Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01159/09
Data do Acordão:11/27/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO
FUSÃO DE SOCIEDADES
CONCEITO INDETERMINADO
DEDUÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS
Sumário:I - A falta de inquirição das testemunhas arroladas não consta do rol de nulidades insanáveis do art. 98º do CPPT nem constitui uma nulidade processual à luz do art. 201º e segs. do CPC, na medida em que a lei não prescreve que deva ter sempre lugar a produção de prova, antes conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção; pelo que não havendo essa imposição legal, se o juiz dispensa a produção de prova não se pode dizer que foi preterida uma formalidade legal. O que não obsta a que a omissão de diligências de prova possa afectar o julgamento da matéria de facto e acarretar, nessa medida, a anulação da sentença por défice instrutório.
II - A autorização administrativa de transmissibilidade de prejuízos fiscais está dependente do preenchimento dos requisitos enunciados no art.º 69º do CIRC, o que obriga a que a operação de fusão seja realizada por razões económicas válidas (como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes) e se encontre inserida numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva. Para esse efeito, o requerente deve fornecer à entidade administrativa competente todos os elementos necessários para o perfeito conhecimento da operação, já que lhe compete o ónus de prova dos pressupostos constitutivos do direito que invoca (art. 74º nº 1 da LGT).
III - Porém, no caso de indeferimento do pedido, a administração está obrigada a expressar os motivos e critérios objectivos que utilizou para chegar a essa decisão, pela enunciação das razões por que entende que a operação não se encontra devida ou suficientemente documentada para o fim em vista; o que o tribunal tem de poder sindicar, até porque a actividade probatória administrativa constitui uma actividade vinculada e, como tal, sujeita a sindicância jurisdicional.
IV - E se a administração não põe em causa a documentação da operação, terá de expor as razões pelas quais refuta o juízo valorativo que o requerente dela extraiu, isto é, os motivos por que considera que a documentação não evidencia os intuitos e as vantagens económicas invocadas. O que tem de ser efeito através de um discurso fundamentador de particular intensidade, que demonstre a lógica, a pertinência e a razoabilidade do juízo valorativo administrativo formulado, revelador da sua forma de concretização conceptual e dos parâmetros avaliativos utilizados, de modo a evidenciar o bem fundado da formação dessa divergente convicção, e que o tribunal tem de poder sindicar.
V - Apesar de estarem em causa conceitos indeterminados, cujo sentido, alcance e integração passam por um exercício interpretativo e valorativo pelo órgão administrativo decisor, o certo é que eles estão voltados para atingir um entendimento comum que a própria norma há-de fornecer em larga medida, ainda que para tal seja necessário interpretá-la em conformidade com o ordenamento jurídico e com a mens legislatoris. Pelo que, no preenchimento e concretização desses conceitos, a administração está obrigada a desenvolver uma actividade vinculada de interpretação da norma e há-de chegar, em princípio, a uma única solução para o caso concreto, não lhe sendo possível guiar-se por uma liberdade subjectiva ou por critérios de oportunidade. Nessa medida, está em causa um poder vinculado, que o tribunal tem de poder sindicar.
VI - Acresce que o próprio processo de concretização do juízo administrativo e os parâmetros de avaliação utilizados não são inteiramente livres, pois têm de se revelar apropriados, coerentes e razoáveis, estando a administração legalmente vinculada a respeitar as regras técnicas para que a lei remete. E o tribunal não pode eximir-se ao controlo judicial desse processo.
VII - Em suma, os tribunais não podem recusar ao interessado a possibilidade de obter um controlo efectivo da aplicação, pela administração, de normas que contém conceitos indeterminados. O que não significa que o controlo judicial dos actos de concretização deste tipo de conceitos seja irrestrito, pois podem existir situações em que distintos actos de concretização do mesmo conceito se adaptam à norma, sendo qualquer um deles possível, viável e lícito; nesses casos, a incidência do controle judicial há-de restringir-se aos limites da razoabilidade da solução escolhida de entre as que se apresentavam como possíveis e legítimas.
VIII - Os conceitos indeterminados de cujo preenchimento a norma do CIRC faz depender a autorização de transmissibilidade dos prejuízos destinam-se a evitar que a operação de fusão - com a transmissibilidade de prejuízos que proporciona – tenha sido realizada por razões predominantemente fiscais, pois o legislador não quer que o desagravamento fiscal suceda quando se constate que a operação nunca teria tido lugar caso não fossem as vantagens fiscais que proporciona. Ou seja, a operação tem de ter tido uma motivação eminentemente económica, ainda que tal acarrete, de forma associada, a obtenção de uma vantagem fiscal.
IX - Esta é a justificação normativa que deve servir para fixar os critérios de interpretação e integração dos conceitos contidos no art. 69º do CIRC, o que afasta um tratamento puramente dogmático da operação de fusão e obriga a um exame da situação concreta à luz de todo o contexto jurídico-económico em que ela se desenvolveu, com a análise e ponderação de todas as circunstâncias inerentes apreciadas globalmente, para desse modo averiguar se, do ponto de vista económico, ela faz sentido no seu todo.
X - A asserção, como única motivação para o indeferimento do pedido, de que o património da entidade incorporada registava um valor negativo no balanço anterior à fusão, constitui um critério redutor sem aptidão e idoneidade suficiente para abalar e desconsiderar integralmente as vantagens económicas da fusão evidenciadas por toda a documentação apresentada e que não foi objecto de contestação. Tal motivação não evidencia, sequer, que tenha sido examinado todo o contexto jurídico-económico em que a operação se desenvolveu e ponderadas as especificidades do caso concreto, ou que a administração tenha atentado na justificação normativa do preceito.
XI - Encontrando-se a motivação económica enunciada pelo contribuinte devidamente documentada por forma a evidenciar, de modo convincente, a estratégia empresarial utilizada em termos de racionalidade económica e de melhoria do seu desempenho em função da absorção das áreas de negócio da entidade bancária incorporada, o interesse económico da operação e a sua inserção numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo com efeitos positivos na estrutura produtiva, competia à administração fiscal um especial dever de fundamentação, pela evidenciação do carácter artificioso da fusão, por forma a convencer que ela visou unicamente, ou de forma predominante, propósitos de obtenção de vantagens fiscais. O que ela manifestamente não fez.
XII - O nº 4 do art. 69º do CIRC, ao estabelecer que «no despacho de autorização pode ser fixado um plano específico de dedução dos prejuízos fiscais a estabelecer o escalonamento da dedução», visa apenas escalonar o benefício se a administração fiscal o entender necessário após deferir o pedido, não constituindo um requisito ou condição de acesso ao regime contido no art. 69º do CIRC.
Nº Convencional:JSTA00068476
Nº do Documento:SA22013112701159
Data de Entrada:11/23/2009
Recorrente:CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE ALCÁCER DO SAL E MONTEMOR-O-NOVO, C.R.L.
Recorrido 1:MIN DE ESTADO E DAS FINANÇAS E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC TCA SUL
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:CIRC ART69.
DL 422/89 ART84.
DL 192/90 DE 1990/06/09 ART 4.
DESP 868/2007-XVII SEC EST ASSUN FISCAIS.
Legislação Comunitária:DIRETIVA 90/344/CEE
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01003/05 DE 2006/07/12; AC STA PROC0142/06 DE 2006/07/05; AC STA PROC0844/09 DE 2010/02/03
Jurisprudência Estrangeira:AC TJUE PROCC-28/95 DE 1997/07/17
Referência a Doutrina:ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA - CONCEITOS INDETERMINADOS NO DIREITO ADMINISTRATIVO ALMEDINA 1994 PAG18 PAG60.
DIOGO FREITAS DO AMARAL - CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO VOLII COIMBRA 2001 PAG115.
TERESA GIL DE OLIVEIRA BRAGA - A TRANSMISSIBILIDADE DE PREJUIZOS FISCAIS NO ÂMBITO DAS FUSÕES REVISTA FISCALIDADE 49 PAG87 E SEGS.
MARCELO REBELO DE SOUSA - LIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO VOLI PAG111.
AZEVEDO MOREIRA - CONCEITOS INDETERMINADOS SUA SINDICABILIDADE CONTENCIOSA RDP N1 ANO I PAG665 E SEGS.
JOÃO FÉLIX NOGUEIRA - DIREITO FISCAL EUROPEU O PARADIGMA DA PROPORCIONALIDADE ... PAG432 E SEGS.
CARLOS BAPTISTA LOBO - NEUTRALIDADE FISCAL DAS FUSÕES BENEFICIO FISCAL OU DESAGRAVAMENTO ESTRUTURAL REV FISCALIDADE N26/27.
GUSTAVO LOPES COURINHA - CLÁUSULA GERAL ANTIABUSO NO DIREITO TRIBUTÁRIO ALMEDINA.
SALDANHA SANCHES - OS LIMITES DO PLANEAMENTO FISCAL COIMBRA EDITORA 2006 PAG200.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE ALCÁCER DO SAL E MONTEMOR-O-NOVO, C.R.L., com os demais sinais dos autos, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul que julgou improcedente a acção administrativa especial tendente à anulação do acto de indeferimento do pedido que apresentou, ao abrigo do disposto no art. 69º do CIRC, de transmissibilidade dos prejuízos fiscais acumulados pela entidade incorporada (Caixa de Crédito Agrícola de Montemor-o-Novo, CRL) nos exercícios económicos de 2000 a 2005, indeferimento que se encontra vertido no Despacho n.º 868/2007- XVII, de 12 de Julho, de S. Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, bem como à condenação desta Entidade à prática de acto devido.

1.1. As alegações dos recursos mostram-se rematadas com as seguintes conclusões:
    1. Quanto à apreciação da questão prévia, atinente à análise da nulidade processual invocada pela recorrente, por falta de inquirição de testemunhas, a recorrente, reiterando as alegações e conclusões constantes do recurso interposto do despacho saneador, em 23.07.2008, entende que, também aqui, o Tribunal a quo errou na apreciação que faz.

    2. Desde logo, quanto à questão prévia, a apreciação vertida no acórdão sub judice – que expõe apenas a posição do Tribunal recorrido quanto ao recurso interposto pela recorrente do despacho saneador, o qual irá seguramente merecer a melhor apreciação de V. Exas. – caso fosse valorada como decisão, impregnaria o acórdão de NULIDADE por este conhecer de questões que não podia conhecer, nos termos da parte final da al. d) do nº 1 do artigo 668º do CPC (ex vi, art. 140º do CPTA).

    3. Sem prejuízo da referida nulidade, uma eventual decisão sobre o recurso do despacho saneador proferida nos termos vertidos no acórdão consubstanciaria um flagrante erro de julgamento no que respeita à concreta aplicação dos artigos 7º, in fine, e 90º do CPTA, bem como do nº 3 do art. 265º do CPCP, ex vi art. 1º do CPTA.

    4. Em concreto, o presente recurso jurisdicional vem interposto do douto acórdão de fls..., através do qual o Tribunal a quo julgou improcedente a acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, cumulada com pedido de condenação à prática de acto devido, proposta pela ora recorrente em 15.10.2007, tendo em vista a anulação do acto administrativo de indeferimento expresso do pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais, deduzido ao abrigo do disposto no art. 69º do CIRC.

    5. No entender da recorrente, o acto em crise é ilegal por manifesto erro de aplicação ao caso concreto do disposto no art. 69º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), bem como por aplicação ilegal do Despacho n.º 79/2005-XVII, de 2005/04/15, de Sua Exª o SEAF, publicitado através da Circular da Direcção de Serviços de IRC (DSIRC), da Direcção-Geral dos Impostos, emitida em 16 de Maio de 2005, sob o nº 7/2005.

    6. Não obstante estarem reunidos todos os pressupostos materiais e adjectivos, o Tribunal a quo “eximiu-se” de emitir uma decisão de mérito sobre a questão em crise nos autos, invocando para o efeito que, «...estamos aqui perante conceitos indeterminados cujo preenchimento cabe à Administração (...) e porque o acto de indeferimento do SEAF se fundamentou na inexistência dos requisitos exigidos pela lei para a concessão da autorização para deduzir os prejuízos fiscais acumulados pelas sociedades fundidas, este seu juízo não pode ser fiscalizado pelos tribunais. A menos que ocorresse erro grosseiro ou manifesto desadequação ao fim, o que não se antolha...».

    7. Contudo, em face dos factos provados nos autos e da fundamentação de Direito aduzida, por via das quais, aliás, o Tribunal a quo se posiciona ao lado da recorrente contra o argumentado pela Administração fiscal, só se poderia esperar uma conclusão diametralmente oposta aquela que veio a ser proferida.

    8. O Tribunal a quo considera, consente e conclui ao longo do aresto, estar provado que a operação de fusão subjacente à questão decidenda se suportou numa motivação economicamente válida, numa lógica económica de médio e longo prazo, contudo, a final, decide, paradoxalmente, com base na alegada inexistência de tal motivação.

    9. Se o Tribunal conclui pela manifesta verificação dos aludidos pressupostos, não se pode "salvaguardar" numa suposta incompetência decisória para decidir de mérito sobre o pedido da recorrente, sob pena de incorrer numa verdadeiro non liquet formal, denegador de justiça e flagrantemente violador dos mais elementares princípios constitucionais que conformam o direito de reacção dos contribuintes, a sua tutela jurisdicional efectiva e o seu direito inapelável a um processo justo equitativo – não compreende a recorrente que desígnio de justiça pode suportar tal conclusão.

    10. A efectivar-se tal decisão, ela estaria sempre eivada de inconstitucionalidade, por flagrante violação dos citados princípios gerais constitucionais e, em concreto, por violação dos artigos 20º e 268º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

    11. Ou seja, o Tribunal jamais poderia ter decidido pela improcedência da acção administrativa especial, com base na alegada inexistência dos requisitos exigidos pela lei para a concessão da autorização para deduzir os prejuízos fiscais acumulados pelas sociedades fundidas, que fundamenta a tese da Administração fiscal, quando é o primeiro a reconhecer a evidência dos mesmos.

    12. Porque o Tribunal desconsiderou a sua própria linha argumentativa e as suas próprias conclusões, tendo decidido em sentido radicalmente oposto do que foi gizando e antevendo ao longo do acórdão, este está ferido de nulidade.

    13. O acórdão recorrido padece de nulidade, por os seus fundamentos estarem em clara oposição com a decisão nele ínsita, nos termos da al. c) do nº 1 do artigo 668º do CPC (ex vi, art. 140º do CPTA).

    14. O Acórdão padece ainda de uma outra nulidade por oposição aos seus fundamentos, designadamente na parte em que não reconhece a existência de um erro grosseiro ou uma manifesta desadequação aos fins legais.

    15. Assim, não obstante o Tribunal a quo fundar amplamente o erro grosseiro que consubstancia o acto sub judice, conclui a final que o mesmo não é sindicável, justamente, porque não se antolha a existência do dito erro grosseiro ou da manifesta desadequação ao fim legal.

    16. Também neste ponto em concreto, mais uma vez, o acórdão sub judicie padece de NULIDADE, por os seus fundamentos estarem em clara oposição com a decisão nele ínsita, nos termos da al. c) do nº 1 do artigo 668º do CPC (ex vi, art. 140º do CPTA).

    17. Ora, em rigor, atento o exposto, a decisão do tribunal só podia configurar três situações possíveis: ou estamos aqui diante de um verdadeiro acto discricionário, consequentemente, não sindicável, e nesse caso o Tribunal jamais se podia ter manifestado nos termos expostos;

    18. Ainda assim, caso tal fosse a opção do Tribunal, sempre seria de considerar que, de qualquer forma, estaria adstrito à obrigação de decidir: isto porque, mesmo um acto discricionário, nos casos em que consubstancia um erro grosseiro ou da manifesta desadequação ao fim legal por parte da Administração fiscal.

    19. Ora, porque o Tribunal demonstra amplamente a existência de tal erro por parte da Administração fiscal, a enveredar por aquela linha, sempre havia de concluir que estávamos aqui diante de um acto sindicável – o que não sucede.

    20. Resta por fim a hipótese de se entender que estaríamos nesta situação diante de um acto vinculado, não cabendo à Administração fiscal qualquer margem discricionária, caso em que o controlo do Tribunal seria pleno - como de facto entendemos ao amparo da melhor Doutrina.

    21. Contudo, o Tribunal não assume verdadeiramente nenhuma das linhas decisórias possíveis: de facto, entende e fundamenta a verificação dos requisitos do art. 69º, contudo, abstém-se de decidir porque alegadamente estaria aqui em causa um poder discricionário não sindicável, não assumindo a correspectiva decisão associada a esse raciocínio, designadamente, porque demonstrada nos autos a existência de erro grosseiro e da manifesta desadequação ao fim legal por parte da Administração fiscal, o evidente e necessário controlo judicial pleno do acto.

    22. O Tribunal evidencia ao longo do acórdão que está claramente demonstrada a existência de um erro grosseiro ou da manifesta desadequação ao fim legal em que a Administração fiscal incorre na aplicação concreta do art. 69º do CIRC, logo, teria de sacar daí as necessárias consequências: sindicar e anular o acto.

