Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02568/11.7BEPRT
Data do Acordão:11/06/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS
REVISÃO
LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - O artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da Lei Geral Tributária é aplicável, por identidade de razão, às situações em que a Administração Tributária não procede indevidamente à revisão oficiosa do ato tributário a que alude o artigo 42.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis;
II - São, por isso, devidos juros indemnizatórios nos termos da alínea c) do n.º 3 daquele artigo 43.º quando seja pedida em reclamação graciosa a anulação proporcional do imposto municipal sobre as transmissões de imóveis a que alude o artigo 45.º do Código respetivo e se venha a constatar que ela foi indevidamente indeferida, por ser devida a sua convolação no procedimento de revisão oficiosa a que alude o seu artigo 42.º e a pretendida anulação proporcional.
Nº Convencional:JSTA000P25128
Nº do Documento:SA22019110602568/11
Data de Entrada:10/31/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. Relatório

1.1. O Representante da Fazenda Pública recorre da sentença proferida pela Mm.ª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto no âmbito do processo de impugnação judicial dos despachos de indeferimento total das reclamações graciosas n.ºs 3190201104001788 e 3190201104001770, do Serviço de Finanças do Porto 5, relativas às liquidações de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis a que se reportam os documentos de cobrança n.ºs 160310001314803 e 160910001314103, no valor de € 2.455,05 cada.

Impugnação esta que tinha sido interposta por A………, contribuinte fiscal n.º…………., e por B…………, contribuinte fiscal n.º………, ambos com residência indicada na Rua………., n.º…., … andar direito, 4000-….. Porto.

O Recorrente não se conforma com a parte da decisão em que a Administração Tributária foi condenada no «pagamento dos juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido até à data do termo do prazo de execução espontânea ou até à data da emissão da nota de crédito se esta for anterior aquela».

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificada da sua admissão, apresentou alegações, que rematou com as seguintes conclusões:

«(…) A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida imediatamente contra o indeferimento das reclamações graciosas n.º 3190201104001788 e 3190201104001770, e mediatamente contra as liquidações de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), que originaram a emissão dos documentos de cobrança n°s 160.310.001.314.803 e 160.910.001.314.103, no valor de €2.455,05 cada, liquidados e pagos em 15/01/2010.

B. Na douta sentença que ora se recorre, pese embora se ter considerado que as reclamações graciosas se mostravam intempestivas, o Tribunal a quo entendeu que face à lei “..mormente o art.º 55.º da LGT, o art.º 52.º do CPPT - impunha à AT que procedesse à referida convolação de forma a conhecer do mérito da pretensão formulada pelos AA., inexistindo – assim – qualquer intempestividade quer do pedido por estes formulado quer da presente lide.”.

C. Seguidamente, apreciando o mérito da acção, considerou o douto Tribunal a quo, que “…com a revogação da procuração ocorreu a “resolução do contrato” para efeitos no n.º 1, do citado art.º 45.º do CIMT. Ora, considerando que em 21/01/2010 foi celebrada a procuração irrevogável e que, em 13/07/2010 foi a mesma revogada temos que faltavam ainda 7 (sete) anos para os oito anos completos previstos na CIMT. Deste modo, multiplicando o valor da oitava parte do imposto em causa (no valor global de EUR 4.910,10) por sete anos, alcança-se o valor de EUR 4.296,3375 – valor este a que corresponde o montante proporcional de imposto que deve, pois, ser anulado. Efetivamente, a AT ao não entregar aos AA. o referido montante proporcional de imposto violou a Lei e, bem assim, o disposto no art.º 45.º do CIMT. Em face do exposto, o ato impugnado enferma de ilegalidade por vício de violação de lei, mais concretamente, por violação do art.º 45.º do CIMT.”

D. E, no tocante ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, condenou-se a Fazenda Pública ao “pagamento dos juros indemnizatórios peticionados, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos – De acordo com os artigo 43.º, n.º 1 da LGT e n.ºs 3 e 5, do artigo 61.º do CPPT.

E. Ressalvado o respeito devido, que é muito, no tocante à condenação ao pagamento de juros indemnizatórios não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente assim decidido, enfermando a sentença de erro de julgamento de direito.

F. A questão que importa dirimir e objecto do presente recurso, consiste em determinar o momento a partir do qual (dies a quo) devem ser contabilizados juros indemnizatórios a favor dos impugnantes.

