Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:054/20.3BALSB
Data do Acordão:09/10/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CRISTINA SANTOS
Descritores:MOBILIDADE
FUMUS BONI JURIS
Sumário:I - No artº 68º nº 1 g) EMP a competência dada aos órgãos dirigentes da cadeia hierárquica do Ministério Público integra a figura jurídica da mobilidade funcional, consubstanciada no poder de conformação distinta do elenco concreto de tarefas desempenhadas pelo magistrado titular, retirando da sua competência um processo particularmente complexo, seja do ponto de vista técnico e/ou do ponto de vista do direito de informação do público em geral, e atribuindo-o em exclusividade de funções a diverso magistrado.
II - O artº 68º nº 1 g) EMP compreende um mecanismo extraordinário de mobilidade funcional próprio da gestão do serviço, desencadeado pela instauração de processos que assumam acentuada complexidade jurídica ou repercussão social, conforme critério enunciado na hipótese normativa.
III - Na tutela cautelar administrativa a apreciação do fumus boni iuris requer não apenas a emissão de um juízo sobre a aparência da existência de um direito ou interesse do particular a merecer tutela, como também da probabilidade da ilegalidade da actuação administrativa lesiva do mesmo.
IV - O decretamento da providência requerida depende da verificação cumulativa dos três requisitos legais enunciados no artº 120º nºs. 1 e 2 CPTA, pelo que o decaimento em sede da aparência do bom direito alegado (fumus bonis iuris) importa a improcedência da causa.
Nº Convencional:JSTA000P26248
Nº do Documento:SA120200910054/20
Data de Entrada:06/20/2020
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: A…………. e B…………., com os sinais nos autos, vêm interpor acção cautelar de suspensão de eficácia do despacho da Senhora Conselheira Procuradora Geral da República de 29.05.2020 que indeferiu a impugnação administrativa por ambos deduzida contra o despacho nº 14/2020 de 19.03.2020 do Procurador Geral Regional de Lisboa, proferido em substituição, confirmando-o nos efeitos ordenados de atribuição aos AA em regime de exclusividade de funções o acompanhamento dos termos do procº nº 18588/……… pendente no Juízo 1 do Tribunal de Comércio de Lisboa e relativo à liquidação judicial do Banco ………, mais determinando a apresentação dos AA em 23.06.2020 nos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal de Comércio de Lisboa para efeitos de assumirem o acompanhamento dos citados autos.
Para tanto e em síntese, os AA alegam que:
a) tal competência cabe no âmbito dos poderes do CSMP por se tratar de reafectação de magistrados, nos termos expressos do artº 21º nº 2 a) e artº 77º nº 2 EMP
b) a decisão da impugnação administrativa deduzida contra o despacho do Procurador-geral regional compete ao CSMP e não ao Procurador-Geral da República, nos termos do artº 21º nº 2 g) EMP, sendo esta entidade incompetente em razão da matéria.

Concluem deduzindo pedido múltiplo, como segue:
a. Seja admitido e ordenado o decretamento provisório da providência cautelar de suspensão de eficácia do acto requerido - Despacho da Requerida de 29.05.2020, que indeferiu a impugnação administrativa deduzida pelos Requerentes, confirmando o Despacho n.° 14/2020, emitido em 19.03.2020 pelo Sr. Procurador-Geral Regional de Lisboa (em substituição), atribuindo aos Requerentes o acompanhamento do processo nº18588/…….. (vulgarmente designado “processo de liquidação do …..”), que corre no Juízo do Comércio da Comarca de Lisboa, em regime de exclusividade, a partir do próximo dia 23.06.2020 - e, consequentemente, também do aludido Despacho nº 14/ 2020, assim como de todos os actos subsequentes àquele e que lhe dêem cumprimento;
b. Seja decretada a providência cautelar requerida, e, por via disso, ordenada a suspensão da eficácia do ato requerido - Despacho da Requerida de 29.05.2020, que indeferiu a impugnação administrativa deduzida pelos Requerentes, confirmando o Despacho nº 14/2020, emitido em 19.03.2020 pelo Sr. Procurador-Geral Regional de Lisboa (em substituição), atribuindo aos Requerentes o acompanhamento do processo nº18588/………. que corre no Juízo do Comércio da Comarca de Lisboa, em regime de exclusividade, a partir do próximo dia 23.06.2020 -, e, consequentemente, também do aludido Despacho nº 14/2020, assim como de todos os actos subsequentes àquele e que lhe dêem cumprimento; e
c. Autorizando, como consequência, a manutenção dos Requerentes em funções nas procuradorias especializadas e comarcas onde foram colocados por deliberação do CSMP
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Por despacho de 23.06.2020 foi indeferido o pedido de decretamento provisório da providência.
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A Entidade Requerida juntou aos autos resolução fundamentada, mostrando-se afastado o efeito suspensivo automático nos termos do artº 128º nº 1 in fine CPTA (DL 118/2019, 17.09) conforme despacho de 15.07.2020.
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Devidamente citada, a Entidade Requerida, deduziu oposição pugnando pela total improcedência da acção cautelar.
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O Tribunal é competente em razão da matéria, da hierarquia e do território; não há nulidades que invalidem todo o processado; as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e mostram-se devidamente representadas em juízo; o estado instrutório dos autos permite decidir do pedido, não cumprindo conhecer de outras excepções dilatórias nem peremptórias.
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Com fundamento na admissão por acordo das partes no domínio dos respectivos articulados, bem como nos documentos juntos aos autos e ao procedimento administrativo, cujo teor não foi impugnado pela parte contrária ao apresentante, julgam-se provados os seguintes factos

