Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01154/14
Data do Acordão:11/12/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ACTO TÁCITO
DEVER DE DECIDIR
DEVER DE PRONÚNCIA
Sumário:I - O conhecimento oficioso de questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa só pode ocorrer quando o juiz entenda que as mesmas devem ser julgadas procedentes, caso contrário, ao conhecer das mesmas pratica um acto inútil proibido por lei, cfr. art. 130º do CPC.
II - Só se forma acto tácito de indeferimento quando a entidade a quem a pretensão foi dirigida tenha competência para dela conhecer e se verifiquem todos os pressupostos procedimentais subjectivos e objectivos.
Nº Convencional:JSTA00068982
Nº do Documento:SA22014111201154
Data de Entrada:10/23/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.....
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART56.
CPPTRIB99 ART125 N1 ART257 N5 ART277 N2.
CPC13 ART130.
CCIV66 ART333.
CPA91 ART9.
Referência a Doutrina:ESTEVES DE OLIVEIRA E OUTROS - CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO COMENTADO 2ED PAG485.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A Fazenda Pública, inconformada, recorre da sentença do TAF do Porto, datada de 23/07/2014, que julgou procedente a presente Reclamação de Actos do Órgão de Execução fiscal que contra si havia sido intentada por A……...

Terminou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões:
A. O douto Tribunal a quo dever-se-ia ter pronunciado sobre a questão da intempestividade do pedido objeto dos presentes autos, o que leva à caducidade do direito da presente ação;

B. Em causa nos presentes autos está o prazo de reclamação, nos termos do art. 276.º do CPPT, contra o ato reclamado, in casu, o supra aludido despacho de 14-01-2013, prazo este de 10 dias após a notificação da decisão (art. 277.º, n.º 1, do CPPT);

C. Esta questão, não obstante ter sido suscitada pela Administração Tributária nos presentes autos e ser de conhecimento oficioso, não mereceu qualquer atenção ou pronúncia por parte do douto Tribunal recorrido;

D. O despacho reclamado data de 14-01-2013, foi notificado ao Reclamante em 28-01-2013, mas a reclamação só foi apresentada em 25-02-2013;

E. O prazo de 10 dias para apresentação de reclamação contra o despacho de 14-01-2013, nestes autos o ato reclamado, não foi suspenso nem interrompido;

F. Ainda que se admita a validade do apoio judiciário concedido para efeitos de custas judiciais, o que só por mera hipótese académica se admite, certo é, porém, que, para efeitos de propositura de ação judicial, vulgo reclamação contra o ato do órgão de execução fiscal nos termos do art. 276.º do CPPT, o apoio judiciário concedido não tem qualquer efeito suspensivo ou interruptor do prazo de 10 dias, previsto no art. 277.º, n.º 1, do CPPT;

G. A reclamação intentada em 25-02-2013 é manifestamente intempestiva, nos termos do art. 277.º, n.º 1, do CPPT, que estabelece o prazo de dez dias para a dedução da reclamação após a notificação da decisão;

H. Este é um prazo de caducidade, perentório, e de conhecimento oficioso;

I. Neste sentido, vide Ac. do STA proferido no Processo n.º 0875/09, datado de 12-11-2009, e Ac. do STA, de 25-09-2013, proferido no Processo n.º 01378/13;

J. Como tem sido reiterada e uniformemente afirmado na jurisprudência do STA, a intempestividade de meio impugnatório usado pelo interessado determina desde logo a não pronúncia do tribunal no tocante às questões de mérito que tenham sido suscitadas na petição, ainda que de conhecimento oficioso, na exata medida em que, quanto ao mérito, a lide impugnatória não chega a ter o seu início (cfr. Acórdãos de 21-05-2008, proc. n.º 293/08; de 03- 12-2008, proc. n.º 803/08; de 11-02-2009, proc. n.º 802/08; e de 25-03-2009, proc. n.º 196/09);

