a admissibilidade do recurso de revista a utilização de fundamentos de direito diversos [mas não contraditórios entre si, ou sequer incompatíveis] pelos tribunais que anteriormente se debruçaram sobre a causa;

8- Quer se analise a questão do ponto de vista da legitimidade e interesse em agir - como fez o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa - como do ponto de vista da impugnabilidade do acto - como fez o Tribunal Central Administrativo Sul - a conclusão é uma e única: às recorrentes não assiste razão;

9- Os argumentos das recorrentes não devem colher anuência do STA, não devendo o recurso de revista ser admitido com as devidas consequências legais;

B) Quanto ao mérito do recurso

10- Impendia sobre as recorrentes um ónus de impugnação autónomo quanto ao requerimento de concessão de providência cautelar visando a suspensão de eficácia do acto de adjudicação e do procedimento de formação e execução do contrato, bem como a consequente proibição da celebração do contrato definitivo objecto dos documentos conformadores dos procedimentos de «Venda Estratégica e de Venda em Mercado do Novo Banco»;

11- Tal como resulta manifesto da prova produzida nos autos, no que se acompanha o acórdão recorrido: «Na verdade e durante mais de um ano as recorrentes não manifestaram qualquer interesse em reagir contra a decisão/regra/critério que as afastou dos procedimentos de venda do Novo Banco e não podem pretender, agora, impugnar a decisão final no procedimento de venda do Novo Banco, com o fundamento na ilegalidade daquela exclusão»;

12- As agora recorrentes tiveram conhecimento do critério de elegibilidade que impediria a sua participação nos procedimentos de venda do novo Banco há bastante tempo, tanto mais que a deliberação onde se previa tal critério foi tornada pública em 31.03.2016, e os Cadernos de Encargos onde expressamente se previam tais «regras de elegibilidade» foram disponibilizados publicamente no dia 22.04.2016;

13- Quando as recorrentes propuseram a acção principal [em 27.06.2017], há muito que já se encontrava esgotado o prazo legal de que dispunham para obter o efeito jurídico pretendido com a mesma;

14- As recorrentes sabiam e não podiam ignorar que estavam arredadas de participar na venda do Novo Banco desde a primeira vez que tiveram conhecimento da deliberação tornada pública pelo Banco de Portugal e do teor das peças do procedimento;

15- As recorrentes, ao invés de oportunamente e em tempo impugnarem tal deliberação - como seria normal para qualquer verdadeiro interessado em participar nos procedimentos de venda do Novo Banco -, gizarem antes, de forma premeditada, um plano no sentido de se aproveitarem, no momento que considerariam mais oportuno, dessa pretensa fragilidade do procedimento, com o fito último de lograr recuperar um alegado crédito que vem reclamando junto dos tribunais;

16- Ainda que existisse por parte das recorrentes qualquer direito a obter a declaração de invalidade da adjudicação com fundamento na ilegalidade do critério de elegibilidade escolhido pelo Banco de Portugal - o que só por dever de patrocínio e sem conceder se admite - nunca o poderiam com o suposto «trunfo» a utilizar no momento que a contraparte considerasse mais oportuno;

17- O exercício em concreto do direito de acção, levado a cabo pelas recorrentes nos moldes que estão configurados neste processo, sempre seria de considerar como abusivo por exceder manifestamente os limites da boa-fé;

18- A argumentação expendida pelo TCAS, no acórdão recorrido, não é de todo contraditória com a argumentação adoptada pelo TAC de Lisboa;

19- Tendo decorrido o prazo legal para impugnação «do acto que afasta as recorrentes dos procedimentos de venda do Novo Banco», não têm estas «legitimidade» [ou interesse em agir] para formular pedido de anulação do acto de selecção da contra-interessada C………….. sustentado na pretensa ilegalidade de tal critério;

20- Não logram as recorrentes defender a existência de qualquer erro no sentido da decisão e na aplicação do direito por parte do tribunal a quo, pois limitam-se a apontar diferenças entre a sentença da 1ª instância e o acórdão da 2ª instância, sem que dessas diferenças possa resultar a invalidade de qualquer das decisões proferidas;

21- A decisão tomada pelo TCAS não merece qualquer censura, e como tal deve ser confirmada nos seus precisos termos por este tribunal de revista.

Terminam pedindo a não admissão da revista, e, de todo o modo, que «lhe seja negado provimento».

