Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01618/13.7BEPRT
Data do Acordão:12/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
TAXA DE PUBLICIDADE
PUBLICIDADE COMERCIAL
LICENÇA
Sumário:I - É de considerar publicidade comercial, nos termos do disposto no art. 3.º do Código da Publicidade, a mensagem que, independentemente do seu conteúdo informativo, é apresentada por uma empresa comercial relativamente à sua atividade, que exerce em concorrência e visa, ainda que indiretamente, fazer com que os consumidores dos bens e serviços por ela oferecidos a prefiram, em detrimento das suas concorrentes.
II - Essa publicidade, porque estava sujeita a licenciamento da câmara municipal da área do respetivo concelho (cf. art. 1.º da Lei n.º 97/88, de 17/08, na sua redação inicial), estava sujeita a taxa a cobrar pela mesma (cf. o regulamento municipal de taxas e licenças, art. 4.º, n.º 2, da LGT e art. 3.º do RGTAL).
III - Ainda que esse licenciamento tenha vindo a deixar de ser exigido em 02 de maio de 2013 (data em que entrou em vigor, na parte que releva, o Decreto-Lei n.º 48/2011, de 01/04, como resulta da Portaria n.º 284/2012, de 20/09), essa alteração não se repercute de modo algum nas liquidações da taxa de publicidade do ano de 2012 (cf. art. 12.º da LGT).
IV - E também não deixa de ser devida na totalidade a taxa respeitante ao ano de 2013, pois, a taxa constitui a contrapartida pela emissão (ou renovação) da licença, que se operou no início do ano.
Nº Convencional:JSTA000P28684
Nº do Documento:SA22021120901618/13
Data de Entrada:05/23/2019
Recorrente:A................, S.A.
Recorrido 1:CÂMARA MUNICIPAL DE VILA NOVA DE GAIA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
1.1. A………………, S.A., identificada nos autos, vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o indeferimento da reclamação graciosa proferido pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, relativo aos atos de liquidação das taxas de publicidade dos anos de 2012 e 2013, no montante global de €5.640,76, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso:
a) «Conforme resulta da matéria de facto dada como assente o que está em causa é a aplicação de uma taxa sobre o que foi classificado como “logótipo”, “letreiro”, “letras soltas”, contendo a marca e logótipo da aqui recorrente, implantados em terrenos privados, nos quais funcionam postos de abastecimento de combustíveis, sitos no concelho de Vila Nova de Gaia.
b) Ora, de acordo com o disposto no artigo 1º nº 1 da lei 97/88, de 17 de Agosto, a “a afixação ou inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial obedece às regras gerais sobre publicidade e depende do licenciamento prévio das autoridades competentes” (sublinhado nosso).
c) Da interpretação do citado comando normativo resulta, de forma clara, que somente a afixação de mensagens publicitárias de natureza comercial e, portanto, com um escopo de angariação, promoção ou apelo ao consumo de bens e serviços, se mostra dependente da obtenção de prévia licença camarária.
d) Assim, a simples informação de interesse geral que se limita, sem recursos estatísticos ou teóricos, a identificar um conteúdo objetivo não pode deixar de ser tida como publicidade não comercial. De facto, tornar público ou acessível ao público o conteúdo de uma mensagem utilitária só neste sentido amplo poderá entender-se como publicidade.
e) E esta publicidade meramente informativa (não comercial) não está sujeita à licença enquanto tal.
f) Por outro lado, nos termos previstos no Decreto-lei nº 170/2005, de 10/10, alterado pelo Decreto-lei nº 120/2008, de 10/07, a estação de serviço, para além de conter a informação obrigatória sobre o preço dos combustíveis, deverá, ainda, ter a identificação clara e bem visível do posto e das marcas dos combustíveis comercializados.
g) Atento o acima exposto e à luz da unidade do sistema jurídico enquanto elemento interpretativo, impõe-se concluir que os elementos de imagem e marca existentes nos postos de abastecimento em questão não comportam qualquer referência comercial suscetível de se considerar como publicitária, para efeitos de aplicação do disposto na lei nº 97/88, de 17 de agosto.