G. Entende a Fazenda Pública que enfermando o ato impugnado de ilegalidade por vício de violação de lei e a existir erro imputável aos serviços, mesmo na concepção lata do conceito, este apenas se poderá considerar por verificado a partir da data de revogação da procuração que ocorreu a 13/07/2010 (e com efeitos a partir desta), até esta data a liquidação e pagamento mostra-se legalmente correta, inexiste qualquer erro de facto ou de direito, imputável ou não aos serviços.

H. Acresce dizer que, o Douto Tribunal a quo tendo aferido pela intempestividade das reclamações graciosas e mesmo assim apreciado o mérito da acção, não poderá deixar de se considerar que um dos efeitos desta decisão é a efectiva convolação destas reclamações graciosas em procedimentos de revisão nos termos do art.º 78.º da LGT, a não se considerar assim a presente impugnação teria de improceder por intempestivade das reclamações graciosas.

I. Assim sendo, salvo o devido respeito por opinião diversa, errou o douto Tribunal a quo ao aplicar à situação sub judice o n.º 1 do art.º 43.º da LGT. Nos casos de revisão oficiosa da liquidação, porque a revisão oficiosa não está prevista no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, apenas poderá haver direito a juros indemnizatórios nos termos do n.º 3 do citado artigo.

J. E, nesta linha de raciocínio, temos que considerar que os impugnantes apresentaram pedidos de revisão oficiosa em 19/05/2011 [data em que cada um apresentou, respetivamente, pedido de restituição do IMT liquidado (cfr. facto dado como provado em D)].

K. Em caso de anulação em processo impugnatório, judicial ou administrativo, pode ser invocada qualquer ilegalidade e há direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito, nos termos dos art.s 43º, nº 1, da LGT e 61º, nº 5, do CPPT, não sendo pois indiferente para o contribuinte impugnar ou não os atos de liquidação dentro dos respetivos prazos,

L. enquanto que nos casos de revisão oficiosa da liquidação, quando não é feita por iniciativa do contribuinte no prazo de reclamação administrativa, apenas haverá direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, nº 3, da LGT, a partir de um ano após o pedido de revisão.

M. A Fazenda Pública, louvando-se nos ensinamentos de JORGE LOPES DE SOUSA, entende que os juros indemnizatórios na situação em análise, nos termos do art. 43.º, n.º 3, al. c) da LGT, são devidos a partir de um ano após os pedidos de revisão efectuados pelos impugnantes.

N. O legislador considerou que o prazo de um ano seria um prazo aceitável para a Administração Tributária decidir e, quando favorável ao contribuinte, executar o pedido de revisão.

O. Como tem vindo a ser a posição maioritariamente reiterada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo em situações similares, veja-se o Ac. 01041/06 de 15/02/20074.

P. Neste sentido, pode igualmente ver-se entre outros os acórdãos do STA de 02/11/2005, proc. n.º 0562/05, de 17/05/2006, proc. n.º 016/06, de 24/05/2006, proc. n.º 01155/05, de 15/11/2006, proc. n.º 028/06, de 12/12/2006, proc. n.º 0918/06, de 17/01/2007, proc. n.º 01040/06, de 30/09/2009, proc. n.º 0520/09, de 12/03/2012, proc. n.º 918/06, de 14/03/2012, proc. n.º 01007/11, de 09/01/2013, proc. n.º 01077/12, de 28/01/2015, proc. n.º 0722/14, de 10/05/2017, proc. 01159/14, bem como o acórdão do TCAS de 26/06/2014, proc. n.º 07698/14.

Q. Deste modo, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito por violação do art.º 43.º da LGT e do art.º 61.º do CPPT.».

Concluiu dizendo que deve ser concedido provimento ao recurso e pedindo a revogação da douta sentença recorrida, com as legais consequências.

Os Recorridos apresentaram contra-alegações que, todavia, não condensaram em conclusões. Pelo que se passarão a resumir do seguinte modo:

a) Limitando-se o presente recurso à parte da sentença recorrida que condenou a Fazenda Pública no pagamento dos juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido e atento o valor da causa, a douta decisão não é recorrível;

b) Tendo-se concluído que as liquidações impugnadas padecem de vício de lei e sendo este vício de natureza substantiva, então houve erro imputável ao serviço, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, pelo que estão reunidos os pressupostos para a condenação da Administração Tributária no pagamento dos juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto (in)devido até à emissão da respetiva nota de crédito.

Concluiu dizendo eu deve ser negado provimento ao recurso e deve ser confirmada a douta decisão recorrida.

1.2. Recebidos os autos neste tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

A Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer onde, pugnou pela admissibilidade do recurso. No mais, defendeu que os pretendidos juros indemnizatórios caem na previsão do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, observou que a jurisprudência invocada no recurso não assenta nos mesmos pressupostos que enformam a decisão recorrida e concluiu que a douta sentença fez uma correta análise jurídica da relação controvertida e que, por isso, o recurso deve ser julgado improcedente.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.