5. O recurso de revista foi admitido por este Supremo Tribunal [formação a que alude o nº6 do artigo 150º do CPTA].

6. O Ministério Público pronunciou-se no sentido do não provimento da revista - artigo 146º, nº1, CPTA.

7. Esta pronúncia obteve manifestação de concordância global, e discordância, respectivamente da recorrida C………..C……….. FUND IX [U.S.] LP, C…………. FUND IX [BERMUDA] LP, C…………….. FUND IX PARALLEL [BERMUDA] LP, D……. HOLDINGS, SGPS, S.A. - e dos recorrentes – A……… FUND LIMITED e B…………….. FUND LIMITED.

8. Sem vistos, por se tratar de processo de natureza urgente [artigo 36º, nº1 alínea f), e nº2, do CPTA], cumpre apreciar e decidir o presente recurso de revista.

II. De Facto

São os seguintes os factos provados que nos chegam das instâncias:

1. As requerentes A………. Fund Limited e B………….. Direction e B………….. Fund Limited são fundos de investimento [admissão por acordo];

2. As requerentes A………. Fund Limited e B………….. Directional Opportunities Master Fund Limited são detentoras de obrigações sénior nos seguintes termos [ver documentos 7 e 8 juntos como o requerimento inicial - e admissão por acordo]:

A………… FUND LIMITED:

- 41 [quarenta e uma] Obrigações Sénior identificadas com o ISIN PTBENIOM0016, com o valor nominal de EUR 100.000,00 [cem mil euros] cada, à data de 29.12.2015 e na presente data;

B……………… FUND LIMITED:

- 600 [seiscentas] Obrigações Sénior identificadas com o ISIN PTBENIOM0016, com o valor nominal de EUR 100.000,00 [cem mil euros] cada, à data de 29.12.2015 e na presente data;

- 18 [dezoito] Obrigações Sénior identificadas com o ISIN PTBENQOM0012, com o valor nominal de EUR 100.000,00 [cem mil euros] cada, à data de 29.12.2015, e de 12 [doze] na presente data;

3. As requerentes por força de deliberação de 29.12.2015 interpuseram acção judicial, que corre nos autos sob o nº788/16.7BELSB, cujo objecto é a impugnação daquela deliberação [confissão das requerentes/ver artigos 36º e 37º do requerimento inicial];

4. A presente acção deu entrada em juízo em 27.06.2017, data da expedição por correio do requerimento inicial [ver autos].

Consta na sentença de 1ª instância, sobre o «julgamento de facto», o seguinte: «Nada mais se logrou provar, com interesse para a decisão da arguida ilegitimidade activa e falta de interesse em agir das requerentes».

III. De Direito

1. Os ora recorrentes da revista, que são «fundos de investimento», intentaram no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TAC] o presente processo cautelar relativo a procedimentos de formação de contratos [artigo 132º CPTA], nele demandando o FUNDO DE RESOLUÇÃO [FdR] e o BANCO DE PORTUGAL [BdP], e, a título de contra- interessados, o NOVO BANCO, S.A. [NB], e C…………. FUND IX [U.S.] LP, C…………… FUND IX [BERMUDA] LP, C…………. FUND IX PARALLEL [BERMUDA] LP, e D……….. HOLDINGS, SGPS, S.A..

Pediram ao tribunal a suspensão da eficácia do acto de adjudicação e do procedimento de formação e execução do contrato, bem como a consequente proibição da celebração do contrato definitivo objecto dos documentos conformadores dos procedimentos em crise [nos termos dos nºs 1 e 4 do artigo 132º do CPTA]. E pediram, ainda, que declarasse que as cláusulas 1.3, 3.2, 3.4, 3.7, 3.8, 3.11, 3.12, 5.3 e 10.3, e a alínea a) do nº1 do Anexo 1 [todas do documento nº1], e cláusulas 1.4, 3.2, 3.4, 3.7, 3.8, 3.14, 3.15, 5.3 e 10.3, e alínea a) do nº1.2 do Anexo 1 [todas do documento nº2] - correspondentes aos documentos conformadores dos procedimentos em crise - «são ilegais», e consequentemente - ao abrigo do disposto no nº5, do artigo 132º do CPTA, face à manifesta urgência na resolução definitiva deste processo - «determinasse a sua imediata correcção» e a consequente «anulação ou declaração de nulidade do acto de adjudicação e do procedimento de formação do contrato definitivo, decidindo-se imediatamente o mérito da causa».