h) Com efeito, os elementos que a entidade impugnada identifica, como estando sujeitos ao pagamento de taxa de publicidade, resumem-se à simples indicação da marca ou qualidade aposta nos artigos à venda nos referidos postos de abastecimento, sendo que, a identificação dos postos de abastecimento passa geralmente pela identificação da empresa que abastece - que é definida por cor, logótipo e marca – que é afixada em vários elementos (placas, chapas e inscrições) que são colocadas dentro dos limites dos postos de abastecimento (como sucede nos presentes autos), cfr. nº 170/2006, de 10/10, alterado pelo D.L. 120/2008, de 10/07.
i) Ora, a dita afixação de tais sinais distintivos do comércio, inseridos no âmbito do estabelecimento comercial onde os mesmos são comercializados, não constitui em si mesmo um convite ao seu consumo, mas antes servem o seu propósito básico distintivo dos demais produtos e serviços existentes no mercado. “Assim, o consumidor (lato sensu) dos referidos produtos e serviços ali se dirige por saber que naquele local os mesmos existirão e não porque seja seduzido por esta ou aquela especial característica que ali seja apregoada aos mesmos” (cfr. sentença do Tribunal Administrativo de Coimbra, proferida em 09/09/2013, no âmbito do processo de impugnação judicial nº 549/12.2BECBR).
j) Nesta medida, enquanto norma habilitante, a Lei nº 97/88, de 17 de Agosto, não pode deixar de constituir um limite ao poder regulamentar da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, encontrando-se, assim, o “Regulamento de Publicidade”, sujeito aos limites de conformações impostos por aquele diploma, em conformidade com o princípio de precedência de lei expressamente enunciado no artigo 112º nº7 da CRP.
k) A ser interpretado o dito regulamento de publicidade no sentido de que o mesmo também abrange as mensagens publicitárias de natureza não comercial, outra conclusão não poderá extrair-se que não seja a de reputar tal regulamento de inconstitucional (por preterição do princípio de precedência de lei contido no art. 112º nº 7 da C.R.P.) e consequentemente, também o acto de liquidação decorrente da sua aplicação (no que respeita a mensagens de publicidade de natureza não comercial) se mostrará ilegal.
l) Ao não ter assim decidido, incorreu a douta sentença recorrida em errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 1º/1 da Lei nº 97/88 e aplicou norma regulamentar inconstitucional.
m) Mais considerou a douta sentença recorrida que o Decreto-Lei nº 48/2011, de 01 de Abril ainda não havia entrado em vigor à data das liquidações impugnadas, pois as obrigações tributárias em causa constituíram-se em momento anterior à produção de efeitos da iniciativa “Licenciamento Zero”
n) Nos termos do seu artigo 44º, o Decreto-lei nº 48/2011, de 1 de Abril, entrou em vigor no seu primeiro dia útil do mês seguinte ao da sua publicação, ou seja, 2 de Maio de 2011. No entanto, através do seu artigo 42º, com a epígrafe “produção de efeitos” o legislador estipulou que “as disposições do Decreto-Lei que pressupunham a existência do “Balcão do Empreendedor” aplicam-se (…) de forma faseada e em termos a fixar por Portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas de modernização administrativa, das autarquias locais e da economia”.
o) Assim sendo, para determinar qual a data da entrada em vigor das disposições que procederam à alteração da lei nº 97/88, há que aferir se tais alterações pressuponham, ou não, a existência do Balcão do Empreendedor.
p) Na verdade, a portaria nº 284/2012, elencou a título meramente exemplificativo, no seu artigo 7º/3 (daí o adverbio “designadamente”), como disposição que não pressupõe a existência do Balcão do Empreendedor a alínea a) do nº3 do artigo 1º da Lei 97/88 nada dizendo quanto às alíneas b) e c), o que parece pressupor que, relativamente a essas duas alíneas, o legislador deixou ao aplicador a incumbência de determinar se o mesmo também se verificou quanto a estas.
q) Ora, com a introdução do regime de simplificação administrativa contido no Decreto-lei 48/2011 é manifesta a intenção do legislador de afastar a necessidade de remoção de um obstáculo jurídico, através de ato permissivo, ao comportamento dos particulares (in casu, afixação de elementos de imagem).