K. Ultrapassada a fase liminar, verificada a caducidade do direito de ação, por extemporaneidade da petição apresentada, impõe-se a absolvição da Fazenda Pública do pedido, uma vez que a caducidade do direito de ação obsta à produção do efeito jurídico dos factos articulados pelo Reclamante - vide Ac. STA, de 22-05-2013, proferido no Processo n.º 0340/13;

L. A reclamação sub judice é intempestiva e, consequentemente, verifica-se a exceção de caducidade do direito de ação, que obsta ao prosseguimento do processo e dá lugar à absolvição da Fazenda Pública do pedido;

M. Nos termos dos n.ºs 4 e 5 do art. 257.º do CPPT, o pedido de anulação de venda deve ser dirigido ao órgão periférico regional da AT que, no prazo máximo de 45 dias, pode deferir ou indeferir o pedido, ouvidos todos os interessados na venda, sendo que, decorrido o prazo de 45 dias sem qualquer decisão expressa, o pedido de anulação da venda é considerado indeferido;

N. Estabelece o art. 257.º, n.º 7, do CPPT, que "da decisão, expressa ou tácita, sobre o pedido de anulação da venda cabe reclamação nos termos do artigo 276.º;

O. Atendendo à unidade do sistema jurídico verifica-se que não foi utilizada uma presunção de indeferimento, mas sim uma ficção de indeferimento; com efeito, prevê-se que, findo aquele prazo, sem decisão expressa, considera-se que o pedido foi indeferido;

P. Em causa está uma ficção jurídica;

Q. Ao estipular-se legalmente que se considera indeferido o pedido, mais não está do que a ficcionar-se um ato de indeferimento, ato esse que se sabe que não existiu mas que, para todos os efeitos, incluindo a abertura da via contenciosa, se "considera" que existe;

R. O que se prevê é que perante a decisão tácita ou expressa, se reclame no prazo de 10 dias e, exatamente, por isso é que o n.º 6 do art. 257.º do CPPT prevê expressamente que a decisão que for proferida tem que ser notificada ao interessado dentro do prazo de reclamação do indeferimento tácito;

S. Se atentarmos nas diversas normas relativas a prazos de decisão por parte de órgãos administrativos, sempre que se prevê a figura do indeferimento tácito, também se prevê que, para efeitos de impugnação, se presume esse indeferimento tácito;

T. Portanto, nesses casos, restringe-se o efeito da presunção de indeferimento à abertura da via contenciosa, de onde decorre a possibilidade de uma eventual decisão posterior do órgão administrativo em caso de não utilização dessa via judicial;

U. Se o contribuinte quiser, pode aproveitar a abertura da via contenciosa que lhe é conferida, decorrente da presunção de indeferimento mas, caso o não queira, poderá simplesmente aguardar a decisão administrativa e isto porque a presunção de indeferimento é instituída em benefício do peticionante e não da Administração;

V. Mas, o que se prevê no art. 257.º do CPPT é que se considera o pedido indeferido, isto é, considera-se proferida uma decisão de indeferimento, com todos os efeitos legais daí decorrentes (incluindo o impedimento de "nova" decisão);

W. Cumpre salientar que são substancialmente diferentes os efeitos do decurso do prazo: (i) no caso das presunções em que se considera o pedido indeferido para efeitos de impugnação persiste o dever de decisão, mas (ii) no caso das ficções jurídicas estas são imediatamente eficazes e substituem-se à decisão que fosse de proferir para todos os efeitos legais;

X. Atenta a natureza tácita do ato reclamado, decorrente da ficção de indeferimento, considera a Recorrente que não é lícito imputar ao mesmo vícios relacionados com a não pronúncia quanto à tempestividade do pedido que o provocou ou quanto à exigência de cumprimento de formalidades;