O TAC, por sentença de 22.12.2017, decidiu, de forma distinta, «duas questões prévias» que lhe tinham sido arguidas: - julgou improcedente a caducidade do direito de acção; - e julgou procedente a ilegitimidade activa das requerentes, e em consequência, absolveu da instância as entidades demandadas [artigo 89º, nºs 1, 2, e 4 alínea e), do CPTA].

Discordando da sentença, os requerentes cautelares «apelaram» para o Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS], que, por acórdão datado de 26.07.2018, negou provimento ao recurso, e, embora com diversa fundamentação, manteve o que havia decidido a 1ª instância.

Novamente vêm as requerentes cautelares interpor recurso, pedindo revista ao Supremo Tribunal Administrativo [STA], pois defendem que o «acórdão» recorrido erra no julgamento de direito ao considerar que o CCP [Código dos Contratos Públicos] não é aplicável ao processo de alienação das participações do Novo Banco [ver conclusões 14ª a 22ª], ao considerar que a cláusula do Caderno de Encargos que fixou os critérios de elegibilidade constitui um acto administrativo [conclusões 23ª a 32ª], e, ainda, ao entender que o elenco dos potenciais candidatos excluídos era determinável [conclusões 34ª a 36ª].

2. A sentença do TAC julgou procedente a questão da ilegitimidade activa, que havia sido suscitada pelo demandado BdP, porque entendeu, e em súmula, que os requerentes cautelares uma vez que não foram candidatos no procedimento de concurso em causa não são parte na relação material controvertida [ver artigo 9º do CPTA] nem retiram utilidade da procedência dos pedidos formulados, seja o de suspensão de eficácia do acto de adjudicação e da execução do contrato, seja o de declaração de ilegalidade de normas do Caderno de Encargos [CE]. Invoca, na fundamentação jurídica deste julgamento, os artigos 9º, 51º, e 55º, do CPTA.

O acórdão ora recorrido manteve este julgamento da 1ª instância, mas fê-lo por apelo a outros fundamentos, embora nunca contrariando, ou sequer referido, os que foram utilizados na sentença sob apelação.

Começou o acórdão recorrido por «arredar a aplicação do CCP ao procedimento de venda do NB», porque entendeu que a alienação de instituições bancárias de transição está integralmente sujeita ao RGICSF [Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras]; e porque entendeu, ainda, que a «deliberação do BdP» que definiu os critérios de elegibilidade dos candidatos configura «acto administrativo excludente», pois que, e para além do mais, o universo de potenciais candidatos excluídos, entre os quais os aí apelantes, é determinável.

Nesta base de entendimento, considerou que tal acto administrativo excludente definiu em termos imperativos a situação jurídica dos apelantes, relativamente ao procedimento de concurso em causa, configurando-se como acto destacável, autonomamente impugnável. E concluiu assim: «Como já tivemos ocasião de dizer, o critério, a regra, que afastou os recorrentes do procedimento de venda do NB […] definiu a sua situação jurídica, excluiu-os do procedimento, pelo que, na falta de atempada impugnação, se consolidou na ordem jurídica, ficando precludido o direito, ou a faculdade processual, de se vir discutir posteriormente a sua legalidade no acto que a final for praticado, porque ele já não lhes diz respeito, já não mais os afecta.

Na verdade e durante mais de um ano os recorrentes não manifestaram qualquer interesse em reagir contra a decisão/regra/critério que os afastou dos procedimentos de venda do NB e não podem pretender, agora, impugnar a decisão final do procedimento de venda do NB, com o fundamento na ilegalidade daquela exclusão.

Assim, ao contrário do que os recorrentes alegam, a decisão contida na deliberação do BdP […] que definiu os critérios de elegibilidade […] e os impediu de participar no procedimento [de venda do NB], configura, para todos os efeitos, um verdadeiro acto de exclusão desse procedimento, e encontra-se, por isso, sujeito ao ónus de impugnação autónoma prevista na 2ª parte do nº3 do artigo 51º do CPTA.

Improcede, pois, a esta luz, o presente recurso […]

Os ora recorrentes entendem que este julgamento de direito «está errado», quer ao considerar inaplicável o CCP ao processo de alienação das participações do NB [conclusões 14ª a 22ª], quer ao considerar que a fixação dos critérios de elegibilidade configura um acto administrativo [conclusões 23ª a 32ª]; quer ao entender que o elenco dos potenciais candidatos excluídos era determinável [conclusões 33ª a 36ª].