r) Pelo que, outra conclusão não se poderá retirar que não seja a de que, para a concretização de tal intenção, mostra-se totalmente despicienda a existência ou funcionamento do balcão do empreendedor (meio adoptado pelo legislador para o contacto entre os particulares e a administração), já que o sentido final da actuação do legislador foi o de abolir a necessidade de tal contacto para obter acto permissivo.
s) Tanto mais que, de acordo com o disposto no artigo 1º/6 da lei 97/88 (na nova redação dada pelo Decreto-lei nº 48/2011) a lei previu a existência de critérios supletivos, a não ser observados para salvagurada do equilíbrio ambiental e urbano, para o caso de os mesmos não serem definidos pela Administração, dispensando-se, assim, a existência do Balcão do Empreendedor.
t) Assim sendo, não poderá deixar de se concluir que as normas contidas no artigo 31º do Decreto-lei nº 48/2011, de 01/04 (que deu nova redação à lei nº 97/88) entraram em vigor a 01/05/2011, já que a sua vigência não pressupunha a existência do Balcão do Empreendedor.
u) Ao não ter assim decidido, a doutra sentença recorrida incorre numa errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 31º e 42º do Decreto-lei nº 48/2011.
v) Mas ainda que assim se admitisse o entendimento propugnado pela douta sentença recorrida, no sentido de o Decreto-lei nº 48/2011, no que ao caso interessa apenas ser passível de aplicação a partir de 03/05/12, não poderia olvidar-se que a liquidação e o pagamento de uma taxa impõem ao ente administrativo uma efetiva prestação a favor do particular. E, ainda que a liquidação da taxa seja prévia à prestação do serviço (como será o caso de uma taxa anual), ela pressupõe sempre a efetividade da sua prestação futura.
w) Ora, a partir de 02/05/2013 e com a isenção de licenciamento decretada, deixou de se mostrar verificado o pressuposto da efetividade de prestação de um serviço/atividade administrativa por parte da entidade impugnada. Donde resulta que a aqui recorrente procedeu ao pagamento de um valor de taxa que não tem correspondência com a efetiva prestação realizada pela impugnada, impondo-se, como tal, um cálculo proporcional do valor da taxa cobrada, atendendo apenas ao período decorrido entre 02/05/2013 e 31/12/2013 e respetivo reembolso à aqui recorrente conforme peticionado.
x) Ao não ter assim decidido, a douta sentença recorrida incorreu numa errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 31º e 42º do Decreto-Lei nº 48/2011.
Termos em que sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve ser o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que anule integralmente a liquidação impugnada.»

1.2. A Recorrida apresentou contra-alegações, concluindo do seguinte modo:
1. A douta sentença recorrida que julgou improcedente a presente impugnação com a consequentemente manutenção na ordem jurídica dos atos de liquidação impugnados, concluindo que os elementos identificados do posto de combustível e das suas “valências” constituem publicidade comercial sujeita a licenciamento camarário e não são meras informações de interesse público e que as disposições do “licenciamento zero” apenas se aplicam às liquidações posteriores a 02.05.2013, não merece qualquer reparo, é uma decisão justa e acertada.
2. Restringindo-se o âmbito de recurso às conclusões a impugnante mantém a discordância quanto à necessidade de licenciamento camarário das mensagens publicitárias afixadas na referida área de serviço.
3. Contudo,a decisão sobre a questão de saber se as mensagens publicitárias afixadas na referida área de serviço consubstanciam publicidade comercial sujeita a licenciamento camarário também não merece qualquer reparo, concentra-se devidamente fundamentada e não viola o disposto no artigo 1º nº1 da lei nº 97/88.
4. Com efeito, a sentença fundamentando-se no disposto neste normativo e na definição de publicidade prevista no artigo 3º nº 1 do Código de Publicidade, bem como na definição de publicidade comercial constante do artigo 14 nº 2 do DL. Nº 92/2010, de 26/7 conclui que os elementos de publicidade em causa configuram publicidade comercial.