A. O Requerente A…………. é magistrado do Ministério Público, com a categoria de Procurador da República, encontrando-se colocado na área cível de ………, a exercer funções no Tribunal do Comércio de ……….., Comarca de Lisboa-……., na sequência do movimento extraordinário de magistrados do Ministério Público, com efeitos a partir de 01.09.2014, por deliberação do Conselho Superior do Ministério Público (adiante, “CSMP”) n.° 1697/2014, de 15.07.2014 e de 21.08.2014, publicada no DR, 2.a Série, n.° 167, de 01.09.2014 (Doc. n.° 1).
B. O Requerente A………… foi também nomeado Coordenador Sectorial da Área Cível da Comarca de Lisboa-……., por deliberação do CSMP de 07.10.2014, sob proposta do Exmo. Sr. Procurador Coordenador da Comarca de Lisboa-……, funções estas que vem exercendo desde então (Doc. n.° 2).
C. A Requerente B…………. é magistrada do Ministério Público, com a categoria de Procuradora da República, encontrando-se colocada na área cível de ……, a exercer funções no Tribunal do Comércio de ….., Comarca de Lisboa-……, na sequência do movimento ordinário de magistrados do Ministério Público, com efeitos a partir de 01.09.2017, por deliberação do CSMP n.° 807/2017, de 11.07.2017, publicada em DR, 2.a Série, n.° 168, de 04.09.2017 (Doc. n.° 3).
D. A Requerente B………. foi também nomeada para exercer funções de coadjuvação da magistrada do Ministério Público Coordenadora da Comarca de Lisboa-…….., através da Ordem de Serviço n.° 10/2020, de 04.03.2020, emitida pela Exma. Procuradora Coordenadora da Comarca de Lisboa-…….., ao abrigo do Acórdão do Plenário do CSMP, de 11.02.2020, onde foi deliberado que a seleção de dirigentes e de coordenação processual se inseria nos poderes dos magistrados do Ministério Público Coordenadores de Comarca (art.° 75.°, n.° 1, do Estatuto dos Magistrados do Ministério Público, aprovado pela Lei n.° 68/2019, de 27 de Agosto - adiante, “EMP” - e art.° 101.°, n.° 1, alínea d), da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.° 62/2013, de 26 de Agosto, na redação vigente à data - adiante, “LOSJ”) até à sua regulamentação no próximo movimento de magistrados (Doc. n.° 4).
E. Em 19.03.2020, os Requerentes foram notificados, via SIMP, do Despacho n.° 14/2020, de 19.03.2020, do Sr. Procurador-Geral Regional de Lisboa, em substituição (Doc. n.° 5).
F. Nos termos de tal Despacho os Requerentes foram designados em regime de exclusividade de funções para acompanharem o processo n.° 18588/………., que corre termos no Tribunal do Comércio de Lisboa - Comarca de Lisboa, vulgarmente designado como processo de liquidação judicial do …..
G. Previamente à designação dos Requerentes pelo referido Despacho n.° 14/2020, o aludido processo foi acompanhado, em exclusividade, durante mais de 2 anos, pelo Sr. Procurador da República Dr. C………..
H. O sobredito Procurador da República concorreu no último movimento de magistrados do Ministério Público, vindo a ser colocado no Departamento Central de Contencioso do Estado e de Interesses Coletivos e Difusos (adiante, “DCCEICD”). 
I. No âmbito das diligências encetadas com vista a determinar o futuro do acompanhamento do processo em questão, pronunciou-se o então Sr. Procurador- Geral Regional de Lisboa no sentido de “(...) Na sequência de conversa que tive com a senhora Procuradora-Geral da República, contactei com o Dr. C……… que me afirmou que a complexidade e o tempo previsível que ainda vai decorrer o processo de Insolvência do ….., inviabilizará a sua afectação ao contencioso do Estado. Por isso, entende que deve ser designado outro magistrado para assegurar a continuidade do processo. Deste modo, pretende ficar, em exclusivo, no Departamento do Contencioso do Estado. Deste modo, embora se me afigure que tal situação pode prejudicar a qualidade de intervenção do MP e exigir esforços acrescidos a um novo magistrado que aí seja colocado, penso que deve ser solicitada informação sobre esta problemática ao Dr. …………. [magistrado do Ministério Público Coordenador da Comarca de Lisboa], bem como possibilidade de afectar um novo magistrado ao processo. (...)." (conforme comunicação via SIMP constante de fls. 2 da Certidão junta como Doc. n.° 6).
J. No seguimento da aludida comunicação do Sr. Procurador-Geral Regional de Lisboa, veio o Magistrado do Ministério Público Coordenador da Comarca de Lisboa, a emitir a sua pronúncia, mediante comunicação dirigida ao Sr. Procurador-Geral Regional de Lisboa e ao Gabinete da Sra. Procuradora- Geral da República, datada de 26.12.2019, nos termos da qual referiu, entre outros aspetos, o seguinte:“(...) o Sr. Procurador da República, Dr. C…….. acompanha o processo de liquidação judicial do ….. há mais de 2 anos, em exclusividade. Com efeito, de acordo com a anterior Exma Senhora Procuradora-Geral da República, a anterior Exma Senhora Procuradora-Geral Distrital, foi considerado que o processo em causa tinha enorme repercussão social e revestia uma elevada complexidade, o que impunha que um magistrado do Ministério Público o acompanhasse do início até ao final. O Sr. Procurador da República, Dr. C………. conhece o processo melhor que ninguém, conforme consta das informações mensais que o incumbi de fazer e que tenho dado conhecimento a V. Exa. Conforme consta de tais informações o Sr. Procurador da República tem realizado um conjunto de reuniões, quer com a Comissão Liquidatária, quer com outros intervenientes, e elaborou várias peças processuais. Mudar de Magistrado nesta fase do processo, após 2 anos de exclusividade torna-se, em minha opinião, prejudicial para o Ministério Público e para o eventual magistrado que começasse agora a acompanhar o processo, que o desconhece em absoluto, perdendo-se todo o trabalho feito ao longo de 2 anos. Para além disso, e salvo o devido respeito, este é um processo que se adequa completamente ao núcleo do contencioso do Estado, pois não vislumbro que, qualquer outro na área cível, pelo menos na comarca de Lisboa, tenha tão importância, complexidade e repercussão social como esta. (...).” (vd. fls. 3 da Certidão junta com o Doc. n.° 6).
K. Em comunicação remetida pelo então Sr. Procurador- Geral Regional de Lisboa à Requerida, datada de 26.12.2019, refere-se: “(...) Reencaminho as preocupações que foram apresentadas pelo senhor Coordenador da Comarca de Lisboa, com as quais concordo em absoluto. No momento em que foi designado o Dr. C………… era eu Director do DCIAP e foi diligenciado pela designação de magistrado que estivesse à altura de acompanhar o processo. Trata-se, como foi referido, de processo de grande repercussão social e que, por outro lado, pode ter influência no inquérito crime pendente. Estabeleceu-se uma especial coordenação e troca de pontos de vista (em termos estratégicos do MP) entre os magistrados do DCIAP e do Dr. C………. que, através dos tempos, fez as diversas respostas e deu conta da evolução do processo (por períodos em exclusivo). Face às considerações do Coordenador de comarca, que subscrevo na íntegra, considero ser prejudicial para o processo a saída do Dr. C………. Por isso, afigura-se-me que o mesmo deve continuar a acompanhar o processo, sendo de equacionar se tal processo - face à complexidade e visibilidade pública do processo - deveria ser acompanhado, igualmente, pelo Núcleo de Contencioso do Estado. (...)." (vd. fls. 4 da Certidão já junta como Doc. n.° 6).
L. No seguimento das comunicações do Sr. Procurador-Geral Regional de Lisboa e do Sr. Procurador Coordenador da Comarca de Lisboa acima citadas, a Requerida solicitou ao DCCEICD que se pronunciasse quanto à possibilidade do Sr. Procurador da República Dr. C………, ali colocado, continuar a acompanhar o processo de liquidação do …..
M. Tal pronúncia veio a ser emitida pela Sra. Dr. ………., Diretora do DCCEICD, em 14.01.2020, constando da mesma que “(...) O Lic. C……… deu a conhecer ao Senhor PGRL a sua indisponibilidade para continuar afecto ao processo em questão (…)”
N. E que o “(...) o processo em referência não preenche, manifestamente, os requisitos exigidos pelo legislador estatutário - cfr. n.° 1 do art.° 61.° e nas alíneas a) e b) do n.° do art.° 63° - para a atribuição da competência material deste Departamento." (vd. fls. 6 da Certidão já junta como Doc. n.° 6) (itálico nosso)
O. Com efeito, “(...) De harmonia com o estatuído no n.° 1 do art.° 61° e nas alíneas a) e b) do n° 1 do art° 63°, ambos do Estatuto do Ministério Público em vigor, o pressuposto primordial do perímetro da competência material atribuída a este Departamento, no que ao caso diz respeito, é o da representação do Estado em juízo na defesa dos seus interesses patrimoniais." (vd. fls. 5/v da Certidão junta como Doc. n.° 6).
P. “(...) constata-se que, no actual momento processual, a fase da representação, pelo Ministério Público, dos interesses patrimoniais do Estado já se encontra praticamente concluída (…)”, o mesmo ocorrendo quanto ao apenso de qualificação da insolvência como culposa, relativamente à qual defende o DCCEIDC “(...) a intervenção do Ministério Público no âmbito deste Apenso não ocorre em representação dos interesses patrimoniais do Estado - única que se situa no perímetro da competência material conferida a este Departamento - mas resulta antes do exercício de competência própria que lhe é legalmente atribuída." (vd. fls. 6 da Certidão junta como Doc. n.° 6).
Q. Por proposta da Sra. Diretora do DCCEICD, que veio a ser sufragada pela Requerida, o processo em causa não foi atribuído ao DCCEICD e o Sr. Procurador da República, Dr. C………, tendo demonstrado a sua indisponibilidade para continuar a assegurar esse acompanhamento, não continuou afeto ao processo (vd. fls. 6 do Doc. n.° 6)
R. Ouvidos ainda os cinco Procuradores da República em funções nos Juízos de Comércio de Lisboa, informaram estes que “(...) não dispõem de condições para assegurar e acompanhar o processo de liquidação judicial do …..". (vd. Certidão junta como Doc. n.° 7).
S. Como fundamento para tal indisponibilidade, os Procuradores da República em exercício de funções nos Juízos de Comércio de Lisboa alegaram, em síntese, “(...) existe um manifesto déficit de Magistrados do Ministério Público neste tribunal, atenta a elevada pendência e movimentação processual, as fases em que tais processos judiciais se encontram (verificação e reclamação de créditos, julgamentos de incidentes de qualificação, emissão de pareceres sobre as contas, verificação de rateios e pagamentos) a que acrescem os numerosos pedidos de patrocínio oficioso ao Ministério Público (quer para propositura de acções de insolvência, quer para reclamação de créditos) agravado pela exiguidade e sobreposição de prazos. (...)".
T. Mais referindo os sobreditos Procuradores da República que “(...) não podemos deixar de referir que a complexidade dos mesmos, bem como a sua especial relevância face aos interesses patrimoniais do Estado é evidente. Assim, tendo o processo principal cerca de 41 volumes, o apenso da reclamação de créditos tem já, neste momento, 231 volumes, perfazendo mais de 43.000 folhas, ultrapassando o número de credores, os 26.000. Existem perto de 3.000 impugnações, de grande litigiosidade, que certamente determinarão a realização de julgamento, previamente à prolação da sentença de verificação e graduação de créditos. Assim, a fase de representação/acompanhamento dos interesses patrimoniais do Estado encontra-se longe de estar concluída. Como mero exemplo, dir-se-á que a Comissão Liquidatária não reconheceu, pelo menos, 30 milhões de euros reclamados pelo Estado em representação da Fazenda Nacional. Nesta conformidade, a análise do despacho saneador (quando proferido), a eventual reclamação do mesmo, a realização de julgamento e eventual interposição de recurso (ou apresentação de resposta) da sentença de verificação e graduação de créditos assumem uma importância primordial no acompanhamento dos interesses patrimoniais do Estado nesses autos (que atingem montantes exorbitantes) sob pena de os mesmos ficarem prejudicados e o Estado, em consequência, seriamente lesado. No que diz respeito ao incidente de qualificação, autuado em Outubro de 2017 e actualmente já com 124 volumes e cerca de 30.000 folhas, urge salientar que, por via da alteração à redacção do art° 189º do CIRE pela Lei 16/2012 de 20/4, “o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas”... e a alínea e) do referido normativo legal estatui que o juiz deve “condenar as pessoas afectadas a indemnizarem os credores do devedor ...no montante dos créditos não satisfeitos, até às forcas dos respectivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afectados”. Ora o Estado, como já se viu, é um dos credores do insolvente. Logo, também neste incidente, estão em causa interesses patrimoniais do Estado. Ou seja, no incidente de qualificação, para além da intervenção do Ministério Público resultar do exercício da competência própria que lhe é atribuída, esta ocorre também em representação dos interesses patrimoniais do Estado. (vd. fls. 2 do Doc. n.° 7 junto).
U. No âmbito das diligências encetadas pelo Sr. Procurador-Geral Regional (em substituição) este reuniu com os ora Requerentes em inícios de Março de 2020, separadamente, em momentos e locais diversos, com vista a averiguar da sua disponibilidade para assumirem o acompanhamento do processo de liquidação em questão.