3. Dada a escassez da matéria de facto fornecida pelas instâncias, mostra-se de toda a conveniência fazer a resenha, sintética, mas fiel, dos contornos do litígio que nos é trazido em revista, baseando-nos, para tal, nos elementos fornecidos pelos autos e constituídos por documentação publicamente disponível.

Assim:

O BdP, enquanto autoridade de resolução, e no exercício das competências que para o efeito lhe atribui o RGICSF [Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL 282/92, de 31.12, sucessivamente alterado, sendo que a versão vigente à data da aplicação da medida de resolução ao BES era a decorrente do DL 32-A/2012, de 10.02, alterada pelo DL 114-A/2014, de 01.08, e pelo DL nº114-B/2014, de 04.08], decidiu promover a alienação do NB, «instituição bancária de transição» - criada a 03.08.2014 na sequência da aplicação de medida de resolução de «transferência parcial da actividade» do BES para o NB - integralmente detida pelo FdR.

A decisão de relançar o procedimento de venda do NB - como é público, o BdP havia iniciado em 12.2014 um primeiro procedimento de venda da participação do FdR no NB, que foi interrompido e concluído, em 09.2015, com a decisão de não aceitar nenhuma das 3 propostas vinculativas nesse contexto apresentadas - foi tornada pública através de comunicado de 15.01.2016 - publicado no sítio institucional do BdP na internet.

Por deliberação de 30.03.2016, o Conselho de Administração do BdP definiu os termos em que se processaria tal [2º] procedimento de venda, determinando, designadamente, que deveriam coexistir, em paralelo e numa 1ª fase, duas vias tendentes à alienação, a primeira designada Procedimento de Venda Estratégica do NB e a segunda Procedimento de Venda em Mercado do NB.

Através desta deliberação, foram ainda aprovados os «critérios de elegibilidade» para a participação nos procedimentos de venda, sendo que, entre outras condicionantes, se estabeleceu que só seriam admitidas nos procedimentos de venda as entidades que «não tivessem pendente qualquer litígio administrativo ou judicial contra a aplicação da medida de resolução do BES, a constituição do NB, a transmissão dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos do BES para o NB ou quaisquer outras decisões do BdP relativamente ao NB» [alínea a) do nº1.2 do Anexo I do CE].

A decisão relativa aos termos em que se iria processar o procedimento de venda do NB, incluindo os critérios de elegibilidade para a participação em tal procedimento, foi divulgada através de comunicado - publicado no sítio institucional do BdP na internet, em 31.03.2016.

Os Cadernos de Encargos do Procedimento de Venda Estratégica do NB e do Procedimento de Venda em Mercado do NB foram aprovados e publicitados pelo BdP em 22.04.2016.

Tais Cadernos de Encargos incorporaram os «critérios de elegibilidade» anteriormente definidos, incluindo a estipulação relativa aos investidores em litígio com o BdP.

Depois de ter divulgado vários comunicados sobre as propostas apresentadas, nos dois procedimentos de venda, e sobre o desenvolvimento das negociações, o BdP anunciou, em 04.01.2017, e através de comunicado, que o potencial investidor C………. era «a entidade mais bem colocada para finalizar com sucesso o processo negocial tendente à aquisição das acções do NB e decidiu convidá-lo para um aprofundamento das negociações».

Em 20.02.2017, foi anunciado que a C………… tinha sido seleccionada para uma fase de negociações exclusivas, tendo em vista a definição preliminar de uma possível venda do NB.

Em 31.03.2017, o BdP anunciou que tinha decidido «seleccionar a C………… para concluir a operação de venda do NB, tendo o FdR assinado os documentos contratuais da operação».

Esclarecendo-se que «nos termos do acordo, a C…………… irá realizar injecções de capital no NB no montante total de 1.000 milhões de euros, dos quais 750 milhões de euros no momento da conclusão da operação e 250 milhões de euros no prazo de até 3 anos» e que «por via da injecção de capital a realizar, a C……………. passará a deter 75% do capital do NB e o FdR manterá 25% do capital».

4. É após a divulgação da decisão de 31.03.2017, que os requerentes cautelares -investidores internacionais -, embora não tendo participado no «procedimento de venda» iniciado em Janeiro de 2016, reclamam nele ter interesse, seja na qualidade de potenciais participantes, seja na qualidade de credores do NB.