5. Considerando, como a impugnante aceita, que a publicidade afixada na área de serviço em causa consiste em reclamos luminosos com a inclusão do logótipo da marca e com os dizeres “A………..” e “A………gas”, bem como na menção aos produtos/serviços comercializados é manifesto que esta divulgação consiste em publicidade comercial porquanto o nome de uma empresa e o seu logótipo enquanto sinais distintivos do comerciante permitem identificá-lo e difundi-lo, com o objetivo de promover os bens e os serviços que comercializa como é entendimento deste Supremo Tribunal no Acórdão proferido em 25/02/2015 no processo 0702/14 e disponível em www.dgsi.pt.
6. Sendo certo, que os elementos afixados na área de serviço extravasam e muito a mera informação obrigatória.
7. De qualquer modo, o referido Decreto-Lei nº 170/2005, de 10/10, não determina a isenção de licenciamento ou de pagamento de taxas de publicidade, que são de natureza comercial pois que visam a publicitação do seu bem ou serviço para comercialização, pelo que sempre se aplica o disposto na lei 97/88 de 17 de Agosto e no Regulamento Municipal de Publicidade.
8. Com efeito, a obrigatoriedade de afixação imposta pelo Decreto-lei nº 170/2005 recai unicamente sobre os preços dos combustíveis, considerando o artigo 4º desse diploma legal a identificação do posto de abastecimento e as marcas de combustíveis comercializadas como as únicas publicitárias que são admitidas nesses painéis.
9. Não havendo dúvidas que se trata de publicidade comercial não se verifica o alegado vício de inconstitucionalidade na medida em que o mesmo foi arguido no pressuposto de que o regulamento Municipal abrangia publicidade não comercial.
10. Assim, a recorrente em nada contraria a fundamentação da sentença sob recurso teimando apenas em manter os seus argumentos da petição inicial pelo que, estando os mesmos decididos e bem decididos na douta sentença que segue o sentido unânime da jurisprudência sobre a questão, só resta indeferir-se as conclusões a), b), c), e) f), g), h), i), j), K) e i) das alegações de recurso.
11. Quanto ao segmento da decisão que considerou que as disposições do “licenciamento zero” apenas se aplicam às liquidações posteriores a 02 de maio de 2013, por ser condição necessária da eficácia do regulamento a sua divulgação no “Balcão do Empreendedor” também não merece qualquer reparo.
12. Antes de mais refira-se que esta é uma questão nova porquanto a impugnante na sua petição inicial não alegou tal vício, isto é, numa pôs em causa a entrada em vigor das disposições do “licenciamento zero” em 02 de maio de 2013, deveria haver um cálculo proporcional do valor da taxa cobrado, pelo que, a apreciação se deve restringir a questão do cálculo ser ou não proporcional.
13. Não obstante, por mera cautela sempre se diga que sobre esta questão já existe inúmera jurisprudência, indicada nestas alegações e para a qual se remete, e toda é unânime em decidir no mesmo sentido da decisão sob recurso, isto é, a produção de efeitos jurídicos derivados do Decreto-lei nº 48/2011 em relação às situações de isenção de licenciamento das mensagens publicitárias que sendo visíveis a partir do espaço público se limitam a publicitar os sinais distintivos do comércio do estabelecimento ou esteja relacionada com bens e serviços comercializados naquele estabelecimento, face ao disposto no artigo 42º do mesmo Decreto-lei, não entraram em produção efeitos de imediato ou de modo automático por força da publicação do diploma legal em causa.
14. Os efeitos das medidas constantes do Decreto-lei nº 48/2011, de 1 de Abril apenas entraram em vigor a 2 de maio de 2013 e para alguns a 3 de junho de 2013, com o pleno funcionamento do Balcão do Empreendedor.
15. Relativamente à improcedência do cálculo proporcional da taxa também nada há a apontar à douta sentença, uma vez que as taxas em apreço são anuais, cuja renovação, liquidação e pagamento ocorre de 01 de janeiro a 31 de março de cada ano. Pelo que, aquando da renovação e liquidação da taxa o facto jurídico era legalmente taxado, uma vez que ainda não tinham entrada em vigor as disposições do licenciamento zero, e, por isso, as taxas liquidadas são legais e dívidas.