2. Das questões a decidir

Os Recorridos suscitam uma questão prévia que importa analisar desde já: a da (in)admissibilidade do próprio recurso.

Se for de entender que o recurso é admissível, a questão de fundo consiste em saber qual o dies a quo a partir do qual devem ser contabilizados os juros indemnizatórios.

3. Da questão prévia

Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 6, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que for instaurada a ação.

A impugnação judicial deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 17 de agosto de 2011. Nessa altura, dispunha o artigo 280.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (na redação anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro) que «[n]ão cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidas em processo de impugnação judicial (…) quando o valor da causa não ultrapassar um quarto das alçadas fixadas para os tribunais judiciais de 1ª instância».

A alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância era já então de € 5.000,00 (artigo 31.º, n.º 1, da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto), pelo que a alçada dos tribunais tributários de 1ª instância era então de € 1.250,00.

Ora, a sentença recorrida fixou o valor da ação em € 4.910,10, valor este que é muito superior ao da alçada dos tribunais tributários de 1ª instância, a valer para os autos.

Parece, no entanto, que o que os Recorridos pretendem dizer é que não releva para efeitos de recurso o valor da causa, porque a Recorrente só não se conforma com a condenação no pagamento dos juros indemnizatórios. Ou seja, o que os Recorridos pretendem dizer é que, embora o valor do processo seja superior à alçada do tribunal de que se recorre, o valor da sucumbência não o é, atendendo ao teor da alegação do recurso e à utilidade económica que, através dele, se pretende obter.

Os Recorridos apelam, assim, à transposição para o processo judicial tributário do entendimento firmado em jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça segundo o qual «o valor da sucumbência a atender, para efeito de admissibilidade do recurso, é o da diferença entre o montante fixado na decisão recorrida e o que pretende seja fixado na decisão do recurso - é essa diferença que consubstancia a medida do que na decisão a recorrente passou a considerar que lhe foi desfavorável, posto que, no restante, não impugnado, porque convencida, aceitando a decisão, o ter ficado vencida se tornou irrelevante » (cit. do acórdão daquele tribunal de 13 de julho de 2006, processo n.º 06S895).

Esta questão já foi apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo tendo-se decidido, basicamente, e no que para aqui importa, que o requisito da sucumbência, atualmente previsto no n.º 1 do artigo 629.º do Código de Processo Civil, não tem aplicação no recurso jurisdicional de decisão proferida em processo judicial tributário, motivo por que haverá que atender apenas ao valor da causa (ver o acórdão deste tribunal de 3 de maio de 2017, processo n.º 0255/17).

Assim sendo e ao contrário do que alegam os Recorridos, a decisão é recorrível. Pelo que andou bem o tribunal recorrido ao admitir o recurso.



4. Dos fundamentos de facto

Foi o seguinte o julgamento de facto em primeira instância:

«Com interesse para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

A) Em 21/01/2010, foi outorgada no Cartório Notarial de ……, por ………. e…………….., procuração irrevogável, através da qual a A…….. e B…… receberam poderes, nomeadamente, para, em nome e em representação daqueles, individualmente, ou por si só, venderem, “a fração autónoma designada pela letra “A” correspondente ao rés-do-chão e cave do prédio sito à Rua……., no Porto, com entrada pelo n.º….., inscrito na matriz sob o artigo 6620, da freguesia de Santo Ildefonso e descrito sob o n.º 376/19940506-A na Primeira Conservatória do Registo Predial do Porto” [cfr. fls. 4 a 6 da reclamação graciosa n.º 3190201104001770 e fls. 4 a 6 da reclamação graciosa n.º 3190201104001788 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];

B) Em 15/01/2010, pelos AA. foi liquidado e pago o IMT correspondente, no valor de EUR 4.910,10 [cfr. fls. 8 da reclamação graciosa n.º 3190201104001770 e fls. 8 da reclamação graciosa n.º 3190201104001788 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];

C) Em 13/07/2010, foi outorgado o instrumento de revogação da procuração referida em A) [cfr. fls. 10/11 da reclamação graciosa n.º 3190201104001770 e fls. 10/11 da reclamação graciosa n.º 3190201104001788 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];

D) Em 19/05/2011, cada um dos AA. apresentou, respetivamente, pedido de restituição do IMT liquidado [cfr. fls. 3 da reclamação graciosa n.º 3190201104001770 e fls. 3 da reclamação graciosa n.º 3190201104001788 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];

E) Em 11/07/2011, por despachos proferidos pelo chefe do serviço de finanças do Porto 5, foram indeferidos ambos os pedidos referidos em D), nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 43 da reclamação graciosa n.º 3190201104001770 e fls. 41 da reclamação graciosa n.º 3190201104001788 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

F) A presente impugnação foi instaurada em 28/07/2011 [cfr. fls. 3 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];

Factos não provados

Dos autos não resultam provados outros factos com interesse para a decisão da causa.».



