Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01028/17.7BALSB
Data do Acordão:09/26/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Sumário:Não havendo entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do artigo 25.º RJAT), por serem substancialmente diversas as situações de facto subjacentes aos julgados em confronto, não haverá que conhecer do mérito do recurso.
Nº Convencional:JSTA000P23653
Nº do Documento:SAP2018092601028/17
Data de Entrada:09/27/2017
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:Z...., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

– Relatório –

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos dos n.º 2, 3 e 4 do artigo 25.º e do artigo 26.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para este Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida em 3 de Julho de 2017 no processo n.º 717/2016-T, por alegada contradição com o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Abril de 2015, proferido no Processo n.º 0963/13, transitado em julgado.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

1) Entre os doutos Acórdãos em causa, o fundamento e o recorrido, existe oposição susceptível de servir de fundamento ao recurso vertente, uma vez que a questão referente a saber se a perda consubstanciada na extinção ou cessão de um crédito por valor inferior ao nominal, pode ser considerada como custo à luz do disposto no art. 23º do CIRC ou se tem que respeitar a disciplina dos artigos 35º, 36º e 41º do CIRC, foram decididas diferentemente no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento.

2) Verifica-se a identidade de situações de facto, porquanto, tendo as empresas então impugnantes sido objecto de uma acção de inspecção, as mesma, em ambos os casos, determinaram, a final, correcções à matéria colectável relativamente à perda que a empresa pretendia relevar como decorrente da anulação parcial do valor de um crédito que a mesma detinha sobre outra(s) empresa(s).

3) Efectivamente em ambas as situações de facto subjacentes ao Ac. recorrido e ao Ac. fundamento apurou-se que A. detinha créditos sobre B e que era admitida por A. a possibilidade da insolvência/falência de B.

Nessa sequência, e tendo efectivamente revertido, contabilisticamente, tais créditos como incobráveis ou de cobrança duvidosa, procederam em determinado ano a um desconto, reduzindo o valor do crédito (caso do Ac. fundamento) ou a uma cessão, após redução do valor nominal, do crédito (caso do Ac. recorrido).

4) Ou seja, em ambas as situações tidas em consideração quer no Ac. recorrido quer no Ac. fundamento, o credor, empresa A, aceitou “perdoar” num determinado montante o crédito que detinha sobre a empresa B, sendo precisamente o valor desse “perdão” que pretende fazer relevar como custo.

5) Donde, uma vez que B passa a dever não X mas sim Y em virtude desse “perdão” que A. aceitou conceder a B, do que se trata, em ambos os Acórdãos, recorrido e fundamento, é de analisar, fiscalmente, a pretensão de fazer relevar na esfera de A a perda do valor do crédito que este detinha sobre B.

6) Na prática, a situação factual que subjaz ao Ac. recorrido e ao Ac. fundamento é o “perdão”, que A. decidi fazer a B do crédito que detém sobre o mesmo. Ou seja, A. reconhece e admite não conseguir cobrar a totalidade do valor do crédito que detém sobre B e daí que “perdoe” esse montante a B, sendo totalmente irrelevante para a questão jurídica em apreço que o faça directamente a B, através de um denominado desconto da dívida ou, indirectamente, através de uma alienação do crédito pelo valor não “perdoado” a um terceiro.

7) Verifica-se a identidade da questão de direito, uma vez que, quer o Acórdão fundamento quer a decisão arbitral recorrida, analisaram a questão de saber se tal “perdão” de crédito pode ser contabilizada como custo nos termos do art. 23º do CIRC ou se teria que observar a disciplina dos artigos 35º, 36º e 41º do CIRC.

8) E, deste modo, ambos os Acórdãos, recorrido e fundamento, analisaram a articulação dos referidos artigos tendo em conta a necessidade de resolver o caso concreto de uma perda consubstanciada na redução do valor de um crédito.

9) Contudo, o Acórdão fundamento e o Acórdão arbitral recorrido decidiram diferentemente quanto à questão de direito enunciada.

10) Assim é claro que, estando em causa determinar o tratamento a dar em termos jurídico/tributários ao montante que o credor deixou de receber, em virtude da anulação do valor do crédito que detinha, e que este credor pretende fazer relevar como custo, enquanto para a decisão arbitral recorrida foi afastada a aplicação dos artigos 35º, 36º e 41º do CIRC e considerado que essa operação não deixava de ser considerada como um acto de gestão, praticado no interesse da Requerente, já para o Acórdão fundamento, pelo contrário, a perda com a anulação da dívida só pode ser considerada custo se preencher os pressupostos do então art. 39º do CIRC, isto é, só se o crédito for reconhecido como incobrável. Ou seja, para o Acórdão fundamento o mero pressuposto do interesse da empresa não constitui fundamento para o gasto ser reconhecido fiscalmente, isto porque o mesmo não foi considerado como irrecuperável e daí se ter falado em “perdão” da dívida.

11) Ora, também no Ac. recorrido se parte do pressuposto de que já no ano anterior de 2011 se justificava, ao credor, efectuar uma provisão face à difícil situação económica das empresas devedoras, contudo, considerou-se que aquilo que o sujeito passivo pretende deduzir como gasto do exercício (perda associada à anulação do valor do crédito) apenas está dependente dos requisitos gerais previstos no nº 1 do art. 23º do CIRC, pese embora o credor não tenha feito prova (que considera desnecessária) da irrecuperabilidade do crédito.

12) Acresce ainda que, entre a emissão do Acórdão fundamento e da decisão arbitral recorrida, não ocorreu qualquer alteração legislativa susceptível de interferir na resolução da vertente questão de direito controvertida.

13) E que se entende que se justifica, no caso, o presente recurso para uniformização de jurisprudência, pela existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, no sentido de que a mesma situação de facto, da extinção ou cedência de um crédito por valor inferior ao valor nominal da dívida, sem que esteja feita a prova por parte do sujeito passivo da incobrabilidade do valor desse crédito, foi entendida e aplicada diferentemente, quanto à articulação dos artigos 23º, 35º, 36º e 41º do CIRC pelos referidos Acórdãos, sendo certo, igualmente, que a orientação perfilhada na decisão impugnada não está de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

14) Encontra-se, pois, preenchido o condicionalismo previsto nos arts. 152º nº 1 do CPTA e 27º nº 1 al. b) do ETAF.