16. Além disso, a taxa em causa é uma taxa única anual e não divisível, pelo que não pode ser aplicada proporcionalmente como pretende a recorrente.
17. Assim, a recorrente em nada contrariando a fundamentação da sentença sob o recurso teimando apenas em manter os seus argumentos da petição inicial e estando os mesmos decididos e bem decididos na douta sentença que segue o sentido unânime da jurisprudência sobre a questão, devem também improceder as conclusões m), n), o), p), q), r), s), t) v), x), z), bb), e cc) das alegações de recurso e manter-se a sentença recorrida e as liquidações em apreço como válidas e legais.
18. Pelo que, improcedendo todas as conclusões do recurso, deve manter-se a sentença que, ao julgar procedente a impugnação com a consequente manutenção das taxas impugnadas, não incorre em qualquer erro de julgamento nem violou qualquer normativo legal.
Termos em que deverá ser mantida a sentença recorrida e julgado improcedente o presente recurso jurisdicional, assim se fazendo Justiça.”

1.3. A excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer que se transcreve na parte relevante:
«(…)
3 – Da análise da matéria controvertida entendemos que o presente recurso deverá improceder.
De facto, face ao conteúdo dos autos, nomeadamente dos pontos assentes no probatório, que não foi questionado, por outro caminho não era de enveredar.
A douta decisão recorrida mostra-se, quanto a nós, correcta. Fez correcta interpretação dos factos e correcta se mostra a sua subsunção jurídica mostrando-se devidamente fundamentada e apoiada em pertinente doutrina a propósito citada não sendo passível de quaisquer censuras.
Em abono da decisão sob recurso passamos a referir conteúdo do douto Acórdão deste STA, de 04.10.2017, in processo nº 01180/16, da 2ª sec., proferido em situação similar à aqui em apreço:
“I – Não há que efectuar qualquer diferenciação, para efeitos de tributação, entre o que é publicidade comercial e publicidade não comercial, quando está em causa uma empresa que presta serviços e fornece bens aos consumidores, em estabelecimentos abertos o público. Tudo se contém no conceito de publicidade, constante do art. 3º do Código da Publicidade (aprovado pelo Decreto-Lei nº 330/90, de 23 de outubro).
(…)
III – As normas contidas no artigo 31º do Decreto-Lei nº 48/2011, de 01/04, que deram nova redacção à Lei nº97/88, a 01/05/2011 entraram em vigor 02 de maio de 2013, como expressamente determinado na Portaria nº 284/2012, de 20 de Setembro.
IV – Tal opção expressa do legislador não pode ser afastada pela argumentação de que o Balcão do Empreendedor era desnecessário para o efeito no âmbito da iniciativa “Licenciamento Zero”, relativa a licenciamento das mensagens publicitárias de natureza comercial.”
4 – Emite-se, assim, parecer no sentido da improcedência do presente recurso com a manutenção da decisão recorrida nos seus precisos termos.»

2. Fundamentação de facto
O Tribunal recorrido fez o seguinte julgamento da matéria de facto:
«1. A impugnante recebeu factura, emitida em 19.1.2013, por Gaiurb – Urbanismo e Habitação, EEM, em nome de A……………., S.A. respeitante à liquidação de 2013, no valor de € 2.096,64, relativa à renovação da licença de publicidade, originada no proc. nº 156/04, estando mencionada, como localização: Posto A – Rua …………., …. e Rua …………., …., constando a data de 31.3.2013 como prazo limite de pagamento (doc. nº 5 junto com a p.i.).
2. A impugnante recebeu factura, emitida em 19.1.2013, por Gaiurb – Urbanismo e Habitação, EEM, em nome de A……………., S.A. respeitante à liquidação de 2013, no valor de € 1.003,93, relativa à renovação da licença de publicidade, originada no proc. nº 1302/05, estando mencionada, como localização: Rua …………….., constando a data de 31.3.2013 como prazo limite de pagamento (doc. nº 6 junto com a p.i.).