5. Do Direito

Vem o presente recurso interposto da sentença da Mm.ª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na parte em que, concluindo que o vício do ato impugnado é imputável aos serviços da Administração Tributária, a condenou no pagamento dos juros indemnizatórios «desde a data do pagamento do imposto indevido e até à data da emissão da respetiva nota de crédito».

Com o assim decidido não se conforma o Recorrente por entender, na essência, que os juros indemnizatórios são devidos apenas a partir da data em que o pedido de restituição do imposto municipal sobre a transmissão do imóvel fez um ano [ou seja, a partir de 19 de maio de 2012 (ver conclusões “J” e “L”)] ou, quando muito, a partir de um ano após o pedido da revogação da procuração, que ocorreu em 2010/07/13 [conclusão “G”].

Decorre da análise da sentença recorrida que a Mm.ª Juiz a quo apoia o direito a juros indemnizatórios no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

No entanto, o direito a juros indemnizatórios nos termos deste dispositivo legal está configurado para situações de pagamento indevido da prestação tributária. Como deriva da sua epígrafe. Mas também da sua redação, na parte final («…de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido»).

Ora, o que deriva da factualidade dada como assente é que o imposto foi devidamente liquidado e cobrado. Porque teve por base a outorga de uma procuração que conferia aos sujeitos passivos poderes irrevogáveis de alienação de um bem imóvel. Sendo que, quando o sujeito passivo outorga procuração que confere poderes de alienação do imóvel e nela insere uma cláusula de irrevogabilidade, está a transferir para o procurador os poderes materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade sobre o imóvel, o que é configurado como uma transmissão para efeitos deste imposto, nos termos do artigo 2.º, n.º 3, alínea c), daquele Código.

É certo que também deriva da factualidade dada como assente que a “procuração irrevogável” foi revogada por acordo entre o representante e os representados. E foi entendido na sentença recorrida, (seguindo jurisprudência deste tribunal firmada no acórdão de 10 de março de 2011, recurso n.º 0386/10) que o acordo de revogação respetivo produzia os mesmos efeitos da resolução de contrato. Tendo a Mm.ª Juiz concluído ali que os Recorridos tinham direito à anulação proporcional do imposto, isto é, à restituição da importância equivalente à fração correspondente ao número de anos completos que faltaram para o decurso de oito anos sobre a outorga da procuração, nos termos do artigo 45.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis.

Não se trata, porém, de uma anulação retroativa ou substitutiva. Crê-se mesmo que a expressão «anulação» ali utilizada pelo legislador não é a mais feliz e que o que está em causa é um acerto da liquidação anterior, a valer apenas para o futuro. A confirmar isso mesmo está o facto de a dita «anulação» ser proporcionada ao tempo que ainda falta decorrer até que estejam concluídos os oito anos posteriores à transmissão.

Por outro lado, o direito a juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 daquele artigo 43.º está configurado para situações de erro na liquidação, imputável aos serviços da Administração Tributária. Que poderá existir, nos casos em que a liquidação é efetuada com base na declaração do contribuinte, quando este tenha seguido orientações genéricas da administração no seu preenchimento (ver o n.º 2 daquele dispositivo legal).

E já vimos que não é imputado nem é apontado na sentença recorrida nenhum erro dos serviços da Administração Tributária que afete a liquidação inicial. Aliás, deriva da factualidade dada como assente que a liquidação do imposto municipal sobre a transmissão de imóveis foi efetuada por iniciativa dos ora Recorridos, com base em declaração por eles apresentada nos termos dos artigos 19.º, n.º 1, e 21.º, n.º 1, ambos do Código respetivo. E não consta, não foi alegado e nem a sentença o diz, que aqueles tenham seguido instruções genéricas da Administração Tributária no preenchimento da declaração respetiva.

Os vícios que são imputados à Administração Tributária são vícios intrínsecos das próprias reclamações graciosas. O primeiro, consistiu no facto de a Administração Tributária não ter convolado as reclamações graciosas nos procedimentos de revisão oficiosa a que alude o artigo 42.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis. O segundo erro consistiu no facto de a Administração Tributária não ter revisto a liquidação e restituído o valor de € 4.296,34 em resultado da revogação da “procuração irrevogável” por acordo entre os ali representante e representados.