    23. Assim sendo, optando pela via da discricionariedade, o Tribunal estava incumbido da obrigação de sindicar o acto pelo facto de, ele próprio, ter concluído a existência de um erro grosseiro e da manifesta desadequação ao fim legal da intervenção da Administração fiscal – o que não sucede.

    24. Reitere-se que, caso o Tribunal a quo acolhesse a tese da recorrente – e da Doutrina – e que não estamos aqui diante de verdadeiros conceitos indeterminados – antes sim, de meros conceitos classificatórios – sempre seria de concluir, em face da argumentação expedida, que os aludidos requisitos do art. 69º estavam amplamente preenchidos, sendo de anular o acto em crise e de, por consequência, deferir o pedido da recorrente.

    25. Por fim, porque assim não entende, o acórdão recorrido merece ainda a nossa censura porque faz uma errada aplicação do direito, designadamente, por manifesto erro de aplicação ao caso concreto do disposto no art. 69º do CIRC.

    26. De facto, contrariamente ao que afirma o acórdão, os conceitos indeterminados contidos naquela norma, na verdade, não o são em sentido próprio e, por consequência, não encerram em si uma margem de apreciação discricionária da Administração fiscal.

    27. Estamos aqui diante de conceitos classificatórios, na sua vertente descritiva-empírica, cuja margem de apreciação é vinculada e cuja sindicabilidade é plena.

    28. Independentemente da qualificação que se faça dos conceitos utilizados pelo legislador na previsão do art. 69º do CIRC, fica evidente que a estatuição daquela norma é, sem margem de dúvida, estritamente vinculada.

    29. Em bom rigor científico: 1) não podemos considerar que estamos aqui perante a apreciação de verdadeiros conceitos indeterminados (em sentido próprio); 2) o acto sub judice é perfeitamente sindicável a título pleno porque a decisão nele ínsita é estritamente vinculada; 3) ainda que por absurdo se assentisse na tese propugnada pelo Tribunal a quo – no que, obviamente, não se consente – sempre seria de notar que está aqui em causa um erro grosseiro de apreciação por parte da Administração, bem como, uma manifesta desadequação ao fim legal do art. 69º do CIRC na sua aplicação em concreto.

    30. Nitidamente, estamos aqui diante de um verdadeiro conceito classificatório, descritivo-empírico, o qual terá, necessariamente de ser preenchido com recurso aos conhecimentos científicos (objectivos) da ciência económica.

    31. Neste caso especifico, a Administração fiscal deve analisar se, em concreto, existe motivação económica válida para a fusão — tal sucede designadamente quando ela se insira no âmbito da reestruturação das sociedades intervenientes, como aqui acontece — e se esta se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento de médio e longo prazo com efeitos positivos na estrutura produtiva – verificados estes pressupostos, testa apenas à Administração fiscal, na pessoa do seu dirigente máximo – o Ministro das Finanças – autorizar a concessão do beneficio.

    32. Não conferindo aqui a lei qualquer poder discricionário próprio à Administração fiscal para aplicação da norma ínsita no art. 69º do CIRC, "...é manifesto que a Administração actua em erro sobre o âmbito dos poderes que a lei lhe confere".

    33. Atenta a matéria provada, ainda que por absurdo não se relevasse aqui a existência de um mero conceito classificatório – plenamente sindicável – em detrimento da consideração de um verdadeiro conceito indeterminado, sempre seria de considerar a sindicabilidade do acto, porquanto, atento tudo o que vem exposto, só se pode concluir pela existência, no caso sub judice, de um erro crasso, palmar, ostensivo, que reflecte um evidente e grave desajustamento da decisão administrativa perante a situação concreta, em termos de merecer do ordenamento jurídico uma censura particular mesmo em áreas de actuação não vinculadas, abertamente violador dos princípios gerais que enformam o procedimento tributário – bem como, dos princípios gerais reguladores da actividade administrativa – designadamente os da legalidade, da justiça, da proporcionalidade e da imparcialidade, ainda que assim se restrinja o controlo do Tribunal à legalidade externa do acto.

    34. Neste caso, na esteira do que se afirma no acórdão desse Ilustre Tribunal, de 03.04.1999, proferido no recurso nº 036632, o erro grosseiro ou palmar que aqui, subsidiariamente, se sindica, consubstancia uma manifesta injustiça, de um acto eivado de flagrante desproporcionalidade, pelo que, neste caso, a Administração infringiu os princípios constitucionais a que está vinculada, da justiça e da proporcionalidade, nos termos do nº 2 do artigo 266ºda CRP – princípios esses que, no que respeita ao controlo judicial, atento o que vem de ser dito, «...só são relevantes no domínio da actuação discricionária da Administração.».

    35. Não tendo o Tribunal a quo assim decidido, deverá o presente recurso proceder com base em todos os vícios indicados, designadamente, com base na errada aplicação que o mesmo faz do direito, designadamente dos artigos 6º do CIRC (com a numeração e redacção vigentes à data dos factos), do artigo 84º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pelo DL nº 10/95, de 19 de Janeiro, do artigo 4º do DL nº 192/90, de 9 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pelo art. 38º da Lei nº 87-B/98, de 31 de Dezembro.

    Termos em que, e nos demais de direito, deve o presente recurso proceder nos termos expostos, com todas as consequências legais.

1.2. A entidade recorrida contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
    a. Tendo o Acórdão recorrido sido notificado em 5 de Fevereiro de 2009, segundo o confessa a próprio ora recorrente, o prazo para a interposição de recurso com a junção das respectivas alegações terminava em 11 de Março de 2009.

    b. Uma vez que as alegações de recurso não foram juntas ao requerimento de interposição de recurso e só terão sido apresentadas, a fazer fé na data do carimbo aposto no duplicado das mesmas que foi notificado ao ora recorrido, isto é, 18 de Março de 2009, para além do prazo de 30 dias previsto no nº 1 do art. 144º do CPTA, o presente recurso jurisdicional é intempestivo, devendo como tal ser declarado e não ser conhecido pelo Tribunal ad quem.

    c. Quanto ao objecto do recurso, alega a ora recorrente, em primeiro lugar, que o Tribunal a quo, ao fixar como questão decidenda “se ocorre a nulidade por falta de inquirição de testemunhas”, e, consequentemente, ao decidir sobre a mesma, avoca para si a pronúncia sobre controvérsias indevidamente submetidas ao conhecimento de um Tribunal superior, incorrendo, assim, em vício de nulidade.

    d. No entanto, a ora recorrente, não tem razão, uma vez que, a fls..., após ser notificada do despacho saneador, a mesma arguiu, perante o Tribunal a quo, a questão referente à nulidade do referido despacho saneador por, segundo ela, o mesmo ter sido notificado às partes para alegações prescindindo da produção de prova testemunhal solicitada e requereu a expressa pronúncia do Tribunal a quo sobre a mesma questão.

    e. Pelo que, tendo tal questão sido submetida pela então A. e ora recorrente a apreciação do Tribunal a quo, não ocorre a nulidade de sentença, prevista na al. d) do art. 668º do CPC.

    f. Por outro lado, sempre se dirá que compete ao juiz do processo, antes da fase das alegações escritas, determinar da necessidade, ou não, da abertura de um período de produção de prova para a discussão da matéria de facto que ainda seja controvertida.

    g. E, no presente processo, o Acórdão recorrido fez uma correcta interpretação e aplicação da lei quando deliberou que no presente caso não haveria lugar a abertura de tal período de produção de prova, uma vez que a matéria questionada no presente processo, saber se a operação foi ou não realizada por razões económicas válidas, é unicamente matéria de direito, suportada por juízos técnicos sobre o interesse económico da operação de fusão não existindo, por isso, matéria de facto controvertida.

    h. Em segundo lugar, invoca, a ora recorrente, que o Acórdão recorrido padece da nulidade constante da al. c) do nº 1 do art. 668º do CPC, por, não obstante o mesmo fundar amplamente o erro grosseiro que consubstancia o acto sub judice, concluir, a final, que o mesmo não é sindicável, por, justamente, não se antolhar o dito erro grosseiro ou a manifesta desadequação ao fim legal.

    i. Também sem razão, uma vez que resulta claro, da leitura da fundamentação do Acórdão recorrido que, na formação da decisão se “abandonou” uma posição que o Tribunal anteriormente terá assumido sobre a questão, ou seja, que se inflectiu a mesma, adoptando-se, ao invés, o entendimento constante de uma jurisprudência uniforme do STA sobre a matéria, que só entende ser de fiscalizar e anular o acto da AT quando esta cometa um erro grosseiro ou manifesto, isto é, um erro crasso, palmar, ostensivo, que terá necessariamente de reflectir um evidente e grave desajustamento da decisão administrativa perante a situação concreta, em termos de merecer do ordenamento jurídico uma censura particular, mesmo em áreas de actuação não vinculadas.

    j. Deste modo e, em consonância com a posição adoptada, conforme com a do STA, é dito, na fundamentação do Acórdão recorrido que a AT não cometeu qualquer erro grosseiro.

    k. Logo, não há qualquer contradição, geradora de nulidade, entre o que é dito na fundamentação do acórdão recorrido e o que consta da sua parte decisória.

    l. Em terceiro lugar, invoca a ora recorrente que o Tribunal estava obrigado a sindicar o acto pelo facto de, ele próprio, ter concluído pela existência de um erro grosseiro. E que, ainda que se não entenda que a estatuição constante do art. 69º do CIRC é vinculada, tal erro grosseiro existe consubstanciado em manifesta injustiça e flagrante desproporcionalidade.

    m. Mais uma vez, não tem a recorrente qualquer razão, uma vez que o acórdão recorrido nunca admitiu a existência de erro grosseiro, tendo, ao invés, dito que “No caso dos autos, tal espécie de erro não ocorreu.
    n. O acto de indeferimento do pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais, no caso concreto, não enferma de qualquer erro grosseiro, mostrando-se adequado ao fim legal.

    o. Por outro lado, saber se a operação de fusão realizada foi efectuada por razões económicas válidas, como a ora recorrente invoca que foi, é uma questão que envolve juízos de valor inseridos numa grande margem de liberdade de apreciação da AT, uma vez que estamos no campo da chamada discricionariedade técnica.

    p. Deste modo, não só o juízo emitido pela AT, de considerar que a operação não foi efectuada por razões económicas não é, salvo erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal, sindicável pelo Tribunal, como também, porque o acto que a então A. pretende que o Tribunal condene a AT a emitir envolve valorações próprias do exercício da actividade administrativa, não sendo identificável uma única solução como legalmente possível, não pode, salvo o devido respeito, o Tribunal substituir-se à AT e determinar o conteúdo do acto a praticar pela mesma, cfr. art. 71º nº 2 e 95º nº 3 do CPTA.

    q. Na análise da operação de fusão por incorporação em que a ora recorrente é parte e na apreciação do interesse económico da mesma, a AT considerou que o contributo fornecido pela sociedade incorporada, CCAMMN, no processo de fusão era negativo para a então A., que a sobrecarregava no seu objectivo de reorganização e de viragem de resultados futuros, uma vez que a Caixa incorporada, CCAMMN, apresentava, no exercício de 2005, uma situação patrimonial negativa, estava em situação difícil e revelava uma degradação da sua situação financeira e dos seus rácios prudenciais.

    r. Assim, a operação em causa não tem efeitos positivos a médio e longo prazo, pelo contrário, os resultados positivos ao longo do período projectado decorrem exclusivamente, ou quase exclusivamente, da contribuição da incorporante.

    s. O que determina a inexistência de ganhos macro-económicos a obter com a operação de fusão, em concreto.

    t. Pelo que, face ao invocado, ainda que a ora recorrente pretenda que a eliminação de estruturas é razão económica válida, assume toda a legitimidade e adequação ao fim legal a posição da AT que concluiu, com base nos motivos que sustentaram o indeferimento e aqui referidos, que não ficou demonstrado que a operação em causa tivesse efeitos positivos na estrutura da ora recorrente.

    u. Da impugnação do valor do recurso: Apresenta a ora recorrente como valor para o recurso, o valor já apontado à acção de € 3.369.249,79. No entanto, tal valor (da acção), foi devidamente impugnado, pelo ora recorrido, na sua contestação. Pelo que, atendendo às razões aí invocadas e não contraditadas pela ora recorrida, o valor do recurso deve ser o valor da acção e corresponder a um valor superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo, isto é, € 15.000,00.

1.3. Neste Supremo Tribunal, a Conselheira Relatora proferiu o seguinte despacho:
    «Constata-se que os presentes autos subiram em recurso sem que se encontre fixado o valor da causa.
    Com efeito, a entidade demandada impugnou o valor atribuído à causa pela Autora (cfr. fls. 419 da contestação) e a questão não chegou a ser apreciada pelo tribunal “a quo”.
    Tendo em consideração que só esse tribunal (TCA Sul) tem competência para a apreciação e decisão desse incidente da instância (artigo 315º do CPC) e que a respectiva decisão é essencial para determinar a relação da causa com a alçada do tribunal, ordeno a baixa dos autos ao TCA Sul para que aí seja decidido o incidente e fixado o valor desta acção administrativa especial.
    Por outro lado, constata-se que a Autora apresentou, a fls. 434 dos autos, requerimento de interposição de recurso contra a decisão (implícita) de dispensa de produção da prova testemunhal arrolada na petição inicial, contida no despacho de fls. 429 que determinou a abertura da fase de alegações escritas, e que esse requerimento nunca foi apreciado pelo Tribunal.
    Considerando que, em face do teor das alegações contidas no recurso interposto da sentença, se verifica que a Autora manifesta interesse na subida e apreciação daquele recurso, que nunca chegou a ser admitido, impõe-se que o Tribunal “a quo” aprecie igualmente esse requerimento e, no caso de admissão do recurso, faculte à entidade demandada a oportunidade de apresentar contra-alegações, dado que o recurso já se encontra motivado.
    Notifique as partes deste despacho.».

1.4. Os autos baixaram ao TCAS para cumprimento do aludido despacho e, nessa sequência, o Exmº Juiz Desembargador Relator decidiu o incidente do valor da causa (a fls. 836/837), fixando o valor da acção em € 14.963,95, bem como proferiu a decisão que consta de fls. 837/841, onde avançou de imediato para a apreciação do mérito do recurso interposto da decisão de dispensa de produção da prova testemunhal arrolada na petição, não o admitindo por julgar correcta e legal a decisão recorrida, rematando da seguinte forma: «Termos em que se não admite o recurso interposto do despacho que, implicitamente, julgou desnecessária a produção da prova testemunhal que indicou na p.i.. Custas do incidente que se fixam no mínimo.».

1.5. As partes foram notificadas destas duas decisões do Exmº Juiz Desembargador Relator do TCAS e contra elas não reagiram – cfr. fls. 843 a 845.

1.6. O Excelentíssimo Procurador-Geral-Adjunto junto do STA emitiu douto parecer no sentido de que devia ser concedido provimento ao recurso interposto do despacho implícito que prescindiu da inquirição das testemunhas, enunciando, para o efeito, a seguinte motivação:
    «A recorrente acima identificada vem sindicar o despacho implícito que prescindiu da inquirição das testemunhas arroladas e bem assim, do acórdão do TCAS, exarada a fls. 507/539, em 03 de Fevereiro de 2009.
    A decisão recorrida julgou improcedente a AAE intentada contra o despacho de 12 de Julho de 2007 do SEAF que indeferiu pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais, no entendimento de que, não existindo erro grosseiro, o juízo feito pela administração fiscal sobre o pedido formulado pela recorrente não pode ser sindicado pelo tribunal.
    A recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 710//716, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 684º/3 e 690º/1 do CPC, ex vi do artigo 140º do CPTA e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.
    A recorrida contra-alegou, tendo concluído nos termos de fls. 754/759, que aqui, também, se dão por inteiramente reproduzidos para todos os efeitos legais.
    O recurso merece provimento, a nosso ver.
    Com a presente AAE a recorrente pretende a condenação da entidade demandada à prática do acto devido, conforme pedido formulado a fls. 44 dos autos.
    Citando o sumário do acórdão do STA de 18 de Janeiro de 2012, proferido no recurso nº 0574/10, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt., que analisou situação similar à destes autos:
    “II. As acções administrativas especiais de condenação à prática do acto devido destinam-se a obter a condenação da entidade competente à prática de acto administrativo que o autor reputa ter sido ilegalmente omitido ou recusado, visando a sua condenação na prolação de um acto que, substituindo aquele que é sindicado, emita pronúncia sobre o caso concreto ou dê satisfação à pretensão deduzida, sendo, por isso desnecessária a dedução de pedido de anulação, declaração de nulidade ou inexistência do acto de indeferimento sindicado, já que da pronúncia condenatória resulta directamente a eliminação desse acto da ordem jurídica.
    III. Por isso, o pedido de condenação à prática do acto devido não se basta com a apreciação do acto administrativo sindicado, impondo ao tribunal a análise da legalidade da pretensão do interessado aferida no momento em que é proferida a decisão final da acção.
    IV. Razão por que o direito à prova é objecto de uma forte tutela neste tipo de acção, devendo o tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentadas dentro das regras processuais, sendo, em princípio, admissíveis todos os meios de prova que as partes ofereçam (dada a aplicação da lei processual civil no que se refere à produção de prova - artigo 90º, nº 2 do CPTA), só podendo ser recusada quando exista norma legal que limite ou proíba determinado meio de prova ou quando se julgue que as provas oferecidas são manifestamente impertinentes, inúteis ou desnecessárias em face das questões colocadas.
    V. Tendo o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais indeferido o pedido que a requerente lhe apresentou, na qualidade de sucursal incorporante numa operação de fusão, no sentido de lhe ser a dedução dos prejuízos fiscais acumulados pela sucursal incorporada, indeferimento que se fundou na falta de verificação dos requisitos que o artigo 69º do CIRC exige para a transmissibilidade desses prejuízos, e tendo a requerente instaurado acção administrativa especial onde insiste na verificação de todos esses requisitos e pede a condenação dessa entidade à prática de acto devido, arrolando prova testemunhal e abundante prova documental com vista a comprovar a materialidade integradora desses requisitos, não podia o tribunal limitar-se a apreciar a legalidade da decisão proferida pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais com base nos elementos de que dispunha no procedimento administrativo, uma vez que a requerente produziu, em sede contenciosa, mais prova destinada a fundar a sua pretensão.
    VI. O despacho interlocutório impugnado onde o julgador afirma, de forma genérica, a desnecessidade de produção de prova testemunhal ou de quaisquer outra provas, parte do pressuposto (errado) de que lhe cabia somente aferir da legalidade do acto de indeferimento sindicado, descurando o pedido de condenação à prática do acto devido, o qual não se basta com essa apreciação.
    VII. Esse despacho vedou à parte a oportunidade de produzir prova com vista a demonstrar a motivação económica da operação, isto é, a verificação dos requisitos previstos no artigo 67º do CIRC, privando, mesmo, o tribunal de elementos que podem ser relevantes para a formação de um juízo adequado sobre os intuitos económicos invocados e para a apreciação do pedido de condenação da administração à prática do acto devido.”.