Y. À data em que foi proferido o despacho reclamado já não era possível ao órgão de execução fiscal proferir decisão expressa sobre o pedido de anulação de venda (fruto do indeferimento tácito), mas o órgão de execução fiscal pronunciou-se e fundamentou de forma clara e precisa, os motivos pelos quais, à data do despacho reclamado, já não podia emitir qualquer pronúncia expressa sobre o pedido de anulação de venda;

Z. À data do despacho reclamado, o órgão de execução fiscal somente se poderia pronunciar e fundamentar sobre a "não decisão expressa quanto ao pedido de anulação de venda", sendo que esta "não decisão expressa" se prendia apenas com o indeferimento tácito entretanto verificado por força de lei (art. 257.º, n.ºs 4 e 5 do CPPT);

AA. Com a denominada ficção de indeferimento, existe impedimento legal de apreciar o pedido de anulação de venda após os referidos 45 dias à luz dos fundamentos previstos para a anulação nos termos daquele art. 257.º do CPPT;

BB. A douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, violando o disposto no art. 257.º do CPPT, erro que ora se invoca para todos os legais efeitos;

CC. Quanto ao pedido de anulação de venda, a competência para a sua apreciação passou a caber, desde 01-01-2012, em primeira mão, ao órgão periférico regional da AT, cabendo, da decisão, expressa ou tácita, reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância, nos termos do art. 276.º do CPPT;

DD. No regime atualmente vigente, o tribunal não pode decidir a anulação de venda em primeira mão, apenas lhe competindo apreciar, em sede de reclamação judicial, uma decisão expressa do órgão periférico regional da AT ou o indeferimento tácito que tenha ocorrido;

EE. O tribunal não pode pronunciar-se sobre a anulação de venda, uma vez que a sua apreciação encontra-se, em primeira mão, dependente da realização de valorações próprias do exercício da função administrativa e tributária;

FF. Assim, por ter decidido de forma divergente, a douta sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento de direito, porquanto fez errónea interpretação do disposto nas normas legais aplicáveis ao caso, mais concretamente do disposto nos n.ºs 4 e 5 do art. 257.º do CPPT.

NESTES TERMOS, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, DEVE ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida em primeira instância nos moldes acima expostos.

ASSIM SENDO, COMO É TIMBRE, SE FARÁ A CONSTANS, PERPETUA ET VERA JUSTITIA!

O recorrido apresentou contra-alegações, tendo também terminado com as seguintes conclusões:
I-Invoca a Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA), em sede de recurso, que a reclamação que dá origem aos presentes autos é intempestiva, por força de ter decorrido o prazo para a apresentar, nos termos do disposto no artigo 277.º, do CPPT;

II-Não se tendo pronunciado o Tribunal a Quo acerca desta questão, mas sim de matéria diversa, motivo pelo qual invoca a nulidade da presente sentença, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

III-Tal como está consagrado na douta sentença - que o Recorrido acompanha na íntegra - este reclama efectivamente do despacho de "não decisão" emanado pelo órgão tributário competente,
Motivo pelo qual,

IV-Não é de aplicar a norma do artigo 277.º, n.º 1 do CPPT, conforme alegado pela Recorrente.

V-Assistiria razão à Recorrente, caso o ora Recorrido reclamasse da decisão de indeferimento tácito, o que nunca foi o caso.

VI-Face ao exposto, não pode colher a posição da recorrente, Fazenda Pública, de que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão da reclamação, quando apenas o que sucede é que este doutamente não acompanha a tese defendida pela Ré.

Face ao exposto,

VII-O pedido de nulidade da sentença pela recorrente deverá improceder, o que se requer para todos os efeitos legais.

VIII-Devendo o recurso interposto pela Ré ser considerado totalmente improcedente, mantendo-se a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo nos seus precisos termos.

Termos em que e V. Exa. certamente suprirá,

Deverá a nulidade da sentença invocada pela Recorrente improceder e, em consequência,

Deverá o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, confirmando a decisão proferida pelo Tribunal a Quo, com todos os efeitos legais.