Ora, para além de nada apontar à liquidação adrede efetuada, o erro que deriva da não convolação de um procedimento num outro procedimento administrativo de segundo grau não é um erro substantivo (um erro na aplicação de normas fiscais substantivas), mas um erro procedimental. Dele não deriva que o imposto não é devido, mas que o procedimento seguido foi errado. Não é, por isso, um erro que releve para efeitos de atribuição do direito a juros indemnizatórios pelo n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, que pressupõe precisamente que o tributo não seja devido.

Pelo seu lado, o erro que deriva de não ter sido efetuada a «anulação proporcional» da liquidação nos termos do citado artigo 45.º não assenta no facto de o imposto não ser devido na data em que foi liquidado, mas no facto de a procuração ter sido revogada. O pagamento do imposto, na data em que foi efetuado, não o foi em montante superior ao devido. O que sucede é que há lugar à restituição de parte dele por facto posterior à liquidação.

De todo o exposto deriva que a aplicação deste artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária ao caso nunca poderia fazer-se diretamente. Porque a situação dos autos não cabe nos pressupostos contidos na sua previsão.

Acresce que existe outro dispositivo que pode ser convocado para a regulação do caso e que, a nosso ver, nele se enquadra sem grande esforço interpretativo. Referimo-nos à alínea c) do n.º 3 daquele artigo 43.º. Precisamente a que invoca o Ex.mo Representante da Fazenda Pública nas suas doutas alegações de recurso.

Na verdade, resulta também dos autos que a reclamação graciosa foi indeferida por ter sido apresentada fora do prazo. E que a Mm.ª Juiz a quo entendeu que não deveria ter sido indeferida, mas convolada no pedido de revisão oficiosa a que alude o artigo 42.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis. E que, uma vez efetuada a convolação, a revisão deveria ter sido atendida na parte proporcional ao tempo que ainda faltava decorrer até se terem concluído os oito anos posteriores à outorga da procuração.

Entendeu, pois, o tribunal recorrido que a revisão oficiosa a que alude aquele artigo 42.º é meio procedimental adequado para efetuar a revogação (proporcional) da liquidação, a que alude o seu artigo 45.º, quando a parte deixou decorrer o prazo da reclamação ou da impugnação judicial, mas ainda não decorreu o prazo de quatro anos a que alude o artigo 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária. E que os Recorridos pretendiam a revisão do ato de liquidação e nada obstava à convolação no procedimento adequado. Sendo que o juízo formulado, nesta parte, pelo tribunal recorrido não foi impugnado em via de recurso e não deve, por isso, ser aqui questionado.

Mas, se assim é, isto significa que a revisão não se fez por motivo imputável à Administração Tributária, que não convolou no procedimento adequado e, por isso, não decidiu a anulação proporcional. O que teve como consequência que a anulação proporcional só se concretizou na impugnação judicial, muito para além do prazo de um ano estabelecido na alínea c) do n.º 3 do citado artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

Ou seja, a situação dos autos cabe na previsão deste normativo, senão por interpretação declarativa, pelo menos por interpretação extensiva (estendendo a sua aplicação, por identidade de razão, às situações em que a revisão não chegou a ser efetuada pela Administração Tributária, mas o deveria ter sido).

Sendo que, nestes casos, só haverá direito a juros indemnizatórios a partir de um ano após o pedido de revisão.

Pelo que o recurso merece provimento.



6. Conclusão

I. O artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da Lei Geral Tributária é aplicável, por identidade de razão, às situações em que a Administração Tributária não procede indevidamente à revisão oficiosa do ato tributário a que alude o artigo 42.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis;

II. São, por isso, devidos juros indemnizatórios nos termos da alínea c) do n.º 3 daquele artigo 43.º quando seja pedida em reclamação graciosa a anulação proporcional do imposto municipal sobre as transmissões de imóveis a que alude o artigo 45.º do Código respetivo e se venha a constatar que ela foi indevidamente indeferida, por ser devida a sua convolação no procedimento de revisão oficiosa a que alude o seu artigo 42.º e a pretendida anulação proporcional.


7. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em
a) Conceder provimento ao recurso;
b) Revogar a decisão, na parte recorrida;
c) Julgar, no mesmo segmento, improcedente a impugnação.

Custas do presente recurso pelos Recorridos.

Registe e notifique.

Lisboa, 6 de novembro de 2019. – Nuno Bastos (relator) – Ascensão Lopes – Francisco Rothes.