Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0341/17.8BECBR
Data do Acordão:02/20/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
PESSOA A CARGO DE FALECIDO
ASCENDENTES
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25634
Nº do Documento:SA1202002200341/17
Data de Entrada:10/02/2019
Recorrente:A............ E OUTROS, HERDEIROS DE B............
Recorrido 1:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

1. RELATÓRIO

B…………, residente no Bairro de ………, Estrada de ………, Lote …… – ……, na União de Freguesias de ………, Município de Coimbra, a que vieram habilitar-se os seus herdeiros devidamente identificados nos autos [cfr. fls. 155 dos autos] intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (TAF), acção administrativa contra a Caixa Geral de Aposentações (CGA), formulando os seguintes pedidos:
a) Declarar ilegal a decisão plasmada no Despacho de 9/3/2017, e por isso, nula e de nenhum efeito, revogando a mesma;
b) Condenar a Caixa a aplicar o Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei nº 142/73, de 31/03, por força da al. a) do artigo 6° do Decreto-lei nº 131/2012 levando em consideração, além do mais, a alteração levada a cabo pelo Decreto-Lei nº 71/97, a 03/04;
c) Mandar aplicar, além do mais, o que determinam os referidos artigos 27º, 28º, 29°, 30° e 40° daquele Estatuto das Pensões de Sobrevivência e em consequência conceder a Pensão de Sobrevivência;
d) A liquidar a pensão que a A. tem direito, a partir de 13/10/2016, com todas as consequências legais”.
*
Por sentença do TAF de Coimbra, proferida em 18 de Setembro de 2018, foi julgada procedente a acção e condenada a Ré a atribuir e pagar à Autora uma pensão de sobrevivência enquanto ascendente a cargo da que foi sua subscritora C…………, liquidada nos termos do artigo 6º nº 1 da Lei nº 60/2005 de 29 de Dezembro, com início em 15/9/2016, bem como julgar improcedente o pedido de condenação da Ré como litigante de má-fé.
*
A CGA apelou para o TCA Norte e este, por decisão datada de 01 de Março de 2019, concedeu provimento ao recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida, julgando a acção improcedente.
*
É desse Acórdão que a herança aberta por óbito da Autora, representada pela cabeça-de-casal, A…………, inconformada, veio interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:

«a) A recorrente Herança já teve a oportunidade de esgrimir as suas razões, quer na fase administrativa da sua pretensão quer na fase judicial, as quais aqui se dão por reproduzidas, por lhe parecer que são justas e recebem respaldo legal, na ordem jurídica que nos rege, e, por isso a aplicação que se fez do Despacho citado e o artigo 6º do Decreto-Lei nº 322/90, de 18/10, violam o artigo 203º da CRP, plasmando uma evidente inconstitucionalidade;
b) Mas de facto na 1ª instância, fez-se a justiça pretendida e ao que julgamos correcta, pois está em causa a apreciação de uma questão de relevância jurídica, que necessita de uma aclaração, para melhor aplicação do direito, embora se reconheça que os Tribunais estão apenas sujeitos à lei, pelo que refere o direito substantivo ou lei, pelo que deve ser admitida a Revista prevista no artigo 150º do CPTA;
c) E, em virtude de todas aquelas tomadas de posição, julga a recorrente que o Decreto-Lei nº 322/90, de 18/10, não se aplica directamente ao caso concreto, por força do seu artigo 1º, conjugado com o artigo 1º e 6º da Lei nº 60/2005;
d) Pois a questão continua a ser regulada, além do mais, pelos artigos 27º, 28º, 29º, 39º 40º e 44º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei nº 142/1973, de 31/03, que não se encontra revogado, nem sequer se demonstra nas decisões ou sequer se alega tal facto;
e) Assim, a decisão sub judice fez incorrecta aplicação e interpretação, além do mais, das normas dos Decreto-Lei nº 322/90, de 18/10; Lei nº 60/2005, de 29/12; Decreto-Lei nº 220/2006, de 03/11 e artigo 6º da Lei nº 60/2005, de 29/12, e o artigo 49º da Lei nº 98/2009, de 04/09, ofendendo a Constituição;
f) E o artigo 6º da Lei nº 60/2005, e as referidas normas aplicadas, não podem deixar de ofender a Constituição da República, nomeadamente os artigos 2º, 13º e 18º, na referida forma de aplicação do direito substantivo».
