Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0329/10
Data do Acordão:09/15/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:IRS
PROMESSA DE COMPRA E VENDA
CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL
MAIS VALIAS
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Sumário:Em sede de mais valias obtidas em resultado de cessão onerosa de posição contratual relativa a contrato promessa de compra e venda de imóvel, o ganho sujeito a IRS é constituído pela importância recebida pelo cedente, deduzida do preço por que eventualmente tenha obtido os direitos e bens objecto de cessão – e, por força dos termos do n.º 1, alínea d); e alínea b) do n.º 4 do artigo 10.º do Código do IRS, não podem ser consideradas dedutíveis despesas outras requestadas (como de IMT, e despesas de intermediação).
Nº Convencional:JSTA00066574
Nº do Documento:SA2201009150329
Data de Entrada:04/19/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF SINTRA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:CIRS88 ART51 ART10 N1 A N4 B.
Referência a Doutrina:CASALTA NABAIS O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR IMPOSTOS PAG520-521.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 A… vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou «totalmente improcedente a pretensão deduzida pelo impugnante, sendo válido o acto de liquidação de imposto controvertido». 1.2 Em alegação, o recorrente formula as seguintes conclusões.
1. O Código do IRS estabelece que a mais valia resultante da venda de bens imóveis é igual à diferença entre o preço de alienação e o preço de aquisição, descontado das despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação.
2. Usando a metodologia consagrada no art° 51° do CIRS ao caso concreto, ao preço de aquisição (82.000 euros) acresce aquelas despesas (14.399,00 + 2.891,00 = 17.290,00) o que tudo totalizará o montante de € 99.290,00.
3. Como a venda foi feita por € 115.000,00 a mais valia é de (115.000 - 99.290) € 15.710,00, como acima se evidenciou.
4. O que acontece é que o Código do IRS, no seu artigo 51° refere que aquelas despesas são acrescentadas ao valor de aquisição dos bens referidos na alínea a) do n° 1 do artigo 10° do mesmo código.
5. Ou seja, nas mais valias obtidas pela venda de bens imóveis.
6. Não refere expressamente a alínea d) (do mesmo n° 1 do artigo 10°), limitando-se, em nosso entender, a referir a alínea a) como quadro de transmissão de bens imóveis (qualquer que seja a forma que tal transmissão revista, desde que como tal considerada pelo CIMT, dizemos nós).
7. Donde resulta que aquelas despesas são consideradas (para abater à mais valia realizada) na alienação onerosa de bens imóveis mas não, no entendimento da douta sentença recorrida, na alienação onerosa de bens imóveis através da alienação de posições contratuais de aquisição de bens imóveis (que está previsto na alínea d) do mesmo preceito n° 1 do artigo 10°).
8. A ser correcto o entendimento da Administração Fiscal (AF) e da douta sentença recorrida, é porque as duas situações referidas, a da alínea a) e a da alínea d) do n° 1 do art° 10° do CIRS, são situações fiscalmente diferentes.
9. O Código do IMT dá-nos a resposta categórica a essa questão ao consagrar na alínea b) do n° 3 do art° 2° que se considera que há também lugar a transmissão onerosa para efeitos de incidência de IMT sobre bens imóveis situados no território nacional, no caso da outorga de contratos de cessão da posição contratual em contrato-promessa cujo objecto são bens imóveis.
10. Ou seja, para pagar IMT a cessão da posição contratual é uma transmissão de bens imóveis, mas para descontar as despesas com a venda, no entender da AF, já não é uma transmissão de bens imóveis.
11. Na nossa modesta opinião, tal entendimento é ilegal.
12. Pois viola o princípio da igualdade consagrado no n° 2 do artigo 5º da Lei Geral Tributária.
13. E viola o princípio da justiça material e consagrado no mesmo preceito.
14. Deve assim a alínea a) do art° 51° do CIRS ser interpretada no sentido de abranger igualmente as situações de transmissão onerosa de bens imóveis através da cessão da posição contratual, entendidas como tal no artigo 2° do CIMT.
15. Pois só assim se dá cumprimento ao comando de interpretação das normas fiscais consagrado no n° 3 do art° 11° da Lei Geral Tributária, pois se dúvidas subsistirem, elas são resolvidas em função da substância económica dos factos tributários.