3. A impugnante recebeu factura, emitida em 19.1.2013, por Gaiurb – Urbanismo e Habitação, EEM, em nome de A……………., S.A. respeitante à liquidação de 2013, no valor de € 417,49, relativa à renovação da licença de publicidade, originada no proc. nº 533/10, estando mencionada, como localização: Avenida …………….., constando a data de 31.3.2013 como prazo limite de pagamento (doc. nº 7 junto com a p.i.).
4. A impugnante recebeu ofício, datado de 24.1.2013, com o seguinte teor:
“Comunico que, por despacho da Senhora Vereadora Eng.ª ………… de 21 de Janeiro de 2013, proferido ao abrigo da subdelegação de competências atribuída por despacho do Senhor Presidente da Câmara de 6 de Novembro de 2009, com competência conferida pela Câmara na Reunião de 6 de Novembro de 2009, foi determinado notificar o seguinte parecer
“Após a análise do processo indicado em epígrafe verificou-se que foi ultrapassado o prazo legal para pagamento das taxas de publicidade referentes ao ano de 2012 que no caso das licenças anuais se efetua de 2 de Janeiro a 31 de Março de cada ano, de acordo com a alínea b) do n°1 do artigo 23° do Regulamento de Taxas e Outras Receitas do Município de Vila Nova de Gaia.
Nestas circunstâncias e uma vez que a publicidade se manteve colocada, deverá, no prazo de 30 dias de acordo com o artigo 21° do Regulamento de Taxas e Outras Receitas do município de Vila Nova de Gala, proceder ao pagamento das taxas do publicidade referentes ao ano de 2012 no valor de 1081,35€, acrescentando ainda que não obtivemos qualquer parecer conclusivo por parte de Direção Regional de Cultura.
Após visita ao local constatou-se a existência de tela com a descrição “POUPE ATÉ 6 CENT/L + IMAGEM...” sem constar no pedido de licenciamento inicial. Tendo em conta o impacto da mesma no local e estar localizada no limite de proteção de património classificado, será licenciado apenas por 1 trimestre. Findo o prazo deverá ser removida.
Face ao exposto, procedeu-se à atualização das taxas aplicadas para o ano de 2013, expressas na tabela seguinte:
(…)
A emissão do alvará de licença ficará sujeito ao pagamento do montante de € 1.124,89 (MIL CENTO E VINTE E QUATRO EUROS E OITENTA E NOVE CÊNTIMOS), assim como das taxas em dívida referentes a 2012 perfazendo um valor total de 2.186,24€ (DOIS MIL CENTO E OITENTA E SEIS EUROS E VINTE E QUATRO CÊNTIMOS) e que de acordo com o artigo 21° da Secção II do Cap. IV Título I, do Regulamento de Taxas e Outras Receitas do Município de Vila Nova de Gaia, deverá ser efetuado num prazo de 30 dias.
«A afixação de todas as mensagens, publicitárias ou de identificação, visíveis a partir da via pública estão sujeitas a licenciamento municipal, sendo as respetivas licenças concedidas a título precário com validade máxima de um ano, renovadas automaticamente excetuando os casos em que seja solicitado o cancelamento ou se dê a extinção do processo.
A licença é válida até 31 de dezembro de cada ano, devendo o pagamento das taxas de renovação ser efetuado entre os dias 2 de janeiro e 31 de março.” (doc. nº 8 junto com a p.i.).
5. A impugnante instaurou reclamação graciosa contra as liquidações mencionadas (docs. juntos pela impugnada em 11.4.2016).
6. Em 30 de Março de 2012 a impugnante procedeu ao pagamento das taxas liquidadas (cfr. fls. 40 e 43 dos autos, que aqui se dão por reproduzidas);
7. Não foi proferida decisão nos processos de reclamação supra mencionados (conforme resulta do cotejo do processo administrativo).
8. A presente impugnação judicial foi apresentada no dia 28.6.2012 (fls. 27 do proc. físico).»


3. Fundamentação de direito
Em discussão no presente recurso estão os atos de liquidação das taxas de publicidade dos anos de 2012 e 2013.