15) Por outro lado, o presente conflito de deve ser resolvido de acordo com o deliberado no Acórdão fundamento, dado que a decisão arbitral recorrida, ao ter considerado que pese embora o sujeito passivo não tenha feito qualquer prova quanto à incobrabilidade do crédito pode registar a perda correspondente ao crédito perdido como custo à luz dos pressupostos gerais do art. 23º do CIRC, fez, salvo o devido respeito, uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 23º, 35º, 36º e 41º do CIRC aos factos.

16) Em termos fiscais, tendo em conta o princípio da indispensabilidade presente no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, segundo o qual consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente, os elencados nas suas alíneas, no que respeita à cessão onerosa de créditos com prejuízo, a aplicação do requisito da indispensabilidade dos gastos obriga a ter em conta a própria situação dos activos (créditos) que são objecto de alienação. O que significa que a sua aceitação depende relevantemente da questão da própria possibilidade de cobrança e dos requisitos de incobrabilidade do mesmo.

17) Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 35.º, podem, pois, ser deduzidas fiscalmente as perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos anteriores, que tenham por fim a cobertura de créditos resultantes da actividade normal do sujeito passivo, que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e que sejam evidenciados na contabilidade.

18) E, segundo o n.º 1 do artigo 36.º tal verifica-se sempre que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, nomeadamente quando: o devedor tenha pendente processo de insolvência e de recuperação de empresas ou processo de execução; os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral; ou os mesmos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas objectivas de imparidade e de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento.

19) Finalmente, de acordo com o artigo 41.º do Código do IRC, os créditos incobráveis podem ser directamente considerados custos ou perdas do exercício desde que se verifiquem dois requisitos: que tal resulte, entre outros, de processo de insolvência e de recuperação de empresas; e que relativamente aos mesmos não seja admitida perda por imparidade ou, sendo-o, esta se mostre insuficiente.

20) Assim, tendo em conta o tipo de activo em questão e o que a então requerente alega quanto à não possibilidade de recuperação do valor nominal do crédito, o mesmo deveria ter sido considerado como incobrável e só assim poderia ser considerado como custo à luz do art. 41º do CIRC.

21) Como se refere na declaração de voto de vencido do Ac. recorrido que nos permitimos transcrever: “O requisito da não recuperabilidade tem de se verificar aquando da cessão, ou seja, da transferência definitiva dos activos, e não posteriormente, com a declaração de falência da devedora dos créditos”.

22) Pelo que, não se pode concordar com a jurisprudência constante do Ac. recorrido que deliberou no sentido de que, pese embora a perda decorrente da cedência de um crédito não estar sujeita ao regime dos créditos incobráveis, todavia, o custo ainda podia e devia ser admitido se preenchesse as condições do art. 23.º do CIRC, isto é, se fosse comprovadamente indispensável para a realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora.

23) Ora, esse entendimento implica a total incompreensão e afastamento do regime fiscal aplicável aos créditos de cobrança duvidosa/incobráveis, constante dos arts. 35º, 36º e 41º do CIRC.

24) Os referidos artigos, relativos à dedução de créditos de impossível ou difícil cobrança, constituem um regime amplo, abrangente e pormenorizado que garante ao contribuinte a dedução de créditos de cobrança duvidosa mas que também garante ao Estado que não serão reduzidos artificialmente os lucros sujeitos a tributação.

25) E, se o IRC regulou clara, minuciosa e extensamente a dedutibilidade dos créditos duvidosos/incobráveis, fê-lo porque desejava que esse regime fosse único e exclusivo e não apenas para facilitar a comprovação da indispensabilidade do custo pelo contribuinte, garantindo sempre, como alternativa, a possibilidade de comprovação por via do art. 23.º do CIRC.

26) Aliás, se assim fosse, seria desnecessário ao contribuinte o cumprimento da disciplina dos artigos 35º, 36º e 41º do CIRC, podendo sempre os mesmos serem ultrapassados e levando, na prática, à consideração como gasto de uma perda com um crédito que ainda pode ser cobrado ou cuja incobrabilidade não respeita as regras fiscais.

27) O reconhecimento e aceitação de gastos com perdas resultantes de alienação de créditos depende, pois, de estarem preenchidas as condições dos artigos referidos, e só nessa eventualidade está preenchido o requisito da indispensabilidade do nº 1 do art. 23º do CIRC.

28) Assim, podemos dizer que, efectivamente, não pode relevar como gasto uma denominada “menos-valia” que decorre não da perda de valor de um activo devido a causas físicas, técnicas ou económicas, de baixa de preço no mercado, mas do facto de o valor do activo (crédito) não ser recuperável.

29) Ou seja, a consideração, no ano de 2012, de uma perda do valor de um activo/crédito, que à data, por parte do mesmo já não ser recuperável, não está contabilizado pelo ser valor nominal de aquisição, não preenche os requisitos do art. 23º do CIRC se não preencher os requisitos dos artigos 35º, 36º e 41º do CIRC.

30) E, no caso, a dedutibilidade fiscal da perda associada a esta anulação parcial do crédito não é a indispensável para a obtenção de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, face à delimitação negativa que é feita pelos artigos 35º, 36º e 41º do CIRC.

31) Podemos, pois, dizer, contrariamente ao que foi deliberado no Ac. recorrido e seguindo a boa jurisprudência do Ac. fundamento, que à norma geral constante do art. 23º nº 1 do CIRC o legislador acrescentou, como normas especiais, os pressupostos contidos, à data, nos artigos 35º, 36º e 41º do CIRC. E essas normas impõem a forma de se poder relevar, fiscalmente, um crédito de uma determinada sociedade que não obteve pagamento, seja através das imparidades por créditos de cobrança duvidosa seja através do regime dos créditos incobráveis.

32) A lei consagra, deste modo, regras estritas para que um crédito não cobrado possa ser tido como um custo indispensável à actividade e, assim, para efeitos fiscais tais perdas só podem ser aceites como custo se cumprirem os requisitos dos referidos artigos.

33) Donde, sendo certo que a jurisprudência constante do Ac. fundamento tanto é aplicável à extinção do crédito como à sua transferência por cessão, deve o presente conflito de jurisprudência ser resolvido no sentido do deliberado no Ac. fundamento: isto é, de que o perdão de um crédito não permite à sociedade que o concedeu relevar o montante que deixou de receber como custo para efeitos fiscais, a menos que respeite as regras fiscais, seja pela constituição de provisões para créditos de cobrança duvidosa seja pelo regime dos créditos incobráveis.