16. Ora, como vimos, a substância económica dos factos tributários é a transmissão de bens imóveis com lucro.
17. Independentemente do modo utilizado para a transmissão.
18. Deixar de fora do campo de aplicação da alínea a) do art° 51° do CIRS, as situações de transmissão de imóveis através da cessão onerosa da posição contratual de promitente-comprador de imóvel é tratar diferentemente uma situação materialmente e fiscalmente igual e com a mesma substância económica.
19. O que tornaria, além do mais, essa norma (alínea a) do art° 51° do CIRS) materialmente inconstitucional por violar o princípio da igualdade consagrado no art° 13°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa, o que expressamente se invoca.
20. Porquanto o legislador não pode consagrar tratamentos discriminatórios materialmente infundados pois estes dois factos tributários (contrato de compra e venda versus cessão da posição contratual em contrato promessa de compra e venda) são tratados pelo mesmo legislador como duas realidades objectiva, material e substancialmente iguais.
21. A douta sentença violou assim os artigos 10º e 51° do CIRS, os artigos 5º, n° 2 e 11°, n° 3 da Lei Geral Tributária e ainda o art° 13° da CRP.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, revogando-se a douta sentença recorrida e em consequência, ser proferido douto acórdão que considere as despesas efectuadas para a transmissão do imóvel no valor de € 17.290,00 (dezassete mil duzentos e noventa euros), reduzindo-se em igual montante a matéria colectável de IRS relativa ao ano de 2007.
1.3 Não houve contra-alegação.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer.
Resulta do artº 51º do CIRS que para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:
a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, e as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas na alínea a) do nº 1 do artigo 10º;
b) As despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à alienação, nas situações previstas nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 10º.
Por sua vez estabelece o artº 10º, nº 1 do CIRS que constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;
b) Alienação onerosa de partes sociais, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, e de outros valores mobiliários e, bem assim, o valor atribuído aos associados em resultado da partilha que, nos termos do artigo 75° do Código do IRC, seja considerado como mais-valia;
c) Alienação onerosa da propriedade intelectual ou industrial ou de experiência adquirida no sector comercial, industrial ou científico, quando o transmitente não seja o seu titular originário;
d) Cessão onerosa de posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis;
No caso previsto na alínea d) do n° 1 (cessão onerosa de posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis) dispõe o art° 10º, n° 4, al. b) do CIRS que o ganho sujeito a IRS é constituído pela importância recebida pelo cedente, deduzida do preço por que eventualmente tenha obtido os direitos e bens.
Por outro lado o Código do Imposto Municipal sobre Transacções Onerosas de Imóveis prevê a sujeição a imposto dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis sempre que ocorra a «cedência de posição contratual ou ajuste de revenda, por parte do promitente adquirente num contrato-promessa de aquisição e alienação, vindo o contrato definitivo a ser celebrado entre o primitivo promitente alienante e o terceiro», considerando existir, nessas situações, uma transmissão onerosa para efeitos de incidência do imposto (art° 2°, n° 3, alínea e)).
Esta tributação em sede de Imposto Municipal sobre Transacções Onerosas de Imóveis tem a sua razão de ser no facto de a lei presumir ter existido, nesse caso, a tradição do bem para o cedente, ficcionando a partir daí a existência de transmissão (económica) do bem para efeitos de incidência de imposto.
Alega o recorrente que a interpretação que a sentença recorrida faz do art° 51° do CIRS e das alíneas a) e d) do n° 1 do art° 10º do mesmo código é ilegal pois viola o princípio da igualdade consagrado no nº 2 do artigo 5° da Lei Geral Tributária, bem como o princípio da justiça material consagrado no mesmo preceito.
E que a alínea a) do artº 51° do CIRS deve ser interpretada no sentido de abranger igualmente as situações de transmissão onerosa de bens imóveis através da cessão da posição contratual, entendidas como tal no artigo 2° do CIMT.