Aderindo, por inteiro, à doutrina que emana do citado aresto do STA, concluímos que o despacho (implícito) que prescindiu da produção da prova testemunhal não tem apoio legal, pelo que deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso interposto do despacho interlocutório que prescindiu da inquirição das testemunhas, anular todo o processado posterior a tal despacho, baixando os autos ao TCAS para que se proceda à instrução dos autos com a produção da prova testemunhal oferecida, seguida da legal tramitação processual e oportuna prolação de acórdão, não se conhecendo do objecto do recurso interposto do acórdão.».

1.7. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência.

2. No acórdão recorrido foi julgada como provada a seguinte factualidade:

1. Em 2006, a Autora CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE ALCÁCER DO SAL incorporou, por fusão, a CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE MONTEMOR-O-NOVO, CRL (doravante designada por CCAMMN).

2. Esta fusão foi justificada pelas entidades envolvidas com a diferente evolução económica de tais entidades, e com a necessidade de valorizar e potenciar os activos existentes.

3. A Autora CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE ALCÁCER DO SAL, desde a sua fundação em 1916 até à dita fusão, registou um aumento positivo, fortalecendo a sua estrutura económica e financeira, e reforçando, em consequência, os seus rácios prudenciais como se colhe do documento junto de fls. 97 a 114 e que constituem as demonstrações financeiras dos últimos exercícios.

4. Conforme foi considerado no estudo demonstrativo das vantagens económicas da fusão entre a Autora CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE ALCÁCER DO SAL e a CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE MONTEMOR-O-NOVO, CRL – CCAMMN, que está junto de fls. 115 a 141, anteriormente à fusão a Autora tinha já atingido o limite do seu âmbito territorial de actuação, atentas as contingências legais, e, por consequência, o limite do aproveitamento da eficiência máxima dos seus recursos.

5. Ao invés, a CCAMMN, nos últimos anos, apresenta uma degradação considerável da sua situação financeira e dos seus rácios prudenciais, fortemente limitadores da sua actividade como decorre do documento junto de fls. 142 a 159.

6. As entidades envolvidas optaram pela fusão por virtude da depreciação galopante dos activos da entidade incorporada (CCAMMN) e possibilidade e necessidade de reabilitar esses activos no âmbito de uma nova estrutura.

7. A referida fusão inseriu-se num movimento de concentração e racionalização das estruturas de crédito agrícola a nível nacional e internacional, tendo sido devidamente autorizada e apoiada pela Caixa Central do Crédito Agrícola Mútuo e pelo Banco de Portugal nos termos do projecto de fusão a que se reporta o parecer junto de fls. 160 a 162 dirigido pela Caixa Central ao Banco de Portugal.

8. Aí se demonstrava que a fusão assentava na evidência económica de que dela decorriam diversas sinergias e consequentes ganhos de eficiência, e que, como tal, por essa via, era viável a reabilitação dos activos da incorporada e a potenciação e valorização do activo já existente na incorporante.

9. O Banco de Portugal, em resposta ao pedido de informação para apresentar junto da Administração Fiscal formulado pela Autora, veio confirmar que “a) -No nosso entendimento, a generalidade das fusões por incorporação de caixas de crédito agrícola mútuo constituem um meio capaz de contribuir para a consolidação e o fortalecimento do sector bancário e, deste modo, atingir e preservar adequados níveis de solvabilidade e de liquidez; b) - A autorização para a fusão de caixas de crédito agrícola mútuo tem levado em consideração, entre outros factores, o apoio constituído por financiamentos concedidos pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola, sempre que tal se mostre necessário ou conveniente” – cfr. doc. junto a fls. 163.

10. As administrações das entidades envolvidas, porque estavam plenamente cientes do estado real destas entidades e do panorama geral do crédito agrícola, a nível nacional e internacional, optando deliberadamente pela fusão, enquanto mecanismo economicamente mais eficiente para a sua reestruturação e incremento.

11. Isso também baseados em que a fusão proporcionou o imediato incremento do crédito não agrícola – por força da eliminação das limitações de balanço e do consequente reforço dos rácios prudenciais – o qual, por sua vez, gerou um inevitável aumento da rentabilidade dos activos e recursos humanos das entidades envolvidas.

12. Ainda segundo a Autora, a fusão permitiu ainda ganhos de eficiência e produtividade a nível logístico - informática, de contabilidade e auditoria, planejando económico, assessoria jurídica, gestão documental, publicidade, formação de recursos humanos, gestão de risco e controlo de crédito vencido, desenvolvimento de novos produtos, redução de custos com os órgãos sociais, entre outros.

13. Para a Autora, a fusão fundou-se na reestruturação e a racionalização das actividades económicas desenvolvidas e o redimensionamento e potenciação da actividade económica a médio e longo prazo das cooperativas intervenientes, não assentando num estrito móbil fiscal, sendo que o efeito económico das sinergias geradas e a consideração do eventual “custo de reposição” evidenciam, em concreto, a motivação económica da fusão.

14. Ainda segundo a Autora, a realidade existente após a fusão (e por efeito desta) é, por si só, demonstrativa da motivação económica válida com efeitos duradouros na estrutura produtiva que presidiu à fusão.

15. A Autora, enquanto entidade incorporante, e baseada em todas as razões explanadas nos pontos antecedentes, apresentou, em Novembro de 2006, um requerimento dirigido ao Ministro das Finanças, ao abrigo do n° 1 do art.º 69.° do CIRC, solicitando a necessária autorização para dedução aos seus lucros tributáveis (posteriores à fusão) dos prejuízos ficais acumulados pela CCAMMN, entidade incorporada, nos exercícios de 2000, 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005, no valor total de 10.209.847,85 €, conforme se alcança do documento junto de fls. 164 a 363.

16. Como também decorre desse documento, para instruir o processo, a Autora fez acompanhar o referido pedido de todos os elementos necessários, contendo toda a informação necessária e relevante para a aferição da validade, legitimidade e autenticidade das razões económicas e dos aspectos jurídicos invocados para a operação realizada justificam a dedução dos prejuízos, tal como solicitada.

17. Em 27.03.2007, a Autora foi notificada do projecto de indeferimento do pedido por si formulado, consubstanciado no Despacho emitido pelo Subdirector-Geral dos Serviços do Imposto sobre o Rendimento, proferido por subdelegação com base no Despacho 22852/2005, publicado no D.R. II Série, n° 213, de 07/11/05, como resulta do doc. constante de fls. 364.

18. Invocava, o dito projecto, que não foram demonstradas razões económicas válidas para a realização da operação de fusão em causa, indispensáveis à concessão da referida autorização para a dedução dos prejuízos fiscais, sendo do seguinte teor:
«O pedido de autorização para a transmissibilidade dos prejuízos fiscais, apresentado pela CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE ALCÁCER DO SAL, CRL (CCAMAS), incorporante, da extinta CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE MONTEMOR-O-NOVO, CRL (CCAMMN), incorporada, no âmbito de uma operação de fusão por incorporação, não pode ser autorizado, pelos motivos seguintes:
  • O património da entidade incorporada, no último balanço anterior à fusão, registava um valor negativo;
  • A concessão da autorização da transmissibilidade dos prejuízos da incorporada na incorporante está subjugada à evidência de que a fusão foi efectuada por critérios económicos vantajosos com consequências evidentes na estrutura produtiva, parecendo que a situação em apreço não preenche os requisitos estabelecidos no n.º 2 do artigo 69º do CIRC. De facto, a incorporação de uma entidade com património líquido negativo, expressa que está, na prática, não possuir qualquer património, indica mesmo que esse património se encontra a um nível inferior a zero, ou seja, o passivo (elementos patrimoniais negativos) excede o activo (elementos patrimoniais positivos) nesse montante.
    Não se vislumbra qualquer efeito positivo na incorporação do património da CCAMMN para a CCAMAS, não contribuindo esse património para os resultados positivos futuros da requerente (sociedade incorporante).
  • Aliás, em “Raul Ventura - Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades” nas anotações ao artigo 98º (pág. 80), pode ler-se o seguinte: “Efectuadas as avaliações pode acontecer, quanto a cada uma das sociedades intervenientes (...) que o passivo seja superior ao activo ou que o activo seja superior ao passivo. No primeiro caso, a fusão não é possível enquanto tal situação se mantiver, por exemplo, enquanto a sociedade não reduzir o seu capital. Se tal acontecesse na sociedade incorporada, ela transmitiria para a incorporante um valor negativo; para o receber, a sociedade incorporante não poderia aumentar o seu capital, emitindo novas acções, porque o património líquido não seria aumentado mas sim reduzido”.
    Ou seja, em termos patrimoniais as melhorias que se verifiquem após a fusão dever-se-ão única e exclusivamente à sociedade incorporante.
  • Para além de não haver interesse económico conforme exige o nº 2 do artigo 69º do CIRC, o plano específico de dedução de prejuízos fiscais transmitidos, que deverá ser efectuado nos termos do despacho nº 79/2005-XVII, de 2005.04.15, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, divulgados pela Circular da DGCI nº 7/2005 de 16 de Maio, não permitiria qualquer dedução dos prejuízos fiscais transmitidos pela CCAMMN.

    Com efeito, a alínea c) do n.º 1 da Circular 7/2005, impõe como restrição à dedutibilidade dos prejuízos o contributo da sociedade incorporada na promoção dos resultados futuros da sociedade incorporante. Esse parâmetro é encontrado através do peso relativo que o património da sociedade incorporada possui, no conjunto dos patrimónios de todas as entidades envolvidas na operação.

    Se, com um peso relativo próximo do zero (património quase nulo), a dedução fica limitada a uma reduzida percentagem do acréscimo do lucro tributável da sociedade incorporante, quando um património é negativo (o nosso exemplo), não será possível, face ao que está determinado, efectuar qualquer dedução dos prejuízos da incorporada na incorporante.» - vd. P.A. apenso.


19. A Autora exerceu o direito de audição prévia junto da Direcção de Serviços do IRC da DGCI, alegando, sumariamente, que a fusão (i) foi realizada por razões economicamente válidas e (ii) insere-se numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, isso como consta do documento junto a fls. 370 e ss e que também consta do P.I.;

20. Pelo Despacho do SEAF nº 868/2007 - XVII de 12 de Julho, por delegação de competências (Despacho 17829/2005 (2ª Série), publicado no D.R. n° 159, II Série, de 2005/08/19), foi o pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais apresentado expressa e definitivamente indeferido, com base em informações e pareceres que constam do P.I., mormente da “NOTA INFORMATIVA” sobre a qual foi exarado o despacho recorrido de “Concordo”:
    “1 -Considerando que a concessão do benefício fiscal estipulado no artigo 69º, nº 1 e 2 do Código do IRC, está subordinada à autorização do Ministro das Finanças e à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva. E que,
    2 -O carácter excepcional próprio dos benefícios fiscais, como resulta do disposto no nº 1 do artigo 2º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, traduz a evidente tipificação dos casos que estão subordinados à autorização supra mencionada, como seja, no caso concreto, a necessidade de verificação do interesse económico da operação.
    3 -Considerando que, nesta operação, a incorporada legou para a incorporante um património negativo, o que torna inaplicável qualquer dedução, tendo em conta o constante no Despacho nº 79/2005-XVII, de 15 de Abril, desta Secretaria de Estado, posteriormente desenvolvido pela Circular nº 7/2005, de 16 de Maio, em concreto a alínea c) do n° 1.
    4 - É de determinar, assim, que, pela falta de verificação dos pressupostos quanto à sua concessão, em concreto pela inexistência de razões económicas válidas, determinados pelos nº 1 e 2 do artigo 69º do Código do IRC, seja indeferido o pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais formulado pela “CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE ALCÁCER DO SAL, CRL”, confirmando, assim a Informação 373/2006, da DGCI, bem como a sua Adenda posterior ao exercício do direito de audição prévia, quanto ao projecto de decisão da DGCI, pela sociedade requerente.
    5 - À DGCI, para os devidos efeitos.
    Lisboa, 11 de Julho de 2007».

3. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, tendo presente que o objecto do presente recurso, interposto do acórdão que o TCAS proferiu em 1º grau de jurisdição, se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, em conformidade com o disposto nos arts. 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4, e 685º, nº 3, todos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do disposto no art. 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

    Tais questões são as seguintes:

    · saber se o acórdão recorrido padece de nulidade – por excesso de pronúncia e por contradição entre os seus fundamentos e a decisão – nos termos das alíneas d) e c) do nº 1 do art. 668º do CPC, aplicável ex vi do art. 140º do CPTA;

    · saber se o acórdão recorrido padece de erro de julgamento no que toca à analisada e decidida questão da nulidade processual por falta de inquirição das testemunhas arroladas;

    · saber se o acórdão padece de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do direito, designadamente do art. 69º do CIRC (com a numeração e redacção vigentes à data dos factos), do art. 84º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pelo DL nº 10/95, de 19 de Janeiro, e do art. 4º do DL n.º 192/90, de 9 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pelo art. 38º da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro.

Esclareça-se que o recurso de despacho interlocutório, interposto a fls. 434 dos autos, da decisão (implícita) de dispensa de produção da prova testemunhal arrolada na petição inicial, não poderá ser objecto de apreciação neste Tribunal, uma vez que, conforme resulta do que acima se deixou relatado (pontos 1.3, 1.4, 1.5), tal recurso não foi admitido por decisão expressa proferida pelo Exmº Juiz Desembargador Relator do TCAS, a fls. 837/841, e essa decisão não foi impugnada, tendo, assim, transitado em julgado.

Nesse contexto, não podemos sufragar a posição assumida pelo Exmº Procurador-Geral-Adjunto no seu douto parecer, uma vez que nele se partiu do pressuposto de que se iria conhecer neste Tribunal do mérito do recurso de despacho interlocutório.

Por outro lado, a questão suscitada pela recorrida na alínea u) das contra-alegações, também não será objecto de apreciação neste recurso, uma vez que a questão do valor da causa e da alçada para efeitos de recurso já se encontra ultrapassada pela decisão, transitada em julgado, do Exmº Juiz Desembargador Relator do TCAS, proferida em cumprimento do despacho da presente Relatora, e que fixou o valor da acção em € 14.963,95; valor que é superior ao da alçada do TCA, sabido que quando este funciona em 1º grau de jurisdição, o valor da alçada da respectiva secção de contencioso tributário é igual à alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância, a qual, à data em que a acção foi proposta (16/10/2007) se encontrava fixada em € 935,25. De todo o modo, a alçada dos Tribunais Centrais Administrativos é igual à da Relação (art. 6º nºs 4 e 5 do ETAF e art. 24º da LOFTJ), a qual se encontrava fixada em € 14.963,94, pelo que o valor da causa sempre a excederia em € 0,01.

Postos estes esclarecimentos, e ainda antes de entrar na análise das questões colocadas no recurso interposto do acórdão, há que apreciar prioritariamente a excepção levantada pela recorrida, relativa à intempestividade das alegações recursivas da recorrente, bem como a questão que esta suscitou após a apresentação das contra-alegações da recorrida, relativa à apresentação intempestiva desta peça processual.