V. A Requerente tem o seu pai, de 79 anos, doente com demência/alzheimer diagnosticada, agravada recentemente, e a sua principal cuidadora, a sua mãe também com 79 anos de idade, ambos residentes em Castelo Branco, encontra-se com esgotamento e depressão profunda motivada pela doença do marido. (declaração e relatório médico juntos como Doc. nº 9).
W. O Requerente perdeu o seu pai sendo que a sua mãe, viúva com 83 anos de idade, é diabética e tem dificuldades de locomoção padecendo de uma incapacidade avaliada em 62% conforme atestado médico incapacitante multiuso, sendo o Requerente a prestar-lhe apoio assegurando a compra de bens alimentares e acompanhamento a médicos e a tratamentos (cartão de cidadão e relatórios médicos (Doc. nº10).
X. Relativamente ao Despacho n.° 14/2020, os Requerentes apresentaram, em 24.03.2020, impugnação administrativa necessária para o CSMP. (Doc. n.° 11).
Y. Alegando, em síntese, a competência material do CSMP para apreciar a impugnação em causa, atenta a matéria sobre a qual incide o Despacho impugnado, evidenciando a sua ilegalidade e inconstitucionalidade e a natureza contraditória dos seus fundamentos.
Z. Na pendência da impugnação administrativa aludida no artigo anterior, veio o Sr. Procurador-Geral Regional, em 26.03.2020, a aditar um esclarecimento ao seu Despacho n.° 14/2020, pelo qual determinou a apresentação dos Requerentes no Tribunal do Comércio de Lisboa, no dia 30.03.2020, o qual se junta (Doc. n.° 12).
AA. Em virtude do despacho do Sr. Procurador-Geral Regional, os Requerentes aditaram novo pedido à impugnação administrativa apresentada, invocando a nulidade deste ato de execução do Despacho n.° 14/2020 impugnado e solicitaram ainda decisão que reconheça efeito suspensivo ao requerimento de impugnação do Despacho n.° 14/2020. (Doc. n.° 13)
BB. Mediante Acórdão do Plenário do CSMP, de 21.04.2020, este órgão, abstendo-se de se pronunciar quanto à sua competência material para apreciar a validade do ato praticado pelo Sr. Procurador-Geral Regional de Lisboa em substituição, deliberou “(...) não conhecer do recurso interposto pela senhora Procuradora da República Lic. B………. e pelo senhor Procurador da República Lic. A…………., nem do requerimento subsequente, ambos respeitantes ao Despacho n.° 14/2020 de 19-03 proferido pelo Procurador-Geral Regional de Lisboa, por não se tratar de acto cujo conhecimento e apreciação caiba na competência deste Conselho, ao abrigo do disposto nos artigos 14° e 68° do EMP; mais determinam que tais recurso e requerimento sejam oficiosamente remetidos à Senhora Procuradora-Geral da República, para deles conhecer, nos termos do disposto na al. w) do n.° 2 do art° 19° do EMP e dos arts.° 41° n.° 1 e 194° do CPA." (Doc. n.° 14).
CC. No seguimento do Acórdão do Plenário do CSMP, de 21.04.2020, a ora Requerida veio a emitir em 29.05.2020 Despacho nos termos do qual, “(...) Indefiro] a impugnação apresentada e confirmo o despacho n.° 14/2020, do Senhor Procurador-Geral Regional de Lisboa, que atribui o Processo 18588/……., que corre no juízo do comércio da comarca de Lisboa, aos Senhores Procuradores da República A…………., em funções no Juízo do Comércio de …………, Comarca de Lisboa ……., instalado provisoriamente em ……, e B…………, em funções Juízo de Comércio de …….., Comarca de Lisboa-……, sendo para o efeito nomeados em regime de exclusividade, nos demais termos e condições previstos no referido despacho; que se junta (Doc. n.° 15). (itálico nosso)
DD. Mais determinando a Requerida, em tal Despacho, que os Requerentes se apresentem, já no próximo dia 23.06.2020, junto do Juízo do Comércio de Lisboa, para assumirem o acompanhamento do processo em apreço, pois “(...) Não se tendo os recorrentes apresentado no Juízo de Comércio de Lisboa na data fixada no despacho do Senhor Procurador-Geral Regional de Lisboa, por, segundo flui dos requerimentos por si apresentados, ser sua convicção, fundada nas normas do Código do Procedimento Administrativo, que o recurso teria efeito suspensivo, determino que a apresentação dos Senhores Procuradores da República B…………. e A……….., no Juízo de Comércio de Lisboa, para efeitos de assumirem a atribuição do Processo 18588/……., ocorra no dia 23 de junho de 2020." (Doc. n.° 15 já junto) (itálico nosso)
EE. A Sra. Magistrada do Ministério Público Coordenadora da Comarca de Lisboa-……., Dra. ……., em comunicação dirigida ao Sr. Procurador-Geral Regional de Lisboa (em substituição), datada de 20.03.2020, deu conta do cenário existente em tal Comarca, comunicando formalmente “(...) a minha[sua] enorme preocupação e intranquilidade e sinalizar os gravíssimos impactos que este destacamento funcional da Sra. PR Dra. B…………. irá provocar no Juízo Central do Comércio da comarca de Lisboa ….., com uma abrangência territorial aos 5 municípios de ……, ……, …….., ……. e ……, com 6 juízes e apenas dois procuradores em funções, ficando reduzido a apenas um. Aliada às gravíssimas circunstâncias já existentes e conhecidas na Comarca decorrentes da conjuntura anormal de défice dos quadros de Magistrados do Ministério Público da comarca de Lisboa …….., que não foram ultrapassadas no recente movimento, antes pelo contrário. (...)’’ (Doc. n.° 16) (itálico nosso)
FF. Mais referindo a Sra Magistrada do Ministério Público Coordenadora “(...) Permita-me Vexa reiterar igualmente a minha enorme preocupação e crescente desmotivação com o facto de, nestes três primeiros meses de 2020, a Comarca de Lisboa ……. ter sido “desmembrada” funcionalmente de vários qualificados magistrados do MP, com saídas e ausências, sem que tenha sido assegurado os respectivos preenchimentos do lugar vago: (...) A realidade funcional actual atingiu nível de extrema gravidade e no caso concreto do juízo do Comercio será dramática com a saída a da. PR Dra. B…………. e a permanecia de apenas um magistrado no juízo de Comercio (a Procuradora Dr. …………., colocada no recente movimento e com reduzida experiência nesta área funcional). O Juízo de Comercio, com a área territorial dos municípios de ……, ……., ……. …… e ……, tem em funções 6 juízes e tem um elevadíssimo e complexo volume de serviço, tudo urgente e com prazos preclusivos, implicando um acompanhamento permanente, muito atento e atempado, sob pena de preclusão de prazos com as consequências inerentes. (...) (Doc. n.° 16 junto)
GG. Concluindo “(...) A representação do MP estava a ser assegurada, por apenas, dois Procuradores da República. Sendo muito difícil assegurar o serviço de forma cabal apenas por duas pessoas é impensável por uma pessoa só, pelo que se apela a Vexa a urgente colocação de um magistrado do quadro complementar, porquanto “(...) mostra-se incomportável proceder a qualquer distribuição de serviço por outros magistrados em funções na comarca, face ao volume decorrente das redistribuições de serviço realizadas e acumulação de serviço já atribuída, devido às circunstâncias excepcionais da conjuntura anormal de défice de quadros, mostrando-se impossível proceder a qualquer redistribuição de serviço por incomportável volume de serviço a cada um destes magistrados. (Doc. n.° 16 junto)
HH. Reportando-nos à data do dia 01.06.2020, a Instância Central do Comércio de ……. Comarca de Lisboa-…….. contava com 8.686 (oito mil, seiscentos e oitenta e seis) processos, dos quais 6.567 (seis mil, quinhentos e sessenta e sete) são processos de insolvência, 23 (vinte e três) são Processos Especiais de Revitalização (PER) e 53 (cinquenta e três) são Processos Especiais para Acordo de Pagamento (PEAP) (Certidão junta como Doc. n.° 17).
II. Aos quais acrescem, ainda, no contexto das funções do Ministério Público junto da área do Comércio, e também com efeitos reportados a 01.06.2020, a pendência de 922 (novecentos e vinte e dois) Processos Administrativos de acompanhamento de processos de insolvência, de PER e de PEAP, que correm termos nos Juízos do Comércio de ……. - Comarca de Lisboa ….., onde o MP assume a defesa dos interesses patrimoniais do Estado Português, de trabalhadores patrocinados e do Estado-Coletividade, e onde se mostram colocadas apenas 2 Magistradas do Ministério Público, a ora Requerente B…………., e a Dra ………… (Certidão junta como Doc. n.° 18) 
JJ. Reportando-nos à data do dia 01.06.2020, a Instância Central do Comércio de ………., Comarca de Lisboa-……., encontravam-se pendentes cerca de 9.144 (nove mil, cento e quarenta e quatro) processos, dos quais 5.619 (cinco mil seiscentos e dezanove) são processos de Insolvência, 129 (cento e vinte e nove) PER e 61 (sessenta e um) PEAP (Certidão junta como Doc. n.° 19).
KK. Aos quais acrescem, ainda, no contexto das funções do Ministério Público junto da área do Comércio, e também com efeitos reportados a 01.06.2020, a pendência de 1.086 (mil e oitenta e seis) Processos Administrativos de acompanhamento de processos de insolvência, de PER e de PEAP, que correm termos nos Juízos do Comércio de ………. - Comarca de Lisboa ……, onde o MP assume a defesa dos interesses patrimoniais do Estado Português, de trabalhadores patrocinados e do Estado-Coletividade, e onde se mostram colocadas apenas 2 (dois) Magistrados do Ministério Público, o ora Requerente A……….., e a Dra. …………, sendo que esta também exerce, cumulativamente, as funções de vogal do CSMP (Certidão junta como Doc. n.° 20).
LL. À data de 14.01.2020 (na qual foi proferido pela Sra. Diretora do DCCEICD a pronúncia constante da Certidão já junta como Doc. n.° 6) e a 22.05.2020, encontravam-se pendentes naquele Departamento 131 (cento e trinta um) dossiers de acompanhamento (D.A.s). “(...) destinando-se uns à propositura de acção e outros ao acompanhamento de acção já instaurada (...)". (Certidão junta como Doc. n.° 21)
MM. Mediante pronúncia de 26.05.2020, a Sra. Diretora do DCCEIDC veio, no seguimento do acima aludido pedido de clarificação, informar que “(...) No dia 6 de janeiro de 2020 teve lugar a aceitação do cargo pelos magistrados que integram o Departamento. E, por despacho prolatado por S.Exa. a Procuradora-Geral da República no dia 8 de janeiro de 2020, ao abrigo do estatuído no n.° 5 do artigo 61º do EMP foram estabelecidos os critérios que norteiam, delimitam e devem subjazer à intervenção do DCCEICD. (...) (pronúncia de 26.05.2020 que se junta como Doc. n.° 2).
NN. Mais referindo a Sra. Diretora do DCCEICD, no contexto das diligências de instalação de tal Departamento, iniciadas em 06.01.2020 que, para efeitos de dar início à devida operacionalização, cooperação e articulação, “(...) foram promovidas reuniões com a Senhora PGA Coordenadora do Tribunal Administrativo Central Sul e contacto, à distância, com a Senhora PGA Coordenadora do Tribunal Administrativo Central ……. Com idêntico propósito foi levado a efeito um encontro com a Exma. Senhora Procuradora-Geral Regional de Coimbra. (...)”, tendo sido ainda iniciados contactos com "(...) entidades públicas a quem são legalmente conferidas atribuições confinantes com as do Departamento e que, por esse motivo, assumem, ou podem vir a assumir, a posição de parceiros institucionais. (...)”.
OO. O Sr. Procurador-Geral Regional emitiu o Despacho n.° 14/2020, de 19/03, determinando que os Requerentes A……….. e B…………, apesar de não se terem voluntariado, passassem a assumir o acompanhamento do processo n.° 18588/…….., vulgarmente conhecido por Processo de Liquidação do ….., que corre termos na Instância Central do Comércio da Comarca de Lisboa, em regime de exclusividade.
PP. Posteriormente, o Sr. Procurador-Geral Regional de Lisboa emitiu um novo despacho, em aditamento ao anterior, a designar o dia 30.03.2020, para os Requerentes se apresentarem no Tribunal do Comércio de Lisboa, para a partir daí assumirem as novas funções, disponibilizando-lhes dois gabinetes nesse tribunal.
QQ. O CSMP declinou a sua competência para apreciar tal reclamação, por entender, a coberto do disposto no art.° 19.°, n.° 2.°, alínea w), do EMP, que este diploma previa um regime específico para impugnabilidade das decisões proferidas pelos magistrados do Ministério Público fora da sua intervenção processual definida nas leis e que, por isso, caberia ao mais elevado superior hierárquico do magistrado ou coordenador a competência para conhecer, em recurso, da decisão do magistrado autor do ato, como acontece nos termos gerais, designadamente previstos no art.° 193.°, n.° 1.° al. a), do CPA.
RR. Decidiu o CSMP não conhecer da reclamação dos Requerentes, por entender que tal competência caberia à Sra. Procuradora-Geral da República, nos termos do disposto no art.° 194.° do CPA, tendo, nessa sequência, ordenado oficiosamente a remessa da Impugnação, de harmonia com as disposições legais dos art.°s 19.°, n.° 2.°, al. w), do EMP, e dos art.°s 41,°, n°1,e 194.° do CPA.
SS. De harmonia com os movimentos de magistrados do Ministério Público os Requerentes foram colocados nas Procuradorias Especializadas e Comarcas seguintes:
o o Requerente A………… foi colocado, por deliberação do CSMP, na área cível de ……….., comarca de Lisboa-….., que compreende a Instância Central do Comércio e a Instância Local cível de ………; e
o a Requerente B………… foi colocada, por deliberação do CSMP, na área cível de ………, que compreende a área cível, execução e comércio (Instâncias Centrais e Locais).
TT. O teor integral do despacho de 19.03.2020 referido supra em E e F, é o seguinte:
Despacho 14/2020
Assunto: Nomeação de Magistrados para exercer funções de representação do Ministério Público no âmbito do processo 18588/………, vulgarmente designado como processo de liquidação judicial do …..