34) Assim, salvo o devido respeito, a interpretação correcta das disposições legais atendíveis, artigos 23º, 35º, 36º e 41º do CIRC, é a que foi feita pelo Acórdão fundamento.

Termos em que e, com o douto suprimento de V. Exas., deve decidir-se no sentido de que existe oposição de julgados, conhecer-se do objecto do presente recurso e resolver-se o conflito de jurisprudência no sentido do deliberado no Acórdão fundamento, uma vez que o Acórdão recorrido fez uma incorrecta apreciação e aplicação dos artigos 23º, 35º, 36º e 41º do CIRC, aos factos.

2 – Contra-alegou a Recorrida Z……….., S.A., concluindo nos seguintes termos:

A. As presentes contra-alegações de recurso são apresentadas pela Recorrida na sequência do recurso para uniformização de jurisprudência interposto pela AT contra a Decisão Recorrida proferida no âmbito do processo arbitral 717/2016-T.

B. Na Decisão Recorrida, o Tribunal a quo julgou ilegais e ordenou a anulação das Liquidações Contestadas emitidas pela AT relativamente ao exercício de 2012 na sequência (entre outras) de correção efetuada à matéria colectável do IRC da Recorrida com a alienação de carteira de créditos abaixo do respetivo valor nominal.

C. Sobre a parte da Decisão que determina a anulação, com fundamento em ilegalidade, da referida correção de € 3.066.927,43, veio a AT apresentar recurso para este douto Tribunal, com fundamento em pretensa contradição entre esta e o acórdão proferido por este douto Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo n.º 0963/13, (Acórdão Fundamento).

D. No que respeita à factualidade dada como provada pelo douto Tribunal a quo e com relevância nos presentes autos:

a. Desde 2007 até 2012, a Recorrida pertenceu ao Grupo X……., um grupo turístico de origem espanhola – cfr. alínea b) do ponto 4.1 da Decisão Recorrida;

b. Em fevereiro de 2013 o Grupo X………., reconhecendo a insustentabilidade da sua situação financeira, torna pública a decisão de encerrar as atividades do Grupo e vender os correspondentes ativos no mercado – cfr. Doc. 4 junto ao P.P.A;

c. É precisamente no âmbito dessa necessária venda dos ativos do Grupo X…… para fazer face ao enorme passivo registado que a ora Recorrida foi alienada ao grupo turístico concorrente V………. em 26 de fevereiro de 2013 – alíneas c) e e) do ponto 4.1 da Decisão Recorrida;

d. A Recorrida detinha, desde 2011, créditos sobre várias sociedades do grupo X………. no montante de € 3.266.927,13 – cfr. pág. 15 da Decisão Recorrida;

e. Já no exercício de 2012, a Recorrida alienou aqueles créditos pelo respetivo valor de mercado (correspondente a € 200.000) e apurou uma menos-valia fiscal de € 3.066.917,43 correspondente à diferença a sua base fiscal/valor líquido fiscal (€ 3.266.917,43) e o valor de realização (€ 200.000);

f. Tal menos-valia fiscal foi considerada como dedutível pela Recorrida à luz da regra geral de dedutibilidade dos gastos e perdas em sede de IRC prevista no art.º 23.º n.º 1 do Código do IRC, razão pela qual na Modelo 22 do exercício de 2012 a recorrida fez relevar, para efeitos fiscais, uma perda de € 3.066.917,43.

E. O Tribunal a quo foi chamado a decidir sobre a ilegalidade da correção emitida pela AT na qual a mesma desconsiderou, para efeitos fiscais, a menos-valia realizada com base no argumento de que não se encontravam reunidos os requisitos previstos nos artigos 35.º, 36.º e 41.º do Código do IRC (na redacção vigente à data dos factos).

F. Para fundamentar a sua Decisão, o Tribunal a quo socorreu-se, designadamente, da fundamentação e do racional subjacentes ao Acórdão do TCA Norte datado de 29 de novembro de 2013 proferido no âmbito do processo n.º 1666/7 BEPRT – cf. Doc. 1 junto –, no qual se decidiu pela inaplicabilidade do art.º 41.º do Código do IRC à menos-valia da cessão de créditos num caso bastante semelhante ao da Recorrida no qual a AT havia desconsiderado uma menos-valia fiscal decorrente da alienação de créditos abaixo do valor nominal por não se mostrarem preenchidos os requisitos plasmados no artigo 41.º do Código do IRC.

G. Inconformada com a Decisão Recorrida, a AT apresentou o presente recurso para uniformização de jurisprudência com fundamento na pretensa contradição da Decisão Recorrida com o Acórdão Fundamento deste douto Supremo Tribunal Administrativo.

H. Conforme ficou demonstrado, inexiste a necessária identidade de situações de facto entre a Decisão Recorrida e o Acórdão Fundamento, já que

a. no Acórdão Fundamento está em causa uma redução do valor nominal do crédito mediante acordo entre o credor e o devedor; ao passo que

b. a Decisão Recorrida analisa uma cessão de créditos abaixo do correspondente valor nominal entre cedente e cessionário mas sem qualquer efeito no valor nominal dos créditos cedidos e ao qual (valor nominal) os respectivos devedores permaneceram obrigados.

I. Contrariamente ao que alega a Recorrente, dos factos subjacentes à Decisão Recorrida – i.e. da cessão de créditos entre cedente (a Recorrida) e cessionário – não resultou qualquer perdão, ainda que parcial, dos créditos cedidos sobre as respectivas sociedades devedoras.

J. Por outras palavras, não obstante a Recorrida ter transmitido a terceiro créditos de valor nominal de € 3.266.927,43 pelo preço de € 200.000, nenhum perdão foi concedido pela Recorrida às sociedades devedoras, permanecendo estas obrigadas ao cumprimento do valor global de € 3.266.927,43.

K. Diferentemente, no Acórdão Fundamento o que estava em causa era a redução do montante de um crédito sobre determinado cliente resultante de acordo entre o respetivo credor e devedor.