Tudo com as necessárias consequências legais.

Já neste Supremo Tribunal o Exmo. Procurador geral-Adjunto emitiu o seguinte parecer:

A recorrente acima identificada vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, exarada a fls. 176/184, em 23 de Julho de 2014.
A recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 199/203, que, como é sabido, salvo questões de conhecimento oficioso e desde que dos autos constem os elementos necessários à sua apreciação, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 635.º/4 e 639.º/1 do CPC, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.

O recorrido contra-alegou, tendo concluído nos termos de fls. 213/214 que aqui, também, se dão por inteiramente reproduzidos.

A nosso ver o recurso merece provimento.

Além do mais, como deflui das conclusões A) a L) das alegações de recurso da recorrente, esta invoca omissão de pronúncia por banda do tribunal recorrido quanto à questão da intempestividade da interposição da RAOEF.

Existe omissão de pronúncia quando se verifica a violação do dever processual que o tribunal tem em relação às partes, de se pronunciar sobre todas as questões por elas suscitadas.

Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou de direito sobre que existem divergências, formuladas com base em alegadas razões de facto e de direito.

Nos termos do disposto no artigo 608.º/1 do NCPC a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica, sendo certo que nos termos do número 2 o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excepto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Como resulta dos autos, nomeadamente de fls. 38/39, na sequência da apresentação da RAOEF, a Administração Tributária manteve o acto reclamado de não apreciação do pedido de anulação da venda do imóvel, por alegada inexistência do dever de decidir, no entendimento expresso de que a reclamação foi apresentada para além dos 10 dias previstos no artigo 277.º/1 do CPPT.

Ou seja, a AT, expressamente, invocou a questão da caducidade do direito de acção, que, como é sabido, consubstancia excepção de conhecimento oficioso.

Como bem refere a recorrente, a sentença sindicada é omissa quanto a tal questão.

Tanto assim parece ser que nem sequer levou ao probatório a data da notificação do despacho reclamado nem a data da interposição da reclamação, elementos de facto, absolutamente, necessários para apreciação de tal questão.

A sentença recorrida, apenas, refere (fls. 183) que "O reclamante não reclama da decisão de indeferimento tácito, caso em que teria que intentar esta reclamação no prazo a que alude o n.º 1 do artigo 277, ex vi do artigo 276 e 257 n.º 7. Reclama do despacho de «não decisão.»"

Ora, temos como correcto que o despacho sindicado que não apreciou a alegada nulidade da venda do imóvel por, alegadamente, não existir dever de decisão, nos termos do disposto no artigo 257.º/5 do CPPT, é um acto lesivo proferido no âmbito do PEF, susceptível de reclamação ao abrigo do disposto no artigo 276.º do CPPT, dentro do prazo legal de 10 dias após notificação.

Parece, assim, certa a conclusão de que o tribunal de 1.ª instância não conheceu da invocada caducidade do direito de reclamação da decisão que não apreciou o pedido de anulação de venda, o que acarreta a nulidade da sentença recorrida, nos termos do estatuído no artigo 615.º/1/d) do CPC.

Nos termos do disposto no artigo 684.º/2 do CPC os autos devem baixar à 1.ª instância a fim de se fazer a reforma da decisão anulada.

Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso jurisdicional, e anular-se a sentença recorrida, por omissão de pronúncia, baixando os autos à 1.ª instância para se fazer a reforma da decisão anulada.

Cumpre decidir.

Na sentença recorrida entendeu-se ser relevante para a decisão dos autos a seguinte matéria de facto, que resulta assente com base na prova documental:

1 - Em 07/11/2008, foi instaurado o PEF 3174200801106333, em nome de A………., no valor de 1.734,57 euros, relativo a IRS do ano de 2007.
2 - Em 16/02/2011, foi efetuada a penhora no PEF referido e aps, do prédio urbano descrito na matriz predial urbana da freguesia de Sra. da Hora, Matosinhos, sob art. 2011 (doc. fls. 43).