3.1. A questão da tempestividade das alegações recursivas da recorrente

Segundo a recorrida, face aos nºs 1 e 2 do art. 144º do CPTA, o prazo para a interposição de recurso é de 30 dias contados da notificação da decisão recorrida, sendo que o recurso é interposto mediante requerimento que inclui ou junta a respectiva alegação e no qual são enunciados os vícios imputados à sentença; ora, tendo o acórdão recorrido sido notificado em 5 de Fevereiro de 2009, o prazo para interposição de recurso com a junção das respectivas alegações terminava em 11 de Março de 2009.

Na verdade, o prazo para interposição de recurso com a junção das respectivas alegações terminava em 11 de Março de 2009 e, nesse mesmo dia, a recorrente apresentou as suas alegações de recurso, através de telecópia (cfr. cópia do comprovativo de envio via fax que se encontra a fls. 765), como lho consentia o disposto na alínea c) do nº 2 do art. 150º do CPC - na redacção conferida pelo Dec.Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, aplicável por força do art. 1º do CPTA e do Dec.Lei nº 28/92, de 27 de Fevereiro.

E em cumprimento do disposto no nº 3 do art. 4º do referido Dec.Lei nº 28/92 — que regula a prática de actos processuais através de telecópia —, a recorrente, dentro do prazo de sete dias contado do envio por telecópia, mais concretamente em 17/03/2009, procedeu à junção aos autos dos originais das alegações, conformando assim a sua intervenção processual.

Sendo assim, as alegações de recurso foram apresentadas tempestivamente.


3.2. A questão da tempestividade das contra-alegações da recorrida

No que tange à invocada intempestividade das alegações recursivas da recorrida, embora esta tenha sido notificada em 3 de Abril de 2009 do teor do despacho de admissão do recurso (fls. 720 e 722) e tenha apresentado as contra-alegações em 13 de Maio de 2009 (fls. 724), o certo é que entre 5 e 13 de Abril, inclusive, decorreram as férias judiciais da Páscoa, o que, nos termos do disposto no nº 1 do art. 144º do CPC, determina a suspensão do respectivo prazo processual.

Pelo que as contra-alegações foram entregues dentro do prazo de 30 dias previsto no art. 145º do CPTA

Termos em que improcedem as questões prévias suscitadas.

3.3. A nulidade do acórdão recorrido.

3.3.1. Segundo a recorrente, o acórdão padece de nulidade, tanto por excesso de pronúncia como por contradição entre os seus fundamentos e a decisão.

Para sustentar a nulidade por excesso de pronúncia, invoca que o acórdão não podia ter apreciado a questão da eventual nulidade processual por falta de inquirição de testemunhas, por se tratar de matéria que apenas fora suscitada no recurso do despacho interlocutório que interpusera da decisão (implícita) de dispensa de produção da prova testemunhal, e que só nesse recurso podia/devia ser apreciada e decidida pelo tribunal superior. Advoga que o tribunal “a quo”, ao analisar a questão de saber se ocorreu alguma nulidade processual por falta de inquirição de testemunhas e, sequentemente, ao decidir sobre a mesma, avoca para si pronúncia sobre controvérsia submetida ao conhecimento de um tribunal superior, incorrendo, assim, em excesso de pronúncia.

Todavia, e salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.

É verdade que a Autora interpusera recurso da decisão (implícita) de dispensa de produção da prova testemunhal, invocando as razões pelas quais considerava essa prova imprescindível para a boa decisão da causa face à materialidade fáctica que fundamenta o pedido formulado nesta acção e onde pedira a revogação dessa decisão por violação dos princípios da verdade material e do poder-dever do juiz de ordenar as diligências de prova úteis para a descoberta da verdade, e violação dos arts. 7º, in fine, e 90º do CPTA, bem como do nº 3 do art. 265º do CPC.

O que significa, desde logo, que nesse recurso nem sequer fora invocada qualquer nulidade processual, maxime por falta de realização da fase instrutória de produção de prova, pelo que não tem qualquer fundamento a afirmação da ora recorrente no sentido de que a questão da nulidade processual por falta de inquirição de testemunhas fora suscitada no recurso do despacho interlocutório e que só nesse recurso podia/devia ser apreciada e decidida pelo tribunal superior.

Por outro lado, verifica-se que a Autora arguiu perante o tribunal “a quo”, por requerimento apresentado após a notificação para alegações finais, mais precisamente em 23/07/2008, a questão da falta de produção da prova testemunhal, por entender que a produção dessa prova era crucial para que se pudessem dar como provados os factos que expressou e da qual o tribunal terá indevidamente prescindido. Para além disso, nas alegações finais formuladas ao abrigo do disposto no nº 4 do art. 91º do CPTA, a Autora invocou, como questão prévia, que a apresentação dessas alegações não significava que prescindisse do direito de inquirir as testemunhas arroladas, «questão cuja apreciação já foi posta à consideração de V. Exª pelo requerimento apresentado em 23.07.2008, junto aos autos, e cuja reposta, entende e espera a Autora, seja favorável à sua pretensão, originando, assim, a produção daquela diligência de prova e a apresentação de novas alegações.».

Foi sobre essa colocada questão – da necessidade/desnecessidade de produção de prova no caso sub judice – que o tribunal se pronunciou no acórdão recorrido, tendo interpretado aquele requerimento e a questão prévia suscitada nas alegações como traduzindo, além do mais, a invocação de uma irregularidade processual face à invocação de que o juiz havia avançado indevidamente para a fase processual de alegações finais sem a realização da prévia e necessária fase processual instrutória.

E foi nesse contexto que se julgou que o juiz relator podia indeferir requerimentos dirigidos à produção de prova ou recusar a utilização de certos meios de prova sempre que entendesse que podia conhecer do pedido logo após a fase do saneador, ordenando a imediata notificação das partes para alegarem por escrito, sem necessidade de realizar a fase processual instrutória. «Assim, porque compete ao juiz ou relator aferir da necessidade ou não de produzir prova, quando, após a fase dos articulados aquele profere despacho saneador e ordena a notificação das partes para alegações, é porque entendeu dispensável a produção de prova. Nesse caso, como é manifesto, a falta de inquirição das testemunhas oferecidas pela A. não constitui omissão de um acto que a lei prescreva. A lei não prescreve que deve haver sempre a inquirição das testemunhas, antes permitindo ao juiz aferir da necessidade desse acto»; sendo que, «A falta de inquirição das testemunhas, no caso sub judice, não constitui uma nulidade processual porquanto cumpre ao juiz avaliar se a questão a dirimir no processo é meramente de direito ou, sendo também de facto, se constam já do processo todos os elementos pertinentes para a decisão e, nesse caso, decidir-se pelo imediato conhecimento do pedido, sem que haja produção de prova»; e, no caso vertente, «não é de deferir a audição das testemunhas porquanto a matéria questionada no presente processo é, tão só de saber se a operação foi ou não realizada por razões económicas válidas, sendo, por isso, unicamente matéria de direito suportada por juízos técnicos sobre o interesse económico da operação de fusão não existindo, por isso, matéria de facto controvertida.».

É certo que o acórdão se alongou em considerandos e observações colaterais, mas tal não implica que ele fique ferido de nulidade por excesso de pronúncia, sabido que o tribunal, devendo embora «resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação» (art. 660º, nº 2, do CPC), não está impedido de usar considerandos e argumentos que não foram produzidos pelas partes, do mesmo modo que não está vinculado a apreciar todos os argumentos que por estas foram utilizados.

Neste enquadramento, e sabido que a nulidade de sentença por excesso de pronúncia só ocorre quando o tribunal conhece de questão que legalmente não lhe era permitido conhecer, não existindo quando o tribunal conhece de questão colocada pelas partes ainda que sob perspectiva diferente, conclui-se que não se verifica a invocada nulidade por excesso de pronúncia.

3.3.2. Segundo a recorrente, o acórdão recorrido padece, ainda, de nulidade por contradição entre os seus fundamentos e a decisão, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 668º do CPC.

Para sustentar essa nulidade, invoca, por um lado, que embora se tenha considerado e concluído, ao longo do aresto, estar provado que a operação de fusão se suportou numa motivação economicamente válida, veio, contudo e paradoxalmente, a desconsiderar a sua própria linha argumentativa e as suas próprias conclusões, decidindo, a final, em sentido radicalmente oposto do que foi gizando e antevendo ao longo do acórdão, pelo que os fundamentos estariam em clara oposição com a decisão nele ínsita. Por outro lado, existiria uma outra oposição entre os seus fundamentos e a decisão, na parte em que não reconheceu a existência de um erro grosseiro ou uma manifesta desadequação aos fins legais; isto é, não obstante fundar amplamente o erro grosseiro que consubstancia o acto sub judice, concluiu, a final, que o mesmo não é sindicável porque não se antolha a existência do dito erro grosseiro ou da manifesta desadequação ao fim legal.

Vejamos.

É consabido que a decisão judicial deve constituir a consequência lógica dos fundamentos invocados pelo julgador, verificando-se a nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do art. 668º do CPC e no art. 125º do CPPT se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a extrair, decidir em sentido oposto ou divergente. Ou seja, verifica-se essa nulidade quando existe um vício no raciocínio do julgador consistente numa contradição intrínseca entre os fundamentos por ele invocados e a decisão tomada.

No acórdão recorrido foi analisada a questão colocada pela Autora - da ilegalidade do acto de indeferimento do pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais por violação do art. 69º, nº 2, do CIRC - com amparo, numa primeira linha argumentativa, no discurso fundamentador do acórdão do TCAS proferido em 15/07/2008, no proc. nº 1775/07, que teria analisada questão semelhante e seguido o entendimento já plasmado nos acórdãos desse mesmo tribunal de 1/02/2005 e de 21/06/2005, nos processos nºs 25/04 e 247/04, respectivamente. E, nessa primeira linha de raciocínio, conclui-se no acórdão recorrido que a operação económica realizada pela impugnante é de «qualificar como tendo sido realizada por motivos económicos válidos, numa estratégia de médio e longo prazo, sendo por isso merecedora de que os prejuízos das sociedades extintas (Sucursais) possam ser deduzidos dos lucros tributáveis da sociedade incorporante, (...) sendo o mesmo de dizer que se mostram preenchidos os requisitos previstos no art.º 69.º do CIRC, com o deferimento do peticionado pela autora e sendo de anular o despacho recorrido que em sentido contrário decidiu.».

Todavia, logo após, o acórdão inflectiu nesse raciocínio argumentativo, evocando que face ao entendimento sufragado pelo acórdão do STA de 12/07/2006, no processo nº 01003/05, se impunha rever a posição jurisprudencial que vinha sendo adoptada no TCA no sentido da fiscalização judicial de matéria de discricionariedade técnica – como é a matéria de saber se ocorreram ou não "razões económicas válidas".

Foi nesse contexto que se deixou exarado no acórdão recorrido que «tendemos a rever a nossa posição por razões de uniformidade a que alude o artº 8º nº 3 do CC» e se acabou por acolher o entendimento adoptado naquele acórdão do STA, segundo o qual a questão de saber se houve "razões económicas válidas" ou se a fusão "se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva" é matéria de discricionariedade técnica, com uma longa margem de livre apreciação da Administração, e que o juízo da Administração não pode ser fiscalizado pelos tribunais, salvo erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal.

E julgando que “não se antolha” um erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal, decidiu-se pela improcedência da acção administrativa especial e manter o acto impugnado.

Pelo que não ocorre uma oposição da decisão pronunciada com os fundamentos nela expressos, reveladora de uma construção viciosa do acórdão. O facto de se ter julgado que não se vislumbrava qualquer erro grosseiro ou manifesta desadequação aos fins legais, pode constituir erro de julgamento, designadamente por não ter sido tomado em conta o que anteriormente se deixara dito quanto à evidência da existência de razões económicas válidas para a realização da operação, mas, no essencial, não se pode afirmar que a fundamentação aduzida no acórdão enferme de qualquer impossibilidade de articulação lógica com a decisão de improcedência da acção.

A decisão está, pois, em conformidade lógica com o raciocínio do colectivo de julgadores, exposto na fundamentação da própria decisão. Se esse raciocínio está errado, se a decisão é contra legem, isso é já questão diferente, de eventual erro de julgamento, mas não de nulidade do acórdão.

Improcedem, desta forma, as nulidades imputadas ao acórdão recorrido.

3.4. Do erro de julgamento quanto à questão da nulidade processual por falta de inquirição das testemunhas arroladas.

No acórdão recorrido julgou-se, em suma, que a falta de inquirição de testemunhas não constituía uma nulidade processual, pois cumpre «ao juiz ou relator aferir da necessidade ou não de produzir prova, quando, após a fase dos articulados aquele profere despacho saneador e ordena a notificação das partes para alegações, é porque entendeu dispensável a produção de prova. Nesse caso, como é manifesto, a falta de inquirição das testemunhas oferecidas pela A. não constitui omissão de um acto que a lei prescreva. A lei não prescreve que deve haver sempre a inquirição das testemunhas, antes permitindo ao juiz aferir da necessidade desse acto». Mais se acrescentou que «O facto de se sustentar a desnecessidade de despacho expresso a dispensar a inquirição das testemunhas arroladas não significa que o juízo sobre a necessidade ou não de produção de prova não esteja sujeito a controlo já que sempre essa decisão do juiz poderá ser sindicada em sede do recurso interposto do acórdão. Aí, não só o A ou a Entidade demandada podem sustentar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o próprio tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa e que os autos não fornecem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, anular a sentença oficiosamente (cfr. art. 712.º, n.º 4, do CPC, por força dos arts. 792.º e 749.º, do mesmo Código, e 1.º, do CPTA).».

Julgamento que não merece reparo.

Na verdade, conforme ensina o Prof. Manuel de Andrade, nulidades processuais são desvios do formalismo processual seguido em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais. Ora, a falta de inquirição das testemunhas não consta do rol exaustivo de nulidades insanáveis constante do art. 98º do CPPT, nem constitui uma nulidade processual à luz do regime do art. 201º e segs. do CPC, segundo o qual, «a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa».

E não constitui nulidade porque cumpre ao juiz avaliar se a questão a dirimir no processo é meramente de direito ou, sendo também de facto, constam do processo todos os elementos pertinentes para a decisão e, nesse caso, decidir-se pelo imediato conhecimento do pedido. Ou seja, a lei não prescreve que deve haver sempre lugar a produção de prova, antes conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção (Quanto à instrução do processo de acção administrativa especial, como refere Vieira de Andrade, in Justiça Administrativa (Lições), 5ª edição, pág. 294, vale plenamente o princípio do inquisitório, podendo o relator ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, bem como indeferir as diligências requeridas que considere claramente desnecessárias (art. 90º nº 1 do CPTA).); pelo que não havendo essa imposição legal, se o juiz dispensa a produção de prova não se pode dizer que foi preterida uma formalidade legal geradora de nulidade processual.

O que não obsta a que a omissão de diligências de prova, quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, possa afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando a anulação da sentença por défice instrutório com vista a obter o devido apuramento dos factos. Por conseguinte, se a avaliação efectuada pelo juiz – que suporta a decisão de prescindir da inquirição das testemunhas arroladas – estiver inquinada de erro, por, ao contrário do que ele julgou, os elementos disponíveis nos autos não serem suficientes para permitir um cabal conhecimento das causas de pedir e do pedido formulado, esse erro inquinará o valor doutrinal da sentença que venha a ser proferido, por insuficiência da matéria de facto e/ou erro de julgamento de facto.

Donde que a questão da deficiência de instrução se conecta com a possibilidade de demonstração e apuramento de factos que tenham sido dados como não provados no acórdão recorrido, o que envolve actividade no domínio da fixação/discussão da matéria de facto. E, por essa razão, se este tribunal “ad quem” vier concluir que a decisão de facto constante do acórdão recorrido pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, deve determinar oficiosamente a sua anulação e remeter os autos ao tribunal “a quo” com vista à cabal averiguação dos factos alegados pela impugnante (cfr. art. 712º, nº 4, do CPC, aplicável por força do art. 792º do mesmo Código, e art. 2º, alínea e), do CPPT).

Termos em que não se verifica, neste aspecto, qualquer erro de julgamento.


3.5. Do erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do direito, designadamente do art. 69º do CIRC.

A recorrente invoca, como questão central deste recurso, o erro de julgamento cometido em matéria de direito, por errada interpretação do art. 69º do CIRC (com a numeração e redacção vigentes à data dos factos), do art. 84º do DL nº 422/89, de 2.12, na redacção dada pelo DL nº 10/95, de 19.01, e do art. 4º do DL n.º 192/90, de 9.06, na redacção dada pelo art. 38º da Lei n.º 87-B/98, de 31.12.