L. As diferenças entre os factos subjacentes ao Acórdão Fundamento e à Decisão Recorrida são, assim, manifestas: enquanto no Acórdão Fundamento o devedor vê a sua dívida efetivamente reduzida em € 40.040,54 em virtude de uma redução do valor nominal do crédito, na Decisão Recorrida nenhum ajustamento ao valor nominal dos créditos ocorreu, permanecendo as sociedades devedores obrigadas ao pagamento (primeiro perante o cedente e depois perante o cessionário) do valor global de € 3.266.927,43.

M. Enquanto no Acórdão Fundamento a realização da perda ali em análise decorre de uma decisão unilateral do credor em aceitar como incobrável parte do crédito que detinha sobre o devedor, na Decisão Recorrida a realização da perda com a venda dos créditos decorre da sua alienação a outro agente de mercado.

N. Foi precisamente a diferença substancial dos factos subjacentes à Decisão Recorrida e ao Acórdão Fundamento que justificou a divergência das questões de direito em análise.

O. No Acórdão Fundamento tudo se resume à questão de saber à luz de que quadro normativo deverá ser analisada a dedutibilidade fiscal da perda relativa a um crédito que se tornou incobrável mediante decisão unilateral do credor em benefício do devedor.

P. Diferentemente, na Decisão Recorrida a questão de direito a decidir prendia-se com o quadro normativo aplicável à menos-valia realizada com a venda de créditos abaixo do respetivo valor nominal sem que qualquer perdão ou redução do valor em dívida tivesse ocorrido.

Q. Em suma, e conforme entende a Recorrida ter ficado demonstrado, nem as questões objeto do Acórdão fundamento e da Decisão Recorrida são idênticas, nem os pressupostos de facto (que, como vimos, são substancialmente diferentes) são suscetíveis de enquadramento na mesma hipótese normativa, motivo pelo qual não existe (nem pode existir) qualquer oposição (quanto à mesma questão fundamental de direito) entre Decisão Recorrida e Acórdão Fundamento.

R. Tal inexistência de identidade de objecto, da factualidade subjacente e de questão direito implica inevitavelmente, como a jurisprudência tem vindo a decidir de forma unânime e reiterada, a ausência de uma “mesma questão fundamental de Direito” que consubstancia um pressuposto legal do recurso para uniformização de jurisprudência nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 152.º do CPTA aplicável ex vi artigo 25.º, n.º 3, do RJAT, sendo por isso inadmissível o Recurso interposto pela AT, o que desde já se requer, com todas as consequências legais.

S. Neste contexto, a Recorrida entende que o recurso interposto pela AT não reúne os pressupostos legais e que, por esse motivo, deve o douto Supremo Tribunal Administrativo abster-se de conhecer do seu mérito nos termos do artigo 152.º do CPTA ex vi n.º 3 do artigo 25.º do RJAT.

T. Além da falta de identidade das situações fácticas suscetíveis de enquadramento nas mesmas normas jurídicas entre os arestos (Acórdão fundamento e decisão recorrida) em apreço e, consequentemente, da inexistência de uma “mesma questão fundamental de Direito”, deve concluir-se que inexiste necessariamente qualquer contradição entre as soluções jurídicas perfilhadas por ambos os arestos.

U. Com efeito, em nenhum momento a Decisão Recorrida contraria (nem expressa nem implicitamente) a solução jurídica determinada pelo Acórdão Fundamento já que a o Tribunal Arbitral a quo se prestou expressamente a distinguir institutos jurídico-tributários distintos cuja ratio e funcionamento reclamam necessariamente soluções jurídicas distintas para factos também eles distintos.

V. Ainda que se considerasse existir oposição de julgados na dimensão exigida pelo artigo 152.º do CPTA e artigo 25.º do RJAT – no que não se concede e por mera cautela de patrocínio se equaciona –, sempre deveria concluir-se que a Decisão Recorrida é aquela que se conforma com a jurisprudência recente dos tribunais superiores e, em particular, deste douto Supremo Tribunal.

W. Por fim, ainda que se considere existir oposição de julgados na dimensão exigida pelos artigos 152.º do CPTA e 25.º do RJAT – no que a Recorrida não concede, nem vê como possa tal ser sustentado, pelo que apenas por mera cautela de patrocínio equaciona –, deve concluir-se que a Decisão Recorrida não merece qualquer censura:

a. na interpretação que fez dos artigos 35.º 36.º e 41.º (na redação vigente à data dos factos) e na decisão da sua inaplicabilidade aos casos de vendas de créditos abaixo do valor de mercado; bem como

b. na interpretação e aplicação que faz do princípio da indispensabilidade dos gastos e perdas previsto no art.º 23.º à menos-valia realizada pela ora Recorrida com a venda de créditos abaixo do respetivo valor nominal.

X. Os apertados requisitos e limites que nos termos dos artigos 35.º, 36.º e 41.º têm de se mostrar preenchidos para que determinada imparidade ou determinado crédito incobrável seja aceite como perda fiscal visam efetivamente evitar quaisquer tipos de manipulações por parte dos sujeitos passivos de IRC relativamente a uma área especial atreita a juízos de elevado subjectivismo: i.e. a análise sobre o risco de incobrabilidade de um crédito.

Y. Os regimes previstos nos artigos 35.º e 36.º e 41.º do Código do IRC têm o seu campo de aplicação limitado a todas as situações de facto em que a perda de valor do ativo (neste caso, os créditos) decorra de um juízo valorativo exclusivo do credor ou em acordo com o credor: v.g. casos em que o credor a juíza que o valor do seu crédito é inferior ao seu valor nominal (porque considera que é difícil a sua cobrança) ou situações em que o credor dá por irrecuperável parte ou a totalidade do seu crédito anulando o mesmo e/ou perdoando a dívida ao devedor (com a que ora se discute).

Z. A ratio dos regimes vertidos nos artigos 35.º, 36.º e art. 41.º do Código do IRC é a de reduzir ou mitigar, no plano fiscal, a flexibilidade e o elevado grau de subjetividade subjacentes ao juízo de incobrabilidade de determinado crédito permitidos pelo normativo contabilístico para as situações em que, precisa e exclusivamente, tal juízo de incobrabilidade é puramente unilateral.

AA. Tal ratio de prevenção de abuso não se aplica nem se justifica nos casos em que o próprio mercado – i.e. por uma terceira entidade adquirente – aceite e determine que o preço de mercado (EUR 200.000, no caso em apreço) daqueles créditos corresponde efetivamente ao valor considerado pelo transmitente como recuperável.