3 - Em 30/01/2012, é proferido despacho para venda do bem penhorado na modalidade de venda por leilão eletrónico, para o dia 27/03/2012 pelas 10 horas (doc. fls. 72).

4 - Por ofício nº 1106 de 06/02/2012, foi o ora reclamante notificado da data da venda do imóvel, tendo sido devolvido o aviso com menção de "não atendeu" (doc. fls. 78).

5 - Foi efetuado 2º aviso para notificação da data da venda do imóvel, tendo sido devolvido o mesmo com a menção de "não atendeu" em 29/02/2012, considerando-se notificado em 05/03/2012, que corresponde ao 3º dia útil posterior ao registo nos termos do art. 39º do CPPT (doc. fls. 90).

6 - No dia foi marcado para a venda, foi adjudicado o bem a BARCLAYS BANK PLC, pelo preço de 273.000,00 euros (doc. fls. 91).

7 - Por ofício n.º 2519 de 09/04/2012, foi o ora reclamante notificado da adjudicação do imóvel vendido, tendo sido devolvido o aviso com menção de "não atendeu" (doc. fls. 111).

8 - Em 19/06/2012, por certidão de notificação pessoal, foi o executado e ora reclamante, notificado da adjudicação do imóvel e do dever de entregar o bem (doc. fls. 118).

9 - Em 26/06/2012, o ora requerente requer apoio judiciário, dispensando a nomeação de patrono (doc. fls. 182).

10 - Em 03/07/2012, dá entrada no S.F de Porto 1, pedido a fls. 126, a pedir a anulação da venda dirigido ao TAF do Porto.

11 - Em 08/08/2012 pelo ofício nº 49987 da OGDE, é notificado o mandatário do executado para aperfeiçoar a petição inicial, dirigindo-a ao órgão competente que ao caso, é o Diretor de Finanças do Porto (doc. fls. 188).

12 - Em 14/08/2012, o executado entrega a fls. 191, requerimento nesta DGDE, a pedir a anulação da venda alegando que:

a) Após o pagamento da primeira prestação do plano de pagamentos da divida em prestações acordado, não mais teve contacto com os autos, salvo a notificação para entrega do bem vendido.

b) Posto que não teve acesso às notificações enviadas pelo S.F. relativas à tramitação do processo, não reagiu atempadamente.

c) Pelo que pede a anulação da venda nos termos do art. 257º do CPPT, e as consequências legais.

13 - Por despacho de 14/1/2013 foi considerado não existir dever de decisão em face do disposto no nº. 5 do artigo 257º do CPPT. Na informação que serve de base ao despacho refere-se ainda a intempestividade do pedido. Fls. 199 ss. do proc. ex. (27 destes autos).

Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.

E a primeira questão de que cumpre conhecer passa por saber se ocorreu ou não a omissão de pronúncia que vem suscitada nas conclusões A. a L. do recurso interposto pela Fazenda Pública.

Lidas atentamente tais conclusões pode-se surpreender que aí se suscita a questão do não conhecimento por parte do Tribunal a quo da excepção da intempestividade (caducidade do direito de acção) da presente Reclamação de Acto do Órgão de Execução Fiscal.

Desde já se poderá afirmar com segurança que a questão da caducidade do direito de acção não foi devidamente suscitada pela recorrente nos presentes autos.

Na verdade, consultados os articulados e todos os documentos juntos aos autos, o único momento em que tal questão surge com alguma relevância é no despacho proferido ao abrigo do disposto no artigo 277º, n.º 2, do CPPT e que se encontra junto a fls. 38 e 39 dos presentes autos.

No entanto, a conclusão a que aí se chegou quanto à intempestividade deste meio de reacção contencioso, de acto praticado por órgão da AT, é claramente afastada pelo que vem alegado pela Fazenda Pública na sua contestação no artigo 3º, alíneas n), o), p) e q).

