Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0293/12.0BEMDL
Data do Acordão:11/18/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
QUESTÃO PROCESSUAL
EXCEPÇÕES
Sumário:Não é de admitir revista sobre questões processuais respeitantes à nulidade processual atinente à falta de notificação pela secretaria da citação das demais partes e ao momento para a apreciação de excepções, por tais questões se afigurarem ter sido decididas com acerto, sendo que o art. 87º, nº 2 do CPTA não deixa dúvidas de que as excepções só podem ser suscitadas e decididas no despacho saneador, o que significa que não podem ser apreciadas (e suscitadas) em momento posterior.
Nº Convencional:JSTA000P28539
Nº do Documento:SA1202111180293/12
Data de Entrada:10/20/2021
Recorrente:MUNICÍPIO DE MIRANDELA
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar


Acordam no Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório

Município de Mirandela vem interpor recurso de revista do acórdão proferido pelo TCA Norte em 18.06.2021 que negou provimento aos recursos que interpusera do despacho de 01.10.2019 e da sentença do TAF de Mirandela, proferidos na acção administrativa especial intentada pelo Ministério Público contra o aqui Recorrente, com vista à declaração de nulidade de todo o procedimento concursal aberto pelo aviso nº 17548/2009, publicado no DR, II Série de 07.10.2009.
Pede a admissão da revista por estarem em causa questões com relevância jurídica e capacidade expansiva e com vista a uma melhor aplicação do direito.

Não foram apresentadas contra-alegações.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente revista o Recorrente invoca que com a revista pretende ver tratadas três questões, a saber: i) se o despacho que ordena a citação dos contra-interessados tem de ser notificado às demais partes processuais, nomeadamente ao aqui Recorrente que juntara procuração aos autos e informara que apresentaria a sua contestação dentro do prazo de que beneficiaria o último dos contra-interessados a ser citado; ii) se o Tribunal tem de apreciar excepções apenas suscitadas em sede de alegações por parte de quem não apresentou contestação ou se, pelo contrário, o facto de não ter contestado a acção preclude o direito de invocar qualquer excepção e a obrigatoriedade do Tribunal dela conhecer; iii) se o programa da prova de conhecimentos destinado a apreciar o mérito dos candidatos pode ter uma natureza geral e um programa comum às diversas categorias postas a concurso ou, pelo contrário, terá de haver uma prova específica com um programa próprio para cada uma das categorias a concurso.

O TAF de Mirandela por despacho de 01.10.2019 decidiu que não se verificava a nulidade processual arguida pelo aqui Recorrente, nos termos do art. 195º do CPC, por não ter sido notificado do despacho que ordenou a citação edital dos contra-interessados, o que o impossibilitou de apresentar a contestação, sendo que pretendia apresentá-la até ao termo do prazo (para os contra-interessados) que terminasse em último lugar, por omissão da secretaria.

Na sentença decidiu-se que o procedimento concursal não padecia da nulidade prevista no art. 133º, nº 2, al. d) do anterior CPA, por não estar em causa com o concurso qualquer direito fundamental, e, menos ainda o respectivo conteúdo essencial. Tratando-se apenas do direito a concorrer a determinados lugares, o que não obsta ao acesso à função pública e, também, porque não estavam em causa fundamentos de exclusão do concurso, mas apenas critérios de avaliação.
No entanto, concluiu que: “Considerando que foi o despacho de 7.10.2009 que, adotando a deliberação do júri de 1 e 2.9.2009, além do mais, fixou as temáticas da prova de conhecimento e que foram posteriormente vertidas no Aviso de abertura do procedimento concursal, naturalmente que este despacho apenas na parte respeitante às referências B2 – História (Área de Arqueologia), C5 – Gestão (Área Cultural), D1 – Sociologia (Área de Ação Social), D3 Psicologia (Área Organizacional), E2 – Eng. Civil Área de Projectos), F – Eng. Electrotécnica, G – Arquitecto, H – Veterinária, I1 – Eng. Ambiental e Referência, I2 – Eng. Química, J- (Área de Educação Física e Desporto, K – Turismo, L – (Área de Acção Escolar) e M – (Área de Engª Florestal/Geografia) é anulável por violação do art. 53.º, n.º 1 da LVCR e 9.º, n.ºs 1 e 3 da Portaria 83-A/2009.
E, nessa medida, porque se tratam de atos consequentes, tal vício inquina também os despachos de homologação das listas unitárias de ordenação final relativamente a essas referências.
Procede, pois, parcialmente quanto a este fundamento a presente acção”.