BB. Com efeito, a legitimidade e coerência dos impactos fiscais positivos ou negativos decorrentes da alienação de um crédito abaixo do seu valor nominal deve ser aferida à luz do artigo 23º do Código do IRC, mas nunca à luz do de regimes gizados para situações de ausência de contraparte, como é o caso do regime dos créditos incobráveis.

CC. Nesse sentido, outra coisa não se poderá concluir, conforme concluiu e bem o Tribunal a quo que a correção emitida pela AT ao lucro tributável da Recorrida de 2012 e que se traduziu na desconsideração fiscal da perda apurada com a cessão de créditos que a Recorrida detinha sobre sociedades do Grupo X………. é ilegal por violação do disposto nos art.ºs 35.º, 36.º e 41.º do Código do IRC, porque inaplicáveis àquela menos-valia, devendo em consequência ser confirmada por este Supremo Tribunal a Decisão Recorrida.

DD. E deverá igualmente ser confirmada a Decisão Recorrida na parte em que se considerou dedutível à luz do art.º 23.º do Código do IRC a menos-valia realizada com a venda de créditos detidos sobre sociedades do Grupo X………… que vieram posteriormente a ser efetivamente declaradas insolventes, atendendo a que ficou devidamente demonstrado o racional económico subjacente àquela venda que se traduziu na tentativa de minimização de perdas latentes com aqueles créditos.

EE. A ausência de uma motivação fiscal subjacente à venda dos créditos é tanto mais evidente quanto se atente que caso a Recorrida tivesse aguardado pela declaração de insolvência das sociedades devedoras poderia ter deduzido sem qualquer margem para dúvida a totalidade da perda por consideração dos créditos em causa como incobráveis (nesse cenário sim) à luz do art.º 41.º do Código do IRC.

FF. Sendo que, à luz do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, a menos-valia fiscal apurada pela Recorrida em decorrência da alienação de créditos sobre sociedades devedoras do Grupo X………. abaixo do respetivo valor nominal foi plenamente justificada por critérios de racionalidade económica traduzidos no objetivo de obtenção do maior encaixe financeiro possível no contexto de pré-insolvência das sociedades devedoras;

GG. Em face de tudo quanto se vem expondo, é por demais evidente que o presente Recurso interposto pela AT, se admitido, deve ser julgado integralmente improcedente, já que a Decisão do Tribunal a quo não merece qualquer censura.

HH. Termos em que – merecendo o presente Recurso apreciação quanto ao mérito, no que não se concede e apenas se admite por dever de patrocínio sem, contudo, conceder –, deve o Recurso interposto pela AT com base no Acórdão Fundamento ser julgado totalmente improcedente, já que a Decisão Recorrida sobre a inaplicabilidade dos artigos 35.º, 36.º e 41.º do Código do IRC não merece qualquer censura e consiste na melhor interpretação dos referidos preceitos legais, confirmada aliás pela jurisprudência dos tribunais superiores.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o douto Supremo Tribunal Arbitral abster-se de se pronunciar sobre o mérito do Recurso por não estarem verificados os requisitos legais para apresentação de recurso para uniformização de jurisprudência, ordenando-se a manutenção da Decisão Recorrida com todas as consequências legais.

Sem conceder, a ser admissível o presente Recurso com fundamento em oposição da Decisão Recorrida com o Acórdão Fundamento, no que não se concede e por mera cautela de patrocínio se equacione – deve o recurso interposto pela AT ser julgado totalmente improcedente, já que o Tribunal Arbitral a quo subsumiu corretamente a factualidade às normas jurídicas relevantes e adotou a melhor interpretação dos normativos jurídico-tributários aplicáveis à factualidade assente nos autos.

Mais se requer que, à semelhança do requerido pela Recorrente, sejam as partes dispensadas do pagamento da taxa de justiça devida a final, nos termos do art.º 6.º, n.º 7 do Regulamento de Custas Processuais.


3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu o douto parecer de fls. 290 a 294 dos autos, no sentido da verificação dos requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência e concluindo nos seguintes termos:

a) As perdas decorrentes de cessão de crédito a terceiro por valor inferior ao seu valor nominal, por razões relacionadas com a situação económico-financeira da devedora e de cobrança duvidosa, estão sujeitas, quanto ao reconhecimento do risco de incobrabilidade, ao regime dos artigos 35 e 36º do CIRC, na redação então em vigor;

b) Atento que no caso concreto do acórdão recorrido os requisitos previstos nos citados normativos não se mostravam preenchidos, não pode o sujeito passivo beneficiar do reconhecimento desse risco de incobrabilidade para efeitos de relevância fiscal das imparidades verificadas no exercício em que ocorreu essa cessão de crédito;

c) Deve assim ser proferido acórdão de uniformização de jurisprudência que acolhendo tal entendimento revogue o acórdão recorrido, que assim não o entendeu, e julgue a ação improcedente nessa parte.

4 – Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, cumpre decidir em conferência no Pleno da Secção.


- Fundamentação -



5 – Questões a decidir

Importa decidir previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o prosseguimento para conhecimento do mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência, a saber, a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão invocado como fundamento relativamente à mesma questão fundamental de direito e, bem assim, a de que a decisão arbitral recorrida não se encontre em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada da Secção.

Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do mérito do recurso.


6 – Matéria de facto

6.1 – É do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral recorrida:

a) A Requerente é um sujeito passivo de IRC, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRC, enquadrado no regime geral de determinação do lucro tributável, definido na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do mesmo diploma, sendo tributado à taxa prevista no n.º 1 do artigo 87.º do CIRC;

b) A Requerente iniciou a actividade de transporte aéreo não regular de passageiros, durante o ano de 2007, e até 2012 pertenceu ao Grupo X……….:

c) Com a entrada em falência desse grupo, em 26 de Fevereiro de 2013 concretizou-se a passagem da totalidade das acções da empresa para o Grupo V………….;

d) Os períodos de tributação da Requerente, nos exercícios de 2011 e 2012, tiveram início a 1 de Novembro e termo a 31 de Outubro do ano seguinte;

e) Após a aquisição, em 26 de Fevereiro de 2013, da totalidade do capital social da empresa pelo Grupo V………., a Requerente passou a adotar o período de tributação correspondente ao ano civil, facto que originou que o exercício de 2013 compreenda apenas o período de 1 de Novembro a 31 de Dezembro desse mesmo ano.