Conclui que deixar de fora do campo de aplicação da alínea a) do art° 51° do CIRS, as situações de transmissão de imóveis através da cessão onerosa da posição contratual de promitente comprador de imóvel é tratar diferentemente uma situação materialmente e fiscalmente igual e com a mesma substância económica.
O que toma, além do mais, essa norma materialmente inconstitucional por violar o princípio da igualdade consagrado no artº 13°, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
Afigura-se-nos que não lhe assiste razão já que, em sede de tributação do rendimento, não estamos perante situações iguais e com a mesma substância económica.
Com efeito o artº 10º, n° 1 do CIRS prevê quatro situações diferentes em que os ganhos obtidos são qualificados como mais-valias: alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário; alienação onerosa de partes sociais; alienação onerosa da propriedade intelectual ou industrial ou de experiência adquirida no sector comercial, industrial ou científico e cessão onerosa de posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis.
Nas situações previstas nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 10°, a norma do artº 51º do CIRS consagra que, para determinação das respectivas mais-valias fiscais, as despesas necessárias e efectivamente praticadas inerentes à alienação sejam adicionadas ao valor da aquisição.
Mas não o faz da mesma forma, nas situações previstas nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 10°, em que não há lugar à correcção do valor de aquisição pelo coeficiente de desvalorização, o que de certo modo se justifica devido à natureza dos bens e direitos em causa.
Já na situação prevista na al. d) – cessão onerosa de posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis – a lei não faz referência a encargos ou as despesas necessárias inerentes à alienação e muito menos em encargos com a valorização dos bens, que não teriam qualquer sentido nesta hipótese.
Daí que também improcederia, desde logo, a pretensão do recorrente no sentido de se proceder à interpretação extensiva da al. a) do artº 51° do CIRS.
Trata-se, com efeito, de situações diversas, tratadas de forma diferente pelo legislador.
O que se compreende devido à natureza predominante financeira e especulativa das referidas mais-valias nos casos que, como o dos autos, configuram um ajuste revenda com terceiro com o qual o promitente vendedor venha a celebrar a escritura de venda do imóvel.
Como se sublinha no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.04.2010, os contratos promessa de compra e venda de imóveis deixaram de ser, «progressivamente, com o desenvolvimento da actividade económica, meros negócios preparatórios de contratos de compra e venda, passando a ser utilizados como instrumentos de realização de investimentos e de especulação imobiliária, que têm por base uma transmissão puramente económica dos bens, proporcionadora de rendimentos.
E, mais adiante, refere-se no mesmo acórdão, citando José Maria Fernandes Pires, do Centro de Formação da DCCI, “Texto de apoio à formação profissional de funcionários da DGCI no âmbito do Plano Estratégico de Implementação da Reforma dos Impostos Sobre o Património”: «Em muitos contratos promessa, o promitente-comprador não tem intenção de adquirir a propriedade do imóvel envolvido, como é típico dos contratos de promessa. Cada vez mais os contratos promessa relativos a imóveis são utilizados como instrumentos de especulação imobiliária e de investimentos tendentes à realização de mais-valias. É hoje muito frequente que os promotores imobiliários lancem no mercado novos empreendimentos imobiliários, ainda antes de se iniciar a sua construção. A negociação desses empreendimentos nessa fase, com base nos projectos de construção, é do interesse dos promotores, que assim realizam liquidez que lhes permite financiar a construção sem terem de recorrer ao crédito bancário. Para os adquirentes também se trata de um bom investimento, porque adquirem os respectivos direitos sobre o imóvel em construção a um custo mais baixo, e através de pagamentos parciais, à medida do ritmo de construção do imóvel». «Nesta fase, a generalidade destes negócios são titulados por contratos de promessa de compra e venda de bens futuros. Ora, em muitos casos, o promitente adquirente não tem intenção de vir a adquirir o direito de propriedade sobre o imóvel ou fracção envolvido no negócio. Trata-se de um mero especulador que dispõe de meios financeiros para investir e aproveita para adquirir um direito sobre o promotor imobiliário e o imóvel. O custo por si suportado é mais baixo que aquele que pagaria no final da construção, beneficiando, simultaneamente, de um prazo dilatado de pagamento, à medida da construção da obra. Logo que a obra esteja concluída, o especulador cede a sua posição no contrato promessa a terceiro, realizando com isso uma mais-valia. Entre este adquirente e o promotor imobiliário é depois outorgada a escritura de compra e venda que transmite o direito de propriedade sobre o imóvel».