O denominado processo de liquidação judicial do …. (proc. 18588/………) é um processo complexo, muito volumoso e de grande repercussão social, pelo que foi designado um magistrado do Ministério Público de reconhecida competência na matéria para o acompanhar em exclusividade, o que ocorreu nos últimos dois anos aproximadamente.
Ao longo de tal acompanhamento o magistrado designado estudou o processo, reuniu com diversos intervenientes no mesmo e com os colegas do DCIAP. elaborou peças processuais e acompanhou diariamente a evolução processual transmitindo à hierarquia informações pertinentes sobre a mesma.
Porém, no último movimento de magistrados do Ministério Público o Senhor procurador da República. Lic. C………, acabou por concorrer, tendo vindo a ser colocado no Departamento Central de Contencioso do Estado e de Interesses Colectivos e Difusos (DCCEICD).
Por proposta da Exmª directora do DCCEICD. que veio a ser sufragada pela Exma. Procuradora Geral da República, o processo em causa não foi contudo atribuído a este Departamento e o senhor procurador da República não continuou afecto ao processo.
Sucede que o processo continua a correr e assume especial relevância para os interesses patrimoniais do Estado, os quais atingem montantes particularmente elevados, sendo também de grande complexidade e de grande repercussão social, tal como já e referiu.
Retira-se que o processo principal tem cerca de 41 volumes, o apenso da reclamação de créditos tem já. neste momento, 231 volumes, perfazendo mais de 43.000 folhas, ultrapassando o número de credores, os 26.000.
Existem perto de 3.000 impugnações, de grande litigiosidade, que certamente determinarão a realização de julgamento, previamente à prolação da sentença de verificação de graduação de créditos.
Em ordem a melhor compreender a dimensão e volume do processo permitimo-nos mesmo transcrever a informação do senhor Juiz titular que fundamentou o seu pedido para o acompanhamento ser levado a cabo por dois funcionários no passado dia 5 de Março de 2020, referindo este magistrado que:
“Os referidos autos são compostos neste momento, nomeadamente pela
a) Liquidação Judicial: este apenso tem presentemente 41 volumes.
b) Reclamação de créditos: com 254 volumes presentemente, encontrando-se tratados os requerimentos entrados no Citius até ao dia 28 de Aposto de 2019.
c) Incidente de Qualificação da Insolvência: este incidente tem actualmente 11 propostos afectados dos 13 originais) e 124 volumes (com cerca de 24800 folhas e 49601) páginas).
O signatário está a estudar os articulados apresentados por todos os intervenientes processuais a u fim de elaborar o despacho semeador.
d) Pelo Incidente de Impugnação de Resolução: este incidente tem 18 requerentes e 116 volumes.
e) Por Verificações Ulteriores de Crédito deduzidas pelo Ministério Público: estas posteriormente serão apensas aos autos principais.
No total e presentemente, este processo tem 617 volumes. (..)”
A fase de representação/acompanhamento dos interesses patrimoniais do Estado encontra-se, pois, longe de estar concluída, ao contrário do que se possa eventualmente pensar.
Refira-se, a título de exemplo, que a Comissão Liquidatária não reconheceu, pelo menos, 30 milhões de euros reclamados pelo Estado em representação da Fazenda Nacional, segundo informação prestada pelos magistrados do Ministério Público colocados no tribunal de comércio de Lisboa em informação prestada ao Ex.mu Coordenador da Comarca em Fevereiro de 2020.
A intervenção do Ministério Público, quer por competência própria, quer em representação dos interesses patrimoniais do Estado, terá que assentar numa exaustiva análise do despacho saneador (quando proferido), na eventual reclamação do mesmo, na realização do julgamento, eventual interposição de recurso c apresentação de respostas aos diversos recursos que certamente virão a ter lugar relativamente à sentença de verificação e graduação de créditos.
No que concerne ao incidente de qualificação, autuado em Outubro de 2017 e actualmente já com 124 volumes e cerca de 30.000 folhas, salienta-se que de acordo com a alteração da redacção do art.189.0 do CIRE (pela Lei 16/2012 de 20/4). o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas e. e bem assim, (cfr. alínea e) do referido normativo legal) condenar as pessoas afectadas a indemnizarem os credores do devedor no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respectivos patrimónios, sondo solidária tal responsabilidade entre todos os afectados. Afigura-se pois que este incidente se irá revestir de particular importância e extrema complexidade atento, nomeadamente as respectivas repercussões. Para além disso o Estado é um dos credores do insolvente, pelo que também neste incidente, estão em causa interesses patrimoniais do Estado.
De tudo se verifica que assume, pois, primordial importância o acompanhamento dos autos, por parle do Ministério Público, atentos em geral os interesses em causa e em particular os interesses patrimoniais do listado, sob pena de os mesmos serem seriamente prejudicados e em consequência, saírem gravemente lesados lodos os interesses que se pretende proteger, que no caso são não só quantias pecuniárias mas também a imagem da justiça, atenta a repercussão social do caso.
O quadro de magistrados do Ministério Público na Procuradoria-Geral Regional de Lisboa (PGRL) é deficitário. O quadro complementar da área da PGRL. já de si exíguo, não permite dar resposta a esta necessidade, quer em face do número de magistrados do Ministério Público que efectivamente dispõe para movimentar (nove pessoas), quer em termos de experiência profissional dos mesmos para uma resposta cabal a um processo desta envergadura e complexidade. Também não é possível encontrar uma resposta junto dos magistrados colocados no Tribunal do Comércio de Lisboa, já que cada um dos cinco procuradores da República ali colocados e em efectividade de funções trabalha em média com quatro Juízes e existe uma elevada pendência processual. Por outro lado, em alguns casos existem situações de incompatibilidade em razão de conhecimentos pessoais ou de interesses e, noutros, problemas de saúde que determinaram já redução de serviço.
Em face desta situação generalizada de carência de magistrados e dificuldades e especificidades, desenvolvemos diversas diligências e contactos em ordem a encontrar alguém com experiência, capacidade e disponibilidade para o efeito, de preferência oriundo das áreas cível/comércio. Isto tendo já em conta que atento o volume e dificuldades do processo seria nesta altura muito difícil a um só magistrado meter ombros, sozinho, a esta tarefa.
Por isso, no contexto dos contactos desenvolvidos viemos a abordar, individualmente e em momento e lugares separados, os senhores procuradores da República A…………. e B…………, colocados, respectivamente em Lisboa …… / ………. - cível - Tribunal do Comércio de …….. e Lisboa …… / ….. - cível (Coordenadora sectorial da área do Tribunal do Comércio de ……).
Colocados, cada um dos magistrados, perante a situação concreta do mencionado processo ambos a entenderam e compreenderam muito bem, assim como à necessidade de o Ministério Público lhe dar uma resposta eficaz. Muito embora se não tenham voluntariado para ficarem com o processo, pois que ambos preferiam ficar no lugar em que se encontram colocados, ambos contudo acabaram por anuir em que, se tal lhes fosse determinado, iriam cumprir com toda a determinação as funções de que viessem a ser encarregados relativamente ao processo em causa de que ora nos ocupamos.
Nesta conformidade e em face da necessidade absoluta de o Ministério Público acompanhar de forma capaz e eficiente o processo n.° 18588/………, designo para tal efeito os procuradores da República A……… e B………….
Nesta fase são designados em exclusividade de funções sem prejuízo de se proceder a um acompanhamento da evolução da situação e do volume de trabalho a desenvolver, tendo em conta nomeadamente as fases que se irão seguir e na sequência de tal avaliação, a situação poder, mais tarde, vir a ser alterada.
O presente despacho obteve a prévia concordância de Sua Excelência a Procuradora Geral da República.
Comunique aos senhores coordenadores das comarcas de Lisboa …… e Lisboa …….. e também ao sr. Coordenador da Comarca de Lisboa.
Comunique aos designados.
Lisboa. 19.03.2020
O Procurador-Geral Regional de Lisboa, em substituição (assinatura manuscrita)
UU. O teor integral do despacho de 29.05.2020 referido supra em CC e DD, é o seguinte:
DESPACHO
Decisão do recurso hierárquico interposto pelos Senhores Procuradores da República