f) A coberto da OI 201501780 a Requerente foi objecto de acção de inspecção externa de âmbito parcial referente ao período de tributação de 2012;

g) Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que em se refere, além do mais o seguinte:

III - Descrição dos Factos e Fundamentos das Correções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável / Imposto

Em resultado da análise efetuada aos documentos que suportam os registos contabilísticos da sociedade foram detetadas as seguintes situações suscetíveis de correção, em sede de IRC, no exercício de 2012:

III.1. Alienação de créditos abaixo do valor nominal

A Z………… declarou no campo 762 do quadro 07 da DR modelo 22 de IRC, o valor de 2.815.878,34 €. (vide Anexo 10, pág. 4)

Solicitada justificação da dedução daquele montante no apuramento do lucro tributável e documentos comprovativos da operação subjacente (vide Anexo 11, pág. 2), foi aludido que:

"No exercício de 2011 a Z……….. detinha créditos no montante total de € 3.266M sobre várias sociedades do grupo espanhol X……… (cf. página 11 da escritura pública espanhola do contrato de cessão de créditos em anexo como documento n.º 1). Ao abrigo do normativo contabilístico em vigor, a Z………. reconheceu uma imparidade no montante de €2.815M no final do exercício de 2011.

Não obstante, tal imparidade não era dedutível em sede de IRC e por isso foi acrescida no campo 718 da Modelo 22 submetida com referência ao exercício de 2011 (cf. declaração Modelo 22).

Durante o exercício de 2012, a imparidade foi remensurada, tendo sido atualizado o montante da imparidade para € 3.066M e reconhecido contabilisticamente um montante adicional de €0.251M (€ 2.815M + € 0.251M).

Após o reconhecimento contabilístico adicional de € 0.251, e ainda no exercício de 2012, os créditos detidos sobre as sociedades do grupo X………… foram vendidos pelo valor de € 0.2M (cf. cláusula 3, página 7 do documento n.° 1).

Neste contexto, a perda de €3.066 resultante da venda dos créditos foi aceite para efeitos fiscais, enquanto o rendimento resultante da reversão da imparidade de € 2.815M anteriormente acrescida e tributada na declaração Modelo 22 do exercício de 2011 não deveria concorrer para a formação do lucro tributável. Por este motivo, o referido montante de € 2.815M foi deduzido no campo 762 da Modelo 22 do exercício de 2012.

Finalmente, notamos que por mero lapso, o montante de € 2.815M foi deduzido no campo 762 referente a "Reversão de ajustamentos em inventários tributados (art. 28°, n.º 2) e de perdas por imparidade tributadas (art. 35.º, n.º 3)", em vez de ter sido deduzido no campo 781 relativo a "Perdas por imparidade tributadas em períodos de tributação anteriores (art.º 35° n.°s 1 e 4)". No entanto, a dedução efetuada no campo 762 em nada altera o lucro tributável apurado na respetiva Modelo 22 do exercício de 2012."

(vide Anexo 11, págs. 3 a 43)

Na sequência daquela explicação pediu-se, através da notificação realizada no dia 11 de Março de 2016:

Relação das perdas por imparidade de dívidas a receber de clientes, existentes no exercício de 2012, discriminadas por NIF, nome, n.° documento, data, valor, data de vencimento, perdas por imparidade acumuladas a 31-10-2012, imparidade do exercício, motivo da sua constituição e indicação do seu acréscimo no quadro 07 da DR modelo 22;

Prova do risco de incobrabilidade da imparidade reconhecida no exercício de 2012, no valor de 251.049,09 €, e diligências efetuadas para o seu recebimento, tal como previsto nos artigos 35.° e 36.° (à data dos factos) do CIRC;

Apresentação de elementos que comprovem que, no exercício de 2012, se encontravam reunidas as condições previstas nos artigos 35° e 36.° do CIRC, para que a imparidade constituída em 2011 e acrescida no quadro 07 da modelo 22 desse exercício, no montante de 2.815.878,34 €, fosse passível de dedução fiscal em 2012;

Prova do enquadramento no artigo 41.° (à data dos factos) do CIRC, caso o valor de 3.066.927,43€ (Valor dos créditos- valor da venda: 3.266.927, 43-200.000,00), tenha sido considerado como crédito incobrável;

Demonstração da contabilização do gasto no valor de 3.066.927,43 €, e respetivos extratos de conta corrente, diário de movimentos e documentos de suporte.

(vide Anexo 12, págs. 2 e 3)

Na data prevista para o efeito, a Z………..;

> Apresentou mapas relativos às perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes; (vide Anexo 12, págs. 12, 19, 20, 23 e 24)

>De forma a justificar a dedutibilidade fiscal da imparidade reconhecida no exercício de 2012, no valor de 251.049,09 €, nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 35.° e da alínea a) do n.° 1 do artigo 36.°, ambos do CIRC, juntou cópia do Boletim Oficial do Estado Espanhol (Boletín Oficial del Estado) de 12 de Abril de 2013, cujo capítulo IV refere o concurso de credores no âmbito do processo de insolvência das várias entidades do Grupo X………. (identificadas nos pontos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 13 e 16 do documento), que corria os seus termos no Tribunal do Comércio n.° 1 de Palma de Maiorca; (vide Anexo 12, págs. 13, 21 e 22)

> Quanto à prova das condições previstas nos artigos 35.º e 36 do CIRC, para que a imparidade constituída em 2011 e acrescida no quadro 07 da modelo 22 desse exercício, no montante de 2.815.878,34 €, fosse passível de dedução fiscal em 2012, argumentou que o crédito sobre o qual havia sido constituída a imparidade no exercício anterior (acrescida e tributada na respetiva modelo 22) foi vendido no exercício fiscal de 2012 e por isso a imparidade em causa anteriormente tributada, foi deduzida na modelo 22 do exercício de 2012. Acrescentou ainda que se os créditos não tivessem sido vendidos, a dedução da imparidade seria aceite para efeitos fiscais, dada a insolvência das entidades devedoras; (vide Anexo 12, págs. 13 e 13)

> Alegou que o crédito no valor de 3.066.927,43 € não foi considerado como incobrável no exercício de 2012, para efeitos do artigo 41.° do CIRC, vigente à data dos factos; (vide Anexo 12, pág. 140).