Como se viu, o recurso vem interposto do acórdão que julgou improcedente a acção administrativa especial instaurada contra acto administrativo em matéria tributária, cumulada com pedido de condenação à prática de acto devido, proposta pela CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE ALCÁCER DO SAL E MONTEMOR-O-NOVO, C.R.L., com vista à anulação do acto de indeferimento do pedido que em Novembro de 2006 formulara, no sentido de que face à fusão ocorrida nesse ano, por incorporação da CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA DE MONTEMOR-O-NOVO, CRL, lhe fosse autorizada a dedução aos seus lucros dos prejuízos ficais acumulados nos exercícios de 2000 a 2005 pela entidade incorporada, em conformidade com o disposto no art. 69º do CIRC.
    Nessa acção a Autora invocara, em síntese, o seguinte:

    - o pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais formulado respeitou todas as exigências legais e encontra-se cabalmente fundamentando e documentado em face dos pressupostos exigidos no nº 2 do art. 69º do CIRC, por a fusão se fundar em razões económicas válidas e se inserir numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva;

    - verificados que estão esses pressupostos perante toda a fundamentação e documentação apresentada pela contribuinte, incumbia à Administração o dever de decidir favoravelmente o pedido, pois a requerente demonstrou que, muito para além do aproveitamento do potencial benefício fiscal atribuído por lei, o que, de facto, se visou com a fusão foi justamente a racionalização dos recursos existentes, lançando-se mão para o efeito do meio reconhecidamente mais válido para atingir esse fim - a fusão;

    - o despacho que indeferiu a pretensão da Autora é, assim, manifestamente ilegal, por erro de interpretação do art. 69º do CIRC, por erro manifesto na apreciação dos factos e da prova produzida e por erro na interpretação de conceitos legais indeterminados, erros que constituem vícios de violação de lei, sindicáveis pelo tribunal e susceptíveis de determinar a anulação desse despacho;

    - por outro lado, quanto à invocação, para indeferir esse pedido, do Despacho nº 79/2005 - XVII, do SEAF, publicitado pela Circular 7/2005, verifica-se que este Despacho cria uma ilegal restrição do direito à dedução, violando os limites legalmente impostos no art. 69º do CIRC, e viola o princípio da legalidade expresso no art. 103º da CRP e no art. 8º da LGT, bem como o princípio da tributação pelo rendimento real das empresas vertido no nº 2 do art. 104º da CRP. As circulares não são fonte de direito e a aplicação da limitação imposta nessa Circular representa, no fundo, a criação de um verdadeiro critério decisório ex novo, fora do esquema regular de criação de normas legais impositivas, em violação do princípio da legalidade.
O acórdão recorrido, analisando a questão da legalidade do despacho impugnado, examinou se a requerente preenchia os requisitos para que lhe fosse deferida a pretensão, com um prolixo exame do regime jurídico vigente e alguma análise dos dados factuais enformadores da situação julganda, após o que conclui que «Em suma, não se podendo concluir que tal operação teve por fim, essencial ou primacial, de aproveitamento de benefícios fiscais, para além, naturalmente, dos eventuais e correlativos benefícios fiscais directamente dependentes da operação em causa, nos termos da Directiva n.º 90/434CEE do conselho, de 23 de Julho de 1990, que veio dispor sobre o regime fiscal comum, de modo a evitar a tributação das fusões, cisões, entrada de activos e permutas de acções, no sentido de que tais operações devem ir além da procura de um benefício puramente fiscal, como a compensação horizontal das perdas, como foi interpretado no acórdão do Tribunal de Justiça C-28/95, de 17 de Julho de 1997, cuja cópia se encontra no processo instrutor, e ambas as partes também se encontram de acordo nesta interpretação, e que tal operação não pode deixar de ter efeitos positivos na estrutura produtiva, no sentido em que veio reforçar, de forma significativa, a sua afirmação no mercado nacional, com um evidente decréscimo de custos e um reforço dos capitais da Europeia, como se fundamenta no despacho proferido, é tal operação de qualificar como tendo sido realizada por motivos económicos válidos, numa estratégia de médio e longo prazo, sendo por isso merecedora de que os prejuízos das sociedades extintas possam ser deduzidos dos lucros tributáveis da sociedade incorporante, (...) sendo o mesmo de dizer que se mostram preenchidos os requisitos previstos no art.º 69.º do CIRC, com o deferimento do peticionado pela autora e sendo de anular o despacho recorrido que em sentido contrário decidiu.».

Contudo, depois de assim concluir, o acórdão rematou com a seguinte e súbita asserção: «Todavia, tendemos a rever a nossa posição por razões de uniformidade a que alude o artº 8º nº 3 do CC, pois o STA tem decidido, uniformemente, a questão sub judice, como pode ver-se, por todos, no Ac. do STA, de 12/07/2006, Proc. 01003/05, afirmando que estamos aqui perante conceitos indeterminados cujo preenchimento cabe à Administração. (…) Assim sendo, e porque o acto de indeferimento do SEAF se fundamentou na inexistência dos requisitos exigidos pela lei para a concessão da autorização para deduzir os prejuízos fiscais acumulados pelas sociedades fundidas, este seu juízo não pode ser fiscalizado pelos tribunais. A menos que ocorresse erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal. O que não se antolha.».

Ou seja, apesar de reconhecer que a prova produzida permitia concluir que tinham ocorrido razões económicas válidas para a fusão, o acórdão acabou por aderir à tese de que o juízo valorativo necessário para dar ou não como preenchido o conceito de “razões económicas válidas” constituía matéria de discricionariedade técnica, que não podia ser fiscalizado pelos tribunais salvo erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal, o que não se vislumbraria no caso, julgando, por isso, improcedente a acção.

Sendo esse o motivo determinante da improcedência da acção, importa começar por examinar a questão dos limites do controle contencioso do despacho impugnado, analisando se o acórdão padece de erro de julgamento na medida em que o juízo formulado pela administração é sindicável pelo tribunal, não podendo negar-se ao interessado a possibilidade de obter um controlo judicial efectivo sobre a aplicação de conceitos indeterminados; ou se, pelo contrário esse juízo integra valoração própria e exclusiva do exercício da função administrativa, insindicável pelo tribunal salvo erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal.

É sabido que a jurisprudência desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo tem acolhido o entendimento de que o juízo formulado pela administração tributária sobre a existência ou inexistência de “razões económicas válidas” não pode ser fiscalizado pelos tribunais, salvo erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal; e, nesse contexto, tem vindo a recusar o julgamento deste tipo de situações, alegando que se trata de matéria de discricionariedade técnica, com uma grande margem de livre apreciação por parte da Administração. Nesse sentido, além do citado acórdão proferido em 12/07/2006, no proc. nº 01003/05, podem ver-se, ainda, os acórdãos proferidos em 5/07/2006, no proc. nº 0142/06, e em 3/02/2010, no proc. nº 0844/09.

Todavia, não compartilhamos desse entendimento, pelas razões que passamos a enunciar.

É inquestionável que a autorização administrativa de transmissibilidade de prejuízos fiscais se encontra dependente do preenchimento dos requisitos enunciados no art.º 69º do Código do IRC, como seja o de a operação de fusão ter sido realizada por razões económicas válidas (como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes) e se ter inserido numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva.

E, para esse efeito, o requerente deve fornecer à entidade administrativa competente todos os elementos necessários para o perfeito conhecimento da operação (tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos), sabido que lhe compete o ónus de prova dos pressupostos constitutivos do direito que invoca (art. 74º, nº 1, da LGT).

Porém, no caso de indeferimento do pedido, a administração tributária está vinculada a enunciar os motivos e critérios que utilizou para chegar a essa decisão, seja pela enunciação das razões por que entende que a operação não se encontra devida ou suficientemente documentada para o fim em vista, seja pela enunciação das razões por que considera que dessa documentação não resulta o que a requerente invoca e o juízo que dela extraiu, maxime, a intenção económica primacial para a realização da operação, sendo esta fundamentação controlável pelo tribunal, até porque a actividade probatória administrativa constitui uma actividade vinculada e, como tal, sujeita a sindicância jurisdicional.

E se a administração não põe em causa a documentação da operação de fusão, terá de expor as razões pelas quais refuta o juízo valorativo que o requerente dela extraiu, isto é, os motivos por que considera que toda essa documentação não evidencia os intuitos e as vantagens económicas invocadas, os motivos por que considera não se encontrarem preenchidos os conceitos de razões económicas válidas e de inserção numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva.

O que tem de ser efeito através de um discurso fundamentador de particular intensidade, que demonstre a lógica, a pertinência e a razoabilidade do juízo valorativo administrativo formulado, revelador da sua forma de concretização conceptual e dos parâmetros avaliativos utilizados, de modo a evidenciar o bem fundado da formação dessa divergente convicção, e que o Tribunal tem de poder sindicar, pois não a poderá validar se os elementos enunciados não forem consistentes, idóneos e adequados a conduzir à valoração e conclusão a que o órgão decisor chegou, se essa convicção assentar em pressupostos incoerentes, ilógicos, irrazoáveis, incorrectos ou ilícitos, ou se se patentear que ocorreu uma errada concretizaçãoção conceptual, seja por força de uma incorrecta interpretação normativa, seja por força de uma utilização de parâmetros de avaliação inadequados e/ou ilegais.

Em suma, a administração está vinculada a expressar, de forma fundamentada e concretizada, a razão por que considera que não se encontram preenchidos os referidos conceitos, o que pressupõe, naturalmente, que enuncie os parâmetros que utilizou para chegar a essa diferente valoração da motivação económica da operação e para formular o seu juízo sobre a falta de preenchimento dos aludidos conceitos de razões económicas válidas e inserção numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva.

E apesar de tais conceitos não poderem deixar de ser qualificados como conceitos indeterminados em função da fluidez das expressões, conceitos cujo sentido, alcance e preenchimento/concretização, passam, inevitavelmente, por um exercício interpretativo e valorativo pelo órgão administrativo decisor, o certo é que eles estão necessariamente voltados para atingir um entendimento comum que a própria norma há-de fornecer em larga medida, ainda que para tal seja necessário interpretá-la em conformidade com o ordenamento jurídico e com a mens legislatoris, ou seja, com a intenção mobilizadora do criador da norma que incorpora esses conceitos.

Por conseguinte, no preenchimento e concretização de conceitos indeterminados, a administração está obrigada a desenvolver uma actividade vinculada de interpretação da norma e há-de chegar, em princípio, a uma única solução para o caso concreto, não lhe sendo possível guiar-se por uma liberdade subjectiva ou por critérios de oportunidade. A indeterminação do enunciado não se traduz numa indeterminação de suas aplicações, e ao intérprete administrativo caberá identificar se a situação fáctica está ou não abrangida pelo conceito indeterminado contido na norma. Pelo que, também nesta medida, está em causa um poder vinculado, que o tribunal tem de poder sindicar.

Acresce que o próprio processo de concretização do juízo administrativo e os parâmetros de avaliação utilizados não são inteiramente livres, na medida em que têm de se revelar como apropriados, coerentes e razoáveis, estando a administração legalmente vinculada a respeitar as regras técnicas para que a lei remete. E, nessa perspectiva, o tribunal não pode eximir-se ao controlo judicial desse processo.

Razão por que a decisão que aplica conceitos indeterminados é substancialmente distinta da decisão discricionária, que é a que se toma entre duas ou mais soluções, todas igualmente válidas para o Direito (A discricionariedade é um poder derivado da lei que se consubstancia na liberdade reconhecida à Administração de escolher uma solução dentre uma série de soluções juridicamente admissíveis. Trata-se de uma decisão livre fundada em razões de mérito (conveniência, oportunidade, boa administração) e, por isso, insusceptível de fiscalização contenciosa.). Na discricionariedade, a administração pode escolher entre, pelo menos, duas soluções alternativas, com possibilidade de escolha entre duas decisões diferentes (Vide, a este propósito, o Prof. Freitas do Amaral, in “Curso de Direito Administrativo”, Vol. II, pág.79.); e aí existe, efectivamente, um reduto de insindicabilidade por parte dos tribunais, face à obediência ao princípio da separação de poderes. Já na decisão que envolve a aplicação de conceitos indeterminados, o legislador não entregou à administração poderes discricionários, mas antes lhe fixa um quadro de vinculação, se bem que mitigado pela possibilidade casuística do seu preenchimento.

Desse modo, deparando-se com conceitos indeterminados, cabe ao órgão decisor, desde logo, apreender-lhes o sentido e alcance através de operação interpretativa da norma em que se inserem, pois a lei há-de fornecer, em larga medida, um padrão suficientemente claro para a sua interpretação. Operação interpretativa que, sendo vinculada, também cabe ao tribunal sindicar.

Nessa medida, e como bem observa ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA (In “Conceitos Indeterminados no Direito Administrativo”, Almedina, 1994, p. 18 e 60.), os “conceitos jurídicos indeterminados" possuem peculiaridades no âmbito do Direito Administrativo, já que aí o juiz tem a função de fiscalizar se a administração deu a correta interpretação e aplicação a esses conceitos. A interpretação e aplicação de conceitos jurídicos indeterminados pela administração constitui, portanto, uma actividade estritamente vinculada à lei. Admitir qualquer margem de apreciação a favor da Administração «significaria alargar o campo da discricionariedade ao Tatbestand legal e com isso se estaria a aplicar um grave golpe nas garantias do cidadão que o Estado de Direito não admite».

Pelo que os tribunais não podem recusar ao interessado a possibilidade de obter um controlo efectivo da aplicação, pela administração, de normas que contém conceitos indeterminados. O que, no caso como o dos autos, passa por uma apreciação global da operação em causa, pela análise dos elementos probatórios apresentados pelo requerente para demonstrar a sua motivação, ou melhor, para demonstrar que a fusão foi efectuada por razões comerciais válidas e se inseriu numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo com efeitos positivos na estrutura produtiva, e, igualmente, pelo exame do discurso fundamentador do acto de indeferimento do pedido, por forma a aferir da consistência, idoneidade e razoabilidade do processo de concretização do juízo administrativo sobre a falta de preenchimento desses conceitos, face ao entendimento que a própria norma e o ordenamento jurídico hão-de fornecer acerca desses conceitos, assim fiscalizando se a administração deu correta interpretação e aplicação à norma e aos conceitos nela contidos, e se os integrou de forma legalmente adequada.

Sustentar a existência de discricionariedade administrativa perante conceitos indeterminados e a sua insindicabilidade jurisdicional porque existem casos em que pode ser admitido mais do que um ponto de vista razoável ou casos em que pode subsistir uma dúvida ineliminável, é ignorar que o que se deve essencialmente controlar é o plano de justificação normativa que tem de servir de base à actividade de interpretação e integração dos conceitos, é a adequação e a idoneidade do processo de avaliação e valoração escolhido e dos parâmetros utilizados, e é a congruência e a razoabilidade da solução encontrada e da decisão tomada.

Obviamente que, tratando-se de conceitos indeterminados, o processo interpretativo nem sempre é fácil e pode não levar a uma solução indubitável. Casos existirão em que não se chegará a uma única posição possível e legítima. Todavia, mesmo nesses casos, o tribunal não pode eximir-se ao dever de verificar se a solução encontrada obedeceu à melhor interpretação e preenchimento casuístico do conceito face às exigências postas pela norma em que ele se insere e aos interesses que esta visa tutelar.

E o simples facto de a lei remeter para conceitos técnicos (regras extra-jurídicas) próprios de outros ramos da ciência, como o ramo da economia, não significa que esteja a conferir um poder discricionário à administração, pois esta encontra-se, nesses casos, legalmente vinculada a respeitar as regras técnicas para que a lei remete, «porque a própria lei a submeteu a essas normas, de tal forma que, se a Administração as não respeitar, sofrerá uma sanção jurídica, semelhante à que sofreria se violasse directamente uma norma jurídica” ( DIOGO FREITAS DO AMARAL, in “Curso de Direito Administrativo” vol. II, Coimbra, 2001, pág. 115.), havendo, por conseguinte, necessidade de controlo jurisdicional dos respectivos actos administrativos.

Concordamos, assim, com TERESA GIL DE OLIVEIRA BRAGA ( No estudo publicado na Revista Fiscalidade nº 49, pags. 87 e segs, intitulado “A Transmissibilidade de Prejuízos Fiscais no Âmbito das Fusões”.) quando refere que, «… estas são as situações em que a actuação jurisdicional é mais importante: precisamente porque estamos perante um conceito indeterminado é que é crucial a intervenção do tribunal para fiscalizar o juízo da administração e para, eventualmente, criar jurisprudência a fim de, no futuro, ser sempre mais fácil a integração deste conceito. (…)
Estamos de acordo que, para interpretar este conceito, poderão ser necessários determinados conhecimentos técnicos que extravasam as competências jurídicas dos tribunais. Todavia, o que se pretende é que seja dada a possibilidade ao contribuinte de apresentar, perante o tribunal, a sua fundamentação, os motivos pelos quais considera que a operação de fusão possui “razões comerciais válidas” e o juiz, tendo em conta ambas as posições esgrimidas (administração fiscal e contribuinte) e eventualmente recorrendo a ajuda de peritos, decidirá se aquela operação de reestruturação em concreto se funda em “razões comerciais válidas”.
O escrutínio do tribunal garante, de forma independente, que a legalidade/ constitucionalidade seja garantida. O argumento da discricionariedade técnica não pode servir de “cheque em branco” para uma actuação arbitrária e subjectiva da administração tributária.».

Efectivamente, é no campo das normas em branco e dos conceitos vagos e indeterminados que a função dos tribunais é mais importante para corrigir a decisão administrativa, sendo o trabalho do juiz o de determinar sentido da norma e dos conceitos que a integram, mediante interpretação. Pelo que os actos administrativos que aplicam este tipo de conceitos têm de ser passíveis de fiscalização contenciosa, sob pena de se poder incorrer em manifesta denegação de justiça e inconstitucionalidade, sabido que aos tribunais incumbe assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (art. 202º, nºs 1 e 2 da CRP), vigorando o princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos arts. 20º e 268º, nº 4, da CRP.