O legislador, certamente conhecedor desta realidade e da diversidade das situações em causa, não deixou de o reflectir no texto legislativo.
Não se verifica, pois, qualquer violação do princípio da igualdade.
Acresce dizer que independentemente de se tratar de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis ou cessão onerosa de posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis, se entende que o conceito de despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à alienação, abrange somente as decorrentes de obrigações legais e impostas aos alienantes.
Como se disse no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.11.2009, recurso 585/09, relativamente às despesas inerentes à alienação onerosa de direitos sociais «Esta disposição legal prevê a possibilidade de acrescer ao valor de aquisição das mais-valias as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à alienação, mas somente as decorrentes de obrigações legais e impostas aos alienantes, não as que as partes, no domínio do livre arbítrio contratual considerem essenciais à celebração do negócio».
Não é esse o caso das despesas apresentadas pelo impugnante referente à mediação imobiliária que não dependem de obrigação legal, mas sim do livre arbítrio contratual.
Portanto, ainda que procedesse a argumentação do recorrente no tocante a uma violação do princípio da igualdade, sempre o recurso estaria votado ao insucesso na parte relativa às despesas apresentadas relativas à intermediação de terceiro, que não podiam ser consideradas em sede de apuramento de mais-valias em face da redacção do art° 51º do CIRS.
Termos em que somos de parecer que o presente recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se o julgado recorrido.
1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em conferência.
O Ministério Público neste Tribunal indica como questão a decidir neste recurso a de saber «se a norma do artigo 51.º do Código do IRS, relativa aos encargos e despesas necessárias que acrescem para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, viola o princípio da igualdade ínsito nos artigos 5º, nº 2, da Lei Geral Tributária e 13º, n.º 1, da Constituição da República».
O n.º 2 do artigo 5.º da Lei Geral Tributária preceitua que «A tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material». Porém, o impugnante, ora recorrente, não explicita minimamente, e nós não vemos, por que modo é que esses princípios são violados no caso – pelo que improcede tal alegação.
O impugnante, ora recorrente, também não se afadiga a demonstrar (o que não se enxerga) que «as situações de transmissão de imóveis através da cessão onerosa da posição contratual de promitente-comprador de imóvel» constituem «situação materialmente e fiscalmente igual e com a mesma substância económica».
Ao dizer que «decorre do disposto no artigo 51º do Código do IRS que apenas prevê tais encargos e despesas inerentes à alienação nos casos da alínea a), b) e c), do n.º 1, do artigo 10.°, daquele Código, não existindo previsão para os casos de cessão onerosa de posições contratuais», a sentença recorrida pondera acertadamente. E da circunstância de a sentença recorrida entender que não existe previsão para a consideração de despesas inerentes à cessão onerosa de posições contratuais na disposição do artigo 51.º do Código do IRS, logo se colhe que a questionada norma não foi efectivamente aplicada ao caso presente. E não fará sentido falar de inconstitucionalidade (concreta) de norma que não foi aplicada ao caso. A inconstitucionalidade (concreta), a existir (e não se vislumbra), seria a da norma aplicada ao caso presente [n.º 1, alínea d); e alínea b) do n.º 4 do artigo 10.º do Código do IRS]. Pelo que, por tal sinal, também improcede esta levantada inconstitucionalidade.
A sentença recorrida descreve a posição do impugnante, ora recorrente, como sendo a de este defender deverem ser levadas em «consideração, em sede de apuramento de mais valias em resultado da cessão onerosa de posição contratual relativa a um contrato promessa de compra e venda de um imóvel a que se refere a alínea B) do probatório, das despesas incorridas, invocadas neste caso, relativas à cedência, i.e. , dos encargos fiscais resultantes do IMT suportado em resultado daquela cedência por parte do primitivo promitente adquirente ao respectivo cessionário (cfr art° 2°, n° 3, alínea b) e alínea e), do art° 4º, ambos do CIMT), assim como as despesas suportadas com a intermediação do negócio por terceiro – cfr alínea C), do probatório».