> Apresentou a contabilização do montante do gasto apurado no valor de 3.066.927,43 €. (vide Anexo 12, págs. 18 e 25)

Conclusão

Após análise aos esclarecimentos e documentos justificativos apresentados pela empresa, constata-se que:

a) A Z………. detinha créditos concedidos sobre as seguintes sociedades no montante de 3.266.927,13 €”, conforme quadro que consta do Relatório de Inspecção Tributária e se dá aqui por integralmente reproduzido;

“b) Conforme documento que se anexa (vide Anexo 11, págs. 9 a 43), designado por "Credits Assignment Agreement", datado de 26 de Fevereiro de 2013, os créditos em questão foram alienados por 200.000,00 € à sociedade U…………… Lda (adiante designada por U……….), NIPC ……………..

c) Para justificar o gasto apurado com a alienação dos referidos créditos, 3.066.927,43 €, refere o sujeito passivo que os mesmos eram detidos sobre entidades do grupo espanhol X………. nas quais decorriam processos de insolvência no Tribunal de Comércio n.° 1 de Palma de Maiorca.

d) À data da alienação dos créditos, a sociedade tinha uma provisão sobre aqueles créditos no valor total de 3.066.927,43 €. O montante de 2.815.878,34 € foi provisionado no exercício de 2011 e o montante de 251.049,09 € no exercício de 2012.

e) O valor da provisão constituída em 2011 foi acrescido para efeitos fiscais, porém, no exercício de 2012 foi o mesmo deduzido ao quadro 07 da DR modelo 22. Tal montante não se encontre relevado em proveitos, resultando desta forma num gasto fiscal deste período.

f) Quanto ao valor da provisão constituída em 2012, a mesma não foi acrescida para efeitos fiscais, considerando-se assim como um gasto fiscal deste período.

g) Embora o balancete final do exercício de 2012 não reflita as contas movimentadas na operação em causa (vide Anexo 4, págs. 2 a 6 e 12 a 16), através do diário de lançamentos verifica-se que a imparidade constituída em 2011, no valor de 2.815.878,34 €, foi utilizada na perda resultante da venda dos créditos em 2012 (vide Anexo 12, págs. 18 e 25).

Implicação fiscal decorrente da alienação dos referidos créditos

Em virtude de estarmos perante uma perda contabilística originada pela alienação, com prejuízo, de créditos concedidos a clientes decorrentes da atividade normal da empresa, é necessário avaliar se se encontram reunidos os pressupostos legais para a dedução fiscal daquele gasto.

Para isso teremos de atender ao disposto nos artigos 23.°, 35.°, 36.° e 41,° (à data dos factos) do CIRC.

De acordo com o princípio da indispensabilidade presente no n.° 1 do artigo 23.° do CIRC, consideram-se gastos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente, os elencados nas suas alíneas.

Pois bem, no que respeita à alienação onerosa de créditos com prejuízo, a aplicação do requisito da indispensabilidade dos gastos obriga a ter em conta a própria situação dos ativos (créditos) que são objeto de alienação. O que significa que a sua aceitação depende relevantemente da questão da própria possibilidade de cobrança e dos requisitos de incobrabilidade.

Nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 35.°, podem ser deduzidas fiscalmente as perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos anteriores, que tenham por fim a cobertura de créditos resultantes da atividade normal do sujeito passivo, que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e que sejam evidenciados na contabilidade.

O que, segundo o n.° 1 do artigo 36.°, se verifica sempre que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, nomeadamente quando: o devedor tenha pendente processo de insolvência e de recuperação de empresas ou processo de execução; os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral; ou os mesmos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

De acordo com o artigo 41.° do Código do IRC, os créditos incobráveis podem ser diretamente considerados custos ou perdas do exercício desde que se verifiquem dois requisitos: que tal resulte, entre outros, de processo de insolvência e de recuperação de empresas; e que relativamente aos mesmos não seja admitida perda por imparidade ou, sendo-o, esta se mostre insuficiente.

Perdas por imparidade de créditos de cobrança duvidosa

Tendo em atenção ao disposto no artigo 35.° do CIRC, ao tipo de créditos em questão e aos movimentos contabilísticos efetuados pelo sujeito passivo, conclui-se:

Que os créditos em causa estão relacionados com a atividade normal da empresa, e

Que nos termos e nas condições previstas no artigo 36° do CIRC, a Z………… poderia reconhecer perdas por imparidade relacionadas com aqueles créditos. Porém,

Não se encontra qualquer evidência na contabilidade da A… dos créditos de cobrança duvidosa em contas específicas, nem no Anexo ao Balanço e à Demonstração de Resultados ou no mapa oficial, Modelo 30 - Mapa de provisões, perdas por imparidade em créditos e ajustamentos de inventários, que integra o dossier fiscal (vide Anexo 4, págs. 2 a 6 e 12 a 39)

Assim, ao não se encontrarem preenchidas todas as condições estabelecidas no artigo 35.° do CIRC, o gasto decorrente da alienação dos créditos sobre clientes não tem enquadramento naquela norma.

Refira-se apenas que embora a Z………. tenha, contabilisticamente, constituído uma imparidade no exercício de 2011, no montante de 2.815.878,34 €, a mesma foi acrescida ao quadro 07 da respetiva modelo 22 por não ser dedutível em sede de IRC, conforme justificado pelo sujeito passivo (vide Anexo 11, pág. 3).

O que se acolhe pelo facto do risco de incobrabilidade dos créditos em causa só se ter verificado em Janeiro de 2013 (mês que incorpora o período de tributação de 2012 da A…) com a entrada em Tribunal de processo de insolvência das várias empresas devedoras, (vide Anexo 12, págs. 21 e 22)

Créditos incobráveis

Quanto ao considerar como crédito incobrável de 2012, a perda contabilística originada pela alienação dos créditos sobre clientes, é necessário que a mesmo reúna as condições já identificadas no artigo 41.° do CIRC à data dos factos, nomeadamente, que os créditos incobráveis resultem de processo de insolvência, o que não se verifica pelos elementos facultados pelo sujeito passivo, (vide Anexo 12, pags. 21 e 22).

Mais se informa que o próprio sujeito passivo na resposta à notificação alegou que o crédito no valor de 3.066.927,43 € não foi considerado como incobrável no exercício de 2012, para efeitos do artigo 41.º do CIRC, vigente à data dos factos, (vide Anexo 12, pág. 14).