Nessas alíneas é indicada cronologicamente diversa factualidade concreta, que se considerou relevante e que é a seguinte:

n) Em 14/01/2013, foi proferido Despacho pela Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças do Porto, no sentido de não decisão sobre o pedido de anulação de venda, por se mostrar excedido o prazo perentório de 45 dias para a Administração Tributária se pronunciar sobre o mesmo, estatuído no n.º 5 do artigo 257.º do CPPT - cfr. fls. 25 a 29 dos autos;

o) O teor do Despacho enunciado na alínea anterior foi inicialmente notificado ao ora Reclamante, na pessoa do seu mandatário, em 28/01/2013, através do ofício n.º 677/3174-30, de 24/01/2013, remetido pela carta registada com ref.ª dos CTT RD002636775PTcfr. fls. 140 a 145 dos autos;

p) Todavia, na notificação referida na alínea anterior só seguiram 4 folhas do Despacho, faltando por isso a quinta página. Pelo que, procedeu-se a nova notificação ao ora Reclamante, na pessoa do seu mandatário, em 13/02/2013, através do ofício n.º 1175/3174-30, de 08/02/2013, remetido pela carta registada com ref.ª dos CTT RD002636850PT - cfr. fls. 146 a 152 dos autos;

q) Em 25/02/2013, veio o ora Reclamante reclamar nos termos do artigo 276.º do CPPT, do ato de indeferimento tácito da anulação da venda;”.

Ou seja, como claramente resulta da alegação desta matéria de facto, a agora invocada caducidade do direito de acção não se verifica, uma vez que a Fazenda Pública esgrime argumentos de facto –que constituem uma novidade face ao despacho proferido ao abrigo do disposto no art. 277º, n.º 2 do CPPT- que contradizem o que anteriormente havia sido referido e, consequentemente, não teria o Sr. Juiz a quo que dela conhecer (a não ser que o fizesse por mero exercício teórico).

E, por esta razão, está encontrada a justificação para o facto de o probatório da sentença recorrida ser omisso quanto às datas, quer da notificação do despacho reclamado, quer da interposição deste meio processual contencioso, não se verificando, por consequência, a omissão de pronúncia prevista no artigo 125º, n.º 1 do CPPT.

Na verdade, tendo a primeira notificação do despacho agora reclamado sido efectuada de forma imperfeita, como aliás é afirmado pela Fazenda Pública na referida alínea p) e tendo-se posteriormente efectuado nova notificação, desta feita, contendo todos os elementos relevantes, conforme, aliás, resulta do documento junto aos autos a fls. 20, só a partir desta segunda notificação é que se iniciaria o prazo para deduzir o presente meio contencioso.

Com esta segunda notificação, que no dizer da AT “Anula e substitui a notificação anteriormente enviada”, cfr. fls. 20, é que o acto se deve considerar validamente notificado ao interessado e, portanto, só a partir da data da sua recepção, que a Fazenda Pública fixa no dia 13/02/2013, é que se inicia o prazo -10 dias- a que alude o artigo 277º, n.º 1 do CPPT.

Estando também alegado pela Fazenda Pública que a presente reclamação deu entrada nos serviços da AT no dia 25/02/2013 -data do registo do correio, cfr. fls. 26 dos autos-, último dia do prazo, uma vez que o dia 23/02/2013 corresponde a um Sábado, é evidente que a presente Reclamação sempre estaria em tempo.

Isto tudo para dizer que, não ocorrendo a excepção da caducidade do direito de acção, nem a mesma vindo arguida expressamente na contestação, antes alegando a Fazenda Pública, nesse seu articulado, factos que conduziriam à sua não verificação, não estava o Sr. Juiz a quo obrigado a emitir qualquer pronúncia quanto a esta mesma excepção, ainda que oficiosamente nos termos do disposto no art. 333º do Código Civil, uma vez que a lei impede a prática de actos inúteis no processo, cfr. art. 130º do NCPC.
Improcede, assim, a nulidade que vinha assacada à sentença recorrida.