Portanto: a questão decidenda, segundo a acurada percepção da sentença recorrida – e as conclusões da alegação do presente recurso – é a de saber se devem ou não ser levadas em consideração as despesas incorridas (IMT, e despesas de intermediação), em sede de apuramento da mais valia obtida em resultado da cessão onerosa da posição contratual relativa ao contrato promessa de compra e venda do imóvel a que se refere a alínea B) do probatório.
2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.
A) Em 11.05.08 o impugnante apresentou uma declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2007, do qual resultou a liquidação nº 2008 5003186899, tendo-se apurado um montante de imposto de € 11.827,23. – cfr. correspondência postal de fls. 30, dos autos e “Prints Informáticos” de fls. 26 a 28, e de fls. 37 a 46, do P.A. apenso.
B) Dá-se aqui por reproduzido o contrato promessa de compra e venda celebrado pelo impugnante e a sociedade “B…, S.A.”, de fls. 29 a 34, sem data, tendo o promitente–comprador celebrado um contrato de cessão da posição contratual que detinha naquela promessa, em 12.05.07, tendo apresentado declaração para liquidação de IMT devido pela cedência e efectuado o pagamento do imposto, em 22.05.07 – cfr. cópia do contrato de cessão da posição contratual, de fls. 35 e 36 e documento da D.G.C.I., de liquidação e pagamento de IMT, de fls. 50, do P.A apenso.
C) Dá-se aqui por reproduzido o contrato de mediação mobiliária, a factura e recibo emitido pela empresa “C…, S.A.”, ao impugnante, de fls. 18, 23 e 24, dos autos.
2.2 Na lógica do modelo de tributação do rendimento, só deverão tributar-se os rendimentos efectivamente auferidos pelo sujeito passivo. E, como modo de levar a efeito esse modelo, a lei prevê um meio próprio para a situação: ao valor de aquisição serão acrescidos certos encargos e despesas, tidos como necessários para a obtenção do ganho de mais-valia. Na verdade, o valor da mais valia tributável não pode ser senão aquele que resulta da diferença entre o ganho de alienação do bem (valor de realização do direito relativo ao imóvel) e o valor de aquisição realização – valor aquele, líquido dos custos ou despesas necessárias para a concretização da cessão do direito relativo ao prédio.
Com efeito, o princípio da capacidade contributiva implica, para o imposto sobre o rendimento, o chamado princípio do rendimento líquido, segundo o qual apenas o montante do rendimento líquido constitui (verdadeiro) rendimento para o pagamento dos impostos, ou seja, que a cada categoria de rendimento sejam deduzidas as despesas específicas para a sua obtenção. Quer isto dizer que, em princípio, todos os gastos necessários à produção ou obtenção de determinado rendimento, como expressão negativa da capacidade contributiva que são, devem ser excluídos desse rendimento – cf., a este respeito, José Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, pp. 520 e 521.
Sobre o conceito de “despesas necessárias (…), inerentes à alienação”, a Administração Fiscal já considerou que as remunerações pagas às empresas de mediação integram o conceito de despesas para cálculo das mais valias, para além das relativas ao IMT e aos encargos notariais e registrais – por entender ser muito redutor desprezar, como despesas necessárias e inerentes à aquisição ou à alienação as remunerações pagas a uma empresa de mediação, legalmente habilitada a desenvolver a sua actividade, que em determinado negócio jurídico tenha intervindo no quadro das suas legítimas atribuições de intermediação. A Administração Fiscal aceita que são consideradas dedutíveis as despesas que se relacionem com a obtenção da mais valia, como o pagamento da remuneração a uma empresa de mediação, no processo de transmissão de determinado bem imóvel. A Administração Fiscal reconhece que, uma vez demonstrada de forma inequívoca a conexão entre o montante pago à empresa de mediação e a transacção concreta que originou a mais valia tributável, nada obsta a que se considere a comissão de intermediação como despesa necessária para efeitos do disposto na alínea a) do artigo 51º do Código do IRS. Assim, uma vez preenchidos os requisitos necessários para demonstrar de forma inequívoca a conexão do montante pago ao mediador imobiliário com a transacção concreta que originou a mais valia tributável e estando devidamente documentada a intervenção do respectivo mediador nos termos legais aplicáveis, poderá considerar-se a comissão de intermediação como “despesa necessária” para efeitos da alínea a) do artigo 51.º do CIRS – cf. a este respeito o Processo: 12/2008, da Direcção-Geral dos Impostos, de 2008-07-14 e 2008-08-12.