*
A recorrida, contra-alegou, concluindo do seguinte modo:

«A. No caso vertente, o presente pedido de Revista, face à previsão do artigo 150º do CPTA e da jurisprudência que na matéria se vem firmando – supra invocada em Alegações –, não deverá ser admitido, sendo que os argumentos ora apresentados pelo Recorrente configuram matéria sobejamente apreciada pelo Acórdão recorrido.
Não obstante, porém, dir-se-á o seguinte:
B. Embora a Recorrente defenda que o regime legal vertido no DL nº 322/90, de 18/10, não se aplica ao caso concreto. (Conclusão c) do Recurso), a verdade é que não tem razão, sendo que quer a decisão proferida em primeira instância quer o Acórdão recorrido concluem – e bem – que em face do art.º 6º da Lei nº 60/2005, de 29/12, a titularidade e as condições de atribuição da pensão de sobrevivência em causa regem-se pelas regras definidas no regime geral da segurança social, constantes no DL nº 322/90, de 18/10. (cfr. parte final de pág. 7 e início de pág.8 da decisão recorrida)
C. O conceito de pessoa a cargo, no âmbito do regime geral da segurança social consta no Despacho 7/SESS/91, de 24 de Janeiro de 1991 (publicamente disponível na página institucional da segurança social. (http://www.seg-social.pt/legislacao?bundleId=15114395), o qual “estabelece orientações e regras que visam facilitar a aplicação, de forma harmonizada, do Dec. Lei 322/90, de 18-10, que reformulou globalmente as prestações por morte no âmbito dos regimes se segurança social.”, adotando o seguinte critério: “…consideram-se a cargo do beneficiário os ascendentes, outros parentes, afins e equiparados em linha recta e até ao 3º grau na linha colateral, incluindo os adoptados e adoptantes restritamente, com rendimentos não superiores ao valor da pensão social ou ao dobro deste valor, se forem casados, desde que convivessem com o beneficiário em comunhão de mesa e habitação.”
D. E este Despacho 7/SESS/91 é um valioso elemento interpretativo a que os Serviços recorrem aquando da aplicação do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 322/90 e, tanto quanto se sabe, nunca foi colocado em causa desde que foi adotado, sendo o critério considerado na ponderação da concessão de prestações sociais no contexto daquele diploma.
E. Como pondera a decisão recorrida, o Despacho 7/SESS/91 não tem força de lei. No entanto, trazendo à colação o disposto no artº 9º do Código Civil e analisando o conceito de «pessoa a cargo» no âmbito de outros regimes legais (como o regime jurídico de proteção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem [DL nº 220/2006, de 31/11] ou o regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais [Lei nº 98/2009, de 4/9]) o Tribunal a quo conclui que “…se nos afigura dever tomar por boa a referência do valor da pensão social, ademais critério que confere objetividade e é virtuoso na igualdade que tem em efeito».
*
O recurso de revista foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 5 do artº 150º do CPTA], proferido em 09 de Setembro de 2019.
*
O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artº 146º, nº 1 do CPTA não se pronunciou.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto assente nos autos, é a seguinte:
«1. Em 14/9/2016 faleceu, com 51 anos de idade, C…………, filha da Autora, no estado de solteira e sem descendentes (cf. doc. no P.A e Doc. único da PI).
2. Ao tempo do seu decesso, a sobredita C………… (filha) vivia em comunhão de mesa e habitação com Autora, na residência acima indicada como morada desta, que era propriedade da primeira, que, sem embargo, mantinha um apartamento em Vieira de Leiria, seu local de trabalho, onde permanecia durante a semana no tempo lectivo.