E, alegadamente legitimados por esse interesse, formulam, tal como vimos, dois pedidos distintos mas complementares: - solicitam que seja decretada a suspensão de eficácia do acto de adjudicação - praticado pelo «BdP» - e do procedimento de celebração do contrato; e solicitam - escudados no nº5, do artigo 132º, CPTA - que se proceda à «imediata correcção» dos documentos conformadores desse procedimento.

Estão em causa, pois, pretensões cautelares, assumidas como instrumentais em relação à futura acção administrativa a propor [artigos 50º a 57º CPTA], através da qual os ora requerentes anunciam pretender - a título principal - a impugnação do acto de adjudicação decorrente da aplicação das «regras», que reputam de «ilegais», do Caderno de Encargos do procedimento de venda do NB, e - a título incidental - a declaração de nulidade ou a anulação das mesmas regras, e a sua consequente desaplicação - ver requerimento inicial.

5. Passemos agora, directamente, à apreciação das «questões» que são objecto do recurso de revista [ver último parágrafo do anterior ponto 2].

Os recorrentes defendem - como dissemos - que o tribunal a quo errou ao considerar que o CCP não é aplicável ao processo de alienação das participações do NB. E esta questão foi, efectivamente, apreciada no acórdão recorrido, porque uma tal aplicação era defendida pela apelante, para fundamentar a alegação de ilegalidade da sua exclusão do procedimento adoptado pelo BdP, bem como para contestar o especial procedimento adoptado para selecção de investidores e de propostas. É que, alega, o procedimento de venda do NB teria de ser absolutamente aberto, uma vez que tal é exigido pela lei, e, especificamente, pelo CCP.

E defendem, ainda, que o tribunal a quo errou ao considerar a regra que definiu os critérios de elegibilidade para participação nos procedimentos de venda, e que os impediu de participar, como um acto administrativo destacável. E, na verdade, foi com base neste entendimento - de que o «critério de elegibilidade» incorporado na «alínea a) do nº1.2 do Anexo I do CE» configurava acto administrativo - que o acórdão recorrido considerou que a falta de impugnação atempada desse acto administrativo retirava legitimidade aos requerentes para pedir a suspensão de eficácia do acto de adjudicação, e do procedimento de celebração do contrato.

O outro erro de julgamento de direito, invocado, é relativo à «determinabilidade do universo dos potenciais candidatos excluídos», e a sua importância limita-se, na economia dos autos, a ser «questão-pressuposto» da referida qualificação do critério de elegibilidade [alínea a) do nº1.2 do Anexo I do CE] como acto administrativo.

Ora, estes alegados erros de julgamento de direito incidem sobre fundamentos apresentados pela 2ª instância para manter a decisão da 1ª instância, lançando, aquela, mão de uma linha argumentativa apologética, pois se limitou a «rebater as razões» invocadas na apelação.

Donde resulta que os actuais recorrentes problematizam na revista fundamentos utilizados pelo acórdão recorrido para confirmar a sentença, arvorando-os assim em verdadeiras questões a resolver. Mas, não obstante tratar-se de «questões» que nos cumpre apreciar, porque integradoras do objecto da revista, fá-lo-emos tendo sempre presente dois vectores essenciais: - que a «questão nuclear» é a da legitimidade activa; - e que a apreciação das mesmas nesta sede cautelar se traduz em «apreciação perfunctória».

E a circunstância destas questões surgirem, na economia do acórdão recorrido, a título de fundamentos da manutenção do decidido pela 1ª instância, significa, além do mais, que a sua apreciação não constitui - como entendem os recorrentes - «uma decisão surpresa».

6. Assiste razão ao tribunal a quo ao entender que o procedimento de compra e venda de acções de um «banco de transição» - como é o NB - não está submetido às regras do CCP.

E esta conclusão extrai-se, com bastante clareza, da interpretação das normas contidas nos artigos 5º, nº1, 6º, nº2, e 16º, do próprio CCP - lembre-se que aprovado pelo DL nº18/2008, de 29.01, e sujeito, até hoje, a 14 alterações - e dos nºs 3 e 4 do artigo 145º-R do já referido RGICSF.