A…………. e B………..
l. Os Senhores Procuradores da República A………… em funções no Juízo de Comércio de ………., Comarca de Lisboa ……., instalado provisoriamente em ….., e B………….., em funções Juízo de Comércio de ……., Comarca de Lisboa-…….,
Impugnaram, perante o Conselho Superior do Ministério Publico, o Despacho n.° 14/2020, de 19-03-2020, do Senhor Procurador-Geral Regional de Lisboa, pelo qual foram «designados em exclusividade de funções» para acompanhar o processo 18588/……, que corre termos no Juízo de Comércio de Lisboa, também denominado «processo de liquidação judicial do ….»; invocaram, ainda, perante o Conselho Superior do Ministério Publico, a nulidade do despacho de esclarecimento que o autor do ato recorrido prolatou em 26-03-2020 no qual determinou, complementarmente, que a sua apresentação no Juízo de Comércio de Lisboa ocorresse no dia 30 de março; e requereram que pelo mesmo Conselho fosse proferido despacho a reconhecer o efeito suspensivo da impugnação.
2. Por Acórdão de 21 de Abril de 2020, o Conselho Superior do Ministério Público deliberou, nos termos e com os fundamentos que aqui se dão por reproduzidos, não conhecer nem do recurso nem do requerimento subsequente «por falta de competência para tanto» e remetê-lo à signatária para deles conhecer, nos termos do disposto na alínea w) do n.° 2 do artigo 19° do Estatuto do Ministério Público e do n.° 1 do artigo 44° e do artigo 194°, ambos do Código do Procedimento Administrativo. 
3. As questões suscitadas pelos recorrentes são, em síntese, as seguintes:
A figura da "designação" de magistrado para acompanhar um processo fora da área territorial da comarca onde está colocado não existe;
Da conjugação do disposto nos artigos 76.° a 81,° do Estatuto do Ministério Público (EMP), com o artigo 101° da Lei de Organização do Sistema Judiciário resulta que os instrumentos de mobilidade pressupõem todos eles a mobilidade dos magistrados do MP dentro dos limites territoriais da comarca onde foram colocados;
Nenhum magistrado pode ser transferido de uma comarca senão por efeito de um movimento ordenado e decidido pelo CSMP, com a sua anuência e a seu pedido, ou por efeito de uma sanção disciplinar, ou seja, vigora o princípio da inamovibilidade dos magistrados (artigos 152.°, n.° 1 do EMP e 219° da CRP);
O Procurador-Geral Regional só tem poderes para atribuir processos concretos a outros magistrados que não o seu titular no âmbito dos seus poderes de representação e de direção junto do Tribunal da Relação de Lisboa (artigo 68°, n.° 1, al. g), do EMP);
Termos em que concluem que o despacho recorrido é ilegal, violando o disposto nos artigos 76,° a 81.° do EMP e o artigo 101°, n.° 1.°, alíneas f), g) e h), da Lei de Organização do Sistema Judiciário, «acabando por invadir a esfera de competência dos magistrados do ministério público coordenadores da comarca e do próprio CSMP, e o seu efeito útil redundar numa transferência dos magistrados do MP visados para fora das comarcas para onde concorreram e foram colocados por deliberação do CSMP», sendo que «só o CSMP, no contexto de um movimento ou decorrente de uma sanção disciplinar, poderá decidir a transferência dos mesmos para outra comarca».
Invocam, ainda, a violação das «regras de equilíbrio da distribuição de serviço» e, expondo a particular situação familiar de cada um, concluem decorrer do cumprimento do despacho impugnado «implicações e o prejuízo sério para a (sua) vida pessoal e familiar».
4. Por ofício n.° 117/2020, de 13 do corrente mês de Maio, o Senhor Procurador-Geral Regional de Lisboa, em pronúncia sobre o recurso, apreciou a argumentação dos recorrentes e sustentou a decisão impugnada, nos termos e com os fundamentos que aqui se dão por reproduzidos.
5. Apreciados todos os argumentos expostos, pelos recorrentes e pelo autor do ato, e tendo presente a deliberação do Conselho Superior do Ministério Público de 21 de abril passado, cumpre emitir decisão, ao abrigo do disposto nos artigos 197° e 198° do Código do Procedimento Administrativo e da alínea w) do n.° 2 do artigo 19° do Estatuto do Ministério Público.
O que se faz, em termos e com fundamentos da pronúncia do autor do ato, que, por mereceram a minha concordância, vão a seguir sintetizados, por extrato:
5.1. No início do ano de 2020, entrou em vigor o Estatuto do Ministério Público;
O capítulo III do título II deste Estatuto trata das Procuradorias-Gerais Regionais;
5.2. (Tendo presentes as disposições constantes dos n.° 2 do artigo 65°, da alínea b) do artigo 66°, e da alínea a) do artigo 68°), Relativamente a esta matéria existe apenas uma, só uma e mais nenhuma leitura possível: A procuradoria-geral regional e o respetivo procurador-geral regional, exerce a sua competência em toda a área territorial, ou seja de igual forma e com igual amplitude em todas as comarcas ou circunscrições que a constituem ou integram.
A lei não distinguiu nem limitou qualquer poder ou competência a uma qualquer parte da área territorial em causa;
5.3. Os requerentes também se referiram aos instrumentos de mobilidade, dizendo que o despacho é ilegal por violar os artigos 76º a 81º (e também o 101° da Lei 62/2013);
Não há qualquer violação dos artigos 76° a 81° do EMP e do artigo 101° da Lei 62/2013, porque a situação se não enquadra em nenhum deles;
O caso presente é bem diferente. Trata-se de atribuir um processo concreto em virtude de razões ponderosas de especialização, complexidade processual e repercussão social, a outro magistrado que não ao seu titular;
Não está em causa o equilíbrio de qualquer carga processual, mas antes adequar ao processo concreto o magistrado ou magistrados concretos capazes de o tramitarem porque lhes assistem capacidades e qualidades para o efeito e adequadas ao processo concreto em causa.
5.4. A atribuição de um processo nestas condições (...) também não viola o (artigo) 101º da Lei n.° 62/2013 ou o (artigo) 75° do EMP que também trata da competência do coordenador de comarca.
Este artigo é aliás muito expressivo a tal respeito, Verifique-se que não deixa de se reportar à "mesma comarca" ou à "sua comarca", mesmo quando não seria necessário (...) já tal não acontece na alínea m), quando consagra a competência de propor ao procurador-geral regional a atribuição de processos concretos a outro magistrado que não o seu titular, sempre que razões ponderosas de especialização, complexidade processual ou repercussão social, o justifiquem. Aí a lei não se reporta a magistrado da mesma ou de diferente comarca.
A competência pertence ao procurador-geral regional e este irá procurar o magistrado adequado na área da sua competência e não limitar-se apenas à área da competência do proponente. Se tivesse que se limitar a esta área não faria sentido. Então se o limite fosse a comarca do processo poderia ser o coordenador da mesma a afetar tal magistrado.
5.5. Mas há diversos outros argumentos para convocar para tal situação a competência de um responsável superior, nomeadamente, o procurador-geral regional ou o próprio Procurador-Geral da República. É que, atentas as características específicas do processo, além de um diferente nível de ponderação, poderia também suceder que na concreta comarca em causa, não fosse possível encontrar magistrado capacitado para tamanha tarefa.
Assim se compreende que esta competência caiba, ou tenha sido atribuída, ao procurador-geral regional como ocorre no artigo 68 n° 1 al. g) do EMP e ao próprio Procurador-Geral da República, como resulta dos normativos inseridos no capítulo VII relativo à representação do Ministério Público.
Estes normativos encontram-se inseridos no capítulo VII relativo à representação do Ministério Público.
O artigo 90° trata de princípios gerais relativos à atribuição de processos e representação do Ministério Público;
É pois fácil de verificar que não foram aqui considerados os limites da comarca e que é chamado a decidir o superior hierárquico comum aos magistrados abrangidos, justamente por poderem pertencer a comarcas, ou outras circunscrições diferentes.
O determinante é assim, sem dúvida, a competência de quem for superior hierárquico dos magistrados em causa. O que importa é saber qual a área de competência do responsável hierárquico e onde exercem funções os envolvidos no caso. Não se fala aqui de comarcas nem de procuradorias, juízos, departamentos ou tribunais.
Nesta mesma linha também o artigo 91° estabelece que nas ações cíveis ou administrativas em que o Estado seja parte, pode o PGR nomear qualquer magistrado do Ministério Público para substituir (ou coadjuvar) o magistrado titular.
A lei fala aqui claramente em "qualquer magistrado" do Ministério Público pois que a competência do PGR é exercida sobre todos os magistrados sem excepção e sem limite de comarca. E atente-se que também se não fala aqui de colocação, de mobilidade ou inamovibilidade e não é também o PGR que coloca ou sequer gere os quadros do M.P.
5.6. Os recorrentes argumentam que foram colocados pelo CSMP nas comarcas onde se encontram e nas funções que exercem e que só o mesmo Conselho os pode dali retirar em virtude de concorrerem em movimento de magistrados ou por razões disciplinares. Desta forma teria sido violado o art.° 152° do EMP e até o artigo 219° da CRP atenta a sua inamovibilidade.
Não lhes assiste nenhuma razão.
Os requisitos para atribuição de processo concreto a magistrado que não o seu titular prendem-se com o próprio processo, mas também com o magistrado que não é titular. O processo não é um processo qualquer mas um processo que trata de matéria especializada, ou seja, que do ponto de vista técnico (técnico-jurídico) não é acessível a qualquer um. Além disso há-de ser complexo ou de grande repercussão social. O magistrado a quem atribuir o processo há-de, por sua vez, possuir qualidades que satisfaçam estas exigências. Há-de ter saber técnico, capacidade e desembaraço para trabalhar bem aquele processo complexo. É certo e seguro que (o magistrado) vai encontrar-se ocupado com o processo a tempo total ou pelo menos em parte muito significativa do seu tempo de trabalho.
Mas equivalerá esta ocupação a uma transferência, relativamente à sua colocação. Seguramente que não pode corresponder ou equivaler ou sequer redundar numa transferência.
A colocação confere uma enorme estabilidade no exercício de funções, a qual pode manter-se por dezenas de anos e com frequência isso acontece.
Com a atribuição de um processo o magistrado não foi retirado da sua colocação, não perdeu o lugar que ocupava, este pertence-lhe em qualquer momento e a ele pode sempre regressar ou porque a tarefa acabou, ou não a pretende desempenhar mais ou dela é libertado por qualquer outra razão,
Não há assim confusão possível nestas figuras nem nestes planos, já se vendo que não houve qualquer transferência nem violação do art.° 152° nem também qualquer violação da regra da inamovibilidade e do art.° 219º da CRP.
(N)o caso concreto (...) a exclusividade de funções destinou-se tão só a beneficiá-los e a permitir-lhes inteirarem-se do processo, funcionando apenas em seu favor,
O mesmo, diga-se também, que a designação de dois para um processo tramitado antes por um e que nem sequer lhe preenchia todo o tempo. Mais uma determinação única e exclusivamente destinada a seu benefício
Temos também assim como certo e seguro que não houve qualquer ataque à colocação dos magistrados. Houve apenas a sua afetação temporária e parcial a uma missão de maior relevância para o Ministério Público, para a Justiça e para o Estado Português, Missão da qual se julgou e julga estarem à altura.
5.7. (Sobre) a alegação de que a figura da designação não existe e por isso o despacho não invoca qualquer fundamento jurídico,
Designar alguém para acompanhar de forma capaz e eficiente um processo significa atribuir-lho;
Também não se vê como se possa afirmar que não se invoca qualquer fundamento jurídico;
O que eventualmente os recorrentes pretendem arguir é que aquando da decisão não se disse "nos termos do artigo 58°, n.° 1, al. g) do EMP";
E aí têm toda a razão no que toca à ausência de menção desta norma legal, mas só nisso.
Lapso existente, que aqui se corrige.
5.8. (Ainda sobre) a argumentação de que o PGRL apenas pode atribuir processos no tribunal da relação de Lisboa,
(...) não se compreende (...) que se diga que são as normas do Estatuto que têm que se harmonizar com as normas da LOSJ, em concreto com o artigo 101º n.° 1, al. f);
(...) é a interpretação da lei anterior que tem que ser atualizada e não o inverso. Com efeito a lei posterior revoga a lei anterior e se a não revogar é à luz daquela que esta tem que ser interpretada.
Entre ambas as leis não existe qualquer contradição, mas para isso é necessário fazer uma interpretação actualista da lei anterior e não o inverso estando as leis no mesmo patamar hierárquico.
Quanto ao mais vimos já que os instrumentos de mobilidade têm efetivamente que respeitar os limites das comarcas e serem processados através do procurador-geral regional. Mas também já vimos que a situação concreta de que tratamos não tem que ver com instrumentos de mobilidade e com aquilo que legalmente visam e consta da lei (art.° 76° n°1) mas antes com a atribuição concreta de um processo individualizado e único a magistrado diferente do seu titular. E isso insere-se no art°. 68° n° 1 al. g) no âmbito da competência do PGRL (que se estende a toda a área da procuradoria-geral regional) e não onde os recorrentes a pretendem inserir, pretendendo também confundir o caso com uma alteração de colocação e partir daí para uma alegada inconstitucionalidade que não existe.
5.9. Também se vem alegar que o despacho omite as circunstâncias pessoais e familiares dos magistrados destinatários que foram comunicadas, (como foram), violando assim as regras de equilíbrio na distribuição de serviço e as implicações e prejuízo da vida pessoal.
A vida familiar e pessoal foi ponderada e não prejudicada.
O simples facto de terem sido colocados dois magistrados em funções antes atribuídas a um só parece evidenciar que não houve prejuízo nem intenção de o causar.
No que respeita a) distâncias relativamente ao domicílio,
Ambos residem em Lisboa, um sensivelmente à mesma distância da residência a qualquer um dos destinos e o outro reduz tal distância de 35 ou 40 km para 1 ou 2 km. Também não se vislumbra prejuízo, pelo contrário.
6. À fundamentação da pronúncia, acabada de extratar, à qual adiro, adito, ainda, o seguinte;
6.1. A estabilidade dos magistrados do Ministério Público, constitucionalmente reconhecida e com expressão no artigo 99° do EMP, encontra-se configurada de modo a permitir as «mudanças de situação» previstas e reguladas pelo Estatuto do Ministério Público, e que não se confinam à mudança, definitiva e geradora de vaga no lugar de origem, operada pela transferência, à atribuição de processos concretos a outro magistrado que não o seu titular no âmbito da mesma comarca, ou, ainda no domínio comarcão, aos instrumentos de mobilidade previstos e regulados nos artigos 76° a 81.°;
6.2. Configuram, também, «mudanças de situação», as vicissitudes previstas e reguladas nos já referidos artigos 90° a 92° do EMP, bem como a atribuição, «por despacho fundamentado», de «processos concretos a outro magistrado que não o seu titular sempre que razões ponderosas de especialização, complexidade processual ou repercussão social o justifiquem», prevista na alínea g) do n.° 1 do artigo 68° do EMP;
6.3. O artigo 68° do EMP veio, relativamente à Lei de Organização do Sistema Judiciário, densificar o cargo e o complexo de poderes do procurador-geral regional, designadamente no domínio hierárquico, relativamente aos magistrados do Ministério Público em exercício de funções na área territorial da respetiva procuradoria-geral regional e, neste âmbito material e territorial, a alínea g) do nº 1 do artigo 68° conferiu-lhe a prerrogativa citada;
6.4. O processo 18588/……., que corre no juízo do comércio da comarca de Lisboa, é atribuído aos recorrentes em virtude da sua especial habilitação para fazer face à complexidade do mesmo, em face da sua elevada capacidade profissional e da sua especialização, configurando a atribuição impugnada, literal e materialmente, uma situação oposta àquela a que se refere o parágrafo 6º do Relatório da Comissão de Veneza do Conselho da Europa, citado em voto de vencido na deliberação de 21-04-2020 do CSMP;
Sobre a razão da não atribuição do processo ao Departamento Central de Contencioso do Estado e Interesses Coletivos e Difusos (DCCEICD):
Compete a este Departamento, de acordo com o estatuído no n.° 1 do artigo 61° e nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 63°, ambos do Estatuto do Ministério Público, a representação do Estado em juízo na defesa dos seus interesses patrimoniais;
No caso em apreciação, a representação do Estado ocorreu na fase, já ultrapassada, da reclamação de créditos e na posterior dedução de impugnação das Listas de Credores Reconhecidos pela Comissão Liquidatária.
Realidade substancialmente diversa verificar-se-á no que diz respeito à intervenção do Ministério Público no âmbito do Apenso de qualificação da insolvência.
Sendo indesmentível que tal Intervenção do Ministério Público irá revestir-se de grande complexidade técnico-jurídica e que a decisão que ali vier a ser proferida terá manifesta repercussão social, ela não ocorre em representação dos interesses patrimoniais do Estado - única que se situa no perímetro da competência material conferida ao DCCEICD - mas resulta antes do exercício de competência própria que lhe é legalmente atribuída.
Assim sendo, o processo em causa não preenche os requisitos exigidos pelas referidas disposições estatutárias para a atribuição da competência material do DCCEICD.
Importará ter ainda presente que o julgamento do mencionado Apenso relativo à qualificação da insolvência não irá iniciar-se a breve trecho, o que permitirá que o Senhor Dr. C……….. transmita aos Senhores Magistrados designados para intervenção processual do Ministério Público que prestigie, como deve, esta magistratura.
Finalmente, no que ao infundado prejuízo para a sua vida pessoal que os magistrados em referência invocam, assinala-se que os processos cíveis se tramitam no CITIUS e, por isso, só marginalmente o despacho no processo em causa implicaria deslocações em prejuízo dos recorrentes, carecendo consequentemente de qualquer sustentação válida tal invocação.
7. Quanto à invocada nulidade do despacho de esclarecimento que o autor do ato recorrido proferiu em 26-03-2020 e ao pedido de reconhecimento do efeito suspensivo da impugnação, feito pelos recorrentes em 8 de Abril passado:
No caso em apreço, a interpretação normativa, em particular tendo presentes os elementos lógicos (histórico, sistemático e teleológico), apontaria no sentido de ao recurso do acto administrativo praticado pelo Exm°. Procurador-Geral Regional de Lisboa dever ser atribuído efeito não suspensivo.
Caso assim se não entendesse, alcançar-se-ia um resultado por certo não pretendido pelo legislador: o subordinado, ao impugnar ato administrativo que o afectasse, praticado por superior hierárquico de elevado escalão - o Procurador-Geral Regional -, obstaculizaria com facilidade, por um período temporal mais ou menos longo, à imediata exequibilidade desse ato (cfr. artigo 189°., n°,1 do CPA), ao passo que tal nunca seria suscetível de ocorrer relativamente a ato, de idêntica natureza e alcance, praticado por superior hierárquico de escalão mais baixo - o magistrado do Ministério Público Coordenador de Comarca (cfr. artigo 103°. da LOSJ).
Com efeito, no que à última hipótese se refere, existe norma expressa na Lei n°.62/2013, de 26 de agosto (LOSJ) - o artigo 103° -, não revogada com a entrada em vigor do novo Estatuto do Ministério Público , que atribui a tais recursos efeito não suspensivo, assim afastando o regime-regra vigente em matéria de impugnações administrativas necessárias (decorrente do estabelecido no artigo 189°., n°.3 do Código de Procedimento Administrativo).
Impõe-se concluir que um tal resultado, patenteando uma diversidade de tratamento que não encontra respaldo em qualquer princípio ou interesse juridicamente tutelável, contraria flagrantemente a harmonia do sistema jurídico, no seu todo, no que à matéria em apreço respeita, mostra-se apta a impedir uma gestão de serviço com prontidão, dinamismo e adequação, conduzindo ao seu entorpecimento, ao retirar qualquer efeito útil imediato às decisões tomadas pelos Procuradores-Gerais Regionais e afrontando claramente o princípio de consagração constitucional da prossecução do interesse público vigente no âmbito do Direito Administrativo - cfr. artigo 266°., n°.1 da Constituição da República.
Ou seja, uma diferenciação de regime, em matéria de recursos - maxime dos seus efeitos, consoante o autor do ato impugnado seja um magistrado do Ministério Público coordenador de Comarca ou um Procurador-Geral Regional - que se traduz na exequibilidade imediata do ato, no primeiro caso, e na sua não exequibilidade, no segundo, não só parece inaceitável, do ponto de vista do ordenamento jurídico no seu todo, por traduzir uma assimetria absolutamente injustificada e injustificável, como admite a possibilidade de diferimento da execução do ato - no segundo caso, ou seja, quando a autoria do ato impugnado é do Procurador-Geral Regional -, possibilidade essa apta a gerar prejuízo grave para o interesse público pela paralisia que representaria na gestão da atividade do Ministério Público.
8. Pelo que ficou dito, e fazendo uso da competência que me é conferida pelo artigo 19º, n° 2 alínea w) do Estatuto do Ministério Público,
Indefiro a impugnação apresentada e confirmo o despacho n.° 14/2020, do Senhor Procurador-Geral Regional de Lisboa, que atribui o Processo 18588/…….., que corre no juízo do comércio da comarca de Lisboa, aos Senhores Procuradores da República A…………., em funções no Juízo de Comércio de ……….., Comarca de Lisboa ……., instalado provisoriamente em …….., e B…………, em funções Juízo de Comércio de ……., Comarca de Lisboa-……, sendo para o efeito nomeados em regime de exclusividade, nos demais termos e condições previstos no referido despacho;
9. Não se tendo os recorrentes apresentado no Juízo de Comércio de Lisboa na data fixada no despacho do Senhor Procurador-Geral Regional de Lisboa, por, segundo flui dos requerimentos por si apresentados, ser sua convicção, fundada nas normas do Código do Procedimento Administrativo, que o recurso teria efeito suspensivo, determino que a apresentação dos Senhores Procuradores da República B………. e A………….., no Juízo de Comércio de Lisboa, para efeitos de assumirem a atribuição do Processo 18588/…….., ocorra no dia 23 de junho de 2020.
Lisboa, em 29 de maio de 2020
A Procuradora-Geral da República (assinatura manuscrita)