Além de que “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei” (art.º 266, nº 2 da CRP), o que pressupõe a possibilidade de fiscalização contenciosa dos seus actos. Razão por que a regra é, em contencioso administrativo, a de que todos os actos da administração são passíveis de fiscalização contenciosa, devendo ser absolutamente excepcionais as possibilidades de subtracção a esse juízo( De resto, a doutrina sempre defendeu a sindicabilidade na generalidade dos casos (cfr. AZEVEDO MOREIRA, in “Conceitos Indeterminados, sua Sindicabilidade Contenciosa”, in Revista de Direito Público, nº 1, Ano I, p. 65 e ss), argumentando MARCELO REBELO DE SOUSA, in "Lições de Direito Administrativo”, I, p. 111, que “Apurado que seja um conceito indeterminado, podemos reiterar o que atrás dissemos: a sua interpretação e aplicação não são discricionárias e, por conseguinte, são jurisdicionalmente controláveis”.).

E como também salienta aquela Autora( Obra citada, pág. 109..), no caso de se entender que o juízo da administração não pode ser fiscalizado, tal configuraria um atentado ao direito da União Europeia, tendo em conta que a fonte do regime fiscal das fusões português é a Directiva europeia nº 90/434/CEE, através da qual se procurou criar um regime onde as operações de fusão não fossem paralisadas por restrições, desvantagens ou distorções especiais resultantes das disposições fiscais dos Estados-Membros e que importava, por isso, instaurar regras fiscais neutras relativamente à concorrência a fim de permitir que as empresas se adaptassem às exigências do mercado comum, aumentassem a sua produtividade e reforçassem a sua posição concorrencial no plano internacional (cfr. considerando nº 2 da Directiva). E a discricionariedade da administração é proibida na interpretação do direito europeu, como bem esclarece JOÃO FELIX NOGUEIRA (Na obra “Direito Fiscal Europeu: o Paradigma da Proporcionalidade. A proporcionalidade como critério central da compatibilidade de normas tributárias internas com as liberdades fundamentais”, págs. 432 e segs.).

Estamos, assim, inteiramente de acordo com CARLOS BAPTISTA LOBO (No artigo publicado na Revista Fiscalidade, nºs 26/27, intitulado “Neutralidade Fiscal das Fusões: Benefício Fiscal ou Desagravamento Estrutural? Corolários ao Nível do Regime de Transmissibilidade de Prejuízos”, pág. 53.) quando defende que «as informações necessárias para a formação do juízo por parte da Administração Fiscal são unicamente as constantes no nº 2 do artigo 69º do Código do IRC. Para além disso, os critérios que a Administração Fiscal deverá utilizar na apreciação do fundamento económico — no quadro do regime em causa — são legalmente vinculados. O princípio da legalidade, o dever de boa administração e o princípio da boa-fé conformam integralmente a prática administrativa e são susceptíveis de aferição jurisdicional em virtude do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
É certo que alguma jurisprudência recente do Supremo Tribunal Administrativo (STA) pode aparentemente ser entendida como receptiva a uma ampla margem de liberdade da Administração Fiscal nas avaliações em causa, no limite permitindo a desconsideração de intuitos económicos do contribuinte. Pensamos, inter alia, em decisões como as que resultam de Acórdão de 5 de Julho de 2006, da 2ª Secção do STA (…), onde se sustenta que os critérios jurídico-económicos previstos no artigo 69º do Código do IRC são conceitos indeterminados, cujo preenchimento cabe à administração, a qual disporia supostamente, para esse efeito, de uma «longa margem de livre apreciação» (no quadro da denominada discricionariedade técnica). (…)
Contudo, mostra-se consensual na melhor doutrina que a utilização de conceitos indeterminados no direito administrativo ou no direito fiscal para balizar determinados interesses públicos e os parâmetros de avaliação pela Administração Pública, norteados por esses interesses - como sucede no presente caso - não afasta o exercício de tais poderes de avaliação, sob a forma de competência vinculada.
Do mesmo modo, a utilização desses conceitos encontra-se sempre sujeita a controlo da legalidade, apenas sendo de admitir uma variação do grau ou intensidade e desse controlo consoante e tipo de caso. No que respeita ao tipo de avaliação da Administração Fiscal o grau de controlo em causa implicará sempre verificar se esta, para desconsiderar em absoluto os intuitos económicos do contribuinte, demonstrou minimamente o carácter artificioso da fusão proposta, que visasse unicamente propósitos de obtenção de vantagens fiscais.».

Tal não significa, porém, que o controlo judicial dos actos de concretização deste tipo de conceitos seja irrestrito, pois podem existir situações em que distintos actos de concretização do mesmo conceito se adaptam à norma, isto é, podem existir vários actos legítimos de concretização do conceito indeterminado, sendo qualquer um deles possível, viável e lícito. Nesses casos, a incidência do controle judicial há-de restringir-se aos limites da razoabilidade da solução escolhida de entre as que se apresentavam como possíveis e legítimas. Por outras palavras, nesses casos, o controlo judicial só é admissível para verificar se foram ultrapassados os limites de uma opção administrativa legítima ou se houve, pelo contrário, uma flagrante violação do princípio da razoabilidade, pois que fora desse âmbito o órgão jurisdicional estaria a intrometer-se na faixa de soluções reservadas constitucionalmente aos agentes da Administração.

Esta é a solução que, a nosso ver, melhor se harmoniza com o quadro legal e constitucional aplicável e para a qual aponta a melhor e mais avalizada doutrina.

Por tudo o que deixámos exposto, não pode manter-se o acórdão recorrido quando julgou, pura e simplesmente, que o juízo administrativo que subjaz à existência ou inexistência de “razões económicas válidas” é matéria de discricionariedade técnica que não pode ser fiscalizado pelos tribunais salvo erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal.

Posto isto, cumpre passar à análise da questão de saber o despacho que indeferiu a pretensão da Autora é ilegal – por erro de interpretação do art. 69º do CIRC, por erro na apreciação dos factos e da prova produzida pela requerente e erro na interpretação de conceitos legais indeterminados. Para o que se impõe, desde logo, proceder à análise da justificação normativa do preceito, enquanto ponto de partida para a interpretação e integração dos conceitos indeterminados nele contidos.

Em primeiro lugar, há que salientar que os requisitos para obter a autorização de transmissibilidade de prejuízos fiscais a que se refere o art. 69º do CIRC não representam exigências para acesso a um benefício fiscal, pois a possibilidade de transmissibilidade de prejuízos constitui um princípio geral estruturante do sistema tributário nas fusões entre empresas - princípio que corporiza a tentativa do direito fiscal de alcançar o máximo de neutralidade possível na tributação inter-temporal de uma determinada exploração, atentas as insuficiências resultantes da especialização de exercícios para a aferição da real situação contributiva do sujeito no âmbito dessa dinâmica temporal.

Esses requisitos constituem, antes, exigências de uma verdadeira norma (sectorial) anti-abuso (Sobre a temática, GUSTAVO LOPES COURINHA, in “A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário”, Editora Almedina.), que visam assegurar que a operação de fusão – e o consequente transporte de prejuízos que, em princípio, proporciona – não tenha o propósito preponderante de colher vantagens fiscais.

Ou seja, a operação não pode ter tido uma mera motivação fiscal, visando obter uma vantagem predominantemente fiscal (como a compensação horizontal das perdas), sendo necessário que tenha tido uma motivação eminentemente económica, ainda que tal acarrete, de forma associada, a obtenção de uma vantagem fiscal. E porque cabe ao legislador fiscal impedir a evasão ou elisão fiscal ilícita e a fraude fiscal, incumbe-lhe adoptar mecanismos de controlo (como é a via da autorização administrativa) para assegurar que a operação se fundou efectivamente em razões económicas e não traduz um mero planeamento fiscal ilícito tendente à eliminação ou à redução da carga fiscal.

Como bem esclarece SALDANHA SANCHES( Na obra “Os limites do Planeamento Fiscal”, Coimbra Editora, 2006, pág. 200.), este normativo, «que compartilha com as normas anti-abuso específicas a característica de só poder ser aplicada a fusões/ cisões/destaque de activos e ter apenas como consequência desqualificar as operações para a obtenção da neutralidade fiscal, tem um modo de aplicação que contém todos os problemas e todas as virtualidades da cláusula geral anti-abuso (recurso à averiguação da intenção do contribuinte, distinção entre operações com uma finalidade económica e mera finalidade fiscal)». E como também deixaram salientado os membros do sub-grupo para a análise da tributação directa do “Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal”, a pág. 206, a propósito dos actuais arts. 52º, nº 9, e 75º do CIRC, estas normas “não podem ser entendidas como significando a manutenção de um qualquer resquício de discricionariedade administrativa”, pois o seu objectivo “é, tão-só, o de prevenir situações de abuso, evitar a consumação de operações sem qualquer intuito empresarial, motivadas apenas pelo objectivo de economia fiscal”.

Por outro lado, o art. 69º do CIRC deve ser interpretado à luz da Directiva nº 90/434CEE do Conselho, de 23.07.1990, maxime em concordância com o seu art. 11º que dispõe sobre o regime fiscal comum, de modo a evitar a tributação das fusões, no sentido de que tais operações devem ir além da procura de um benefício puramente fiscal. Com efeito, sendo essa a fonte do regime fiscal das fusões português, «muito seria de estranhar que um conceito anti-abuso retirado da mesma não fosse interpretado à luz do ordenamento europeu. Assim, e uma vez que Portugal recorreu expressamente a um conceito europeu para a resolução da questão da transmissibilidade de prejuízos, o conceito deverá ser analisado à luz do direito da EU e o TJUE será competente para esta matéria»( TERESA GIL DE OLIVEIRA BRAGA, na obra citada, pág. 104.)

E como se vê pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), a política do direito comunitário é permitir estas operações com neutralidade fiscal, e o afastamento desse regime de neutralidade só deve acontecer no caso de as operações não terem sido determinadas por razões economicamente válidas (restruturação ou racionalização das actividades) ou terem sido ditadas por objectivos de evasão fiscal.

Como se deixou afirmado no acórdão C-28/95 proferido por esse Tribunal em 17.07.1997 (caso Leur-Bloem), «b) O artigo 11º da Directiva 90/343 deve ser interpretado no sentido de que, para verificar se a operação em causa tem como principal objectivo ou como um dos principais objectivos a fraude ou a evasão fiscais, as autoridades nacionais competentes devem proceder, em cada caso, à apreciação global da referida operação. Essa apreciação deve poder ser objecto de fiscalização jurisdicional. Em conformidade com o artigo 11º, nº 1, alínea a), da directiva, os Estados-Membros podem prever que o facto da operação em causa não ter sido efectuada por razões económicas válidas constitui uma presunção de fraude ou de evasão fiscais. Compete-lhe determinar os procedimentos internos necessários para esse fim, respeitando o princípio da proporcionalidade. No entanto, a instituição de uma regra de alcance geral que exclui automaticamente certas categorias de operações do benefício fiscal, com base em critérios como os mencionados na segunda resposta alínea a), quer haja ou não efectivamente evasão ou fraude fiscais, ultrapassaria aquilo que é necessário para evitar essa fraude ou essa evasão fiscais e prejudicaria o objectivo prosseguido pela Directiva 90/434. c) O conceito de razão económica válida, na acepção do artigo 11º da Directiva 90/434, deve ser interpretado como indo além da procura de um benefício puramente fiscal, como a compensação horizontal das perdas.».

Também na decisão proferida pelo TJUE no âmbito do processo C-126/10 (caso Foggia), que recaiu sobre uma operação de fusão realizada por uma SGPS que incorporou três sociedades participadas e onde fora negada pela administração fiscal portuguesa a autorização de transmissibilidade dos prejuízos fiscais de uma das sociedades incorporadas (com o argumento de que esta não exercia actividade e tinha prejuízos fiscais avultados de origem indeterminada, o que, na perspectiva da administração, poria em causa a existência razões económicas válidas para a operação), o TJUE decidiu, após pedido de decisão prejudicial formulado pelo STA no âmbito do proc. nº 0844/09, que na análise das razões subjacentes à operação de fusão e na qualificação das mesmas como “razões económicas válidas”, devem ser tidos em conta os aspectos de natureza fiscal e a sua importância relativa no conjunto de benefícios económicos resultantes da fusão.

Ou seja, uma operação de fusão alicerçada em diversos objectivos, entre os quais podem também figurar considerações de natureza fiscal, é susceptível, na óptica do TJUE, de constituir uma razão comercial válida, desde que aquelas considerações não sejam preponderantes para a realização da operação. Pelo que, concluiu o TJUE, o regime previsto na Directiva 90/434/CEE poderá ser negado em virtude da ausência de “razões comerciais válidas” quando os benefícios económicos são marginais face às vantagens fiscais decorrentes da operação, tendo remetido para as autoridades jurisdicionais nacionais a realização da análise casuística sobre a existência dessas razões.

Por conseguinte, estes conceitos indeterminados de cujo preenchimento o Código do IRC faz depender a autorização de transmissibilidade dos prejuízos, devem ser interpretados e densificados através de uma lógica casuística, sempre à luz de todo o contexto jurídico-económico em que a operação se desenvolveu (o que passa por examinar a operação na sua globalidade, para investigar se ela faz sentido, do ponto de vista económico, no seu todo) e sem nunca descurar que esses conceitos se destinam a evitar que a operação de fusão - com a transmissibilidade de prejuízos que proporciona – tenha sido determinada por razões predominantemente fiscais, pois o legislador não quer que o desagravamento fiscal suceda quando se constate que a operação nunca teria tido lugar caso não fossem as vantagens fiscais que proporciona.

Esta, pois, a justificação normativa que deve servir para fixar critérios de interpretação e integração dos conceitos indeterminados contidos no art. 69º do CIRC.

No caso vertente, a ora recorrente, para obter a requerida autorização de transmissibilidade dos prejuízos fiscais, documentou toda a operação de fusão realizada, apresentando, além do mais, um extenso e pormenorizado “Estudo Demonstrativo das Vantagens Económicas da Fusão”, onde se descreve a motivação da operação e se explica, de forma documentada, que ela foi norteada por dois objectivos que se prendem, por um lado, com o redimensionamento e desenvolvimento da actividade das cooperativas fundidas, e, por outro, com a racionalização, reorganização e reorientação dos respectivos recursos humanos, patrimoniais e financeiros.

Quanto ao primeiro objectivo – redimensionamento e desenvolvimento da actividade das cooperativas fundidas – ele traduziu-se no seguinte:
  • Reforço da quota de mercado: a actividade das caixas de crédito agrícola mútuo está limitada territorialmente, pois de harmonia com o art. 12º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo (RJCAM) as caixas de crédito agrícola mútuo têm âmbito local, podendo exercer a sua actividade apenas no município onde tiverem sede ou nos municípios limítrofes se neles não existir outra caixa em funcionamento. Face a essa limitação, o reforço da quota de mercado de uma caixa de crédito agrícola mútuo só pode ser alcançado através da “aquisição” de outras caixas, e a própria lei identifica o instrumento jurídico através do qual a aquisição pode ter lugar, e que é, justamente, a fusão (art. 12º, nº 1, do RJCAM).
    «Neste caso, por efeito da fusão, ainda que o alargamento de âmbito territorial da nova estrutura se limite a um único concelho, o universo de clientes servido pela nova estrutura aumenta significativamente, quer quantitativa, quer qualitativamente.
    Com mais de 18.500 habitantes, distribuídos por 10 freguesias, Montemor-o-Novo é hoje um dos Concelhos mais significativos no panorama regional em termos socio-económicos, o que, sem dúvida, potencia um novo leque de clientes, quer em quantidade, quer em qualidade, com necessidades de crédito diversificadas, não se limitando, certamente, apesar da sua proeminência, aos produtos de crédito agrícola.
    Contrariando a tendência verificada em toda a região central alentejana, que na última década assiste a uma acentuada variação populacional negativa, o Concelho de Montemor-o-Novo logrou manter, a esse nível, um assinalável equilíbrio, acompanhado pelo reforço dos índices sociais e económicos, indicadores do aumento do bem estar e desenvolvimento da população local.
    Além disso, o concelho de Montemor-o-Novo é, a nível regional, o que apresenta maior nível de fixação de empresas, superado unicamente pelo concelho de Évora, capital de Distrito e cidade destacada no plano nacional.
    (…) a incorporação da Caixa de Montemor-o-Novo na Caixa de Alcácer do Sal, através da fusão, «permite não só duplicar a abrangência populacional desta última, como também, abrir portas à intervenção, de forma reforçada e claramente mais eficaz, num concelho que tem sabido obviar a referida iminência demográfica negativa e as consequências económicas que daí advêm.».
  • Alargamento da actividade: as caixas de crédito agrícola mútuo são instituições de crédito cuja actividade está sujeita e condicionada pela observância tanto de rácios de solvabilidade como de limites prudenciais. Para além dos que decorrem da lei geral, há ainda que ter presentes dois limites específicos da actividade prosseguida pelas caixas de crédito agrícola mútuo.
    «Desde logo, e em primeiro lugar, verifica-se que as caixas de crédito agrícola mútuo só podem realizar operações de crédito com terceiros, que não sejam seus associados, se preencherem, em base individual, as regras prudenciais fixadas pelo Banco de Portugal ao abrigo do art. 99º do RGICSF (art. 28º do Regime Jurídico Crédito Agrícola Mútuo).
    Por outro lado, e em segundo lugar, constata-se que só as caixas de crédito agrícola mútuo que apresentem condições estruturais adequadas e meios suficientes, designadamente quanto a fundos próprios, solvabilidade, liquidez, organização interna e capacidade técnica e humana, podem ver o seu objecto alargado a outras actividades para além da concessão de crédito agrícola a favor dos seus associados, como sejam, a locação financeira e a emissão e gestão de meios de pagamento (art. 36º Regime Jurídico Crédito Agrícola Mútuo).
    Este alargamento é, aliás, uma das linhas de orientação estratégica do crédito agrícola, confrontado que está este com uma redução significativa da margem financeira, com uma concorrência acrescida de instituições que oferecem aos seus clientes todo o tipo de serviços (banca universal) e com a necessidade de diversificar o risco como forma de reduzir a percentagem de crédito vencido.
    No caso presente, constata-se que os Fundos Próprios apresentados pela Caixa de Montemor-o-Novo têm tolhido o normal desenvolvimento da sua actividade, junto dos seus associados e de terceiros, quer na concessão de crédito, quer no que diz respeito à aquisição de imobilizado, quer ainda no que concerne às suas aplicações financeiras.
    Em particular, assume especial relevância a circunstância de a Caixa de Montemor-o-Novo, justamente por força das sobreditas limitações, não estar autorizada pelas autoridades de supervisão a desenvolver a actividade de concessão de crédito não agrícola, deixando assim de explorar e potenciar uma parcela significativa do seu mercado e dos seus recursos, com a consequente diminuição do seu rendimento e, por consequência, da rentabilidade dos seus recursos, tanto humanos como patrimoniais.
    Atentas as sobreditas limitações, a Caixa de Montemor-o-Novo tem-se limitado a actuar como agente da Caixa Central na concessão de crédito não agrícola.
    A fusão, por outras palavras, permite não só introduzir a concessão de crédito directo no concelho de Montemor-o-Novo, mas também, com o reforço dos rácios prudenciais da nova estrutura pós-fusão, alargar essa possibilidade ao Concelho de Alcácer do Sal.»