Nesse artigo 5º, nº1, sob e epígrafe de «contratação excluída», estipulava-se - na versão [10ª] aplicável ao caso - que «A parte II do presente Código não é aplicável à formação de contratos a celebrar por entidades adjudicantes cujo objecto abranja prestações que não estão nem sejam susceptíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, designadamente em razão da sua natureza ou das suas características, bem como da posição relativa das partes no contrato ou do contexto da sua própria formação».

Nesse artigo 6º, nº2, sob a epígrafe de «restrição do âmbito de aplicação», diz-se que «Quando a entidade adjudicante seja uma das referidas no nº2 do artigo 2º, ou o Banco de Portugal, a parte II do presente Código só é aplicável à formação dos contratos cujo objecto abranja prestações típicas dos contratos enumerados no número anterior [contratos esses que são, segundo o número anterior, os seguintes: a) Empreitada de obras públicas; b) Concessão de obras públicas; c) Concessão de serviços públicos; d) Locação ou aquisição de bens móveis; e) Aquisição de serviços].

Nesse artigo 16º, sob o título «procedimentos para a formação de contratos», o nº1 estipula que «Para a formação de contratos cujo objecto abranja prestações que estão ou sejam susceptíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, as entidades adjudicantes devem adoptar um dos seguintes tipos de procedimentos: a) Ajuste directo; b) Concurso público; c) Concurso limitado por prévia qualificação; d) Procedimento de negociação; e) Diálogo concorrencial», e, o nº2, reza assim: «Para os efeitos do disposto no número anterior, consideram-se submetidas à concorrência de mercado, designadamente, as prestações típicas abrangidas pelo objecto dos seguintes contratos, independentemente da sua designação ou natureza: a) Empreitada de obras públicas; b) Concessão de obras públicas; c) Concessão de serviços públicos; d) Locação ou aquisição de bens móveis; e) Aquisição de serviços; f) Sociedade».

Por sua vez, do artigo 145º-R, nºs 3 e 4, do RGICSF [na «versão aqui aplicável» - ver anterior ponto 3, 2º parágrafo], decorre que, quando considerar que se encontram reunidas as condições necessárias para alienar - parcial ou totalmente - títulos representativos do capital social da instituição de crédito objecto da resolução que tenham sido transferidos para a instituição de transição, o BdP, ou a instituição de transição, se autorizada pelo BdP, pode, «assegurando a transparência do processo e o tratamento equitativo dos interessados, promover a sua alienação através dos meios que forem considerados mais adequados tendo em conta as condições comerciais existentes na altura, as circunstâncias do caso concreto, e os princípios, regras e orientações da União Europeia em matéria de auxílios de Estado».

Estas normas do RGICSF - introduzidas pelo DL 23-A/2015, de 26.03 - transpõem para o direito nacional o disposto no artigo 41º, nº4, da Directiva 2014/59/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15.05.2014, onde se estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento.

Neste artigo da Directiva pode ler-se: «Os Estados-Membros asseguram que, caso a autoridade de resolução tente vender a instituição de transição ou os seus activos, direitos ou passivos, a instituição de transição ou os activos e passivos relevantes sejam comercializados de forma aberta e transparente, e a venda não os apresente de forma materialmente incorrecta nem favoreça ou discrimine arbitrariamente os potenciais adquirentes. Qualquer alienação nesse contexto é efectuada em condições comerciais, tendo em conta as circunstâncias e de acordo com o enquadramento da União para os auxílios estatais».

Destas normas deflui que o «regime jurídico da alienação de uma instituição de transição», no contexto de uma medida de resolução, segue o disposto, sobre a matéria, no regime especial previsto no RGICSF, mormente no seu artigo 145º-R, nºs 3 e 4, que transpôs a referida Directiva de direito europeu, sendo, nessa medida, um regime derrogador do regime regra da contratação pública, tanto no plano nacional, relativamente ao CCP, como no plano europeu, relativamente às Directivas da Contratação Pública.

Efectivamente, a alienação em causa, pela sua especialidade e complexidade, não integra «prestações que estejam ou sejam susceptíveis de estar» submetidas à concorrência de mercado, na acepção do artigo 16º do CCP. Trata-se de contratos que deverão ser celebrados através de «procedimentos competitivos transparentes e aptos a assegurar o tratamento equitativo dos interessados», mas, adequados «às condições comerciais existentes no momento da alienação e às circunstâncias do caso concreto», sem prejuízo do respeito «pelos princípios, regras e orientações da União Europeia em matéria de auxílios de Estado».