3. A Autora auferia uma pensão de reforma de 263 €.
4. A filha era professora do ensino básico e secundário público, auferira o vencimento correspondente.
5. E era subscritora da Caixa Geral de Aposentações, doravante "CGA", desde o ano de 1981. - cfr. PA
6. Nos últimos dois anos de vida da filha, a Autora frequentou e beneficiou dos serviços de apoio de um “centro de dia” para idosos, do Centro Social ………, sendo de 275 € a mensalidade que era paga por este serviço social.
7. Era a falecida quem cuidava da mãe na velhice e na doença, comprando os medicamentos necessários e abastecendo a casa dos bens de consumo necessários à sobrevivência desta».
*
2.2. O DIREITO
A Autora B………… intentou a presente acção administrativa contra a Caixa Geral de Aposentações, alegando, em síntese, que vivia em comunhão de mesa e habitação e a cargo da sua filha do mesmo nome, que foi subscritora da Ré desde 1981 até falecer em 14.09.2016, no estado de solteira, sem descendentes, peticionando ao abrigo do disposto nos artºs 27º a 40º do Estatuto da Pensão de Sobrevivência, aprovado pelo DL nº 142/73 de 31.03, a condenação da Ré à concessão de pensão de sobrevivência, liquidada a partir de 13.10.2016.

A decisão de 1ª instância proferida pelo TAF de Coimbra, como supra se referiu, julgou a acção procedente e condenou a Ré a pagar à Autora uma pensão de sobrevivência, enquanto ascendente a cargo, da que foi sua subscritora, C…………, liquidada nos termos do artº 6º, nº 1, da Lei nº 60/2005 de 29/12, com início em 15.09.2016.
E fê-lo, consignando o seguinte:
«(…) Assim, nos presentes autos cumpre apenas julgar se a Autora tem direito a haver da Ré o pagamento de uma prestação social de sobrevivência por morte da sua filha C…………, com início em 15/10/2016, aliás, liquidada nos termos do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo DL nº 142/73 de 31 de Março.
(…)
Ora, de uma leitura serena e desinteressada do artigo 6º da Lei nº 60/2005 de 29 de Dezembro, invocado no próprio acto “impugnado (hoc sensu) e 7º, invocado apenas na contestação da Ré, resulta o seguinte:
(…)
Já o artigo 6º, esse, versa sobre as pensões de sobrevivência e, se os seus nºs 1 e 2, sem mais dispositivo, versam apenas sobre o modo de cálculo das pensões, o nº 3 faz com que as condições e os pressupostos de facto da atribuição dessas pensões sejam os definidos para o regime geral da segurança social e não, portanto, os definidos no Estatuto das pensões de sobrevivência.
Assim, sendo, e dado que o decesso da filha da Autora é posterior a 31 de Dezembro de 2005 (cf. nº 1 do citado artigo 6º), tem razão, a Ré, quando sustenta que à pretensão da Autora se aplicam os pressupostos e as condições de atribuição de pensão de sobrevivência do Regime Geral da Segurança Social.
Mas daqui não se segue, sem mais, a razão da Ré quanto ao objecto do litígio.
Se é certo que, os pressupostos legais da atribuição da pensão de sobrevivência que coincidem na exigência de que o beneficiário ascendente vivesse “a cargo” do falecido – expressão utilizada quer no artigo 14º do DL nº 322/90 de 18/10, quer no artigo 44º nº 1 do Estatuto das Pensões de Sobrevivência – também o é que, na abordagem deste conceito, existe uma significativa diferença. Assim, enquanto o Estatuto das Pensões de Sobrevivência, no nº 2 do citado artigo 44º, concretiza absolutamente o que normativamente se haverá de entender, para os efeitos desse artigo, por ascendente a cargo, deixando dito que assim será “quando os seus rendimentos individuais ou, se forem casados, metade dos rendimentos do casal, incluindo retribuições, rendas, pensões e equivalentes, mas excluindo a pensão a que se habilitam nos termos do presente diploma, não ultrapassem metade da remuneração correspondente ao índice 100 da escala salarial do regime geral de remunerações da função pública ou da remuneração mínima do mesmo regime, se for superior”, o artigo 14º fica-se pela menção daquele conceito aberto, não o densificando por modo algum.