Quanto ao segundo objectivo – racionalização, reorganização e reorientação dos recursos – ele traduziu-se no seguinte:
  • Reforço dos rácios de solvabilidade e limites prudenciais: a actividade das caixas de crédito agrícola, por ser uma actividade financeira, supõe a observância de determinados limites e rácios prudenciais e «um dos propósitos da fusão das Caixa de Alcácer do Sal e Montemor-o-Novo é, justamente, o de melhorar aqueles rácios e, por essa via, potenciar a actividade das cooperativas fundidas, cumprindo destacar os seguintes:

    (i) Limites à concessão de crédito
    O Aviso do Banco de Portugal nº 10/94 determina que a concessão de crédito por qualquer instituição financeira, e por consequência também pelas caixas de crédito agrícola mútuo, está relacionada com os respectivos fundos próprios, não podendo ser ultrapassados dois limites:

    • Limite máximo a uma só entidade: nenhum mutuário ou grupo de mutuários pode assumir responsabilidades por riscos de crédito em montante superior a 25% dos fundos próprios da instituição de crédito, calculados em base individual.

    • Limite Agregado: o somatório dos riscos de crédito superiores a 10% dos fundos próprios não pode exceder 8 vezes o total dos fundos próprios da mesma instituição. Considera-se grande risco a situação em que o conjunto dos riscos incorridos por uma instituição perante um cliente ou grupo de clientes ligados entre si represente 10% ou mais dos fundos próprios referidos. Até determinação em contrário, se da aplicação da percentagem no limite máximo resultar um valor inferior a 20 000 euros, este montante deve ser considerado como limite a observar relativamente a cada cliente ou grupo de clientes ligados entre si.

    Nesta sede, constata-se que a Caixa de Montemor-o-Novo tem apresentado fundos próprios negativos e, consequentemente, limitadores, se comparados com o potencial dos clientes alvo que estão no seu raio de acção, e portanto, ao seu alcance. É inquestionável a mais-valia comercial gerada pela integração da Caixa de Montemor-o-Novo na Caixa de Alcácer do Sal, e consequentemente, da abertura que isso gera em termos de exploração de outros produtos comerciais para além do crédito agrícola.

    (ii) Rácio de Solvabilidade
    O Aviso nº 1/93 do Banco de Portugal determina que as instituições de crédito são obrigadas a manter a relação fundos próprios/activo líquido (ponderado em função do respectivo risco) igual ou acima dos 8%.
    As instituições de crédito não podem efectuar aplicações de risco superior a 0% (nomeadamente em concessão de crédito), quando o valor do seu rácio de solvabilidade for inferior a 8%.
    Refira-se também, neste ponto (ainda que de forma extensível aos demais) que, a intervenção do Fundo de Garantia na operação não é alheia a esta realidade, procurando portanto, certo da viabilidade da operação em causa, potenciar e solidificar os resultados daí decorrentes.
    Acarinhando esta operação, atentos os objectivos visados, o Fundo de Garantia procedeu à injecção de capital na nova estrutura com vista à neutralização da situação deficitária da entidade incorporada e potenciação dos efeitos globais da fusão.
    Em conformidade com o disposto no artigo 2º do Decreto-Lei nº 182/87, de 21 de Abril, que criou o Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo, aquele Fundo “… tem por objecto, com vista à defesa do sistema de crédito agrícola mútuo, realizar e promover as acções que considere necessárias para assegurar a solvabilidade das caixas de crédito agrícola mútuo...”.
    Tal intento foi posteriormente reafirmado pelo artigo 2º do Decreto-Lei 345/98, de 9 de Novembro - Diploma que veio regulamentar o funcionamento do Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo -, nos termos do qual, o Fundo, além de garantir os depósitos constituídos na Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo e nas caixas de crédito agrícola mútuo suas associadas, tem por objecto “...promover e realizar as acções que considere necessárias para assegurar a solvabilidade e liquidez das referidas instituições, com vista à defesa do Sistema Integrado do Crédito Agrícola Mútuo.”
    Assim, na plena prossecução do seu objecto, o Fundo de Garantia procedeu à referida injecção de capital, porquanto, a mesma se afigurava de importância nevrálgica para a concretização da fusão entre a Caixa de Montemor-o-Novo e a Caixa de Alcácer do Sal e para a efectivação dos efeitos económicos daí decorrentes.
    Esta intervenção do Fundo de Garantia visou essencialmente obviar as dificuldades iniciais que a nova estrutura poderia enfrentar — reforçando assim a real função do capital social no âmbito da cooperativa —, sem prejuízo de nunca se pôr em causa a necessidade e viabilidade do projecto.
    A própria intervenção do Fundo de Garantia, demonstra, por si só, que aquele Fundo, no exercício da sua autonomia, ponderou e decidiu por relevante o apoio à dita fusão, obviamente, por a considerar da maior relevância e conveniência económicas.
    Não se poderá em momento algum duvidar da fiabilidade dos critérios adoptados pelo Fundo de Garantia — entidade autónoma a funcionar junto do Banco de Portugal — na ponderação e conclusão relativa à viabilidade económica da nova entidade pós-fusão — a própria base científica deste Estudo assenta na partilha de alguns desses critérios cuja fiabilidade e experimentação são inegáveis.

    (iii)- Sinergias
    Ainda no âmbito da racionalização, reestruturação e reorganização de recursos, cumpre notar que a fusão das Caixas de Alcácer do Sal e de Montemor-o-Novo irá permitir significativas sinergias e economias de escala, uma melhor organização dos serviços e dos recursos humanos, a racionalização de custos, e a libertação de pessoal para tarefas novas exigidas pelas actuais condições de mercado, nomeadamente a formação e a actividade comercial.
    Assim, os apoios do Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo e da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, a maior dimensão, a acrescida competitividade, o acréscimo de eficiência e eficácia nos serviços e uma gestão mais profissionalizada, são os meios com que a Caixa resultante da fusão poderá contar para incrementar a actividade e a rentabilidade do conjunto de activos e passivos integrados, por efeito da fusão, numa única entidade jurídica.
- Área comercial
A fusão permite tirar proveito dos beneficios estratégicos e, também, das experiências das duas instituições, ambas com largos anos de existência no seio do Grupo Crédito Agrícola - universo com mais de 110 Caixas associadas da Caixa Central e com uma rede superior a 620 balcões espalhados pelo país.
Desta forma proporcionar-se-á aos seus Associados, Clientes e Concelhos onde estão inseridas um maior valor acrescentado, aumentando a sua fidelização e, com a melhoria e enriquecimento dos serviços que a Caixa de Alcácer do Sal, depois da fusão, irá prestar, atingir-se-á uma maior quota de mercado, precisamente, pela estrutura patrimonial e humana da extinta Caixa de Montemor-o-Novo.

- Área Financeira e de Recursos Humanos
Nesta área, de uma maneira praticamente imediata, poder-se-ão observar os benefícios originados pela fusão por incorporação da Caixa de Montemor-o-Novo na de Alcácer do Sal, seja pela redução ou eliminação de um conjunto de obrigações de carácter legal da mais diversa ordem imputáveis à entidade incorporada, seja pela redução de custos correntes.
Também toda a gestão estratégica e operacional dentro da organização sairá reforçada pela unificação das duas cooperativas, permitindo a aplicação de uma gestão com regras mais efectivas e, ao mesmo tempo, mais consentâneas com os aspectos essenciais do mercado.

Em particular:

1. Órgãos de Gestão e Fiscalização — Redução destes órgãos praticamente a metade, com a consequente redução dos seus custos e correspondentes encargos sociais;

2. Recursos Humanos — Não se perspectivam reduções, mas antes a transferência entre serviços, em particular para área comercial. É previsível uma redução de custos com pessoal (ou seus conexos), fruto de uma gestão mais profissional.

3. F.S.E. e Amortizações — Admite-se um grande ganho por força das economias de escala emergentes da fusão. Esta redução resulta, nomeadamente, e a título meramente exemplificativo, da eliminação dos custos decorrentes de publicações de convocatórias e contas nos jornais da Caixa incorporada, da eliminação de várias tarefas de reporuing para o Banco de Portugal, Fundo de Garantia e Caixa Central, da redução de serviços de back-office, que antes eram feitos pelas duas caixas, da redução de alguns equipamentos e espaços, com a correspondente redução dos gastos associados, da eliminação de algumas avenças e contratos de prestação de serviços, tendo em conta que as duas sociedades desenvolvem actividades similares, da redução de custos relacionados com electricidade, água, combustíveis, e outros consumíveis.

4. Fornecedores/relacionamento — Tendo presente que as duas entidades desenvolvem actividades semelhantes e necessitam do mesmo tipo de serviços e produtos, a fusão vem permitir concentrar actividades e, consequentemente, aumentar o volume dos serviços e fornecimentos contratados, permitindo uma melhoria da capacidade negocial, o que permitirá ganhos ao nível do preço e das condições de pagamento.

As sinergias acabadas de enunciar reflectem-se na melhoria dos principais indicadores económicos e financeiros das cooperativas participantes na fusão.
É o que sucede, designadamente, ao nível da rentabilidade por trabalhador e por balcão, ou ao do rácio depósito/passivo: (…)
(…)

Rácios e limites prudenciais: Diversificação das fontes de proveitos
Com fundos próprios negativos e com rácios modestos, a Caixa de Montemor-o-Novo via-se algo limitada na sua actividade normal, quer na concessão de crédito, quer em aquisições de imobilizado, quer ainda nas suas aplicações, o que deixará de suceder após a fusão.
Por outro lado, o crescimento das operações de crédito agrícola e o seu alargamento às necessidades do desenvolvimento rural ditou, por imperiosa, a adopção de novas técnicas e meios, com apetrechamento de quadros humanos com adequada e específica formação.
As operações de crédito agrícola deixaram, pois, de se dirigir unicamente às actividades consideradas como imediatamente produtivas mas também e com grande volume para aquelas que, proporcionando o progresso das comunidades rurais, no aspecto económico e social, contribuem para a melhoria das condições e do exercício daquelas outras.
Assiste-se, agora, a um novo impulso nas operações de crédito efectuadas pelas caixas agrícolas com o seu alargamento a outras actividades económicas, o que só é possível, como referimos, se as caixas apresentarem determinados rácios de solvabilidade e tiverem recursos técnicos e humanos adequados.

Controlo do crédito do crédito vencido e área de contencioso.
Uma das linhas estratégicas do crédito agrícola mútuo reside no controlo do crédito vencido. Este é, reconhecidamente, um dos problemas nucleares com que se defronta o sector.
Como é também sabido, a resolução deste problema passa, antes do mais, por uma gestão integrada dos riscos (o que pressupõe um investimento significativo em sistemas informáticos, tanto ao nível de hardware como de software).
Ela exige, por outro lado, uma significativa diversificação de riscos, assente na diversificação quer de actividades quer de produtos e serviços.
A melhoria proporcionada, por essa via, fica bem patente na evolução previsível dos principais indicadores relativos ao crédito vencido, como se pode constatar pela análise do quadro que se segue:
(…).

Outros benefícios
Como é do conhecimento público, as caixas de crédito agrícola mútuo desempenham uma função económica e social da maior importância.
Para além do particular segmento de actividade que financiam, o funcionamento das caixas de crédito agrícola mútuo obedece aos princípios cooperativos, não visando precipuamente o lucro, mas sim, e diversamente, o beneficio dos seus associados.
Acresce, por outra via, que as caixas de crédito agrícola mútuo, até pela sua implantação geográfica, desempenham uma função social não despicienda, nomeadamente no apoio a actividades e entidades locais, nos mais variados domínios, tais como a cultura, o desporto e a educação.
Ora, por efeito da fusão, e em particular do reforço dos índices de solidez económica e financeira das caixas intervenientes, aquelas actividades irão ser certamente alargadas e incrementadas no raio de acção onde actuava a Caixa de Montemor-o-Novo.
(…)

5. IMPACTO DA OPERAÇÃO DE FUSÃO NOS LUCROS TRIBUTÁVEIS E PREJUÍZOS A TRANSMITIR

A) Impacto no lucro tributável
Às vantagens da fusão materializam-se no previsível aumento dos lucros tributáveis da Caixa de Alcácer do Sal, o qual, como resulta do quadro que se segue, fica em boa parte a dever-se à integração, naquela entidade, da Caixa de Montemor-o-Novo:
(…)
Dos elementos anteriores resulta que o acréscimo do lucro tributável da Caixa de Montemor-o-Novo na Caixa de Alcácer do Sal, relativamente ao lucro apurado por esta cooperativa no ano anterior ao da fusão (2005), excede, em cada exercício, o valor correspondente à proporção dos patrimónios das duas cooperativas fundidas, conforme consta das orientações vertidas na Circular nº 7/2005, de 16 de Maio, as quais só por mera cautela se admite serem aplicáveis às cooperativas.
O efeito do contributo do património da Caixa de Montemor-o-Novo para o aumento do lucro previsional da Caixa de Alcácer do Sal ultrapassa o peso relativo dos patrimónios em causa: apesar de em termos estritamente contabilísticos o peso do património da Caixa de Montemor-o-Novo no património global da nova entidade ser neutro, em termos económicos e efectivos, a incorporação daquela caixa na nova estrutura, gera inegáveis efeitos económicos positivos que se repercutem directamente no aumento do lucro previsional, o que, de todo o modo, não deixa de ser significativo.
As coisas passam-se assim por razões excepcionais, cuja ocorrência, no entender da requerente, justifica que não seja seguida a orientação geral enunciada na alínea c) do nº 1 da sobredita circular, orientação essa que, compreensivelmente, se encontra prevista para a generalidade dos casos e que, nessa exacta medida, não impede solução diversa, sempre que a mesma encontra justificação nas circunstâncias do caso concreto, como sucede com a fusão da Caixa de Montemor-o-Novo com a Caixa de Alcácer do Sal.
É por demais evidente, pelos motivos expostos, nomeadamente pelo significativo aumento da quota de mercado e pelos iminentes ganhos de eficiência decorrentes da fusão, que a Caixa de Alcácer do Sal, ainda que incorpore em si uma entidade com situação líquida negativa, produzirá lucros tributáveis mais que suficientes quer para neutralizar aquela situação deficitária que agora absorve, quer para cobrir os prejuízos fiscais acumulados.
Na verdade, a mera extinção da Caixa de Montemor-o-Novo, como entidade jurídica autónoma, permite, nomeadamente por efeito do desaparecimento de um conjunto de constrangimentos, que os recursos da Caixa de Alcácer do Sal tenham uma rentabilidade significativamente superior, independentemente de quaisquer outras sinergias emergentes da fusão, que, como se viu, existem e não são despiciendas.».