Note-se que é o próprio legislador que, ao determinar a forma como a entidade pública responsável pela instituição de transição deve organizar a alienação, lhe impõe o especial dever de adequação do procedimento às suas «especificidades típicas», como ainda às «circunstâncias do caso concreto», sem fazer qualquer remissão para o regime jurídico-regra da contratação pública.

O que não significa, sublinhe-se bem, que a circunstância da «não aplicação do CCP» desvincule o BdP de conformar-se com os princípios fundamentais quer da contratação pública quer da actuação administrativa, pois deverá «assegurar a transparência do processo e o tratamento equitativo dos interessados», bem como o tipo adequado de abertura à concorrência. E verdade é que a efectividade do princípio da concorrência não depende exclusivamente das regras previstas no âmbito do regime jurídico da contratação pública, podendo ser realizado através de procedimentos competitivos, transparentes e ajustados às características do seu objecto.

Por fim - no que a esta questão diz respeito - realce-se que a circunstância de o FdR intervir no procedimento de alienação em causa não altera a conclusão retirada. Na verdade, é o BdP quem, efectivamente, promove o procedimento de venda e define os termos da participação detida pelo FdR no NB, sendo o FdR, apesar de ter personalidade jurídica, uma instituição subordinada àquela instituição matriz [artigos 153º-B e 153º-C do RGICSF].

7. Não assiste razão ao tribunal a quo ao entender que o critério de elegibilidade que impediu os fundos investidores, requerentes, de participar no procedimento em causa constitui um acto administrativo de exclusão, portanto, destacável.

Como deixamos dito em 3 supra, por deliberação de 30.03.2016, o Conselho de Administração do BdP definiu os termos em que se processaria o procedimento, e, além do mais, aprovou os critérios de elegibilidade para participação no mesmo e que viriam a ser incorporados no CE.

Um desses «critérios de elegibilidade» - incorporado na alínea a) do nº1.2 do Anexo I do CE - diz que apenas seriam admitidas no procedimento de venda as entidades que «não tivessem pendente qualquer litígio administrativo ou judicial contra a aplicação da medida de resolução do BES, a constituição do NB, a transmissão dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos do BES para o NB ou quaisquer outras decisões do BdP relativamente ao NB». O que não era o caso dos fundos investidores ora recorrentes.

O tribunal a quo entendeu que esta «regra» configura um «acto administrativo» de exclusão, porque define a situação jurídica dos seus destinatários, que «são determináveis», e que estava sujeito ao ónus de impugnação autónoma, que é previsto na 2ª parte do nº3 do artigo 51º do CPTA. E porque não o fizeram, os ora recorrentes não podem vir «agora» discutir a sua legalidade porque o «acto final» já não lhes diz respeito, já não os afecta.

Temos por certo que a qualificação do citado critério de elegibilidade como acto administrativo não está correcta. Aliás, o próprio acórdão recorrido se lhe refere várias vezes como «regra», sendo que uma regra não é um «acto».

Tanto a norma regulamentar como o acto administrativo visam produzir efeitos externos, só que, enquanto a «norma» o faz de uma forma geral e abstracta, o «acto» visa uma situação individual e concreta [artigos 135º e 148º do CPA]. Embora seja um indício importante, não é determinante para distinguir entre norma e acto o da determinabilidade dos potenciais destinatários, dado que a finalidade da regra, apesar dessa eventual determinabilidade, sempre pode ter sido a de regular a situação de forma geral e abstracta. É o que acontece com as regras integradas nos documentos conformadores do procedimento contratual, como os programas de concurso e os cadernos de encargos.

O que tudo indica é que, no caso, estamos - quase apetece dizer - entre uma coisa e outra, isto é, face a uma norma imediatamente operativa, pois que, dirigindo-se embora à Administração, impõe a determinadas categorias de entidades, desde logo, uma proibição de participar no procedimento de alienação em causa.

8. A questão da legitimidade dos ora requerentes reconduz-se à sua legitimidade para intentar a acção principal - ao serviço da qual está este processo cautelar - mediante a qual se propõem, como ficou dito, impugnar o acto de adjudicação decorrente da aplicação de critérios de elegibilidade que consideram ilegais, e a declaração de nulidade ou a anulação dos mesmos, e a sua consequente desaplicação [artigo 112º, nº1, do CPTA].