Assim, para os casos em que se aplica o “Regime Geral” esse pressuposto legal do direito à pensão de sobrevivência do ascendente reside no que, em objectiva interpretação da norma legal que é o citado artigo 14º, se deva entender por pessoa a cargo de outra.
A Ré invoca, como fonte de direito da sua decisão de indeferir a pensão, um despacho do Secretário de Estado da Segurança social, de 1991, publicamente disponível (apenas) na página da Internet da Segurança Social, que estabeleceu um critério também ele absoluto para uma “aplicação de forma harmonizada” do artigo 14º do DL nº 322/90. Segundo esse despacho, por ascendentes a cargo deveriam entender-se “os ascendentes (….) com rendimentos não superiores ao valor da pensão social ou ao dobro desse valor, se forem casados, desde que convivessem com o beneficiário em comunhão de mesa e habitação”.
É porém seguro, de um ponto de vista da metodologia do Direito, que tal despacho não pode ser tomado e aplicado como fonte de direito na questão de julgar se a Autora tem ou não direito à prestação social aqui em causa. O Despacho invocado apenas poderia vincular internamente os serviços do Centro Nacional de Pensões, aos quais foi dirigido (nem sequer à CGA) – nunca a Autora, enquanto pretendente a beneficiar de uma pensão de sobrevivência, e muito menos pode vincular os Tribunais. De contrário estaríamos, para efeitos práticos, perante um exercício do poder legislativo pela administração, uma subversão da separação constitucional dos poderes do Estado.
Assim, e posto que os pressupostos de atribuição da pensão são os do regime geral, há que apreciar se no caso concreto sub judice, isto é, face aos factos provados, a Autora estava a cargo da filha.
No juízo do Tribunal, para o Legislador do DL 322/90, ascendente a cargo de uma descendente é aquele cujos rendimentos são insuficientes, nas concretas circunstâncias, para aquele prover ao “trem de vida”, posto que razoável, a que está habituado, quando tal insuficiência é suprida pelo beneficiário com os seus rendimentos.
Ora, provou-se que a Autora nos últimos dois anos, pelo menos, de vida da filha, beneficiou do apoio de um centro de dia, para o que eram pagos 275 € mensais, que a sua reforma era de 263 €, que a filha era a proprietária da habitação, que era a filha quem cuidava da mãe na velhice e na doença (naturalmente, salvos os serviços prestados pelo “centro de dia”), comprando os medicamentos e abastecendo a casa dos bens de consumo necessários à sobrevivência da mãe.
Assim, pode concluir-se que a pensão de reforma da Autora era insuficiente para o seu sustento e que era a falecida quem, ao menos principalmente, supria a insuficiência.
Note-se que a própria necessidade básica de habitação condigna era suprida pela falecida, enquanto dona da casa de morada da Autora.
Enfim, para efeitos do artigo 14º do DL nº 322/90, aplicável ao caso da Autora ex vi artigo 6º nºs 1 e 3 da Lei nº 60/2005 de 29 de Dezembro, a Autora vivia a cargo da filha C…………, que era subscritora da Ré desde 1981 e faleceu depois de 31/12/2005, pelo que lhe assiste o direito a auferir, da Ré uma pensão de sobrevivência de ascendente, calculada nos termos daquele nº 1.
Assente isto, não há margem para discutir, nem a Ré o fez, que o início da pensão é o dia seguinte à morte da Subscritora sua filha.
Nestes termos, embora não exactamente nos pretendidos, a acção procede plenamente.
(…)».