Para além de toda a documentação de suporte a este “Estudo Demonstrativo das Vantagens Económicas da Fusão”, a requerente apresentou um relatório emitido pelo Banco de Portugal, onde, além do mais, este confirmou que «a) -No nosso entendimento, a generalidade das fusões por incorporação de caixas de crédito agrícola mútuo constituem um meio capaz de contribuir para a consolidação e o fortalecimento do sector bancário e, deste modo, atingir e preservar adequados níveis de solvabilidade e de liquidez; b) - A autorização para a fusão de caixas de crédito agrícola mútuo tem levado em consideração, entre outros factores, o apoio constituído por financiamentos concedidos pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola, sempre que tal se mostre necessário ou conveniente.».

Nenhum destes dados e elementos motivacionais anunciados e documentados pela requerente foi contestado ou rebatido pela administração, nem a documentação de suporte foi alvo de qualquer objecção. O que, aliás, levou o TCAS a dar como provado o seguinte:
  • Conforme foi considerado no estudo demonstrativo das vantagens económicas da fusão entre a Autora CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE ALCÁCER DO SAL e a CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DE MONTEMOR-O-NOVO, CRL, anteriormente à fusão a Autora tinha já atingido o limite do seu âmbito territorial de actuação, atentas as contingências legais, e, por consequência, o limite do aproveitamento da eficiência máxima dos seus recursos.
  • Ao invés, a CCAMMN, nos últimos anos, apresenta uma degradação considerável da sua situação financeira e dos seus rácios prudenciais, fortemente limitadores da sua actividade como decorre do documento junto de fls. 142 a 159;
  • As entidades envolvidas optaram pela fusão por virtude da depreciação galopante dos activos da entidade incorporada (CCAMMN) e possibilidade e necessidade de reabilitar esses activos no âmbito de uma nova estrutura.
  • A referida fusão inseriu-se num movimento de concentração e racionalização das estruturas de crédito agrícola a nível nacional e internacional, tendo sido devidamente autorizada e apoiada pela Caixa Central do Crédito Agrícola Mútuo e pelo Banco de Portugal nos termos do projecto de fusão a que se reporta o parecer junto de fls. 160 a 162 dirigido pela Caixa Central ao Banco de Portugal. Aí se demonstrava que a fusão assentava na evidência económica de que dela decorriam diversas sinergias e consequentes ganhos de eficiência, e que, como tal, por essa via, era viável a reabilitação dos activos da incorporada e a potenciação e valorização do activo já existente na incorporante.
  • O Banco de Portugal, em resposta ao pedido de informação para apresentar junto da Administração Fiscal formulado pela Autora, veio confirmar que “a) -No nosso entendimento, a generalidade das fusões por incorporação de caixas de crédito agrícola mútuo constituem um meio capaz de contribuir para a consolidação e o fortalecimento do sector bancário e, deste modo, atingir e preservar adequados níveis de solvabilidade e de liquidez; b) - A autorização para a fusão de caixas de crédito agrícola mútuo tem levado em consideração, entre outros factores, o apoio constituído por financiamentos concedidos pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola, sempre que tal se mostre necessário ou conveniente”.
  • As administrações das entidades envolvidas, porque estavam plenamente cientes do estado real destas entidades e do panorama geral do crédito agrícola, a nível nacional e internacional, optaram deliberadamente pela fusão, enquanto mecanismo economicamente mais eficiente para a sua reestruturação e incremento.
  • Isso também baseados em que a fusão proporcionou o imediato incremento do crédito não agrícola -por força da eliminação das limitações de balanço e do consequente reforço dos rácios prudenciais – o qual, por sua vez, gerou um inevitável aumento da rentabilidade dos activos e recursos humanos das entidades envolvidas.
  • Segundo a Autora, a fusão permitiu ainda ganhos de eficiência e produtividade a nível logístico - informática, de contabilidade e auditoria, planejando económico, assessoria jurídica, gestão documental, publicidade, formação de recursos humanos, gestão de risco e controlo de crédito vencido, desenvolvimento de novos produtos, redução de custos com os órgãos sociais, entre outros.
  • Para a Autora, a fusão fundou-se na reestruturação e a racionalização das actividades económicas desenvolvidas e o redimensionamento e potenciação da actividade económica a médio e longo prazo das cooperativas intervenientes, não assentando num estrito móbil fiscal, sendo que o efeito económico das sinergias geradas e a consideração do eventual “custo de reposição” evidenciam, em concreto, a motivação económica da fusão. E, segundo ela, a realidade existente após a fusão (e por efeito desta) é, por si só, demonstrativa da motivação económica válida com efeitos duradouros na estrutura produtiva que presidiu à fusão.

Neste contexto, que permite claramente inferir que a operação teve uma razão de ser preponderante do ponto de vista económico, com evidentes consequências vantajosas na estrutura produtiva, numa lógica económica de médio e longo prazo, passou a competir à administração fiscal demonstrar as razões por que desconsiderou em absoluto os referidos intuitos económicos, demonstrando que a fusão teve, pelo contrário, um desígnio predominantemente fiscal. O que lhe impunha, como vimos, um especial e intensificado dever de fundamentação, revelador do seu processo de análise da operação na sua globalidade e da atenção dada a todo o contexto jurídico-económico em que ela se desenvolveu e especificidades do caso concreto, por forma a demonstrar, através de um discurso lógico, consistente e pertinente, que, ao contrário daquela aparência, e numa lógica de razoabilidade, a intenção mobilizadora do requerente fora outra, não lhe bastando a mera recondução formal a um critério administrativo pré-estabelecido.

Porém, no caso vertente, o que a administração tributária aduziu para afirmar que não se encontravam preenchidos os requisitos contidos no art. 69º do CIRC é, exclusivamente, que o património da entidade incorporada, no último balanço anterior à fusão, registava um valor negativo.

Segundo ela, essa circunstância faz, por si só, com que não ocorra «qualquer efeito positivo na incorporação do património da CCAMMN para a CCAMAS, não contribuindo esse património para os resultados positivos futuros da requerente (sociedade incorporante).». E acrescenta que para além de não haver, assim, interesse económico para a fusão, o facto de a incorporada ter legado «para a incorporante um património negativo, torna inaplicável qualquer dedução, tendo em conta o constante no Despacho nº 79/2005-XVII, de 15 de Abril, desta Secretaria de Estado, posteriormente desenvolvido pela Circular nº 7/2005, de 16 de Maio, em concreto a alínea c) do nº 1. É de determinar, assim, que, pela falta de verificação dos pressupostos quanto à sua concessão, em concreto pela inexistência de razões económicas válidas, determinados pelos nsº 1 e 2 do artigo 69º do Código do IRC, seja indeferido o pedido (…)».

Em suma, a administração considerou unicamente, para indeferir o pedido, que não se verificavam razões económicas válidas por virtude de a incorporada ter legado para a incorporante um património negativo, e que tal tornaria inaplicável qualquer dedução face ao teor do Despacho nº 79/2005-XVII, de 15 de Abril, posteriormente desenvolvido pela Circular nº 7/2005, de 16 de Maio.

Tal circunstancialismo fundamentador do juízo formulado pela administração fiscal sobre a falta de preenchimento dos referidos conceitos não tem, todavia, aptidão e idoneidade suficiente para abalar e desconsiderar totalmente os intuitos económicos do contribuinte e as vantagens económicas da fusão evidenciada por toda a prova que ele produziu para o efeito. Aliás, esse discurso fundamentador não só não evidencia que tenha sido tomado em conta todo o contexto jurídico-económico em que a operação se desenvolveu e as especificidades do caso concreto, como nem sequer revela que tenha sido considerada a justificação normativa do preceito e utilizados os critérios e parâmetros de interpretação e de integração dos conceitos que decorrem da norma e que acima deixámos referidos.

O facto de o património da entidade incorporada registar um valor negativo no balanço anterior à fusão, podia, sem dúvida, conduzir a uma intensificação da actuação administrativa, obrigando-a a um maior e mais pormenorizado exame da operação na sua globalidade, da documentação apresentada e da intenção mobilizadora do agente que ela permita depreender, com vista a apurar se a operação teve, efectivamente, uma finalidade predominantemente económica, e não uma finalidade essencialmente fiscal. É que não pode esquecer-se que a AT está sujeita ao princípio da verdade material e ao princípio do inquisitório no que respeita à averiguação dos factos relevantes para a tributação, incumbindo-lhe, em sede de procedimento tributário, examinar e indagar todos os elementos pertinentes ao apuramento da real intenção do contribuinte e da razão de ser da operação.

E, por isso, encontrando-se a motivação económica enunciada pelo contribuinte devidamente documentada por forma a evidenciar, de modo convincente, a estratégia empresarial utilizada em termos de racionalidade económica e de melhoria do seu desempenho em função da absorção das áreas de negócio da entidade bancária incorporada, o interesse económico da operação e a sua inserção numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo com efeitos positivos na estrutura produtiva, competia à administração um especial dever de fundamentação, pela evidenciação do carácter artificioso da fusão, por forma a convencer que ela visou unicamente, ou de forma predominante, propósitos de obtenção de vantagens fiscais.

O que ela manifestamente não fez.

Ora, no citado caso Leur-Bloem, ficou claro que o TJUE considera que para averiguar se a operação tem como principal objectivo ou como um dos principais objectivos a fraude ou a evasão fiscais, as autoridades nacionais devem proceder, em cada caso, à apreciação global da operação. E a instituição de uma regra de alcance geral que exclua automaticamente certas categorias de operações do benefício fiscal quer haja ou não efectivamente evasão ou fraude fiscais, ultrapassaria aquilo que é necessário para evitar essa fraude ou evasão fiscais e prejudicaria o objectivo prosseguido pela Directiva 90/434. Acresce que, nesse acórdão, o TJUE foi claro ao indicar que se deve adoptar, como parâmetro de aferição da expressão “razões económicas válidas”, a óptica global da operação, na perspectiva dos negócios que se reorganizam, não devendo olhar-se apenas para o interesse da operação para sociedade incorporante.

E no caso Foggia, o TJUE clarificou que «uma operação de fusão assente em diversos objectivos, entre os quais podem também figurar considerações de natureza fiscal, é susceptível de constituir uma razão económica válida, desde que, no entanto, estas considerações não sejam preponderantes no quadro da operação projectada».

Deste modo, admitir-se que a circunstância de a entidade incorporada registar um património negativo é, por si só, e sistematicamente, inviabilizador do preenchimento daqueles conceitos indeterminados, representaria não só uma solução excessivamente redutora, como traduziria, no fundo, a instituição de uma regra de alcance geral de exclusão automática da possibilidade de transmissibilidade de prejuízos fiscais quer tenha ou não havido propósito de evasão ou fraude fiscais, retirando o sentido e a razão de ser à norma.

Compartilhamos, por isso, inteiramente do entendimento expresso por CARLOS BAPTISTA LOBO( Obra citada, pág. 56.) quando refere que a análise da motivação económica não pode limitar-se à análise da vertente patrimonial líquida e que esse critério é indevidamente condicionador do princípio da liberdade económica e distorce o que se deve entender por “vantagem económica”. Por isso, «apreciações administrativas de motivações económicas das fusões que assentem unicamente na verificação dos seus efeitos na óptica do critério do património líquido põem em causa o princípio da legalidade fiscal e pecarão por um défice de fundamentação (à luz das exigências que devem suportar os juízos de avaliação em sede de aplicação do artigo 69º do Código do IRC).
Em primeiro lugar, o que consta nos despachos e nas circulares em questão não se encontra qua tale suportado na lei, o que corporizará uma violação do princípio da legalidade fiscal constante do artigo 103.º da CRP.
O património líquido não é critério de fundamentação económica (ou, pelo menos, não pode ser erigido em parâmetro exclusivo de avaliação económica das repercussões de fusões para efeitos de aplicação do artigo 69º do Código do IRC). O que releva é a continuidade e manutenção da fonte produtora e o desenvolvimento da actividade das absorvidas. De facto, quando a Administração Fiscal realiza a análise de acordo com este critério está, na prática, a ficcionar uma liquidação definitiva da actividade da sociedade incorporada, só admitindo um interesse económico na fusão se os seus capitais próprios forem positivos. Ora, em termos económicos, o interesse da fusão acentua-se precisamente no caso inverso, ou seja, quando a empresa se encontra numa situação de dificuldade económica mas, ainda assim, detenha uma posição de mercado que interessa salvaguardar e desenvolver.».

Perante todo o exposto, não podemos deixar de concluir que se mostravam preenchidos os requisitos previstos no art.º 69.º do CIRC para o deferimento do pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais.

Por último, refira-se que, tal como foi insistentemente dito e clarificado nos autos pela entidade demandada, a invocação do Despacho nº 79/2005-XVII, de 15 de Abril, desenvolvido pela Circular 7/2005, de 16 de Maio, não constituiu (nem podia constituir) o motivo que determinou o indeferimento do pedido. A referência a essa orientação administrativa constituiu um mero acréscimo para alertar para as consequências decorrentes da transmissão do património negativo da incorporada, pois o que levou ao indeferimento do pedido foi, tão só, a afirmação de que a fusão não se realizara por razões económicas válidas face ao património negativo da entidade incorporada.

Pelo que a administração não terá criado aqui um qualquer critério decisório, não se mostrando, assim, violado o princípio da legalidade previsto no artº 103º da CRP, artº 8º da LGT e artº 104º, nº2, da CRP.

Nem podia ser de outro modo, pois que o nº 4 do art. 69º do CIRC, ao estabelecer que «no despacho de autorização pode ser fixado um plano específico de dedução dos prejuízos fiscais a estabelecer o escalonamento da dedução», visa apenas escalonar o benefício se a administração fiscal o entender necessário após deferir o pedido, não constituindo um requisito ou condição de acesso ao regime contido no art. 69º do CIRC. As circulares não são fonte de direito e a criação de limitações à transmissibilidade de prejuízos através de Circular representaria a criação de um verdadeiro critério decisório ex novo, fora do esquema regular de criação de normas fiscais impositivas, em violação do princípio da legalidade.

A este propósito não resistimos a transcrever, mais uma vez, CARLOS BAPTISTA LOBO( Obra citada, pág. 49 e segs.): «… atendendo à modificação da configuração subjectiva das entidades envolvidas uma vez que as sociedades incorporadas se integram na sociedade incorporante, poderá ser necessária uma ponderação do escalonamento de dedução durante os períodos supervenientes. Essa ponderação tem unicamente por efeito adaptar o mecanismo de transmissibilidade de prejuízos tendo em vista a sua melhor adaptação possível à realidade económica concreta (...).
Porém, o seu conteúdo limita-se ao estabelecimento de um critério de periodização, e não de um qualquer limite quantitativo global. (…)
Não se pode limitar desta forma o benefício, pois não é esse o seu fundamento, não é essa a sua finalidade(sublinhado nosso).

E analisando as orientações administrativas emitidas sobre a aplicação do art. 69º do CIRC, como é o caso da orientação contida no referido Despacho nº 79/2005-XVII, desenvolvido pela Circular 7/2005, escreve esse ilustre jurista, de forma elucidativa e que acompanhamos na íntegra: «Esta redução metodológica praticada pela Administração Fiscal, supostamente em prol da objectividade administrativa, reduz de forma insustentável o âmbito do necessário escrutínio económico das fusões. De facto, a objectivação prosseguida pela Administração Fiscal nas diversas orientações administrativas gera uma desconformidade legal também passível de reparos constitucionais pois o seu resultado culmina na adopção de um critério excessivamente rígido na averiguação do interesse económico da fusão. (…)
Esse critério é a tal ponto restritivo que, no limite, só consente operações quando estas sejam favoráveis na perspectiva interessada da tributação efectiva por parte da administração fiscal. No entanto, com base na legislação aplicável, o interesse económico relevante para efeitos de apreciação da operação de fusão, ex vi do nº 4 do artigo 69º do Código do IRC, é predominantemente o do contribuinte e não o da Administração Fiscal»( Obra citada, pág. 54.)

Por todo o exposto, não pode manter-se na ordem jurídica o sindicado acto de indeferimento vertido no Despacho n.º 868/2007- XVII, de 12 de Julho, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, o que leva à procedência desta acção e à condenação deste a praticar novo acto que reconheça à Autora o direito pretendido, autorizando-a a deduzir os prejuízos fiscais acumulados pela entidade incorporada nos exercícios de 2000 a 2005, por verificação dos pressupostos legais contidos no art. 69º do CIRC, sem prejuízo da fixação de um plano específico de dedução desses prejuízos em conformidade com o disposto no nº 4 desse preceito legal.

4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo no seguinte:

    - Conceder provimento ao recurso jurisdicional e revogar o acórdão recorrido;
    - Julgar procedente a acção administrativa especial e anular o acto impugnado;
    - Condenar a Entidade Demandada a praticar o acto decisório de deferimento do pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais formulado pela Autora, por verificação dos pressupostos legais contidos no art. 69º do CIRC, sem prejuízo da fixação de um plano específico de dedução desses prejuízos em conformidade com o disposto no nº 4 desse preceito legal.

Custas em ambas as instâncias pela Entidade Demandada, ora Recorrida.

Lisboa, 27 de Novembro de 2013. – Dulce Neto (relatora) – Isabel Marques da Silva – Casimiro Gonçalves.