Os requerentes cautelares sustentam a sua legitimidade para a acção no facto de serem fundos investidores que - alegadamente - teriam interesse em participar no processo de alienação do NB, mas que disso foram impedidos em função dos critérios definidos de elegibilidade dos participantes. Anulados estes critérios, e aberto novo procedimento, ser-lhes-á assegurada a possibilidade de participação.

Além disto, os ora requerentes cautelares invocam, em termos de legitimidade, a sua qualidade de credores do NB.

Importa apreciar, por conseguinte, na sequência do que ficou dito, se os fundos investidores recorrentes, que não se apresentaram ao procedimento em litígio, por lho vedar directamente um dos critérios de admissibilidade estabelecidos no CE, e que na pendência do mesmo a nada reagiram quer junto do BdP quer junto dos tribunais, podem vir agora pôr em causa, cautelar e principalmente, o acto final que seleccionou a entidade com a qual será concluído o respectivo contrato, usando como fundamento a ilegalidade da norma que lhe impediu o acesso.

9. A regra geral da legitimidade activa para «impugnação de acto administrativo» encontra-se consagrada no artigo 55º do CPTA, cujo nº1, alínea a), estipula que tem legitimidade para impugnar um acto administrativo quem alegue ser titular de «um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos».

Esta regra vigora também, substancialmente, no caso de «impugnação de normas imediatamente operativas» como se constata da leitura do artigo 73º do CPTA.

O que significa que, por regra, só o participante em determinado procedimento, e que dele não tenha sido excluído, está em condições de invocar um interesse relevante, em termos de legitimidade activa, para atacar o acto final do mesmo.

Para além disto, poderá haver excepções à regra, mas expressamente previstas na lei.

Da atenta consulta dos «regimes processuais urgentes» previstos no CPTA, o único capaz de atribuir «legitimidade activa» aos agora recorrentes para pedir a declaração de ilegalidade de disposições contidas no CE, e com base na mesma impugnar acto administrativo que as aplique, é o do seu artigo 103º, relativo à impugnação dos documentos conformadores do procedimento.

Efectivamente, de acordo com este artigo, o pedido de declaração de ilegalidade de disposições contidas - nomeadamente - no caderno de encargos, pode ser deduzido por quem participe ou tenha interesse em participar no procedimento em causa, e pode ser cumulado com o pedido de impugnação de acto administrativo de aplicação dessas disposições, podendo esse pedido ser «deduzido durante a pendência» do procedimento a que - no caso - o caderno de encargos se refere.

É claro, assim, que esta «legitimidade» é concedida mesmo àqueles que tenham mero interesse em participar no procedimento e que, por conseguinte, nele ainda não participam, mas trata-se, tal como decorre da norma, de uma legitimidade temporária. Isto é, trata-se de uma legitimidade que pode ser exercida durante a pendência do procedimento.

Ora, os recorrentes lançaram mão do processo cautelar regulado no artigo 132º do CPTA e não do processo urgente regulado no seu artigo 103º, deduzindo em conformidade um pedido de suspensão de eficácia do acto de adjudicação e da celebração do contrato, a que adicionaram pedido de correcção para o caso de se vir a julgar verificada a hipótese do nº5, do artigo 132º, tendo-o feito numa altura em que o BdP já tinha seleccionado o C………….. para concluir a operação de venda do NB, isto é, numa altura em que já tinha sido proferido o «acto final do respectivo procedimento».

E efectivamente, nem o pedido, nem o tempo em que foi formulado «encaixa» nos pressupostos da legitimidade excepcional atribuída pelo artigo 103º do CPTA.

Donde resulta, na linha do que foi decidido pelas instâncias, que os recorrentes, enquanto requerentes, carecem de legitimidade activa quer à luz da regra geral quer à luz da excepção integrada na norma referida por último.

10. Os requerentes cautelares alegam, ainda, como título de legitimidade, a sua condição de credores do NB. Mas não se vê como é que esta «titularidade» pode dar azo a um interesse directo e pessoal [artigo 55º, nº1 alínea a), CPTA] na impugnação do procedimento de alienação do NB. Não se vê que prejuízo directo ou que utilidade lhes pode resultar, nessa qualidade de credores, da alienação do NB nos termos em que foi projectada e concretizada.

Nem eles, requerentes cautelares, o explicam.

11. Ressuma do exposto que deve ser negado provimento ao recurso de revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos negar provimento ao recurso de revista, e manter o decidido pelas instâncias.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 13 de Março de 2019. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Jorge Artur Madeira dos Santos.