O acórdão recorrido, face às questões suscitadas no recurso de apelação interposto pelo aqui Recorrente conheceu das mesmas.
Tais questões eram a do erro de julgamento do despacho de 01.10.2019 quanto à nulidade processual invocado, nos termos do art. 195º do CPC. Em relação à mesma o acórdão fazendo apelo aos arts. 220º, nºs 1 e 2 (notificações oficiosas da secretaria) e 569º, nºs 1 e 2 (prazo para a contestação) do actual CPC, concluiu que da conjugação destas normas (que cita) «pretende o Município Recorrente que resulta o direito a ser notificados da citação edital dos Contrainteressados, uma vez que só com a citação destes começava a correr o prazo para exercer o seu mais importante e fundamental poder processual – o de contestar a acção.
Mas sem razão.
Como resulta claramente do disposto no artigo 219º do Código de Processo Civil “A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa.».
Citando ainda o art. 227º, nºs 1 e 2 do CPC, concluiu que: «O prazo para o Réu se defender é fixado na própria citação e não na citação dos demais Réus.
O direito de defesa deve ser exercido nesse prazo.
A possibilidade de contestar no prazo, posterior, fixado para outros Réus não cria um novo prazo, sob pena de se esvaziar de conteúdo o prazo fixado na própria citação e a cominação aí prevista para se contestar.
Só esta interpretação permite, de resto, dar sentido útil ao próprio n.º 2 do artigo 569.º, em particular à expressão “Quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus…”
Significa este preceito que nesta situação excepcional não é considerada intempestiva a contestação de um réu se, apesar de excedido o prazo para a sua própria contestação, ainda não decorreu o prazo para a contestação dos demais réus.
E não existe qualquer dever de a Secretaria notificar um réu da citação dos demais réus.
Em primeiro lugar porque esta notificação não está expressamente prevista ma lei (parte final do n.º 1 do artigo 220.º do Código de Processo Civil).
Em segundo lugar porque a citação de um réu não causa qualquer prejuízo a outro (idem).
Por último, dado que o próprio preceito invocado pelo Recorrente, o n.º 2 do artigo 220.º, do Código de Processo Civil, afasta a necessidade desta notificação, pois o direito de contestar depende da própria citação.
Deveria, portanto, ser o próprio a estar atento ao decurso do prazo para os Contrainteressados contestarem.
Se o Réu Município não contestou em tempo, não foi, portanto, por falta de notificação da citação edital dos Contrainteressados; foi por não ter contestado no prazo que lhe foi fixado na sua citação nem no prazo mais longo concedido aos demais demandados.
Improcede, pois, o recurso deste despacho.»
Quanto à então alegada nulidade da sentença por não se ter pronunciado sobre a caducidade do direito da acção, considerou o acórdão que esta excepção não foi conhecida porque esta não foi suscitada em tempo [apenas o foi nas alegações então previstas no nº 4 do art. 91º CPTA de 2002].
Concluiu, assim, o acórdão que: «Tendo sido ultrapassado o momento em que podia ser conhecida, o despacho saneador, por ser matéria que obstava ao conhecimento de mérito da acção, o Tribunal não podia conhecer da mesma, face ao determinado nas disposições conjugadas da alínea a) do n.º 1, e do n.º 2 do artigo 87.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
A sentença não conheceu, portanto de matéria de que não podia já conhecer.
Pelo que não se verifica qualquer nulidade.»
Quanto ao mérito entendeu o acórdão recorrido, apreciando o recurso subordinado do MºPº, que o procedimento concursal não padecia de nulidade, à luz do art. 133º, nº 1 do CPA, pelo que julgou improcedente tal recurso.
Quanto ao vício de violação de lei fez apelo ao disposto no art. 9º da Portaria nº 83-A/2009, de 22/1, sob a epígrafe “Provas de conhecimentos”, e, citando a sentença de 1ª instância, que dissera, nomeadamente, que, “Nos termos do art. 53.º, n.º 1 al. a) da LVCR e 9.º, n.º 1 e 3 da Portaria 83-A/2009 a prova de conhecimentos destina-se a avaliar os conhecimentos – académicos e/ ou profissionais – e as competências técnicas – isto é, a capacidade para aplicar os conhecimentos a situações concretas e à resolução de problemas – dos candidatos necessárias ao exercício de determinada função.
Isto é, as provas de conhecimentos visam avaliar se, e em que medida, os candidatos dispõem dos conhecimentos e competências técnicas necessárias ao exercício da função (…), incidindo “sobre conteúdos de natureza genérica e, ou, específica diretamente relacionados com as exigências da função”.
Daqui resulta que, ainda independentemente de incidir sobre conteúdos de natureza genérica ou específica, os conteúdos avaliados na prova de conhecimentos devem ser respeitantes às exigências da função a desempenhar no lugar posto a concurso, pois que o que se está a avaliar é a aptidão e capacidade do candidato para o desempenho de uma concreta função. (…)
Resulta do Aviso em sede de métodos de seleção obrigatória a prova de conhecimentos abrangia os seguintes temas: (…).
E mais se demonstra que foi aplicada a todos os candidatos às distintas referências do procedimento concursal a mesma prova de conhecimentos, formulando-se questões, no essencial, relativas aos regimes jurídicos do funcionamento dos órgãos autárquicos, contratação pública, estatuto disciplinar, recrutamento de trabalhadores e vínculos e carreiras, procedimento administrativo, avaliação de desempenho, finanças locais, em conformidade com os diplomas legais enunciados no Aviso de Abertura.
Considerando a descrição das funções constantes do Aviso de Abertura e atendendo às temáticas a avaliar e às questões constantes da prova de conhecimentos, temos que apenas quanto às referências A – Jurista, C1 – Gestão (Área de Contabilidade), C2 – Gestão (Área de Recursos Humanos) se verifica uma relevância direta entre os conteúdos avaliados e as exigências das funções que demandam o conhecimento dos regimes jurídicos em matéria de organização autárquica e procedimento administrativo, regime disciplinar e de funcionalismo público, avaliação de desempenho e contratação pública.
(…)
Mas salvo quanto estas referências em que, de forma direta, se consegue associar o desempenho da função a prover às perguntas e conteúdos avaliados, as matérias incluídas na prova escrita de conhecimento por versarem questões transversais a muitos processos de recrutamento e seleção e que se reportam, no essencial, à atividade do poder local, mostrando-se embora, em abstrato, relevantes os conhecimentos exigidos, não cremos que, relativamente a todos os postos de trabalho a ocupar, estes sejam bastantes para se considerar e apurar se determinado candidato reúne dispõe dos conhecimentos e competências técnicas necessárias ao exercício da função.
Concluiu a sentença nos termos supra transcritos, concluindo o acórdão que decidira com acerto.
Mais entendeu o seguinte (tendo por referência o art. 53º, nº 1 da LVRC e 9º, nºs 1 e 3 da Portaria nº 83-A/2009): «A norma permite, é certo, como pretende o Município Recorrente, discricionariedade na escolha das provas de conhecimento, podendo optar pelas provas sobre conteúdo de natureza genérica ou pelas provas de conteúdo de natureza específica.
Mas a discricionariedade não significa arbitrariedade.
(…)
No caso, a discricionariedade encontra-se balizada pelo fim próprio dos concursos de pessoal: escolher os mais habilitados para o exercício de determinadas funções.
Estando no caso concreto, em causa lugares com funções tão distintas como direito, contabilidade, recursos humanos, aprovisionamento, gestão de stoks, engenharia civil, arqueologia, cultura, acção social, organização, projectos, engenharia electrónica, arquitectura, veterinária, engenharia ambiental, engenharia química, educação física e desporto, turismo, acção escolar, engenharia florestal e geografia, a prestação de provas apenas de carácter genérico, limitadas à organização e procedimento administrativo, com perguntas relativas apenas aos regimes jurídicos do funcionamento dos órgãos autárquicos, contratação pública, estatuto disciplinar, recrutamento de trabalhadores e vínculos e carreiras, procedimento administrativo, avaliação de desempenho, finanças locais, não permite escolher os melhores para cada uma das áreas postas a concurso.
Termos em que se impõe manter também a sentença recorrida nesta parte.»