DO DIREITO

Na presente acção cautelar os AA colocam em crise a competência do Procurador-geral regional e, consequentemente, do Procurador-Geral da República para, com fundamento em “razões ponderosas de especialização, complexidade processual ou repercussão social”, atribuir, com implicação de deslocação dos visados para comarca diversa daquela em que foram providos, processos concretos a outros magistrados que não o respectivo titular que, no caso, concorreu e foi movimentado para outro departamento do Ministério Público (artº 68º nº 1 g) e nº 2 EMP), conforme despachos de 19.03.2020 e 29.05.2020 (alíneas E/F e CC/DD do probatório).
Em síntese, sustentam os AA que:
- tal competência cabe no âmbito dos poderes do CSMP por se tratar de reafectação de magistrados, nos termos expressos dos artºs 21º nº 2 a) e 77º nº 2 EMP
- a decisão da impugnação administrativa deduzida contra o despacho do Procurador-geral regional compete ao CSMP e não ao Procurador-Geral da República, nos termos do artº 21º nº 2 g) EMP, sendo esta entidade incompetente em razão da matéria.


a. fumus boni iuris – poder directivo do superior hierárquico - conformação concreta e modificativa - modo e local de exercício de funções;

A apreciação do pressuposto cautelar relativo ao fumus boni iuris implica analisar o âmbito de conformação dada no Estatuto do Ministério Público ao poder directivo do Procurador-geral regional e do Procurador Geral da República nos termos previstos no artº 68º nº 1 g) EMP quanto à determinação do conteúdo nas vertentes de conformação concreta e modificativa do exercício das competências funcionais da magistratura do Ministério Público, posto que o poder de direcção, consistente na “(..) competência de dar ordens e expedir instruções,… permite que o superior configure o conteúdo das actuações dos subalternos … possa exercer efeitos imediatos através do desempenho da função pelos seus subalternos. Isto implica porém que, como contrapartida do poder de direcção exista o dever de obediência. (..)” ( Sérvulo Correia, Noções de direito administrativo, Editora Danúbio/1982, págs.197-199.)
Na vertente de conformação concreta quanto ao modo de exercício de funções trata-se da atribuição a magistrado de um concreto processo em circunstâncias de exclusividade funcional uma vez verificado o quadro específico de circunstâncias enunciadas na previsão do artº 68º nº 1 g) EMP, todas elas directamente relacionadas com o objecto de um determinado processo judicial, processo esse que convoca a intervenção do magistrado do MP.
Neste caso, o artº 68º nº 1 g) EMP permite a conformação da concreta actividade do magistrado fora do regime-regra de exercício funcional, isto é, fora do quadro geral de exercício de funções jurídicas por parte do magistrado quanto a todos os processos a si distribuídos no âmbito da vaga em que foi provido no movimento a que concorreu, indistintamente e não de exercício funcional concentrado num processo específico, destacado de todos os outros por despacho do superior hierárquico, no caso, o procurador-geral regional.
Na vertente de conformação modificativa quanto ao local de exercício de funções a situação dos autos implica a mobilidade de local de trabalho por imposição do superior hierárquico, embora a título temporário, posto que o processo atribuído aos AA tramita em comarca diversa daquela em que os magistrados exercem funções na decorrência da vaga a que concorreram e onde foram providos nos respectivos movimentos (………….., tribunal instalado em ……., …….. e Lisboa) – vd. alíneas A, C e OO do probatório.
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Ainda quanto ao pressuposto do fumus boni iuris, por causa desta circunstância de conformação modificativa do local de exercício de funções cumpre analisar os limites negativos do poder directivo do Procurador-geral regional e do Procurador Geral da República (artºs. 68º nº 1 g), 14º nº 1 a) e 19º nº 2 w) EMP) em articulação com os direitos e garantias dos AA consignados no EMP, artºs. 99º (estabilidade) e 152º (transferências), v.g. decorrentes do regime dos instrumentos de mobilidade de local de trabalho, concretamente na reafectação de magistrados (artºs. 76º nº 2 a) e 77º EMP) e saber se tais limites têm aplicação na hipótese dos autos.
Isto porque em sede cautelar administrativa a apreciação ao fumus boni iuris se estende à aparência de ilegalidade da actuação administrativa alegada pela parte interessada no decretamento da providência como lesiva de um direito que lhe assiste, isto é, "(..) a apreciação ao fumus boni iuris requer não apenas a emissão de um juízo sobre a aparência da existência de um direito ou interesse do particular a merecer tutela, como também da probabilidade da ilegalidade da actuação lesiva do mesmo (..)" ( Ana Gouveia Martins, A tutela cautelar no contencioso administrativo - em especial nos procedimentos de formação dos contratos, Coimbra Editora/2005, pág.43 nota (40).)
O que significa que a apreciação ao fumus boni iuris se estende à aparência de ilegalidade da actuação administrativa alegada pela parte interessada no decretamento da providência como lesiva de um direito que lhe assiste.
Acresce, ainda, que o regime da summaria cognicio, tanto em sede cível como administrativa - cfr. artºs. 114 nº 3 g) CPTA e 384º nº l CPC - reflecte-se no domínio da prova, isto é, no "(..) grau de prova que é suficiente para a demonstração da situação jurídica que se pretende acautelar ou tutelar provisoriamente.
Uma prova stricto sensu (ou seja, a convicção do tribunal sobre a realidade dessa situação) não seria compatível com a celeridade própria das providências cautelares e, além disso, repetiria a actividade e a apreciação que, por melhor se coadunarem com a composição definitiva da acção principal, devem ser reservadas para esta última. É por isso que as providências cautelares exigem apenas a prova sumária do direito ameaçado, ou seja, a demonstração da probabilidade séria da existência do direito alegado (..) bem como do receio da lesão (..). As providências só requerem, quanto ao grau de prova, uma mera justificação, embora a repartição do ónus de prova entre o requerido e o requerente observe as regras gerais. (..)" ( Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex/1997, págs.233/234. )


b. relação de hierarquia - desconcentração vertical e horizontal originária;

Aos despachos em causa nos autos é aplicável o regime do CPA, na medida do âmbito de aplicação subjectiva do artº 2º nº 1 às funções materialmente administrativas desempenhadas a título secundário pela Procuradoria Geral da República e demais órgãos consignados no EMP, sendo de aplicar também, para efeitos de sujeição conceptual com as devidas adaptações às circunstâncias do caso, as definições de órgão, hierarquia e meios graciosos procedimentais acolhidos no citado Código.
Como nos diz a doutrina, “(..) A hierarquia administrativa corresponde a uma forma de organização de um ente público, consistente em escalonar os diversos órgãos que a integram de modo piramidal, de maneira a que cada qual possa dirigir a actuação dos subalternos e tenha de obedecer aos superiores. Trata-se de organização vertical (..)”, isto é, “(..) A sequência ou distribuição hierárquica corresponde a um sistema … de acordo com um modelo de organização vertical, por degraus ou patamares: este modelo de organização origina um relacionamento jurídico (relação hierárquica) que se distingue pelo facto de os órgãos superiores deterem um poder de supremacia jurídica sobre os órgãos subalternos ou subordinados. (..)” ( Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de direito administrativo, LEX/1999, pág.211; Pedro Costa Gonçalves, Manual de direito administrativo, V-I, Almedina/2019, pág. 939.)
Do ponto de vista da estrutura organizativa a hierarquia “(..) respeita à repartição de competências entre órgãos de uma pessoa colectiva … A organização da pessoa colectiva diz-se desconcentrada quando aos órgãos inferiores são conferidos poderes decisórios … a desconcentração tem que ir buscar os seus instrumentos e correctivos: dos primeiros refira-se além da criação de serviços … a delegação de poderes.
Correctivo da desconcentração é o poder hierárquico do órgão superior ou central … Assim, ao órgão superior são normalmente reconhecidos em relação ao órgão desconcentrado os poderes de direcção, substituição e superintendência … tais poderes existem mesmo que não se encontrem expressamente previstos na lei e o órgão superior só não poderá exercê-los quando isso lhe tenha sido legalmente proibido; é o que acontece, por exemplo, naqueles casos em que ao órgão desconcentrado haja sido reconhecida uma competência exclusiva, hipótese em que o superior não se lhe poderá substituir … sendo a fiscalização deste [acto] feita apenas através dos tribunais. (..)” ( Mário Esteves de Oliveira, Direito administrativo, Vol. I, FDL/1980, págs. 280-282 e 335.)
Na economia do EMP a relação de hierarquia mediante a qual, no plano interno do ente público, o órgão superior hierárquico é habilitado a exercer poderes de intervenção sobre o concreto exercício de competências do subalterno, envolve o elenco especificado no artº 14º nº 1 alíneas a) a i) EMP de órgãos colegiais e unipessoais do MP (artº 12º EMP) e de magistrados com poderes directivos, coincidindo nos órgãos unipessoais a condição de órgão e de titular do órgão na pessoa física do magistrado do MP com poderes de direcção ali referido.
Sendo o âmbito de poderes determinado nos exactos termos da respectiva norma de competência, cada órgão dirigindo a actuação dos magistrados subalternos na respectiva área territorial definida no Anexo I/EMP, caso do procurador geral adjunto que dirija uma procuradoria geral regional (artº 67º nº 1 EMP), tratando-se, por conseguinte, de um exemplo de desconcentração vertical, territorial e funcional na escala hierárquica, promovida pela lei, isto é, originária.
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Adaptando a concepção dogmática constante do artº 20º nº 1 CPA, os órgãos do MP enunciados no artº 12º EMP constituem centros institucionalizados de competências que actuam juridicamente por intermédio da pessoa física que assuma a titularidade ou a condição de membro do órgão colegial e, consequentemente, directa e imediatamente assuma a “relação orgânica de imputação” da actuação do titular ao órgão; “(..) tudo se passa, juridicamente, como se fosse o próprio órgão, que é uma instituição ou figura abstracta, a agir directamente, sem a intermediação da pessoa física. A actuação dos titulares do órgão, considerada e si mesma como actuação própria dessas mesmas pessoas, releva como um mero facto; a sua juridicidade advém de essa actuação pessoal se dever considerar actuação do órgão. (..)” ( Pedro Costa Gonçalves, Manual …, V-I, págs. 515, 571, 584-585.)
Neste quadro, a Procuradoria Geral da República configura-se como órgão colegial complexo na medida em que compreende outros órgãos no âmbito da desconcentração funcional de competências, no que ao caso importa, o CSMP, também ele órgão colegial desdobrado em secções (artºs. 12º a), 15º nº 2 e 22º EMP), sendo todos os demais órgãos enunciados no artº 12º EMP órgãos unipessoais (artºs. 67º, 75º e 88º EMP).
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A competência disciplinar e de gestão dos quadros do MP, na letra da lei “nomear, colocar, transferir … exercer a acção disciplinar”, é legalmente cometida à Procuradoria Geral da República (artº 16º b) EMP) sendo que, tanto no plano interno interorgânico como no plano de efeitos jurídicos sobre os magistrados do MP, ocorre um fenómeno de transferência por via legislativa em favor do CSMP na medida em que “A Procuradoria Geral da República exerce a sua competência disciplinar e de gestão dos quadros do Ministério Público através do CSMP” (artº 21º nºs. 1 e 2 a) EMP).
A competência disciplinar e de gestão de quadros, ou seja, os actos jurídicos de “nomear, colocar, transferir … exercer a acção disciplinar”, constituem poderes cujo exercício com efeitos externos sobre os magistrados do MP é objecto de desconcentração horizontal originária, isto é, promovida por lei em favor do CSMP enquanto órgão colegial, mas cuja titularidade a lei coloca na Procuradoria Geral da República (artº 16º b) EMP), órgão dirigido pelo Procurador Geral da República (artº 19º nº 1 a) e nº 2 als. a) a x)EMP) que, como não poderia deixar de ser neste quadro especial de desconcentração horizontal de competências, também preside ao CSMP (artº 22º a) EMP).
Nas citadas matérias o artº 21º nºs 1 e 2 a) EMP estabelece uma situação jurídica especial de desconcentração horizontal originária, em que a distribuição de poderes é concretizada em órgãos separados, mas entre os quais não subsiste qualquer relação hierárquica.
No caso, a Procuradoria Geral da República e CSMP são órgãos dotados de competências externas (artºs. 16º e 21º nºs. 2 e 3 EMP) mas sem qualquer relação vertical de supra e infra-ordenação entre si, como se pode verificar pelo contexto do artº 14º nº 1 als. a) a i) EMP, residindo a situação jurídica especial na mencionada circunstância de a transferência legislativa a favor do CSMP (artº 21º nº 1 e 2 a) EMP) apenas envolver, em matéria disciplinar e de gestão dos quadros do MP, o exercício da competência e não também a titularidade, como ocorre em sede administrativa. ( Pedro Costa Gonçalves, Manual …, V-I, págs. 513-514.)
Efectivamente, entre a Procuradoria Geral de República e o CSMP a lei não estabelece nenhuma relação de hierarquia constitutiva de competência concorrente ou comum de poderes expressos nos artºs 16º b) e 21º nº 2 a) EMP, tanto assim que para efeitos de aceder ao contencioso judicial dos actos do CSMP cabe interpor recurso necessário das deliberações das secções para o plenário (artº 34º nº 8 EMP e 199º nº 1 b) CPA)) posto que apenas estas são passíveis de impugnação contenciosa (artº 38º EMP).
Por outro lado, na medida em que a desconcentração horizontal originária configura uma transferência de competências com assento na lei, apenas é reversível por alteração legislativa.
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Em razão da inexistência de relação de hierarquia entre a Procuradoria Geral de República e o CSMP a competência decisória dos recursos hierárquicos de actos administrativos praticados por magistrados do MP é, por determinação expressa de lei, cometida ao Procurador Geral da República nos termos do artº 19º nº 2 w) EMP.
Tal significa que a competência recursória do CSMP prevista no artº 21º nº 2 g) EMP reporta aos mencionados recursos especiais (artº 199º CPA) não abrangendo poderes de decisão de recursos hierárquicos (artº 193º CPA). ( Luís Cabral de Moncada, Código do Procedimento Administrativo – anotado, Coimbra Editora/2015, págs. 624/625, 676 e 691/692.)
De que constitui exemplo, subsumível no artº 199º nº 1 b) CPA, a interposição de recurso necessário das deliberações das secções para o plenário do CSMP, nomeadamente em ordem a aceder à tutela judicial contenciosa (artºs. 34º nº 8 e 38º EMP), dado que entre o plenário do Conselho enquanto órgão colegial e as suas secções não há nenhuma relação de hierarquia.
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Pelo exposto, os despachos em causa nos autos não se mostram inquinados de violação de lei no tocante ao elemento competência do acto administrativo praticado, pelo que nesta parte falece o invocado preenchimento do pressuposto cautelar do fumus boni iuris.