Ou seja, o TAF de Coimbra tomou em 1ª linha o artº 6º da Lei nº 60/2005, de 29/12 [que estabelece mecanismos de convergência do regime de protecção social da função pública com o Regime Geral da Segurança Social no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões], considerando haver lugar, por força do nº 3 do artº 6º, à remissão para o Regime Geral da Segurança Social - DL nº 322/90, de 18-10 [Define e regulamenta a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social (revoga a secção VII do capítulo V do Decreto nº 45266, de 23 de Setembro de 1963, e o Regulamento Especial do Regime de Pensões de Sobrevivência, publicado no Diário do Governo, 2ª série, nº 21, de 26 de Janeiro de 1971)] e aplicando o disposto no artº 14º deste DL nº 322/90 de 18.10, considerou que a pensão da Autora era insuficiente para o seu sustento e que era a filha falecida quem supria a insuficiência económica daquela, concluindo assim que a Autora vivia a cargo da filha (subscritora da Ré desde 1981) até à data do seu falecimento, assim fazendo proceder a acção.
*
Interposto recurso de apelação desta decisão, por parte da Ré CGA para o TCA Norte, fundamentando a sua pretensão no Despacho do Secretário de Estado da Segurança Social de 1991 que estabeleceu um critério para uma “aplicação harmonizada do artº 14º do DL nº 322/90 de 18.10, segundo o qual por ascendentes a cargo deveriam entender-se “os ascendentes (…) com rendimentos superiores ao valor da pensão social ou ao dobro desse valor, se forem casados, desde que convivessem com o beneficiário em comunhão de mesa e habitação”, veio este a revogar o assim decidido.
E, para tanto, admitiu que, efectivamente, se estava perante um conceito indeterminado, que deveria na sua interpretação e preenchimento buscar apoio no critério consagrado no artº 9º do Código Civil, tendo sempre ínsita uma ideia de objectivada insuficiência de recurso.
E para tanto, buscou amparo dentro do mesmo quadro legislativo, a propósito da pensão de viuvez a cônjuge ou pessoa que vivia em união de facto com o pensionista de pensão social falecido, na atribuição da pensão de orfandade, no complemento por dependência, nos casos de protecção especial por invalidez, na bonificação de abono de família para crianças e jovens com deficiência e no seguro social voluntário.
Também fora do mesmo quadro legislativo, buscou apoio no regime Jurídico de Protecção Social, no caso de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem (DL nº 220/2006 de 03.11) e na Lei nº 98/2009 de 04.09 que regulamenta o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais – artº 49º, nº 1, al. d).
*
E é deste Acórdão, que vem interposto o presente recurso de revista por parte da Herança Aberta por óbito de B…………, representada pela cabeça de casal A………….
E na alegação que apresenta, reitera que, no caso sub judice, face ao pedido e à causa de pedir, designadamente, tendo em conta a data de inscrição da subscritora na CGA, não está em causa uma pensão de sobrevivência de uma beneficiária do Regime Geral da Segurança Social, pelo que o quadro normativo aplicável não é o do DL nº 322/90 de 18.10, mas sim o Estatuto das Pensões de Sobrevivência aprovado pelo DL nº 142/73 de 01.03, maxime os artºs 27º, 28º, 29º, 39º, 40º e 44º, que no seu entender, não foram revogados pelo DL nº 322/90 de 18.10.
Mais alega, que a interpretação dada ao artº 6º do DL nº 322/90, assim como ao DL nº 220/2006 de 03.11 e artº 49º da Lei nº 98/2009 de 04.09 padecem de inconstitucionalidade por ofenderem os princípios constitucionais da segurança e da confiança proclamados nos artºs 2º, 13º e 18º da CRP.
*
Vejamos:
Defende a recorrente que no caso é aplicável, sem mais, o Estatuto das Pensões de Sobrevivência aprovado pelo DL nº 142/73 de 31.03, dado que, no seu entender, o regime legal relativo à pensão de sobrevivência se deve aferir consoante a data de inscrição do subscritor na CGA.
Mas não lhe assiste razão, tendo em consideração o quadro normativo aplicável ao regime de atribuição das pensões de sobrevivência desde 1 de Janeiro de 2006.
Com efeito, resulta o seguinte do artº 6º da Lei nº 60/2005 de 29.12, que entrou em vigor em 01.01.2006 [que estabelece mecanismos de convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral da segurança social no que respeita às condições de aposentação e cálculo]:
«Artigo 6º
1. A pensão de sobrevivência atribuída por óbito, ocorrido após 31 de Dezembro de 2005, de subscritor ou de pensionista aposentado a partir de 1 de Janeiro de 2006, nos termos do nº 1, do artigo anterior corresponde à soma de 50% de P1 com o valor que resultar da aplicação da P2 das regras do regime geral da segurança social
2. A pensão de sobrevivência atribuída por óbito dos subscritores inscritos a partir de 1 de Setembro de 1993 é calculada nos termos das normas aplicáveis ao cálculo das pensões dos beneficiários do regime geral da segurança social.
3. A titularidade e as condições de atribuição das pensões referidas nos números anteriores regem-se pelas regras definidas no regime geral da segurança social». Sub. nosso.
Resulta do exposto que no caso sub judice, tem aplicação, quer o nº 1, quer o nº 3 do artº 6º da Lei nº 60/2005, sendo que, no nº 1 se calculava a pensão se fosse devida e no nº 3 se determinava a titularidade e as condições de atribuição da pensão, ou seja, de acordo com as regras constantes no regime de segurança social [artº 1º e 7º, nº 1, al. c) do DL nº 322/90 de 18.10].
Ou seja, esta norma determina que a titularidade e as condições de atribuição das pensões de sobrevivência atribuídas a partir de 01.01.2006 por óbito de subscritores que não estivessem em condições de beneficiar do regime vigente até 31.12.2005, regem-se pelas regras definidas no Regime Geral da Segurança Social.
Assim e apesar de a falecida estar inscrita na CGA desde 25.11.1981, pelo Agrupamento de Escolas de ………, a verdade é que em 31.12.2005 a mesma não reunia nem o requisito de idade nem o tempo de serviço para poder beneficiar do regime de salvaguarda de direitos previstos no artº 7º da Lei 60/2005 de 29.12, pelo que as regras de atribuição da pensão de sobrevivência aos ascendentes ficaram abrangidas, por força do disposto no nº 3 do artº 6º da mesma lei, pelas regras definidas no Regime Geral da Segurança Social previstas no DL nº 322/90 de 18.10.
Nomeadamente as regras de atribuição de pensões de sobrevivência aos ascendentes nos termos previstos no artº 14º do DL nº 322/90 de 18.10, aplicável ex vi do artº 6º da Lei nº 60/2005 de 29.12 [cfr. artº 15º do mesmo da mesma Lei que determina que “As condições de atribuição das prestações são definidas à data da morte do beneficiário”].
Decidido o quadro normativo aplicável, vejamos o que dispõe o artº 14º do DL nº 322/90 de 18/10, que enumera um conceito aberto de ascendentes que “estejam a cargo do beneficiário falecido”
«Ascendentes
São condições de atribuição das prestações aos ascendentes que estes estejam a cargo do beneficiário falecido e não existam cônjuges, ex-cônjuges e descendentes com direito às mesmas prestações». Sub. nosso.
Podemos, pois, afirmar que quanto à titularidade, a autora (já falecida entretanto) estava em condições de beneficiar da pensão, porque era ascendente – cfr. al. c) do nº 1 do artº 7º do DL nº 322/90.
Quanto às condições de atribuição, como vimos, eram duas: “estar a cargo “e “não haver cônjuges ou descendentes” – cfr. artº 14ºdo referido DL.
Ora, a segunda condição está verificada, uma vez que não havia cônjuges ou descendentes com direito à referida prestação.
E quanto à primeira condição “estar a cargo”, o DL nº 322/90 não explicitava o conceito – designadamente, em termos quantitativos (vg, definindo certas “condições de recursos” – relacionadas com rendimentos do requerente da pensão de sobrevivência.
Deste modo, é evidente que o DL nº 322/90 deixando o conceito em aberto, aponta para soluções casuísticas.