O Recorrente pretende que as questões processuais respeitantes à nulidade processual que invocou (atinente à falta de notificação pela secretaria da citação das demais partes) e ao momento para a apreciação de excepções justificam a admissão da revista dada a sua relevância jurídica.
No entanto, essas questões afiguram-se ter sido decididas com acerto pelo acórdão recorrido, sendo que o art. 87º, nº 2 do CPTA não deixa dúvidas de que as excepções só podem ser suscitadas e decididas no despacho saneador, o que significa que não podem ser apreciadas (e suscitadas) em momento posterior, como entendeu o acórdão recorrido e tem sido entendimento pacífico na jurisprudência (estando tal proibição de conhecimento de excepções após o despacho saneador hoje contemplada no art. 88º, nº 2 do actual CPTA).
Aliás, tais questões não assumem particular relevância nem complexidade superior ao normal, pelo que não justificam a admissão da revista.
Como, igualmente, a questão de fundo, decidida de forma consonante pelas instâncias, afigura-se, tê-lo sido com acerto, através de uma fundamentação coerente e plausível por parte do acórdão recorrido (como antes pela 1ª instância).
Assim, perante a aparente exactidão do acórdão recorrido, e, porque as questões abordadas no mesmo não revestem especial relevância ou complexidade jurídica, não deve ser admitido o recurso, por não se justificar postergar a regra da excepcionalidade da revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 18 de Novembro de 2021. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.