c. gestão de quadro de magistrados - situação excepcional de gestão de serviço – conformação concreta e modificativa de funções;

De quanto vem dito se conclui que o regime do artº 68º nº 1 g) EMP não é passível de configurar um dos mecanismos de mobilidade e gestão processual de quadros, concretamente, como sustentam os AA, de ser reconduzido à reafectação de magistrados prevista nos artºs. 76º nºs. 1 e 2 a) e 77º nºs 1 e 2 EMP, cometida ao CSMP no exercício do poder de gestão dos quadros de magistrados mediante colocação a título transitório em local distinto daquele que funcionalmente lhe compete.
Pelo contrário, o âmbito de aplicação e sentido da norma não se dirige nem à colocação de magistrados nos serviços do Ministério Público junto dos tribunais, nos termos gerais dos movimentos anuais ou extraordinários para preenchimento de vagas, competência exclusiva do CSMP nos termos do artº 150º nºs. 1, 2 e 4 EMP, nem à colocação transitória de magistrados por reafectação, competência do CSMP, mas não exclusiva, nos termos do artº 77º nº 2 EMP.
Em termos de ratio legis o artº 68º nº 1 g) EMP tem por escopo operacionalizar a já referida desconcentração vertical, territorial e funcional (artº 14º nº 1 c) EMP), atribuindo ao superior hierárquico mais próximo do tribunal onde pende o processo problemático que cumpre destacar, com poderes de direcção e conhecimento directo de causa para dar solução a um problema de gestão de serviço mediante a atribuição do processo problemático, em exclusividade de funções e a título temporário, a outro magistrado que não o respectivo titular.
O citado normativo constitui um caso específico de mobilidade funcional por alteração quantitativa de tarefas compreendidas no objecto funcional de obrigações de trabalho do magistrado, conferindo ao superior hierárquico, o procurador geral regional, o poder de modificação funcional, modificação esta que não é definitiva, mas temporária.
E tanto que se trata de um problema de gestão de serviço (e não de gestão de quadros) que a situação problemática se circunscreve, exclusivamente, ao objecto do processo, sendo este o factor que dá causa directa e justifica a ordem hierárquica de introduzir alterações no modo de desempenho de funções relativamente àquele processo, problema passível de ser detectado pelo magistrado do Ministério Público coordenador que dirige a procuradoria da República de comarca, em ordem a propor ao procurador geral regional a atribuição em exclusividade a outro magistrado que não o seu titular - vd. artº 75º nº 1 m) EMP.
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A atribuição de processos concretos a outro magistrado que não o seu titular, prevista no artº 68º nº 1 g) EMP, é uma medida de gestão distinta da medida de reafectação de magistrados prevista nos artºs. 76º nº 1 a) e 77º EMP, tanto nos pressupostos objectivos (os processos) como subjectivos (os magistrados) de uma e outra.
O enfoque do artº 68º nº 1 g) EMP polariza-se na figura jurídica da mobilidade funcional, no poder atribuído ao superior hierárquico de cometer a um magistrado tarefas de conformação distinta, embora compreendidas no objecto do contrato atenta a respectiva categoria, tendo por causa um determinado processo problemático que a lei evidencia ao referir quais os pressupostos que determinam o motivo da atribuição a outro magistrado que não o titular, titularidade decorrente do preenchimento da vaga a que concorreu e nela foi provido aquando do movimento normal ou extraordinário de magistrados.
A lei define os pressupostos qualitativos verificáveis no processo problemático através de conceitos descritivos e valorativos, a saber:
o razões ponderosas de especialização, complexidade processual ou repercussão social o justifiquem” – artº 68 nº 1 g) EMP.
A expressão “razões ponderosas de especialização e complexidade processual” significa que do ponto de vista do direito constituído o processo há-de mobilizar um ramo especializado do direito substantivo e/ou adjectivo.
O que no caso concreto dos autos se verifica é que, do ponto de vista jurídico, se trata de aplicar o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) e demais legislação específica à liquidação de uma sociedade financeira, o Banco …………, v.g. o DL 199/2006, 25.10, pelo que não se suscitam dúvidas quanto à especialidade e complexidade substantiva e adjectiva do bloco normativo mobilizado.
Também não se suscitam dúvidas quanto à verificação do segmento “ou repercussão social o justifiquem” no caso da falência do Banco ………., dado que o acervo de credores concorrentes à massa falida e âmbito desta é matéria de conhecimento público, não na vertente técnico-jurídica como é óbvio, mas na vertente noticiosa especulativa sobre episódios conflituais subsumíveis no conceito de “alarme público”, noticiário especulativo que até à extinção da instância dos apensos da graduação de créditos e liquidação da massa falida há-de persistir.
Pelo que vem dito, no artº 68º nº 1 g) EMP a competência dada aos órgãos dirigentes da cadeia hierárquica do Ministério Público integra a figura jurídica da mobilidade funcional, consubstanciada no poder de conformação distinta do elenco concreto de tarefas desempenhadas pelo magistrado titular, retirando da sua competência um processo particularmente complexo seja do ponto de vista técnico e/ou do ponto de vista do direito de informação do público em geral, e atribuindo-o em exclusividade de funções a diverso magistrado.
Dito de outro modo, a previsão legislativa do artº 68º nº 1 g) EMP compreende um mecanismo extraordinário de mobilidade funcional desencadeada pela instauração de processos de acentuada complexidade jurídica nos mais diversos ramos do direito, sendo que a experiência diz-nos que tal sucede nas áreas jurisdicionais de competência cível (comercial e regulação), penal (grande criminalidade) ou administrativa (contratação pública e regulação).
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Trata-se, portanto, de solucionar uma necessidade específica e particular de gestão dos serviços do MP, necessidade que o legislador do EMP resolveu pela densificação normativa dos pressupostos, as tais razões ponderosas de especialização, complexidade processual e repercussão social, dando assim ao intérprete - ou seja, ao magistrado titular do órgão objecto de desconcentração vertical, territorial e funcional - o grau de pormenorização suficiente que permita antecipar adequadamente a situação problemática em causa, em homenagem ao princípio da legalidade na vertente da reserva de lei, segundo a qual cabe ao legislador a definição primária das actuações com reflexos na esfera jurídica de terceiros. ( Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado de Matos, Direito administrativo geral, Tomo-I, D. Quixote/ 2010, págs.159/160.)
Uma vez preenchidos os pressupostos, a estatuição vai no sentido de proceder ao destaque do processo problemático de todos os demais pendentes nos serviços do Ministério Público junto do tribunal em concreto, e atribuí-lo a magistrado que não o seu titular, em exclusividade de funções e a título temporário na medida em que a operacionalidade do mecanismo extraordinário de gestão dos serviços prevista no artº 68º nº 1 g) EMP de atribuição específica e exclusiva dos autos, apenas cessa com a extinção da instância nos termos da lei de processo aplicável.
A solução encontrada pelo legislador foi a de inverter os termos da equação de colocação de magistrados em via de mobilidade nos termos do regime laboral geral, posto que, como já referido, a hipótese legal não se reconduz nem à movimentação anual ou extraordinária para preenchimento de vagas por procedimento concursal, competência exclusiva do CSMP (artº 150º nºs. 1, 2 e 4 EMP), nem à colocação transitória por reafectação de magistrados, competência do CSMP, mas não exclusiva (artº 77º nº 2 EMP).
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A reafectação de magistrados consiste em movimentar, a título transitório, um magistrado do Ministério Público para serviços “em tribunal, procuradoria ou secção de departamento diverso daquele em que está colocado” – vd. artº 77º nº 1 EMP - sendo que em termos de temporalidade,
(i) “cessa com a produção de efeitos do movimento seguinte” e
(ii) “não pode ser renovada quanto ao mesmo magistrado antes de decorridos três anos” – vd. artº 77º nº 3 EMP.
Em matéria de reafectação de magistrados a lei não estabelece quaisquer pressupostos relativos aos processos pendentes “em tribunal, procuradoria ou secção de departamento diverso daquele em que está colocado” e para onde a colocação transitória é determinada, conferindo ao CSMP margem de livre decisão tendo por limites imanentes, nos termos do artº 2º nº 1 CPA/2015, os princípios gerais respeitantes à actividade administrativa plasmados no artº 266º nºs. 1 e 2 CRP, expressamente previstos no artº 76º nº 3 e 153º nº 1 EMP.
Mas, no tocante ao poder de direcção hierárquico quanto a “fixar os termos em que deve ser prestado o trabalho”, a lei estabelece dois requisitos subjectivo de protecção das posições jurídicas dos visados, enquanto magistrados do MP (audição prévia) e, enquanto sujeitos duma relação jurídica laboral de direito público nos termos do artº 74º da LTFP, de prevenção de inconvenientes e incomodidades subjectivas pela mudança transitória de local de trabalho (local de trabalho - limite de 60 km, a saber,
(i) não pode implicar colocação em comarca diversa ou local que diste mais de 60 km daquele em que está colocado;
(ii) depende de prévia audição do visado na reafectação – artº 77º nº 2 EMP
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Contrariamente ao caso do artº 68º nº 1 g) EMP, em que a lei densifica pressupostos específicos atinentes ao processo problemático, de cariz valorativo e justificativos do destaque e atribuição a outro magistrado que não o seu titular, traduzidos em
(i) razões ponderosas de especialização, complexidade processual ou repercussão social
exactamente porque, como já referido, se trata de operacionalizar a gestão dos serviços do MP, sempre que se deparem circunstâncias de instauração de processos de acentuada complexidade jurídica nos mais diversos ramos do direito, caso em que o legislador do EMP não quis limitar o poder directivo do superior hierárquico com a observância do requisitos de prevenção de inconvenientes e incomodidades subjectivas do magistrado pela mudança transitória de local de trabalho, como é o caso do limite de 60 km previsto no artº 77º nº 2 EMP para o caso da reafectação.
Tanto assim que, cumulativamente com os pressupostos específicos atinentes ao processo problemático, fixou dois requisitos subjectivos reportados à pessoa do magistrado titular do processo - e não à pessoa do magistrado visado com a atribuição o processo problemático - a saber,
(i) audição do magistrado titular do processo
(ii) caso o magistrado titular se pronuncie “contrariando a fundamentação expressa do procurador geral regional”
situação em que a decisão final é cometida ao Procurador Geral da República – artº 68º nº 2 EMP.
Depreende-se que a lei tem em vista a pronúncia do magistrado titular para lhe dar hipótese de obstar a que lhe retirem o processo problemático e voluntariar-se para ficar com os autos em exclusividade de funções, com fundamento em “razões ponderosas de especialização” profissional.
Nestas circunstâncias, na veste de superior hierárquico o Procurador Geral da República tem competência para atribuir eficácia ao despacho do procurador-geral regional, em caso de o magistrado titular do processo “contrariar a fundamentação expressa do procurador-geral regional” ou seja, não querer aceitar aquele processo em concreto e refutando os fundamentos da atribuição do processo em causa (artº 68º nº 2 EMP).
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A situação excepcional prevista no artº 68º nº 1 g) EMP não se mostra colocada pelo legislador no âmbito das competências do CSMP na gestão dos quadros de magistrados em matéria de movimentos anuais e extraordinários, próprias da colocação por atribuição definitiva de vaga aberta (artº 150º nºs. 1 e 2 EMP) com natureza expressa de competência exclusiva (artº 150º nº 4 EMP), nem de colocação transitória de magistrados por reafectação, competência do CSMP, mas não exclusiva, nos termos do artº 77º nº 2 EMP.
Do ponto de vista da ratio legis atentos os pressupostos enunciados na hipótese normativa, a situação de excepcionalidade prevista no artº 68º nº 1 g) EMP configura-se claramente no domínio específico e concreto da execução de funções com expressão de despacho nos processos pendentes em tribunal em que o Ministério Público tem intervenção processual, ou seja, no domínio específico da gestão do serviço constituído pelas funções jurídicas desempenhado pelos magistrados do Ministério Público no tribunal.
Gestão de serviço nas vertentes de conformação concreta quanto ao modo e de conformação modificativa quanto ao local de exercício de funções, posto que, no caso dos autos, a atribuição a título temporário fundada em “razões ponderosas de especialização, complexidade processual e repercussão social” relativamente ao procº nº 18588/…… pendente no Juízo 1 do Tribunal de Comércio de Lisboa implica o exercício de funções em comarca diversa daquela em que os AA estão colocados e, consequentemente, a suspensão temporária do exercício de funções nas respectivas comarcas de origem (………., tribunal instalado em …….., …….. e Lisboa) - vd. alíneas A. C e OO do probatório.
A questão é claramente um problema concreto de gestão de serviço emergente do exercício de actos jurídicos e acompanhamento do procº nº18588/……. e não de gestão do quadro de magistrados do MP no Juízo 1 do Tribunal de Comércio de Lisboa, onde o processo em causa segue termos.
Traduz-se em solucionar um problema centrado naquele procº nº 18588/…….. que, seja por razões de direito substantivo (a concreta matéria de direito nele suscitada e complexo normativo aplicável aos factos que constituem o objecto do processo), por razões de direito adjectivo (complexidade da instância por sucessivos incidentes de reclamação e recurso e longos e intrincados articulados das partes e de terceiros intervenientes), agravadas por o processo ser objecto de noticiário ao público em geral, carece de ser temporariamente destacado e atribuído a magistrado diverso do titular, no caso, os ora AA.
No caso em apreço o problema de gestão de serviço surge porque o magistrado que assumia competências jurídicas em exclusividade no procº nº 18588/……… pendente no Juízo 1 do Tribunal de Comércio de Lisboa, foi movimentado para outro departamento do Ministério Público, sendo necessário atribuir em via reforçada a outros magistrados, em idênticas circunstâncias especiais de exclusividade de funções, ou seja, alijando os AA de outras responsabilidades que impliquem intervenções adjectivas noutros processos – vd. alíneas G e H do probatório.
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Seja no caso de atribuição de processo em exclusividade de funções do artº 68º nº 1 g) EMP seja no tocante ao mecanismo de mobilidade da reafectação de magistrados dos artºs. 76º nº 2 a) e 77º nº 1 EMP, estamos, claramente, em matéria de jus variandi, embora não caiba entrar na discussão doutrinária se o jus variandi constitui um poder autónomo ou faz parte integrante do poder de direcção na vertente conformativa, configurando um corolário deste poder, nem caiba saber se relativamente ao poder directivo de jus variandi a lei consagra na esfera jurídica do superior hierárquico um verdadeiro direito potestativo contraposto ao dever de obediência do subalterno.
E não cabe porque se trata de matérias que requerem um juízo de certeza próprio da causa principal, ultrapassando a sumariedade de fundamentação exigida para o juízo de verosimilhança do pressuposto cautelar do fumus boni iuris.


