Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0652/09
Data do Acordão:10/21/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:IMPOSTO DE SELO
USUCAPIÃO
INCIDÊNCIA
AQUISIÇÃO DE IMÓVEL
Sumário:I - Pelo imposto do selo tributam-se, inter alia, os actos de aquisição de imóveis, incluindo o acto de aquisição por meio de usucapião.
II - E, assim, o acto de «aquisição por usucapião» do imóvel usucapido é objecto de incidência de tributação em imposto de selo, e não também o acto de aquisição de benfeitorias realizadas no mesmo imóvel pelo usucapiente.
Nº Convencional:JSTA00066037
Nº do Documento:SA2200910210652
Data de Entrada:06/18/2009
Recorrente:A... E MULHER
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - SELO
Legislação Nacional:CIS03 ART1 N1 ART3 A.
TGIS03 N1.2.
Referência a Doutrina:CARDOSO DA COSTA CURSO DE DIREITO FISCAL PAG266.
ALBERTO XAVIER CONCEITO E NATUREZA DO ACTO TRIBUTÁRIO PAG263.
CASTANHEIRA NEVES QUESTÃO DE FACTO QUESTÃO DE DIREITO PAG264.
BAPTISTA MACHADO INTRODUÇÃO AO DIREITO E AO DISCURSO LEGITIMADOR PAG187.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 A…, e mulher vêm recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de improcedência da impugnação judicial que haviam deduzido contra duas liquidações de Imposto de Selo, cada uma no montante de € 5 958,00.
1.2 Em alegação, os recorrentes formulam as seguintes conclusões.
1. Da matéria dada como provada na Douta Sentença ora posta em crise consta, entre outros, que o que os ora Recorrentes adquiriram em 1982 foi um prédio rústico e que a casa de habitação que sobre o mesmo agora existe foi construída a expensas dos ora Recorrentes.
2. Da Escritura de Justificação junta aos autos pode constar-se “tendo-o adquirido ainda com a natureza de prédio rústico, onde posteriormente edificaram a referida casa de habitação” (sublinhado nosso).
3. Da mesma Escritura de Justificação também consta que os ora Recorrentes “são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do prédio urbano composto de casa de cave, rés-do-chão, sótão e logradouro...”. Tal afirmação acontece por uma simples razão: Necessidade de publicitar o seu extracto num jornal local para que possa ser dada publicidade ao acto notarial para que, dessa forma, qualquer interessado ou prejudicado pelo mesmo acto possa dele tomar conhecimento e a ele se opor, se for caso disso.
4. Porque no momento da celebração da Escritura de Justificação o prédio rústico adquirido por usucapião pelos ora Recorrentes já não existia fisicamente - porque os ora Recorrentes já haviam construído sobre o mesmo a casa de habitação - não fazia qualquer sentido publicitar um prédio cujas características físicas já não existiam, mas sim publicitar a sua existência actual - uma casa de habitação - para uma melhor leitura e compreensão por parte de eventuais oponentes ou lesados à posse do imóvel por parte dos ora Recorrentes.
5. O imposto de Selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens e, para efeitos da sua verba 1.2., são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião - Conf. n° 1 e al. a), n° 3, do art. 1º, do Código do Imposto de Selo.
6. No caso em apreço, o que os ora Recorrentes adquiriram por usucapião, ou seja, por transmissão gratuita, foi um prédio rústico. O prédio urbano de que os ora Recorrentes são proprietários não foi adquirido gratuitamente, mas sim construído a suas expensas e em momento posterior ao da posse do dito prédio rústico, pagando os respectivos impostos, como seja e a título de exemplo, o IVA que liquidaram pela aquisição dos respectivos materiais.
7. O Código do Imposto de Selo (art. 3º, n° 3, al. a)) tributa a figura da usucapião na eventualidade de terem sido precludidas as obrigações fiscais da transmissão, como o pagamento da Sisa (actualmente IMT) e Imposto de Selo relativamente à aquisição de um prédio, sendo que no momento da Escritura de Justificação relativamente ao imóvel transmitido gratuitamente vem o mesmo Código liquidar o respectivo imposto no acréscimo patrimonial do mesmo - mas tão só quanto ao imóvel que foi adquirido por usucapião (gratuitamente).
8. Afigura-se aos ora Recorrentes ser inquestionável, até pela própria matéria dada como provada na Douta Sentença ora posta em crise, que o imóvel que adquiriram por usucapião foi um prédio rústico e não a moradia que sobre o mesmo edificaram, a expensas suas, em momento posterior à posse do dito prédio rústico.