Questiona-se, como refere a Recorrente, a aplicação de uma taxa sobre o que foi classificado de “logótipo”, “letreiro”, “letras soltas”, contendo a marca e logótipo da Recorrente, implantados em terrenos privados, nos quais funcionam os postos de abastecimento de combustíveis.
A Recorrente pugna pela ilegalidade das liquidações por entender que se trata de publicidade meramente informativa, não comercial e que, por isso, não está sujeita à licença de acordo com o disposto no artigo 1.º, n.º 1, da lei n.º 97/88, de 17 de agosto. Acrescenta que nos termos previstos no decreto-lei n.º 170/2005, de 10/10, alterado pelo decreto-lei n.º 120/2008, de 10/07, a estação de serviço, para além de conter a informação obrigatória sobre o preço dos combustíveis, deverá, ainda, ter a identificação clara e bem visível do posto e das marcas dos combustíveis comercializados. Defende também que enquanto norma habilitante, a lei n.º 97/88, de 17/08, não pode deixar de constituir um limite ao poder regulamentar da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, encontrando-se, assim, o “Regulamento de Publicidade”, sujeito aos limites de conformações impostos por aquele diploma, em conformidade com o princípio de precedência de lei expressamente enunciado no artigo 112.º, n.º 7, da Constituição da República Portuguesa (CRP). E que a ser interpretado o dito “Regulamento de Publicidade” no sentido de que o mesmo também abrange as mensagens publicitárias de natureza não comercial, outra conclusão não poderá extrair-se que não seja a de reputar tal regulamento de inconstitucional (por preterição do princípio de precedência de lei contido no artigo 112.º, n.º 7, da CRP), e consequentemente, também o ato de liquidação decorrente da sua aplicação (no que respeita a mensagens de publicidade de natureza não comercial) se mostrará ilegal. Por último, alega a Recorrente que as normas contidas no artigo 31.º do decreto-lei n.º 48/2011, de 01/04, (regime jurídico do licenciamento zero), entraram em vigor a 01/05/2011, pelo que aqueles atos deixaram de estar sujeitos a licenciamento e, ainda que se entenda que a sua aplicação apenas ocorreu a partir de 03/05/2013, então sempre haveria de se efetuar um cálculo proporcional do valor da taxa cobrada, atendendo apenas ao período decorrido entre 02/05/2013 e 31/12/2013.

Todas estas questões colocadas pela Recorrente foram já tratadas pelo Supremo Tribunal Administrativo, de forma reiterada e uniforme.
Assim, no que respeita ao licenciamento dos logótipos este Tribunal decidiu que é de considerar publicidade comercial, nos termos do disposto no artigo 3.º do Código da Publicidade, a mensagem que, independentemente do seu conteúdo informativo, é apresentada por uma empresa comercial relativamente à sua atividade, que exerce em concorrência e visa, ainda que indiretamente, fazer com que os consumidores dos bens e serviços por ela oferecidos a prefiram, em detrimento das suas concorrentes. E que essa publicidade, porque estava sujeita a licenciamento da câmara municipal da área do respetivo concelho (cf. artigo 1.º da lei n.º 97/88, de 17/08, na sua redação inicial), estava sujeita a taxa a cobrar pela mesma (cf. o regulamento municipal de taxas e licenças, artigo 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária e artigo 3.º do RGTAL) – cf. acórdãos de 09/10/2019, processo 01874/12.8BEPRT, de 08/01/2020, processo 0913/12.7BESNT, 19/02/2020, processo 01152/13.5BESNT, 16/09/2020, processo 0295/12.7BEBJA, de 12/05/2021, processo 0715/04.4BELSB, e de 06/10/2021, processo 0450/18.6BEFUN, consultáveis em www.dgsi.pt, bem como aqueles que à frente se mencionará.