d. mobilidade funcional - prevalência das necessidades de serviço - direito de audiência;

Embora o EMP silencie a questão, não sofre dúvidas que o magistrado visado com a atribuição em exclusividade de um processo problemático no regime do artº 68º nº 1 g) EMP tem o direito de audiência prévia por aplicação directa do disposto no artº 121º CPA/2015, o que, na circunstância, foi observado – vd. alínea U do probatório.
Efectivamente, o magistrado do MP tem o direito de ser informado do sentido provável da decisão de lhe ser atribuído o processo em exclusividade de funções, com observância de todas as formalidades legais, v.g., suficiente informação sobre o processo em causa, a mudança temporária de comarca que o caso eventualmente implique e observância substantiva do contraditório atendendo ao quadro garantístico de direitos subjectivos estabelecido por conjugação do disposto nos artºs. 99º (estabilidade) e 152º nº 1 (transferência), quadro garantístico que cabe articular com o princípio da prevalência das necessidades de serviço sobre a vida pessoal e familiar do magistrado, afirmado no artº 153º nº 1, todos do EMP.
Numa relação jurídica laboral, seja de direito privado seja de direito público, a prevalência das necessidades de serviço sobre a vida pessoal e familiar do trabalhador tem de ser enquadrada no âmbito do regime normativo dos tempos de não trabalho, isto é, das situações identificadas na lei em que, durante o tempo de trabalho, o trabalhador não está a executar a sua prestação e, não obstante, por determinação legal expressa a relação jurídica laboral se mantém válida e eficaz quanto a todos os vínculos obrigacionais.
É o caso do direito efectivo à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar como condição de aplicação do regime das faltas justificadas para assistência inadiável e imprescindível a membro do agregado familiar do magistrado, previsto no artº 134º nº 2 da LTFP (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas) aprovada pela Lei nº 35/2014, 20.06 com aplicação do artº 252º CT (Código do Trabalho) aprovado pela Lei 7/2009, 12.02 ex vi artº 4º nº 1 da LTFP.
O que significa que, seja no EMP, LTFP ou no CT, o magistrado visado com o mecanismo extraordinário de mobilidade funcional do artº 68º nº 1 g) EMP não tem, fora do regime legal das faltas justificadas, respaldo normativo para fazer prevalecer a sua vida familiar sobre as necessidades de serviço com fundamento em situações de assistência inadiável e imprescindível a membro do agregado familiar, logo, a invocação de situações desta natureza são irrelevantes face ao citado regime.
Aliás, o regime legal, conforme citado artº 153º nº 1 EMP, determina exactamente o inverso na medida em que estabelece o princípio da prevalência das necessidades de serviço sobre a vida pessoal e familiar do magistrado.

e. mobilidade geográfica - local de trabalho – dispensa de acordo;

O que nos leva à questão da mobilidade geográfica envolvendo a mudança de local de trabalho, que no caso dos autos se traduz na mudança de comarca, e analisar os limites negativos do poder directivo do Procurador-geral regional e do Procurador Geral da República (artºs. 68º nº 1 g), 14º nº 1 a) e 19º nº 2 w) EMP) em articulação com os direitos e garantias dos AA consignados no EMP, artºs. 99º (estabilidade) e 152º (transferências).
Como nos diz a doutrina da especialidade, o local de trabalho corresponde ao lugar físico do cumprimento da prestação laboral, tem efeitos determinantes a vários níveis da relação jurídica e o factor de determinação mostra-se associado em ambos os Códigos (LTFP e CT) a uma garantia de inamobilidade acompanhada de restrições à sua variação mediante o estabelecimento de requisitos substanciais e procedimentais. ( Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de direito do trabalho – Parte II, Almedina/2012, págs. 426/427 e 433-435.)
Importa atentar que, muito embora o legislador do EMP nesta hipótese da mobilidade funcional do artº 68º nº 1 g) não tenha concretizado normativamente quaisquer limitações do poder directivo do superior hierárquico emergentes da consagração preventiva de inconvenientes e incomodidades subjectivas do magistrado em situações de mobilidade geográfica, isto é, de mudança temporária para comarca diversa, a verdade é que essas limitações do poder directivo existem por aplicação directa do regime do artº 95º LTFP (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas) aprovada pela Lei nº 35/2014, 20.06, não sendo caso de aplicação subsidiaria do regime do CT (Código do Trabalho) aprovado pela Lei 7/2009, 12.02 porque a matéria não se mostra prevista no elenco exemplificativo do artº 4º nº 1 da LTFP nem é objecto de remissão em qualquer outro preceito. ( Paulo Veiga e Moura/Cátia Arrimar, Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, 1º V, Coimbra Editora/2014, págs. 354-355.)
A aplicação do mecanismo extraordinário de mobilidade funcional do artº 68º nº 1 g) EMP no respeito do regime de tutela da inamobilidade do local de trabalho centrado na comarca de colocação definitiva do magistrado do MP por via do movimento anual ou extraordinário a que concorreu (artº 150º nºs. 1 e 2 EMP), exige a observância das garantias substantivas consignadas nos artºs. 99º e 152º nº 1 EMP quanto a estabilidade e transferência, às quais que se associa a garantia procedimental da audiência prévia por aplicação directa do disposto no artº 121º CPA/2015.
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No caso dos autos a mobilidade funcional extraordinária implica, a se, dada a pendência do procº nº 18588/…….. no Juízo 1 do Tribunal de Comércio de Lisboa, a mobilidade geográfica dos AA para comarca diversa, pelo que, a nosso ver, se impõe observar o regime constante do artº 95º nº 1 a) e b) LTFP que dispensa o acordo do trabalhador caso o novo local de trabalho,
(i) se situe “até 60 km, inclusive, do local de residência” e
(ii) “em concelho integrado na área metropolitana de Lisboa ou na área metropolitana do Porto ou em concelho confinante” se o magistrado residir numa das referidas áreas metropolitanas.
Supomos que influenciado pelo regime do vínculo de emprego público na LTFP o legislador do EMP incorporou o distanciamento de 60 km na hipótese legal do artº 77º nº 2 EMP, a título de limite negativo de competência do CSMP em matéria de gestão transitória de quadros de magistrados por reafectação.
Aliás, o despacho da Senhora Conselheira Procuradora Geral da República de 29.05.2020 contempla expressamente esta matéria versando especificamente o local de residência dos AA e a situação geográfica da comarca do procº nº 18588/…….., conforme segmento que se transcreve, não contraditado: 0 “(..) No que respeita a) distâncias relativamente ao domicílio,
Ambos residem em Lisboa, um sensivelmente à mesma distância da residência a qualquer um dos destinos e o outro reduz tal distância de 35 ou 40 km para 1 ou 2 km. (..)” – vd. alínea UU do probatório.
Neste sentido perde relevância jurídica a inexistência de consentimento dos AA, invocada, v.g. nos artigos 25, 167 e 180 do requerimento inicial.
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Por quanto vem de ser dito e em juízo perfunctório, improcede a alegada aparência do bom direito, ou fumus boni iuris, pressuposto cautelar que, a par do periculum in mora e da ponderação de danos determina a concessão da providência requerida, conforme artº 120º nºs. 1 e 2 CPTA.
Na medida em que o decretamento da providência depende da verificação cumulativa dos três requisitos legais enunciados no artº 120º nºs. 1 e 2 CPTA, o decaimento em matéria de aparência do bom direito alegado (fumus boni iuris) importa a improcedência da causa e, por consequência, a prejudicialidade de conhecimento do alegado em matéria de periculum in mora e ponderação de danos.
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Pelo exposto, os despachos em causa nos presentes autos não se mostram inquinados de violação de lei ordinária nem de princípio constitucional, pelo que também nesta parte falece o invocado preenchimento do pressuposto cautelar do fumus boni iuris.

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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Conselheiros da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo em julgar improcedente a acção cautelar de suspensão de eficácia deduzida pelos AA A…………. e B………… relativamente aos despachos da Senhora Conselheira Procuradora Geral da República de 29.05.2020 e despacho nº 14/2020 de 19.03.2020 do Procurador Geral Regional de Lisboa, proferido em substituição.

Custas a cargo dos AA.

Registe e notifique.


Lisboa, 10 de Setembro de 2020

A Relatora atesta, nos termos do disposto no artº 15º-A do DL 10-A/2020 de 13.03 aditado pelo artº 3º do DL 20/2020 de 01.05, o voto de conformidade ao presente acórdão dos restantes Conselheiros integrantes desta formação de conferência, Conselheiro José Veloso e Conselheira Ana Paula Portela.