Não podendo a integração do conceito de “ascendentes a cargo” buscar-se dentro do quadro normativo aplicável, que é o Regime Geral da Segurança Social, por aqui não estar definido, ter-se-á de buscar dentro da unidade do sistema jurídico, de forma a evitar interpretações casuísticas, pois só desta forma se dará cumprimento ao disposto no artº 9º do Código Civil [a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada].
Assim, face à matéria de facto constante dos autos, temos de concluir que a autora estava a cargo da filha, dado que ficou demonstrado que, a autora, pelo menos, nos últimos dois anos de vida da filha beneficiou do apoio de um centro de dia, para o que eram pagos 275€ mensais, que a sua reforma era de 263€, que a filha era a proprietária da habitação, que era a filha quem cuidava da mãe na velhice e na doença, comprando os medicamentos e abastecendo a casa dos bens de consumo necessários à sobrevivência da mãe, pelo que se impõe concluir que a pensão de reforma da autora era insuficiente para o seu sustento e que era a falecida quem supria essa insuficiência.
Se, todavia, afastarmos uma interpretação casuística, pretendendo-se um preenchimento normativo do conceito “estar a cargo” encontramos a resposta no artº 44º do próprio Estatuto das Pensões de Sobrevivência [DL nº 142/73 de 31.03, o qual, por um lado, ainda se encontra, em vigor, pelo menos, para as inscrições neste sistema efectuadas antes de 01 de Setembro de 1993, e por outro lado, se justifica que, na determinação do conceito de “estar a cargo” se faça um tratamento unitário de todos os casos de pensões de sobrevivência a pagar pela CGA.] que no nº 2 concretiza o que normativamente se deverá entender para efeitos desse artigo, por “ascendente a cargo”, enumerando-os como aqueles que à data da morte do contribuinte vivam a seu cargo.
E densifica-se no nº 2 deste artigo que «os ascendentes referidos no número anterior consideram-se a cargo do contribuinte quando os seus rendimentos individuais ou, se forem casados, metade dos rendimentos do casal, incluindo retribuições, rendas, pensões e equivalentes, mas excluindo a pensão a que se habilitam nos termos do presente diploma, não ultrapassem metade da remuneração correspondente ao índice 100 da escala salarial do regime geral de remunerações da função pública ou da remuneração mínima do mesmo regime, se for superior» - redacção dada pelo DL nº 71/97 de 03.04.
Ora, estabelecendo-se aqui, o que se entende por ascendente a cargo, e sendo esta a lei aplicável no caso dos autos, temos que ficou demonstrado pela factualidade provada que era a filha quem cuidava da mãe na velhice e na doença, comprando o necessário à sobrevivência desta, pelo que se impõe concluir que a pensão de reforma da autora era insuficiente para o seu sustento e que era a falecida quem supria essa insuficiência.
Fica, pois, prejudicada toda a análise que devesse ser feita quanto à noção de pessoa a cargo, no âmbito do Regime Geral da Segurança Social, bem como a referida no Despacho proferido pelo Secretário de Estado da Segurança Social que esteve na base do acto de indeferimento da pretensão da autora, que não tem força de lei, sendo manifestamente ilegal a sua aplicação no caso concreto.
E, deste modo, importa julgar procedente o recurso de revista, bem como, a presente acção administrativa, revogar o acórdão recorrido, anulando-se o Despacho de 09.03.2017 da Direcção da CGA, que indeferiu o pedido de atribuição de pensão de sobrevivência efectuado pela autora, por ilegal, e condenar a CGA nos pedidos formulados pela autora no âmbito da presente acção, que supra se deixaram enumerados.
*
3. DECISÃO:
Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e julgar a acção procedente, condenando-se a Ré CGA a conceder a pensão de sobrevivência peticionada pela autora nos termos supra referidos.
Custas a cargo da recorrida
Lisboa, 20 de Fevereiro de 2020. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) - Jorge Artur Madeira dos Santos – José Augusto Araújo Veloso.