9. Sempre se dirá, ainda, que a Tabela Geral do Imposto de Selo no seu item 1.2. tributa a aquisição e não a construção de uma casa de habitação. 10. Pelo que deve o presente recurso, pelas razões apontadas e pelas que Doutamente suprirão Vs. Exas. ser julgado procedente, revogando-se a Douta Sentença ora posta em crise por outra que ordene a tributação de Imposto de Selo pelo valor do prédio rústico adquirido por usucapião pelos ora Recorrentes.
1.3 Não houve contra-alegação.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o parecer de que o recurso não merece provimento e a sentença recorrida deve ser confirmada – apresentando a seguinte fundamentação.
1. A usucapião é uma forma originária de aquisição do direito de propriedade que retroage os seus efeitos ao início da posse (art. 1317º al. c) CCivil)
O Imposto de Selo (IS) recai sobre a transmissão gratuita do imóvel, resultante da aquisição por usucapião (art. 1º n°s 1 e 3 al. a) CIS); constitui encargo do beneficiário, adquirente por usucapião sendo liquidado à taxa de 10% incidente sobre o valor do bem transmitido (arts. 2° n° 2 al. b) e 3° n° 3 al. a) CIS; Tabela Geral do Imposto de Selo verba 1.2)
Não obstante a usucapião, em termos civilísticos, ser forma originária de aquisição da propriedade, a obrigação tributária considera-se constituída na data do trânsito em julgado da acção de justificação judicial ou na data da celebração da escritura de justificação notarial (art. 5° al. r) CIS)
O valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos dos prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial (art. 13° n° 1 CIS)
Enquanto não se proceder à avaliação geral, os prédios urbanos já inscritos na matriz serão avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor (art. 15° n° 1 DL nº 287/2003, 12 Novembro)
2. Neste contexto:
a) não obstante o prédio urbano transmitido estar inscrito na matriz, deveria ser avaliado na sequência da escritura de justificação notarial, na medida em que esta operou a primeira transmissão (gratuita) após o início da vigência do CIMI em 1.12.2003 (art. 32° n° 1 DL n° 287/2003, 12 Novembro)
b) tem fundamento legal a liquidação de IS efectuada com base no valor tributável do prédio urbano resultante da avaliação (art. 9° n° 1 CIS; Tabela Geral 1.2)
1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor das conclusões da alegação, bem como da posição do Ministério Público, a questão que aqui se coloca é a de saber se as liquidações impugnadas foram operadas exorbitando das normas de incidência objectiva do Código do Imposto do Selo, ou não.
2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.
1. Em 2005.05.19, foi celebrada no Cartório Notarial de Vila Nova de Cerveira a Escritura de Justificação em que foram interessados os Impugnantes, no que concerne o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Vila Praia de Âncora sob o artigo 1626.
2. A referida escritura foi publicitada em 2005.06.03 no Jornal “O Caminhense” publicado na mesma data.
3. Da escritura de justificação consta que os impugnantes:
4. “Que são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do prédio urbano composto de casa de cave, rés-do-chão, sótão e logradouro, com a área coberta de cem metros quadrados e descoberta de trezentos e sete metros quadrados, sito no Lugar de …, freguesia de Vila Praia de Âncora, concelho de Caminha, a confrontar de norte com Estrada Camarária n° …, de sul com B…, de nascente com C… e de poente com D…, omisso na Conservatória do Registo Predial de Caminha, inscrito na respectiva matriz, em nome do justificante marido sob o art. 1.626, com o valor patrimonial tributável de 10.866,50 euros, ao qual atribuem o valor de doze mil euros. Que não são detentores de qualquer título formal que legitime o domínio do referido prédio, tendo-o adquirido ainda com a natureza de prédio rústico, onde posteriormente edificaram a referida casa de habitação, no ano de mil novecentos e oitenta e dois, por compra feita a ….”
5. Em 2005.10.18, os Impugnantes participaram, por a sujeição da justificação estar prevista na alínea b) do n.° 2 do Código de Imposto de Selo, o referido acto notarial, com vista à liquidação do imposto devido, tendo sido instaurados os processos de imposto de selo (transmissões gratuitas) n.°s 192336 e 192350.
6. Em 2005.10.18, os Impugnantes apresentaram a declaração Modelo 1 de IMI, registo de declaração n.° 793742, para efeitos de avaliação do imóvel justificado.
7. O prédio em questão, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Vila Praia de Âncora sob o artigo 1626 veio a ser avaliado em €119 160,00 (cento e dezanove mil cento e sessenta euros).
8. Em 2006.09.21, foram emitidas as notas de cobrança de imposto de selo (transmissões gratuitas) n.° 2006 1336731 em nome de E… e a n.° 2006 1336729 em nome de F…, onde era apurado o montante de € 5 958,00 (cinco mil novecentos e cinquenta e oito euros) por cada um dos justificantes. As liquidações foram efectuadas pela taxa de 10% do valor patrimonial tributário total atribuído ao prédio justificado de € 119 160,00 (cento e dezanove mil cento e sessenta euros).
9. Os Impugnantes foram notificados conforme registos n.°s RY383299901 PT e RY383299892PT, datados de 2006.09.26, em que a data limite de pagamento era de 2006.11.30.
10. Em 2006.11.28., foi instaurado no Serviço de Finanças de Caminha o processo de reclamação graciosa n.° 2275200604000994, onde os Impugnantes atacavam as liquidações notificadas.
11. A mesma reclamação veio a ser indeferida por despacho de 2008.03.27 do Sr. Director de Finanças de …, conforme ofício n.° 6661 de 2008.05.06 da Direcção de Finanças de … (Registo postal n.° R0909452930PT, com aviso de recepção assinado em 2008.05.12).
12. Em 2008.05.21, deu entrada a presente impugnação.
13. O que os ora impugnantes adquiriram em 1982 foi um prédio rústico.
14. O prédio rústico que foi adquirido pelos ora impugnantes já não existia fisicamente ao tempo da referida escritura de justificação - porque os ora impugnantes já haviam construído no mesmo uma casa de habitação.
15. Tal casa de habitação foi construída a expensas dos ora impugnantes.
2.2 No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 26/2003, de 30 de Julho, o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, procedeu à reforma da tributação do património, aprovando os Códigos do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) e do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), revogando os Códigos do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD) e da Contribuição Autárquica (CCA), procedendo a várias alterações de diversa legislação tributária conexa com a reforma empreendida.
A partir da chamada “Reforma da Tributação do Património”, operada pelo citado Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, o antigo imposto sobre sucessões e doações foi revogado, sendo que as transmissões gratuitas (doação e sucessão por morte) passaram a ser tributadas em sede do imposto do selo sobre transmissões gratuitas.
O Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro veio também estender ou alargar a transmissões gratuitas o campo de incidência do Código do Imposto do Selo.
Com efeito, foi alargado o âmbito da incidência objectiva deste imposto, sendo que o mesmo tributa as transmissões gratuitas que tenham por objecto, entre outros, o direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião.
Assim, sob a epígrafe “Incidência objectiva”, o artigo 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo estabelece que «O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens».
E, por seu lado, a alínea a) do n.º 3 do mesmo artigo 1.º do Código do Imposto do Selo preceitua que «Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião».
Por sua vez, e segundo a verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo, o imposto do selo recai em 10% sobre o valor dos respectivos contratos de «aquisição gratuita de bens, incluindo por usucapião (…)».
Do específico regime legal do imposto do selo, logo se vê que o imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral do Imposto do Selo, incluindo as transmissões gratuitas de bens. E, constituindo embora a usucapião uma aquisição originária (artigo 1287º e seguintes do Código Civil), é a aquisição por usucapião considerada, para efeitos fiscais, uma transmissão gratuita de bens imóveis.
Tal aquisição, consonantemente, aliás, com o princípio da expressão formal dos actos tributáveis em imposto do selo, só ocorre no momento em que se torna definitivo o documento que titula essa aquisição ou “transmissão”: a data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial ou for celebrada a escritura de justificação notarial – cf. a alínea r) do artigo 5.º do Código do Imposto do Selo [“Nascimento da obrigação tributária”].
O que é certo, no entanto, é que o acto tributário tem que ter por base uma situação de facto ou de direito, concreta, prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Tal base é, pois, o pressuposto de facto ou o facto gerador da imposição – cf. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 1972, p. 266.
No Direito Fiscal vigora o princípio da tipicidade, que se traduz no brocardo latino nullum tributum sine lege,ou nullum vectigal sine lege,paralelo àquele outro, vigente no Direito Penal, nullum crimen sine lege.Assim como não há crime que não corresponda a uma definição legal, a um tipo legal, também não haverá imposto que não corresponda a uma definição legal, a um tipo legal. Nisto consiste a tipicidade do imposto. O facto tributável, com ser um facto típico, só existe como tal, desde que na realidade se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos, que, por esta nova óptica, se convertem em elementos do próprio facto, bastando a não verificação de um deles para que não haja, pela ausência de tipicidade, lugar à tributação. No Direito Tributário, a tipologia é dominada não só por um princípio de taxatividade como também por um princípio de exclusivismo. Opera-se o fenómeno que a lógica jurídica designa por implicação intensiva. Verifica-se a implicação intensiva sempre que os elementos enunciados no pressuposto não são apenas suficientes, mas ainda necessários para a verificação da consequência: se esses elementos se verificarem, segue-se a consequência, mas esta só se segue se eles se verificarem – cf., sobre o princípio da tipicidade em Direito Fiscal, Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, p. 263 e ss. Sobre o conceito de "implicação intensiva", cf. Castanheira Neves, Questão-de-facto-Questão-de-direito, p. 264, e ainda J. Baptista Machado, Introdução ao Estudo do Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1991, 5.ª reimpressão, p. 187.
A tributação resulta, assim, da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais previstos e descritos, abstractamente, na lei de imposto.
2.3 No caso sub judicio – escreve-se na sentença recorrida – «a única questão a resolver prende-se com saber qual é o valor a atender para efeitos de imposto de selo devido em função da escritura pública de “Justificação e Compra e Venda”, celebrada em 19-05-2005, pelos impugnantes»; e «o estado do prédio é, naturalmente uno e indivisível», «pelo que o estado do imóvel a atender para a aferição do valor terá de ser o verificado (…), independentemente das causas das modificações verificadas».
Mas julgamos que não pode ser assim.
Não é «o valor a atender para efeitos de imposto de selo» que verdadeiramente está em causa.
Previamente a saber qual «o valor a atender para efeitos de imposto de selo», a questão que importa primeiramente equacionar é a de saber qual o objecto de incidência do imposto de selo devido no caso: o acto de aquisição do prédio usucapido, ou também o acto de aquisição das benfeitorias nesse prédio levadas a cabo pelos impugnantes, ora recorrentes?
E o certo é que só o acto de aquisição do prédio usucapido (e não o acto de aquisição das benfeitorias neste realizadas) é que pode inscrever-se no âmbito de incidência objectiva do imposto de selo.
De harmonia com as supracitadas disposições do n.º 1 e do n.º 3, alínea a), do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, e da verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo, é objecto de incidência em imposto de selo não mais que o acto de «a aquisição por usucapião».
E, assim, julgamos que não poderá dizer-se, com carácter genérico – proposição que estará na base da solução encontrada pela sentença recorrida –, que o valor tributável nas aquisições por usucapião é o valor patrimonial tributário do prédio adquirido, no momento do nascimento da obrigação tributária (trânsito em julgado da acção de justificação judicial ou celebração da escritura de justificação notarial), sem qualquer dedução.
Na verdade, se deve ser “deduzido” ou subtraído do respectivo valor tributável em imposto de selo algum “valor” neste valor tributável indevidamente incluído, só poderá saber-se depois de definido e identificado o objecto de incidência do imposto de selo. É que pode dar-se o caso, como é seguramente o presente, de, por via de indevida inclusão na norma de incidência, estarem incluídos no valor tributável em imposto de selo “valores” que nada têm a ver com o valor do acto ou do facto tributário previsto na lei: o acto da «aquisição por usucapião» (e já não o acto de aquisição das benfeitorias feitas pelo usucapiente no prédio usucapido).
Estamos deste modo a concluir, e em resposta à questão decidenda, que as liquidações impugnadas foram operadas exorbitando das normas de incidência objectiva do Código do Imposto do Selo – pelo que, e na medida de tal exorbitância, devem as liquidações impugnadas ser anuladas, devendo, por sua vez, ser revogada a sentença recorrida que não laborou neste entendimento.
Quer dizer: devem ser anuladas as liquidações impugnadas, na exacta medida em que as mesmas exorbitam dos limites legais de incidência objectiva: o acto de «aquisição por usucapião», acto fora do qual se encontra evidentemente o acto de aquisição de benfeitorias realizadas pelo usucapiente.
Então, havemos de convir, em síntese, que pelo imposto do selo tributam-se, inter alia, os actos de aquisição de imóveis, incluindo o acto de aquisição por meio de usucapião.
E, assim, o acto de «aquisição por usucapião» do imóvel usucapido é objecto de incidência de tributação em imposto de selo, e não também o acto de aquisição de benfeitorias realizadas no mesmo imóvel pelo usucapiente.
3. Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, e julgar procedente a impugnação judicial, anulando-se as liquidações impugnadas, na estrita medida em que nelas se tributam as aludidas benfeitorias.
Sem custas.
Lisboa, 21 de Outubro 2009. – Jorge Lino (relator) – Lúcio BarbosaAntónio Calhau.