No que respeita ao argumento esgrimido pela Recorrente no sentido que as mensagens publicitárias em causa resultam de imposição legal, designadamente da disciplina do decreto-lei n.º 170/2005, de 10/10, com as alterações introduzidas pelo decreto-lei n.º 120/2008, de 10/07, o Supremo Tribunal Administrativo tem-no afastado rebatendo que se é certo que o artigo 3.º do decreto-lei n.º 170/2005 impõe a «informação sobre o preço de venda a retalho dos combustíveis vendidos nos postos de abastecimento ao público existentes fora das auto-estradas», que «deve constar de um painel contendo, em caracteres legíveis e bem visíveis da via pública, uma relação de todos os combustíveis comercializados no posto de abastecimento em causa bem como o respectivo preço de venda ao público por litro, expresso em euros», no artigo imediatamente seguinte se adverte que «Os painéis a que se refere o artigo 2.º do presente diploma não devem conter qualquer menção publicitária além da identificação do posto de abastecimento e das marcas dos combustíveis comercializado». E reforça este entendimento afirmando que não seria o facto de ser a lei a impor os conteúdos em causa que dispensaria a exigência legal de prévia licença camarária para a sua afixação e, consequentemente, dispensaria o pagamento da taxa devida por essa licença – cf., entre outros, o acórdão 09/10/2019, processo n.º 01874/12.8BEPRT.
Ora, concluindo-se pela natureza comercial da publicidade que está na origem nas liquidações impugnadas, fica prejudicada a tese da Recorrente no que tange à aplicação de norma regulamentar inconstitucional, uma vez que foi defendida no pressuposto de que o regulamento Municipal abrangia publicidade não comercial.
Por fim, no que respeita à entrada em vigor das normas contidas no artigo 31.º do decreto-lei n.º 48/2011, de 01/04, a jurisprudência é também uniforme no sentido de que, no que ao caso interessa, apenas é aplicável a partir de 02 de maio de 2013, por força da portaria n.º 284/2012, de 20/09 (cf., entre outros, o acórdão de 9/10/2019, processo n.º 01874/12.8BEPRT). Assim, relativamente às liquidações do ano de 2012, porque as obrigações tributárias se constituíram em 01 de janeiro de 2012, em nada podem ser afetadas por legislação cuja entrada em vigor ocorreu ulteriormente (cf. artigo 12.º da Lei Geral Tributária). Quanto às liquidações do ano de 2013 vale o decidido no acórdão de 19/02/2020, processo 01152/13.5BESNT, no sentido de que ainda que o licenciamento tenha vindo a deixar de ser exigido em 02 de maio de 2013, não deixa de ser devida, na totalidade, a respetiva taxa, respeitante a esse ano, pois, a taxa constitui a contrapartida pela emissão (ou renovação) da licença, que se operou no início do ano.
No contexto que descrevemos e atento o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil (CC), que determina que nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, ao recurso terá de ser negado provimento.

Em síntese:
I - É de considerar publicidade comercial, nos termos do disposto no artigo 3.º do Código da Publicidade, a mensagem que, independentemente do seu conteúdo informativo, é apresentada por uma empresa comercial relativamente à sua atividade, que exerce em concorrência e visa, ainda que indiretamente, fazer com que os consumidores dos bens e serviços por ela oferecidos a prefiram, em detrimento das suas concorrentes.
II - Essa publicidade, porque estava sujeita a licenciamento da câmara municipal da área do respetivo concelho (cf. artigo 1.º da lei n.º 97/88, de 17/08, na sua redação inicial), estava sujeita a taxa a cobrar pela mesma (cf. o regulamento municipal de taxas e licenças, artigo 4.º, n.º 2, da LGT e artigo 3.º do RGTAL).
III - Ainda que esse licenciamento tenha vindo a deixar de ser exigido em 02 de maio de 2013 (data em que entrou em vigor, na parte que releva, o decreto-lei n.º 48/2011, de 01/04, como resulta da portaria n.º 284/2012, de 20/09), essa alteração não se repercute de modo algum nas liquidações da taxa de publicidade do ano de 2012 (cf. artigo 12.º da LGT).
IV - E também não deixa de ser devida na totalidade a taxa respeitante ao ano de 2013, pois, a taxa constitui a contrapartida pela emissão (ou renovação) da licença, que se operou no início do ano.

4. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 9 de dezembro de 2021. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso.