Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0757/11
Data do Acordão:06/14/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IRC
ENCARGOS FISCAIS
DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO
RETROACTIVIDADE DA LEI FISCAL
APLICAÇÃO DA LEI FISCAL NO TEMPO
Sumário:I - A tributação autónoma sobre encargos com viaturas ligeiras de passageiros e despesas de representação incide sobre a despesa, constituindo cada acto de despesa um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período respectivo.
II - Sendo assim, independentemente de a tributação autónoma ser devida com referência a um determinado período que coincide com o ano civil, a cada acto de despesa deve ser aplicada a taxa em vigor na data da sua realização.
III - Deste modo, sofre de inconstitucionalidade, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal consagrado no artigo 103.°, n.º 3, da Constituição da República, a norma do artigo 5.º da Lei n.° 64/2008, de 5 de Dezembro, que determinou que o agravamento da taxa de 5% para 10% sobre despesas de representação e encargos com viaturas ligeiras de passageiros, resultante da nova redacção dada ao artigo 81.°, n.º 3, alínea a), do CIRC, produzisse efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2008, na medida em que representa uma aplicação da lei nova a factos tributários integralmente ocorridos antes da sua entrada em vigor.
IV - As novas taxas, por isso, apenas podem ser aplicadas aos actos de despesa posteriores à entrada em vigor da alteração do citado artº 81º, nº 3, alínea a) do CIRC.
Nº Convencional:JSTA00067680
Nº do Documento:SA2201206140757
Data de Entrada:08/05/2011
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CIRC01 ART81 N3 A
L 64/2008 DE 2008/12/05 ART5
CONST05 ART103 N3
LGT98 ART12 N1 N2
CIRC01 ART81
L 55-B/2004 DE 2004/12/30
L 67-A/2007 DE 2007/12/31
CIRS01 ART68 N1
L 11/2010 DE 2010/06/15 ART1 ART2 ART3
L 12-A/2010 DE 2010/06/30 ART1 ART20
Jurisprudência Nacional:AC TC N18/2011 PROC204/2010 DE 2011/01/12; AC TC N399/2010 DE 2010/12/27; AC STA PROC0281/11 DE 2011/07/06
Referência a Doutrina:DUARTE MORAIS - APONTAMENTOS AO IRC PAG202.
ROSADO PEREIRA - PRINCÍPIO DA NÃO RETROACTIVIDADE DA LEI FISCAL NO CAMPO DA TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA DE ENCARGOS REVISTA DE FINANÇAS PÚBLICAS E DIREITO FISCAL IV N2 PAG220.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A……, SA, melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra de 07 de Abril de 2011, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2008, no que respeita à tributação autónoma incidente sobre as despesas de representação e encargos sobre viaturas ligeiras de passageiros.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1.ª O presente recurso vem interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no dia 7 de Abril de 2011, que julgou improcedente a impugnação judicial do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2009 2610009992, relativo ao exercício de 2008, na parte respeitante à tributação autónoma incidente sobre os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, suportados até ao dia 5 de Dezembro de 2008, inclusive, …
2.ª…e, bem assim, do Despacho, proferido em 19 de Março de 2010, pelo Senhor Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, que indeferiu a Reclamação Graciosa n.º 3522-09/400462.0, apresentada pela ora RECORRENTE contra o mesmo acto tributário de liquidação de IRC.
3.ª No âmbito da presente impugnação judicial, a RECORRENTE defende, em síntese, que o acto tributário aí impugnado foi praticado em erro sobre os respectivos pressupostos de direito, pelo que deveria ser objecto de anulação, por nulidade, ou, alternativa e subsidiariamente, por anulabilidade, na parte em que consubstancia uma liquidação de IRC traduzida na aplicação, às despesas suportadas pela RECORRENTE entre 1 de Janeiro e 5 de Dezembro de 2008, do artigo 81.°, n.º 3, do Código do IRC, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro [corresponde, com alterações, ao actual artigo 88.° do Código de IRC].
4.ª Por outras palavras: a RECORRENTE sustenta, no presente processo de impugnação judicial, que a liquidação adicional de IRC impugnada, concretizando a retroacção dos efeitos, a 1 de Janeiro de 2008, da nova redacção conferida ao artigo 81.° do Código de IRC, implicou um acréscimo de tributação relativamente a factos tributários verificados no domínio da lei antiga, assumindo, deste modo, um carácter retroactivo proscrito pelos artigos 103.°, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e 12.°, n.º 1 e 2, da Lei Geral Tributaria.
5.ª Quanto ao Despacho, proferido em 19 de Março de 2010, pelo Senhor Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, que indeferiu a Reclamação Graciosa anteriormente apresentada contra aquele acto tributário, alegou ainda a RECORRENTE que o mesmo padece de vício determinativo da sua nulidade, na medida em que consubstanciou a aplicação indevida de normas inconstitucionais, devendo, por esse motivo, ser declarada a sua nulidade.
6. ª Contudo, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo veio determinar a total improcedência dos pedidos oportunamente formulados pela RECORRENTE, sufragando, em síntese, que “improcede a invocada inconstitucionalidade da norma sub judicio, sendo legal a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida, face a este juízo de conformidade do preceito com a norma constitucional de proibição da retroactividade”.
7.ª Os argumentos invocados pelo Tribunal a quo no sentido da total improcedência do pedido oportunamente formulado pela ora RECORRENTE podem, segundo se julga, ser sintetizados do seguinte modo:
8.ª... i) a hipótese de incidência recortada pelo regime das tributações autónomas, tal como vertido no artigo 81º do Código do IRC, é enformada por um facto tributário complexo e duradouro ou de formação sucessiva (por oposição à. natureza de facto de formação instantânea e de obrigação única que lhe vem imputada pela RECORRENTE);...
9.ª ...ii) constituindo aquele facto tributário complexo o facto referente para a aferição da aplicação da lei fiscal no tempo, a retroacção dos efeitos, a 1 de Janeiro de 2008 - prescrita pelo n.º 1 do artigo 5.° da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro -, da nova redacção conferida ao artigo 81º do Código de IRC, consubstanciaria, somente, uma retroactividade fraca, mínima ou de 3.° grau, admitida pelo n.º 3 do artigo 103.° da Constituição da República Portuguesa;...
10.ª ...iii) em qualquer caso, e como ultima ratio, invoca ainda o Tribunal a quo que a conformidade constitucional do n.º 1 do artigo 5º da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, fora, já, expressamente sufragada pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 18/2011.
11.ª Contudo, não obstante o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, pretende a RECORRENTE demonstrar - o que fará detalhadamente de seguida - que a Sentença ora recorrida assentou em erro sobre os respectivos pressupostos de direito, na medida em que:
12.ª ...i) o facto tributário constitutivo das obrigações de tributação autónoma, previstas no artigo 81.° do Código do IRC, assume a natureza de um facto simples (composto por um único elemento material: a realização da despesa) e de formação instantânea (ocorre no momento da realização dessa despesa), assumindo, assim, a tributação autónoma, a natureza de imposto de obrigação única;...
13.ª ...ii) a retroacção da aplicação, desde o dia 1 de Janeiro de 2008, da nova redacção conferida ao artigo 81.° do Código do IRC, assume, por esse motivo, a natureza de retroactividade de 2º grau ou intermédia, expressa e inequivocamente proscrita pelo n.º 3 do artigo 103.° da Constituição da República Portuguesa;...
14. ª...iii) o juízo de conformidade constitucional da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, vertido no Acórdão n.º 18/2011 do Tribunal Constitucional, assentou no pressuposto de que a tributação autónoma em sede de IRC assume natureza periódica ou duradoura, pressuposto este que - tomado por certo pelo Tribunal Constitucional, não foi sequer questionado naquela decisão - não se verifica, como não se deixará de demonstrar mais detidamente.
15.ª Começa a RECORRENTE por notar, a este propósito, que as obrigações de imposto constituem-se, consabidamente, com a verificação de um facto, denominado de facto tributário, estruturalmente composto por dois elementos:
o elemento objectivo e o elemento subjectivo.
16.ª Por seu turno, e no que aqui interessa destacar, o elemento objectivo do facto tributário corresponde ao objecto de incidência do imposto, ou seja, à hipótese definida nas normas de incidência real ou objectiva do respectivo tributo, decompondo-se, para efeitos de análise, em dois sub-elementos ou características: a material e a temporal.
17.ª A vertente material do facto tributário confunde-se, assim, com a factualidade típica objecto da previsão ou da hipótese parametrizada pelas normas tributárias de incidência real, decorrendo da sua observação, concomitantemente, a qualificação do facto gerador do imposto como simples ou com plexo.
18.ª Neste sentido, “São simples os factos constituídos por um único elemento material (v.g., a realização de um certo negócio jurídico); são complexos os integrados por uma multiplicidade de elementos materiais unidos de tal modo que formam uma unidade objectiva (v.g., a percepção do rendimento cujas componentes se produzem de forma progressiva e sucessiva no tempo)” (cf. FREITAS PEREIRA, Fiscalidade, Almedina, 2005, p. 26).
19.ª Finalmente, os factos tributários são ainda repartidos em função do seu tempo de formação, distinguindo-se, neste domínio, os factos instantâneos (ou de formação instantânea) e os duradouros (ou de formação sucessiva).
20.ª Assim, “Há factos que são instantâneos, verificando-se num lapso muito delimitado de tempo (v.g., uma compra) enquanto que há outros que são duradouros na medida em que se prolongam no tempo de uma forma continuada e ininterrupta (v.g., a percepção de um rendimento), de tal modo que a lei tem necessidade de fraccionar esses factos em períodos de tempo (períodos de tributação) para fazer corresponder a cada um deles uma obrigação tributária distinta” (cf. FREITAS PEREIRA, Fiscalidade, Almedina, 2005, p. 27).
21.ª Será esta composição do elemento temporal do facto tributário que, por seu turno, ditará a natureza periódica ou de obrigação única de determinado tributo.
22.ª Com efeito, “os pressupostos da tributação não têm todos a mesma natureza: umas vezes, são situações estáveis, situações que se prolongam no tempo, como a propriedade dum prédio rústico ou urbano ou o exercício duma actividade industrial ou comercial; outras vezes, são factos ou factos isolados, actos ou factos que, embora possam repetir-se, não têm continuidade entre si, sendo considerados para efeitos fiscais una tantum - é o que sucede com a aquisição de bens, com a importação ou transacção de determinadas mercadorias, com a passagem de um recibo, etc.. No primeiro caso, há que referir o imposto a um determinado período (em regra um ano), renovando-se a obrigação fiscal, enquanto a situação se mantiver, de cada vez que surge um novo período: temos os impostos periódicos, os impostos que presumivelmente se renovarão periodicamente; no segundo caso, o imposto reporta-se a cada acto ou facto isoladamente: temos os impostos de obrigação única” (cf. CARDOSO DA COSTA, Curso de Direito Fiscal, Coimbra, 1972, p. 37).
23.ª Posto o anterior, e no sentido de infirmar as conclusões alcançadas pelo Tribunal a quo - demonstrando-se, consequentemente, a necessidade de revogação da Sentença ora recorrida -, restará à RECORRENTE proceder ao confronto da indicada estrutura do facto tributário com o regime que transcorre do antigo n.º 3 do artigo 81.° do Código do IRC, procurando, desse modo, identificar a sua concreta natureza.
24.ª. O artigo 81º do Código do IRC estabelecia, em paralelo com o regime geral de tributação em sede de IRC (o da tributação pelo lucro tributável), uma obrigação de imposto denominada de tributação autónoma, impondo, sob a epígrafe de Taxas de tributação autónoma, a tributação individualizada de determinadas despesas incorridas pelo sujeito passivo deste imposto.
25.ª Neste contexto, e como bem observava SALDANHA SANCHES, a ratio legis subjacente a esta norma fiscal não é mais que “a de (quanto às despesas não documentadas) penalizar fortemente essas despesas de modo a evitar um leque de comportamentos que pode ir da distribuição oculta de lucros até outras despesas indocumentáveis como subornos. E em segundo lugar, caso elas ainda assim tenham lugar é tributá-las com uma taxa maior que as taxas combinadas do IRC mais IRS”; e, no caso dos montantes suportados a título de despesas de representação, estes “tendem a situar-se na intersecção das esferas empresariais e pessoais. E por isso são tributados, (...) e também, com a mesma taxa, os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos e motociclos. Ou seja, todas aquelas despesas que podem corresponder a custos efectivos da empresa ou remunerações ocultas dos seus gestores ou quadros superiores” (cf. SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 2. Edição, Coimbra, p. 289).
26.ª O propósito que subjaz a este artigo 81.° do Código do IRC é, pois, o de corrigir, fora do regime geral, a tributação em sede de IRC (neste caso particular, com fundamento na evitação da evasão e fraude fiscais).
27.ª Tal correcção, essencial para uma plena harmonização da tributação do rendimento com os princípios constitucionais que a regem, constitui um «desvio» ao regime geral de tributação em sede de IRC, recortado pelo legislador fiscal com o propósito específico de suprir as identificadas falhas.
28.ª Com efeito, “Estamos (...) [nestes casos] perante opções legislativas a exigirem uma justificação especial. Perante normas anti-sistémicas que se podem manter apenas com base nas razões especiais que as legitimam” (cf. SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 2ª Edição, Coimbra, p. 283).
29.ª Identificado que fica o escopo do referido artigo 81.° do Código do IRC, impõe-se à RECORRENTE, de seguida, analisar a estrutura do facto tributário subjacente, posto que é o próprio legislador que indicia, através da epígrafe Taxas de tributação autónoma, que o mesmo assume contornos diversos - dirigidos, especificamente, a tutelar a sua ratio legis - daqueles que caracterizam o regime geral de tributação em sede de IRC.
30.ª Assim, e no que respeita ao elemento material do facto gerador do imposto, extrai-se da análise do referido artigo 81.° do CIRC que a tributação em apreço resulta da realização das despesas aí expressamente elencadas: “As despesas (...) são tributadas autonomamente, à taxa de (…)“.
31.ª Na verdade, a redacção desta norma não deixa dúvidas quanto a ser a realização das respectivas despesas, por parte do sujeito passivo de IRC, que preenche a hipótese de incidência da norma tributária, provocando, nesse momento, a constituição da correspondente obrigação de imposto.
32.ª Com efeito, e como nota SALDANHA SANCHES, “as chamadas tributações autónomas (...) têm lugar quando certos custos das empresas são transformados, eles próprios, em factos tributários” (cf. Manual de Direito Fiscal, 2. Edição, Coimbra, pp. 288-289).
33. ª Deste contexto infere-se, portanto, que a hipótese de incidência objectiva da tributação autónoma sub judicio é preenchida por um único elemento material: a realização da despesa especificamente tributada.
34.ª Significa o anterior, por seu turno, que o facto gerador do imposto resultante da aplicação da norma legal em análise, deverá ser qualificado, no que respeita à sua vertente material, como um facto simples - o “facto tributário é constituído por um facto ou negócio jurídico” (cf. ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal, I, Lisboa, p. 251) - e específico - após a sua ocorrência não subsiste a necessidade de nenhum outro processo de individualização.
35.ª Por seu turno, e já no que respeita ao elemento temporal do facto tributário em apreço, impõe-se, ainda, efectuar um juízo qualificativo acerca do seu carácter instantâneo ou duradouro.
36.ª Ora, no âmbito do regime geral de tributação em sede de IRC, o facto tributário - o lucro tributável - é inequivocamente caracterizado pela sua natureza duradoura, razão que permite, sem mais, qualificar o regime geral do IRC como imposto periódico.
37.ª Com efeito, o indicado carácter duradouro é apanágio dos impostos sobre o rendimento, na medida em que os factos tributários duradouros “não se esgotam num certo momento, antes tendem por natureza a reiterar-se (...) (sentindo a lei) a necessidade de os fraccionar juridicamente no tempo, de modo a extrair de um facto naturalisticamente unitário e prolongado uma pluralidade de efeitos juridicamente distintos” (cf. ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal, I, Lisboa, pp. 251-252).
38.ª Pelo contrário, e conforme entretanto observado, serão “instantâneos os (factos) que se esgotam por natureza num certo lapso de tempo, verificando-se logo que se produz o elemento material: é o que sucede, por exemplo, nos impostos sobre actos jurídicos, nos impostos sobre a despesa” (cf. ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal, 1, Lisboa, p. 251).
39. ª Assim, perante o carácter simples do facto tributário previsto no artigo 81.º do Código do IRC, que determina a exigibilidade do imposto a partir do momento da realização da respectiva despesa (i.e., da ocorrência do único elemento material que enforma aquele facto), permite-se concluir que, numa perspectiva temporal, a obrigação de imposto em análise é instantânea.
40. ª Subsistirão, ao abrigo do artigo 81.º do Código do IRC, tantas obrigações de imposto quantas as despesas realizadas pelo sujeito passivo, na medida em que cada uma dessas despesas preenche, ipso iure, o pressuposto de incidência da referida norma.
41.ª O mesmo é dizer, portanto, que o tributo consagrado pelo artigo 81. ° do Código do IRC assume a natureza de imposto de obrigação única.
42.ª A secundar o que afirma, nota a RECORRENTE que o Supremo Tribunal Administrativo, ainda que a propósito da qualificação do Imposto sobre o Valor Acrescentado, tem distinguido os impostos de obrigação única dos impostos periódicos nos seguintes termos: “(…) deve ser qualificado como imposto de obrigação única, e não como imposto periódico, pois incide sobre factos tributários de carácter instantâneo, reportando-se a cada um dos actos concretos praticados, não relevando, para tal qualificação, que o sujeito passivo exerça continuada ou só ocasionalmente a respectiva actividade” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de Março de 2002, proferido no Processo n.º 26.806).
43.ª De forma ainda mais esclarecedora, em aresto datado de 24 de Setembro de 2003, proferido no Processo n.º 0809/03 (e que acompanha jurisprudência anterior), o Supremo Tribunal Administrativo perfilhou o seguinte entendimento: “o IVA é um imposto sobre o consumo que incide sobre as transmissões de bens, as prestações de serviços e as aquisições intracomunitárias de bens (...). O facto gerador do imposto é, pois, a transmissão, a prestação, importação ou aquisição, o qual, ao preencher a previsão legal da norma de incidência, origina a relação jurídica de imposto. (...) O imposto não se refere a um período de tempo, mas a um momento, o da operação sujeita; não incide sobre o resultado de uma actividade continuada, mas sobre a operação isolada; o facto tributário não tem natureza duradoura, mas instantânea (...) Periódico, continuado, duradouro, é, só, o modo de apuramento do montante devido pelos operadores económicos em resultado das múltiplas operações sujeitas a imposto em que intervêm”.
44.ª Ora, sem prejuízo da citada jurisprudência ter sido divulgada em processos que envolviam o Imposto sobre o Valor Acrescentado, a verdade é que as conclusões aí alcançadas são passíveis de aplicação, mutatis mutandis, à tributação autónoma prevista no artigo 81.°, n.º 3, do Código do IRC.
45.ª De facto, nos termos do referido artigo 81°, n.º 3, do Código do IRC, as despesas sujeitas a tributação autónoma são tributadas individual e isoladamente, preenchendo cada uma delas, de per se, a hipótese de incidência do indicado normativo (i.e., cada um desses pagamentos concretiza o elemento material gerador da obrigação de imposto).
46.ª Por outras palavras: o legislador, através do artigo 81.° do Código do IRC, tributa cada despesa em concreto, individualmente considerada, independentemente de se repetirem, ou não, com maior ou menor regularidade, despesas da mesma natureza (contrariamente, portanto, ao que ocorre quando se trata de IRC incidente sobre o lucro tributável, em que, segundo o artigo 4º, n.º 7, do Código do IRC, o facto gerador do imposto se considera verificado a 31 de Dezembro do ano a que o imposto respeita).
47.ª Dito ainda de outro modo: o legislador tratou a efectivação de tais despesas como “(...) actos isolados ou factos isolados, actos ou factos que, embora possam repetir-se, não têm continuidade entre si” (cf. CARDOSO DA COSTA, Curso de Direito Fiscal, Coimbra, 1972, p. 37), situação que surge paradigmaticamente associada aos impostos de obrigação única.
48.ª Em qualquer caso, o único argumento que poderia ser convocado em desabono da apontada natureza de imposto de obrigação única, seria o da incoerência sistemática de uma tal qualificação, na medida em que subsistiriam, sob um mesmo imposto - o IRC -, obrigações de natureza distinta, em particular quando a tributação do rendimento é tipicamente caracterizada pela sua natureza periódica.
49.ª Porém, em sede de IRC, entendeu já a Administração tributária - na Circular n.º 12/2004, de 11 de Junho -, que, “nos casos de retenção na fonte a titulo definitivo, o IRC assume a natureza de imposto de obrigação única, contando-se o prazo de caducidade a partir da data em que ocorre o facto tributário, isto é, da data em que ocorre a obrigação de efectuar a retenção a título definitivo”.
50.ª Igualmente elucidativo, neste domínio, é o facto de o legislador ter expressamente admitido a natureza de obrigação única da tributação efectivada através do mecanismo da retenção na fonte, ao alterar a redacção do n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, pelo n.º 1 do artigo 40° da Lei n.º 55/2004, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2005).
51. ª Em face do que fica exposto, e em síntese, entende a RECORRENTE poder fixar as seguintes conclusões: i) é a realização de cada uma das despesas previstas no n.º 3 do artigo 81.° do Código do IRC, por parte do respectivo sujeito passivo, que constitui o facto tributário aí previsto; ii) o facto tributário assim recortado tem carácter instantâneo, ocorrendo - e esgotando-se - no momento da realização da respectiva despesa sujeita a tributação; iii) consequentemente, o montante do imposto (i.e., o conteúdo da obrigação de imposto) deve ser determinado por referência ao momento da ocorrência do respectivo facto tributário, ou seja, por aplicação ao montante da despesa da taxa do imposto vigente no momento em que esta é suportada.
52.ª Por conseguinte, perante o preenchimento da hipótese de incidência da referida norma (a realização da respectiva despesa), constitui-se, de imediato e plenamente, a correspondente obrigação de imposto (ainda que o cumprimento dessa obrigação de pagamento do imposto devido por tributação autónoma seja diferido para momento posterior, coincidindo com o momento de pagamento do imposto apurado nos termos do regime geral de tributação em sede de IRC, nos termos do artigo 96.° do Código do IRC).
53.ª O que significa, em suma, que, contrariamente ao entendimento sufragado pelo Tribunal a quo na Sentença ora recorrida, o facto constitutivo da obrigação de imposto prevista no n.º 3 do artigo 81.° do Código do IRC constitui um facto tributário simples, assumindo o tributo em causa, desse modo, a natureza de imposto de obrigação única.
54.ª Por este motivo, e sem necessidade de ulteriores desenvolvimentos, conclui-se que a Sentença recorrida assentou em erro sobre os respectivos pressupostos de direito, determinativo da necessidade da sua anulação - por erro de julgamento -, o que desde já se peticiona.
55.ª Perante a identificada estrutura - de facto simples e de verificação instantânea - do facto tributário constitutivo das obrigações de tributação autónoma em sede de IRC, importa indagar, de seguida, se a retroacção dos efeitos, a 1 de Janeiro de 2008, da redacção do artigo 81° do Código do IRC, introduzida pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, assume, ou não, um carácter retroactivo proscrito pelo n.º 3 do artigo 103° da Constituição da República Portuguesa.
56 ª Ora, conforme verificado, as obrigações de imposto decorrentes do preenchimento da hipótese de incidência recortada pelo n.º 3 do artigo 81.º do Código do IRC, constituem-se, plenamente, no momento da ocorrência do respectivo facto tributário, ou seja, no momento da realização de cada despesa individualmente sujeita a tributação.
57 ª Deste modo, todas as despesas realizadas pelos sujeitos passivos de IRC até ao dia 5 de Dezembro de 2008 - exclusive -, preenchendo, individualmente, a hipótese de incidência do artigo 81.° do Código do IRC (na redacção em vigor à data), deram origem, ope legis, à constituição das correspondentes obrigações de imposto.
58.ª Conclui, assim, a RECORRENTE, que todas as despesas de representação (cf. nºs 3 e 7 do artigo 81.° do Código do IRC) suportadas até ao dia 5 de Dezembro de 2008, inclusive, devem ser tributadas à taxa em vigor no momento da sua realização, ou seja, à taxa de 5% (cf. artigo 81°, n.º 3, do Código do IRC, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro).
59 ª Por paridade de razões, todos os encargos suportados, entre o dia 1 de Janeiro e o dia 5 de Dezembro de 2008, com veículos ligeiros de passageiros ou mistos, bem como com motos ou motociclos (cf. n.°s 3 e 5 do artigo 81.° do Código do IRC), independentemente das emissões de CO2 das respectivas viaturas, devem, igualmente, ser tributados à taxa de 5% (cf. artigo 81.°, n.º 3, do Código do IRC, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro).
60. ª. Neste contexto, a aplicação da nova redacção do artigo 81° do Código do IRC desde o dia 1 de Janeiro de 2008 vem regular - através da aplicação de uma taxa de imposto superior - factos tributários já plenamente verificados, e obrigações de imposto já constituídas, ao abrigo da denominada - para efeitos de aplicação da lei fiscal no tempo - lei antiga.
61. Por outras palavras: o n.º 1 do artigo 5.° da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, estendeu a competência aplicativa da nova redacção do artigo 81.° do Código do IRC a factos tributários (a realização de despesas) verificados em momento anterior ao dia 6 de Dezembro de 2008 (data da entrada em vigor da Lei n.º 64/ 2008, de 5 de Dezembro).
62.ª Perante o que fica exposto, a conclusão assevera-se evidente: “tem de afirmar-se que uma norma é retroactiva quando ela se refere na sua previsão a factos contidos anteriormente à sua entrada em vigor” (cf. ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal, 1, Lisboa, pp. 196-197).
63.ª Com efeito, da conjugação entre o disposto no n.º 3 do artigo 103° da Constituição da República Portuguesa e o n.º 1 do artigo 12° da Lei Geral Tributária, resulta que a regra da não retroactividade dos impostos implica que o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos dessa mesma obrigação, sejam regulados pela lei em vigor à data da ocorrência do respectivo facto tributário.
64.ª Neste preciso sentido, “o momento relevante para a determinação do carácter retroactivo da norma fiscal, à luz da regra constitucional é o da verificação do facto tributário, sendo retroactiva aquela que atinja esse facto retrospectivamente ao momento da sua entrada em vigor” (cl. BACELAR GOUVEIA, A Proibição da Retroactividade da Norma Fiscal, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis Editores, p. 77).
65.ª Ora, atendendo à estrutura do facto tributário recortado pelo n.º 3 do artigo 81.° do Código do IRC, permite-se seguramente fixar a conclusão segundo a qual a retroacção, a 1 de Janeiro de 2008, da nova redacção conferida àquela norma legal, configura um caso típico de retroactividade intermédia: “É disso exemplo uma alteração da lei relativa a taxas de um imposto entrada em vigor quando os factos geradores já ocorreram mas cuja liquidação e cobrança ainda não se processou” (cf FREITAS PEREIRA, Fiscalidade, Almedina, p. 197).
66ª Um outro exemplo desta retroactividade intermédia, equivalente ao caso concreto de que se cura no presente recurso, será o referido por ALBERTO XAVIER: “Exemplo: a abertura da herança - facto que dá origem ao nascimento da obrigação de imposto sucessório - ocorreu à sombra da lei antiga; mas o processo tributário gracioso prolongou-se no tempo e invadiu a esfera temporal da lei nova que prevê uma taxa mais elevada de imposto sucessório. O acto tributário a praticar pela Administração fiscal deve aplicar a taxa actualmente em vigor? Não, (...) porque o que é relevante para «fixar» a norma temporalmente aplicável é o momento em que ocorreu o facto tributário e não aquele em que a norma é concretamente aplicada” (cf. Manual de Direito Fiscal, I, Lisboa, pp. 197- 198).
67ª Por conseguinte, “em consonância com a natureza meramente declarativa do acto de liquidação de imposto, cuja obrigação nasce no momento da ocorrência dos respectivos factos geradores, (…) devei(-se) concluir, face ao disposto na primeira parte [do artigo 12.° do Código Civil], que as normas relativas à incidência, taxas e benefícios fiscais só podem aplicar-se a factos ocorridos após a sua entrada em vigor” (cf. FREITAS PEREIRA, Fiscalidade, Almedina, p. 197).
68.ª De resto, o n.º 1 do artigo 12.° da Lei Geral Tributária dispõe, de modo inequívoco, que “as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor” (o sublinhado é da RECORRENTE).
69.ª Neste contexto, a retroacção dos efeitos, a 1 de Janeiro de 2008, da nova redacção do artigo 81° do Código de IRC introduzida pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, implica um acréscimo das prestações de imposto relativas a obrigações já constituídas por ocorrência dos respectivos factos tributários no domínio da lei antiga, pelo que tem carácter retroactivo, sendo, como tal, inconstitucional, por violação do n.º 3 do artigo 103° da Constituição da República Portuguesa.
70 ª Com efeito, “em face da proibição constitucional de impostos que tenham natureza retroactiva (n.º 3 do artigo 103° da Constituição, na redacção que lhe foi introduzida pela revisão constitucional de 1997) uma lei fiscal que o estabeleça é inconstitucional” (cf. FREITAS PEREIRA, Fiscalidade, Almedina, pp. 138-139).
71 ª Do mesmo modo, “A desconformidade dos actos normativos com o parâmetro constitucional dá origem ao vício de inconstitucionalidade” (cf. J.J. COMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª. Edição, Almedina, p. 888).
72 ª Por este motivo, a Sentença ora recorrida - ao entender estar perante um caso de retroactividade fraca ou mínima - assentou em erro sobre os respectivos pressupostos de direito, determinativo da necessidade da sua anulação, o que, desde já, se peticiona.
73 ª Por último, no Acórdão n.º 18/2011 do Tribunal Constitucional, convocado pelo Tribunal a quo como ultima ratio da improcedência do pedido formulado pela ora RECORRENTE, foi entendido (acompanhando a jurisprudência do Acórdão n.º 399/2010 do mesmo Tribunal, que versou sobre o agravamento retroactivo das taxas de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares — IRS) que, “em situação similar à dos presentes autos, [o Tribunal] não declarou a inconstitucionalidade de normas fiscais que produziram um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei, situação que se considerou ser correspondente à de retroactividade inautêntica, não coberta pela regra do artigo 103.”, nº 3”.
74 ª Ora, tal aresto assentou no pressuposto - aí não sindicado -, de que a tributação autónoma recortada pelo artigo 81° do Código do IRC assume a natureza de imposto periódico ou de formação sucessiva, à semelhança do que se verifica no âmbito do regime geral do IRC (e, de igual modo, no domínio do regime regra do IRS, ali analisado), tendo sustentando a sua pronúncia, por esse motivo, somente, na apreciação da (ir)relevância constitucional da denominada retroactividade fraca, mínima ou imprópria (que se distingue das restantes por o facto tributário, em si mesmo considerado, não ter ocorrido, integralmente, no âmbito da vigência da lei antiga, ou seja, por o facto tributário - sendo necessariamente complexo - ter iniciado a sua formação ao abrigo da lei antiga e terminado - ocorrido - já ao abrigo da vigência da lei nova).
75 ª Todavia, conforme demonstrado pela RECORRENTE nos pontos antecedentes, tal pressuposto não se verifica no caso concreto, antes sendo objectivamente infirmado pela estrutura da tributação autónoma consagrada no artigo 81.° do Código do IRC, de cujo âmbito decorre, ipso iure, um facto tributário simples e deformação instantânea.
76. ª Por este motivo, impunha-se ao Tribunal Constitucional - bem como ao Tribunal a quo - sindicar o âmbito proscritivo da retroactividade da lei fiscal que decorre do n.º 3 do artigo 103. ° da Constituição da República Portuguesa, não por referência à retroactividade mínima ou inautêntica, mas, antes, por referência à retroactividade intermédia que, comprovadamente, subsiste na presente situação.
77.ª E, neste domínio, limita-se a RECORRENTE notar que a retroactividade intermédia equivale, para efeitos de proscrição constitucional, à denominada retroactividade máxima ou autêntica (neste sentido, cf. SALDANHA SANCHES, A Segurança Jurídica no Estado Social de Direito, Conceitos Indeterminados, Analogia e Retroactividade no Direito Tributário, in Cadernos de CTF, nº 140, Lisboa, 1995, pp. 330 e ss.).
78. ª Com efeito, “As duas primeiras categorias de retroactividade [a máxima e a intermédia] não suscitam dúvidas de maior: aparecendo o respectivo facto tributário no passado, mesmo que havendo efeitos não totalmente esgotados, não se pode titubear acerca da respectiva proscrição constitucional” (cf. BACELAR GOUVEIA, A Proibição da Retroactividade da Norma Fiscal, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis Editores, p. 61).
79.ª De resto, e neste preciso sentido, reconhecera já o Tribunal Constitucional que a aplicação retroactiva de uma lei fiscal a factos tributários de carácter instantâneo verificados em momento anterior ao da sua entrada em vigor — como sucede no caso concreto -, concretiza uma violação directa do disposto no n.º 3 do artigo 103.° da Constituição da República Portuguesa, sendo, consequentemente, inconstitucional, já que, “Como, a propósito, salienta Jorge Bacelar Gouveia (“A irretroactividade da norma fiscal na Constituição Portuguesa”, in Estudos de Direito Público, Vol. I, Principia, 2000, p, 257-301, p. 278), “a chave da determinação da retroactividade reside [...] na localização do nascimento do imposto, que é o da formação do facto tributário - não de qualquer outro momento posterior, como o do acto de liquidação” (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 81/2005, proferido no âmbito do processo 447/04, e, ainda, reiterando o entendimento ali defendido, Acórdão n.º 138/05, proferido no âmbito do processo n.º 886/04).
80.ª Por último, sustentando a conclusão divisada pela RECORRENTE, veja-se a declaração de voto do Conselheiro Vítor Gomes, em anexo ao referido Acórdão n.º 18/2011, nos termos da qual, pugnando pela declaração de inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 5° da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, se nota que “O facto gerador de imposto em IRC determina-se por relação ao fim do período de tributação (n.º 9 do artigo 8º do CIRC), mas a tributação autónoma agora em causa não comunga desse pressuposto, porque não atinge o rendimento (artigo 1º do CIRC) mas a despesa enquanto tal”.
81.ª Significa o anterior, em suma, que o juízo de conformidade constitucional convocado pelo Tribunal a quo com vista a sustentar a improcedência do pedido formulado pela RECORRENTE assentou em erro sobre os respectivos pressupostos de direito, susceptível, sem mais, de inquinar a validade daquele entendimento e, de igual modo, a sua aplicabilidade ao caso vertente.
82. ª Pelo que fica exposto, e sem necessidade de ulteriores desenvolvimentos, impõe-se anular a Sentença de que presentemente se recorre, o que se peticiona.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3-O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no seguinte sentido:
«Está em causa a aplicação que foi efectuada do disposto no art. 5 ° da Lei n.º 64/2008, de 5-XII, que, alterando o art. 81° do C. do I.R.C., determinou o agravamento a taxa de 5% para 10%, sobre despesas de representação e encargos com viaturas ligeiras, pata produzir efeitos a partir de 1/1/2008.
Recentemente o Tribunal Constitucional, pelo referido acórdão n.º 18/11, pronunciou-se no sentido da não inconstitucionalidade da referida norma na aplicação que foi efectuada.
Contudo, o S.T.A. veio a julgar a mesma inconstitucional pelo ac. proferido a 6-7-2011 no proc. 0281/11, apenas entendendo que o mesmo pode ainda ser aplicado aos casos futuros.
Cabe aos tribunais tomar posição sobre tal divergência.
Para já, apenas parece ser de acrescentar que o argumento da Fazenda Pública em abono da não inconstitucionalidade face ao art. 8° nº 9 do C. do I.R.C., segundo o qual “o facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação “, tem natureza formal, parecendo não ser determinante.
Importante é saber-se qual o critério material para o agravamento de tal forma de tributação autónoma a que se procedeu.
Havendo que reconhecer ser a mesma relativa a factos gerados em grande parte ao longo do ano, e colhendo-se no referido diploma apenas a referência de que se insere entre várias “medidas anticíclicas” que foram então adoptadas, parece que tal materialidade dificilmente seria atingida desde o dia seguinte, 6-XII e até ao fim desse ano.
Assim, num tal critério a aplicação no tempo com efeitos retroactivos a 1-1-2008, parece não ser de aceitar num quadro constitucional como é o do art. 103° nº 3 da CRP., em que foi consagrado um amplo princípio de não retroactividade de impostos.
Nestes termos, parece que nada obstando ao conhecimento do recurso, o mesmo parece ser de proceder, sem prejuízo da melhor decisão sobre o assunto que tenha ainda de ser proferida pelo Tribunal Constitucional, no caso de vir a ser declarada a inconstitucionalidade da norma inicialmente referida.»

4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5- Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
a) A impugnante procedeu à autoliquidação de IRC do exercício de 2008, com base na apresentação da declaração periódica de rendimentos Modelo 22, em 27.05.09, na qual indicou o montante de €24.215,93 referente a tributação autónoma, em resultado da aplicação da taxa de 5% aos encargos incorridos naquele ano e até ao dia 30.11.2008 e da taxa de 10% aos restantes encargos verificados durante o mês de Dezembro -cfr. extractos das contas relativas a despesas de representação e despesas relativas a viaturas ligeiras, de fls. 54 a 601, D.P. de fls. 602 a 608 e quadros resumo de fls. 609 e 610, dos autos e “Print Informático” de fls. 304, do P.A apenso
b) Em razão da alteração legal introduzida pela Lei nº 64/2008, de 5.12, foi efectuada uma liquidação adicional de imposto por efeito da tributação autónoma referida supra, em resultado da aplicação aos encargos suportados pelo s.p. da taxa de 10%- cfr “Demonstração de Liquidação de IRC” de fls. 611, dos autos e “Print Informático” de fls. 305, do P.A. apenso.
c) O acto tributário referido supra foi objecto de reclamação graciosa, com fundamento na não consideração do valor constante da declaração de rendimentos e da aplicação indevida da taxa de 10%, sobre os encargos com viaturas ligeiras e despesas de representação, a qual, após exercício do direito de audição relativa a anterior projecto de decisão, foi indeferida quanto à tributação daqueles encargos, por despacho de 19.03.2010, emitido pela D.J. Adm., cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, devidamente notificada ao interessado - cfr fls. 42 a 52, petição de fls. 613 a 638, oficio e projecto de fls. 639 a 647, requerimento de fls. 650 a 657, dos autos e fls. 1 e segs, do Proc Recl. Graciosa apenso.

6- A questão objecto do presente recurso consiste em saber se a nova redacção dada ao artº 81º nº3 a) do CIRC, alterado pelo artigo 5º da Lei 64/2008 de 5/12, na parte em que faz retroagir a 1/1/2008 a aplicação do agravamento da taxa de 5% para 10%,, sobre as despesas de representação e encargos com viaturas ligeiras de passageiros, viola ou não a Constituição da República, nomeadamente o princípio da não retroactividade da lei fiscal consagrado no artº 103º nº3 da CRP e 12º, ns. 1 e 2 da Lei Geral Tributária.

A decisão recorrida considerou que o regime das tributações autónomas, tal como vertido no artigo 81º do Código do IRC, é enformado por um facto tributário complexo e duradouro ou de formação sucessiva e que não obstante a tributação autónoma incidir sobre a despesa, tal tributação não descaracteriza a natureza jurídica daquele imposto e a circunstância do facto tributário se reportar ao último dia do período de tributação.
Para depois concluir que, constituindo aquele facto tributário complexo o facto referente para a aferição da aplicação da lei fiscal no tempo, a retroacção dos efeitos, a 1 de Janeiro de 2008 - prescrita pelo n.º 1 do artigo 5.° da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro -, da nova redacção conferida ao artigo 81º do Código de IRC, consubstanciaria, somente, uma retroactividade fraca, mínima ou de 3.° grau, admitida pelo n.º 3 do artigo 103.° da Constituição da República Portuguesa.
Finalmente invoca, em abono da sua tese, o juízo de conformidade constitucional da referida norma, sufragado pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 18/2011 de 12 de Janeiro de 2011.

Contra o assim decidido se insurge a recorrente alegando em síntese que sendo intenção do legislador reportar os efeitos da redacção do nº 3 do artigo 81º do Código do IRC a uma data anterior à da sua publicação e início de vigência e portanto a factos tributários passados, esta é uma norma retroactiva, sendo manifesta a sua desconformidade como disposto no n.º 3 do artigo 103.° da Constituição da República.

A nosso ver assiste-lhe razão.
Vejamos, pois.

6.1

Dispunha o artigo 81.º do CIRC, sob a epígrafe «Taxas de tributação autónoma», na redacção dada pela Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro, posteriormente alterada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, o seguinte:

1 - As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo da sua não consideração como custo nos termos do artigo 23.º

2 - A taxa referida no número anterior é elevada para 70% nos casos em que tais despesas sejam efectuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola.

3 - São tributados autonomamente, à taxa de 5% os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras ou mistas, motos ou motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

4 - São tributados autonomamente, à taxa de 15 %, os encargos dedutíveis respeitantes a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja superior a € 40 000, quando suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior que apresentem prejuízos fiscais nos dois exercícios anteriores àquele a que os referidos encargos digam respeito. (…)

Na sequência da alteração da redacção introduzida pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, que está em causa nos presentes autos, os n.ºs 3 e 4 do mesmo preceito passaram a dispor do seguinte modo:

3 - São tributados autonomamente, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica:

a) À taxa de 10 %, os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;

b) À taxa de 5 %, os encargos dedutíveis, suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior, respeitantes a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujos níveis homologados de emissão de CO2 sejam inferiores a 120 g/km, no caso de serem movidos a gasolina, e inferiores a 90 g/km, no caso de serem movidos a gasóleo, desde que, em ambos os casos, tenha sido emitido certificado de conformidade.

4 - São tributados autonomamente, à taxa de 20 %, os encargos dedutíveis, suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior, respeitantes a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja superior a € 40 000, quando os sujeitos passivos apresentem prejuízos fiscais nos dois exercícios anteriores àquele a que os referidos encargos digam respeito.

A referida Lei entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, conforme prevê o seu artigo 6º, mas o respectivo artº 5 determinou que as alterações introduzidas ao referido artº 81º do CIRC produzissem efeitos desde 1 de Janeiro de 2008.

Assim a Lei n.º 64/2008, através da nova redacção dada à alínea a) do n.º 3 do artigo 81.º do CIRC, operou um agravamento da taxa de tributação aplicável aos encargos mencionados no anterior n.º 3 dessa disposição, sendo que, por virtude da retroacção dos efeitos da lei a 1 de Janeiro, tal agravamento passou a ser aplicável aos encargos já suportados pelos contribuintes no decurso daquele ano de 2008, mesmo se anteriores à data de entrada em vigor da referida lei.

Chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade de tal norma por eventual violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, consagrado no artº 103º, º 3 da Constituição da República, o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 18/2011 de 12/01/2011 (processo nº 204/2010) julgou que não se verificava a invocada inconstitucionalidade material por estarem em causa normas fiscais que produziram um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei, situação que se considerou ser correspondente à de retroactividade inautêntica, não coberta pela regra do artigo 103.º, n.º 3.

Considerou o Tribunal Constitucional, com base na doutrina do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 399/2010, de 27 de Outubro de 2010, que julgou inteiramente transponível para o caso em análise, que «o legislador da revisão constitucional de 1997, que introduziu a actual redacção do artigo 103.º, n.º 3, apenas pretendeu consagrar a proibição da retroactividade autêntica, ou própria, da lei fiscal, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospectividade ou de retroactividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente», enquadrando assim a questão colocada como de mera retrospectividade ou retroactividade inautêntica.

Esta argumentação, salvo o devido respeito, não nos convence.