Em se tratando, porém, de cessão de posição contratual dos direitos e obrigações decorrentes da promessa de compra e venda relativamente a bens imóveis, não poderá considerar-se, nos termos da alínea a) do artigo 51.º do CIRS, como “despesa necessária” o montante pago ao mediador imobiliário por causa da transacção concreta que originou a mais valia tributável (montante que, por isso, não terá de acrescer ao “valor de aquisição” para efeitos de cálculo da mais valia obtida).
Na verdade, são inequívocos os termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, sob epígrafe “Mais-valias”.
Com efeito, está estabelecido que constituem mais-valias os ganhos obtidos que resultem da cessão onerosa de posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis.
E, segundo os termos evidentes da alínea b) do n.º 4 do mesmo artigo 10.º do mesmo Código do IRS, o ganho sujeito a IRS é constituído pela importância recebida pelo cedente, deduzida do preço por que eventualmente tenha obtido os direitos e bens objecto de cessão, no caso previsto na alínea d) do n.º 1.
Como se vê, em relação às mais-valias obtidas e resultantes da cessão onerosa de posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis, a vontade da lei é a de muito claramente, e sem qualquer ambiguidade, defini-las «pela importância recebida pelo cedente, deduzida do preço por que eventualmente tenha obtido os direitos e bens objecto de cessão» [e nada mais].
2.3 No caso sub judicio, a sentença recorrida ajuíza que a «questão decidenda diz apenas respeito à consideração, em sede de apuramento de mais valias em resultado da cessão onerosa de posição contratual relativa a um contrato promessa de compra e venda de um imóvel a que se refere a alínea B) do probatório das despesas incorridas, invocadas neste caso».
Julgamos realmente que a questão a decidir é precisamente esta.
O impugnante, ora recorrente pretende que das mais valias tributáveis se retire os «encargos fiscais resultantes do IMT suportado em resultado daquela cedência por parte do primitivo promitente adquirente ao respectivo cessionário (…), assim como as despesas suportadas com a intermediação do negócio por terceiro».
À questão assim posta a sentença recorrida responde essencialmente que «na definição do ganho sujeito a imposto vertido na alínea b), do n° 4, do art° 10º do CIRS, não tem sustentação tal tese porquanto a mais-valia é constituída pela diferença da importância recebida pelo cedente e o preço por que obteve aquele direito objecto de cedência, o qual se circunscreve à aquisição da posição contratual no contrato relativo ao bem imóvel e esse é dado exclusivamente pelo montante do sinal pago ao promitente-vendedor. Trata-se em qualquer caso de encargos inerentes à transmissão da posição contratual, que só podem acrescer à importância recebida pelo cedente caso as mesmas sejam admitidas fiscalmente, o que não é o caso (…)».
Por tudo o que acima deixamos dito, julgamos que a sentença recorrida ajuizou bem a situação e fez boa interpretação a aplicação da lei – razão por que deve ser corroborada.
Estamos, deste modo, a concluir, e em resposta ao thema decidendum, que, em sede de mais valias obtidas em resultado de cessão onerosa de posição contratual relativa a contrato promessa de compra e venda de imóvel, o ganho sujeito a IRS é constituído pela importância recebida pelo cedente, deduzida do preço por que eventualmente tenha obtido os direitos e bens objecto de cessão – e, por força dos termos do n.º 1, alínea d); e alínea b) do n.º 4 do artigo 10.º do Código do IRS, não podem ser consideradas dedutíveis despesas outras requestadas (como de IMT, e despesas de intermediação).
3. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a procuradoria em um sexto.
Lisboa, 15 de Setembro de 2010. – Jorge Lino (relator) – Casimiro Gonçalves – Dulce Neto.