Quanto aos demais fundamentos do recurso.

No essencial, discorda a Fazenda Pública da sentença recorrida porque aí se considerou que, “…porque não há ato, e deve haver…há que anular o despacho, devendo o pedido do reclamante ser apreciado, ou apreciadas as questões que impeçam o seu conhecimento, como a eventual intempestividade…".

Resumindo-se, entende o Sr. Juiz a quo que o acto praticado pela AT, e aqui impugnado, é um não acto, porque, ao invés de decidir a pretensão que lhe foi dirigida pelo interessado -anulação da venda-, a AT limitou-se a proferir um acto em que constatou que não poderia decidir porque, face ao tempo já decorrido sobre a data da apresentação da pretensão pelo interessado, sem que sobre a mesma tivesse recaído qualquer acto expresso, deveria considerar-se essa mesma pretensão indeferida nos termos do disposto no artigo 257º, n.º 5 do CPPT, que considera que na falta de decisão expressa nos prazos legalmente estabelecidos se deve considerar indeferida a pretensão.

Vejamos, então.

Como é sabido, a maioria da jurisprudência e da doutrina assim o referem, o indeferimento tácito só ocorre quando o órgão a quem foi dirigida a pretensão tem o dever, a obrigação, de decidir essa mesma pretensão que lhe foi dirigida, cfr. arts. 257º do CPPT, 56º da LGT e 9º do CPA. Trata-se de um “expediente processual”, de uma ficção legal, destinada a permitir ao interessado reagir contra a inércia da administração, mas só ocorre quando o órgão a quem foi dirigida a pretensão tenha competência material para a decisão.

Contudo, para que se possa falar em indeferimento tácito, presumido ou ficcionado, é essencial que estejam preenchidos pela pretensão “…todos os pressupostos procedimentais (subjectivos e objectivos)…para além da pretensão (inteligível), da competência e da inexistência de decisão expressa, também – a legitimidade do requerente, a tempestividade do pedido, a actualidade (não caducidade) do direito e a existência de um dever legal de decidir…”, cfr. M. Esteves de Oliveira e outros, CPA anotado, 2ª edição, pág. 485.

Portanto, constatada a não verificação de algum destes requisitos, deixa de se verificar a obrigação de decisão e, portanto, também não se pode formar o acto tácito, presumido ou ficcionado. Mas, o facto de a administração não ter o dever legal de decidir de mérito a questão que lhe é colocada, por exemplo, por extemporaneidade do pedido, não significa que a administração fique desobrigada de se pronunciar sobre o assunto que lhe foi dirigido, quanto mais não seja, como bem refere o Sr. Juiz a quo, decidindo que o pedido é extemporâneo.

Ora, e como bem salientou o Sr. Juiz a quo, a decisão administrativa aqui posta em crise é incongruente (definiu-a como não acto), se por um lado se pondera a extemporaneidade do pedido formulado pelo recorrido, o que afastaria desde logo a formação do acto tácito de indeferimento, por outro refere-se nada ter que se decidir, por se haver, precisamente, formado aquele indeferimento tácito.

Ou seja, a AT confundiu o seu dever de pronúncia sobre a pretensão que lhe foi dirigida, com o dever de emitir decisão sobre o mérito da pretensão que, como já vimos, não são a mesma coisa.

E, tendo-se decidido na sentença recorrida, no sentido de que à AT incumbe o dever de se pronunciar sobre a pretensão que lhe foi dirigida, não ocorre a violação do disposto no art. 257º do CPPT, não merecendo, por isso, a sentença recorrida qualquer censura, pelo que, improcedem a totalidade das conclusões apresentadas pela Fazenda Pública.

Face ao exposto, os juízes desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Custas pela Fazenda Pública.
D.N.

Lisboa, 12 de Novembro de 2014. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.