Com efeito o Acórdão 18/11 julgou inteiramente transponível para a análise da questão decidenda a doutrina do Acórdão 399/2010 do Tribunal Constitucional , o qual se pronunciou sobre a inconstitucionalidade da norma constante do n.° 1 do artigo 68° do Código do IRS, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1° da Lei n.° 11/2010, de 15 de Junho, quando conjugada com o disposto nos artigos 2.º e 3.º da mesma Lei e, também, do mesmo n.° 1 do artigo 68° do Código do IRS, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1° da Lei n.° 12-A/2010, de 30 de Junho, quando conjugada com o disposto no n.° 1 do artigo 20° da mesma Lei, normas essas referentes à criação de um escalão adicional de tributação em sede de IRS, com taxa de 45%, e ao aumento do valor das taxas de todos os escalões de IRS .
Trata-se, no entanto, de situação bem diversa da que é objecto dos presentes autos.
Assim enquanto que as despesas sobre as quais incide a tributação autónoma constituem factos tributários instantâneos ou de obrigação única, as normas objecto de análise no Ac. 399/10 eram relativas a um imposto periódico (alteração de escalões de IRS) com factos tributários de formação sucessiva.
Isso mesmo foi devidamente sublinhado no voto de vencido do Consº Vítor Gomes, exarado no referido acórdão 18/11.
Como ali se disse «embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula, pelo que não podem ser invocados argumentos semelhantes àqueles que naquele segundo acórdão foram mobilizados no sentido de não se configurar um caso de retroactividade proibida pelo n.º 3 do artigo 103.º da Constituição. Com efeito, estamos perante uma tributação autónoma, como diz a própria letra do preceito. E isso faz toda a diferença. (Sublinhado nosso.) Não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal que o acórdão aponta. A manifestação de riqueza sobre que vai incidir essa parcela da tributação (o facto revelador de capacidade tributária que se pretende alcançar) é a simples realização dessa despesa, num determinado momento. Cada despesa é, para este efeito, um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período. Deste modo, o agravamento da taxa vai agravar a situação do sujeito passivo num momento em que o facto gerador é coisa do passado (as despesas de representação foram pagas ao seu beneficiários, os encargos com viaturas ligeiras foram suportados ou contraídos, etc.). É certo que esta parcela de imposto só vem a ser liquidada num momento posterior e conjuntamente com o IRC. Porém, a determinação do valor global da matéria colectável sujeita à incidência das taxas de tributação autónoma no fim do período tributário é o mero somatório das diversas despesas dessa natureza, a que se aplica a taxa agora agravada. Essa operação de apuramento do montante tributável a este título não espelha um facto tributário de formação sucessiva, mas a mera agregação dos valores sobre que incide a alíquota do imposto. …»

Neste sentido se pronuncia também Rui Duarte Morais, nos seus Apontamentos ao IRC, pag. 202, sublinhando que as tributações autónomas incidem sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários.
E do mesmo modo afirma Paula Rosado Pereira (O Princípio da não retroactividade da lei fiscal no campo da tributação autónoma de encargos, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano IV, nº 2, pag. 220.) que na tributação autónoma não existe um facto tributário de formação sucessiva - que apenas está completo no fim do período de tributação, como ocorre nos impostos periódicos -, mas sim um facto tributário de formação instantânea.
Assim, conclui aquela autora, a aplicação de um agravamento da taxa de tributação autónoma, relativamente a encargos incorridos previamente à entrada em vigor da nova lei que prevê tal agravamento, corresponde a uma aplicação de lei nova a um facto tributário inteiramente ocorrido no passado.

Este é, também, o nosso entendimento.
Propendemos, pois, para acolher a posição sufragada no recente acórdão nº 0281/11 deste Supremo Tribunal Administrativo (2ª Secção), de 6-7-2011, que entendeu que a nova taxa de 10%, resultante do artº 5º da Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro, apenas devia ser aplicada aos actos de despesa posteriores à alteração legislativa que estipulou o agravamento (de 5% para 10%), sob pena de violar o princípio da não retroactividade fiscal consagrado na Constituição (retroactividade autêntica/própria, cfr. artº 103º nº3 da CRP).
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com a respectiva fundamentação concordarmos integralmente, pelo que remetemos para o sobre tal matéria se disse no referido aresto:
«…. a situação dos autos não é idêntica à tratada no Acórdão 399/2010 do Tribunal Constitucional, tal como se escreveu Acórdão 18/11, de 12 de Janeiro de 2011, do Tribunal Constitucional, proferido no Processo nº 204/2010.
É que, no caso dos presentes autos não está em causa imposto sobre o rendimento (como sucedia no citado acórdão 399/2010), mas sim tributação autónoma sobre a despesa. (…….) Deste modo, o facto revelador de capacidade tributária que se pretende alcançar é a simples realização dessa despesa, num determinado momento. Cada despesa é, para este efeito, um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período, sendo irrelevante que esta parcela de imposto só venha a ser liquidada num momento posterior e conjuntamente com o IRC. Sendo assim a taxa a aplicar a cada despesa é a que vigorar à data da sua realização, uma vez que o facto tributário se verifica no momento em que se incorre nas despesas sujeitas a tributação autónoma. Em resumo e concluindo como no voto de vencido acima referido
, “O facto gerador de imposto em IRC determina-se por relação ao fim do período de tributação (n.º 9 do artigo 8.º do CIRC), mas a tributação autónoma agora em causa não comunga desse pressuposto, porque não atinge o rendimento (artigo 1.º do CIRC) mas a despesa enquanto tal”.
Por isso, as novas taxas introduzidas pela Lei nº 64/2008, de 5 de Dezembro, só são aplicáveis às despesas realizadas após a sua entrada em vigor, uma vez que não estamos perante rendimento reportado a determinado período e norma publicada nessa fase final do período de tributação, à semelhança do decidido relativamente ao n.° 1 do artigo 68° do Código do IRS, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1° da Lei n.° 11/2010, de 15 de Junho, quando conjugada com o disposto nos artigos 2.º e 3.º da mesma Lei e, também, do mesmo n.° 1 do artigo 68° do Código do IRS, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1° da Lei n.° 12-A/2010, de 30 de Junho, quando conjugada com o disposto no n.° 1 do artigo 20° da mesma Lei. (Acórdão 399/2010)».

De tudo o exposto forçoso é concluir que, no caso presente, estamos perante retroactividade autêntica ou própria da lei fiscal, proibida pelo nº 3 do artº 103º da CRP, na medida em que a aplicação das novas taxas de tributação autónoma a despesas realizadas a partir de 1 de Janeiro de 2008 representa uma aplicação da lei nova a factos tributários integralmente ocorridos antes da sua entrada em vigor.
O recurso, merece, por isso provimento.

7. Termos em que acordam o juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e julgar procedente a impugnação judicial, com a consequente anulação da liquidação no respeitante à tributação autónoma em causa.

Custas pela recorrida Fazenda Pública apenas em 1ª instância.
Lisboa, 14 de Junho de 2012. - Pedro Delgado (relator) - Casimiro Gonçalves - Ascensão Lopes.