Pelo exposto, tendo a Z………. relevado para efeitos fiscais um gasto relacionado com a alienação de créditos que detinha sobre clientes, sem qualquer enquadramento legal nos artigos 35.°, 36.° e 41,° (à data dos factos) do CIRC, será proposta correção no montante 3 066 927,43 €, que se traduzirá:

Na não aceitação da dedução fiscal efetuada no campo de 762 do quadro 07 da DR modelo 22 de 2012, no valor de 2.815.878,34 €, e

No acréscimo do valor de 251.049,09 € no campo de 718 do quadro 07 da DR modelo 22 de 2012.

As omissões e inexatidões praticadas nas declarações fiscais são punidas pelo n.º 1 do artigo 119.°do RGIT.

III.2. Ajudas de custo - tributação autónoma

A Z…………. declarou no campo 365 (tributações autónomas) do quadro 10 da DR modelo 22 de IRC, o valor de 72.849,86 €, apurado” conforme quadro que consta do Relatório de Inspecção Tributária e se dá aqui por integralmente reproduzido;

“(vide Anexo 10, pág. 6)

Nos termos do n.º 9 do artigo 88.º (à data dos factos) do CIRC, "são ainda tributados autonomamente, à taxa de 5%, os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário, bem como os encargos não dedutíveis nos termos da alínea f) do n.° 1 do artigo 45.° suportados pelos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que os mesmos respeitam."

Refere ainda o n.º 14 que "as taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos qus apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que respeitem quaisquer dos factos tributários referido nos números anteriores."

Em virtude do gasto contabilizado na conta SMC 6325 Ajudas de custo ser de 1.417.262,27 € -vide Anexo 4, pág. 15 -, solicitou-se o mapa de cálculo da tributação autónoma, o extrato da conta SNC 6325 Ajudas de custo e o respetivo suporte documental, bem como a justificação para a diferença entre os montantes registados na contabilidade e a quantia indicada no campo 415 do quadro 11 da DR modelo 22 de 2012. (vide Anexo 13, pág. 2)

Apresentado apenas o mapa de cálculo da tributação autónoma e os documentos que suportam o valor indicado no campo 415 do quadro 11 da DR modelo 22 de 2012 (483.114,22 €), na notificação realizada a 11 de Março de 2016 pediu-se à empresa que demonstrasse que a diferença entre o montante registado na contabilidade (1.417.262,27 €) e o valor que serviu de base ao cálculo da tributação autónoma (483.114,22 €) tinha sido faturada a clientes e/ou tributada em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário, de acordo com o artigo 88.° do CIRC. (vide Anexo 12, pág. 3).

Na resposta à notificação, foi referido pelo sujeito passivo que aquela diferença se justifica por se tratar de ajudas de custo pagas pela sucursal da A… em Espanha no âmbito da atividade exercida por seu intermédio, conforme tabela que anexou à notificação (vide Anexo 12, -págs. 14,15 e 27). Juntou ainda e a título exemplificativo, listagem do processamento de salários de Julho de 2013 e cópias dos recibos de vencimento de 3 trabalhadores emitidos nesse mês.

Da análise aos documentos remetidos foi possível validar a tributação autónoma aplicada sobre as ajudas de custo pagas em Portugal (483.114,22 €). Porém, quanto às despesas ou encargos de estabelecimentos estáveis situados fora do território português e relativos à atividade exercida por seu intermédio, só a partir dos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de Janeiro de 2014 é que as mesmas deixaram de ser tributadas, de acordo com a redação dada ao artigo 88.° do CIRC, introduzida pela lei do OE 2014 (vide n.º 16 do artigo 88.° do CIRC).

O que significa que, à data dos factos (2012), estavam sujeitos todos os encargos suscetíveis de serem tributados autonomamente, nos termos do artigo 88.º do CIRC, ainda que imputáveis a um estabelecimento estável situado no estrangeiro. No caso em apreço, as despesas de representação no valor de 1.913,66 € e os encargos com ajudas de custo no montante total de 1.417.262,27 €.

Este facto constitui infração ao disposto no n.° 9 do artigo 68.° do CIRC, punível pelo n.º 1 do artigo 119.° do RGIT.

Porém, atendendo ao facto de, com a correção proposta no ponto III.1 deste capítulo, o sujeito passivo passar de um prejuízo fiscal para lucro tributável, propõe-se uma correção ao imposto a favor da Z……….., no valor de 1.795,39 €, em virtude de não ser aplicável a taxa agravada prevista no n.° 14 do artigo 88.° do CIRC”, conforme quadro que consta do Relatório de Inspecção Tributária e se dá aqui por integralmente reproduzido.

“(...)

VIII - Propostas

Na análise realizada aos documentos de suporte dos registos contabilísticos da sociedade, foram verificadas as irregularidades descritas e quantificadas no capítulo III deste relatório com as seguintes repercussões no apuramento do lucro tributável e do cálculo do imposto, declarado do sujeito passivo, no exercício de 2012”, conforme quadro que consta do Relatório de Inspecção Tributária e se dá aqui por integralmente reproduzido.

h) Na sequência da inspecção foi emitida da liquidação de IRC n.º 2016 8310034207 e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2016 00001247742 e 2016 00001247743;

i) Os trabalhadores da Requerente a quem foram pagas ajudas de custo por actividade exercida através da sucursal da Requerente em Espanha são aí tributados (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

j) A Requerente prestou garantia bancária identificada com o n.º E00401619 e emitida pelo Novo Banco no valor de € 986.231,95 para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal n.º 3247201601188569, que foi instaurado pelo Serviço de Finanças Lisboa-2, na sequência de falta de pagamento voluntário da alegada dívida de IRC e de juros compensatórios (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

k) A Requerente despendeu com a prestação da garantia bancária o montante de € 5.917,39, a título de Imposto do Selo (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

l) Em 30-11-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

6.2 - Por sua vez, é do seguinte teor o probatório fixado no Acórdão fundamento:

A- Pela Impugnada foi determinado que a Impugnante seria objecto de inspecção externa, tendo àquela sido dado conhecimento por ofício de 12.06.2003 (cf. docs, a fls. não numeradas do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

B- Em 05.07.2004 foi elaborado «Projecto de Relatório de Inspecção Tributária» (cf. doc. a fls. não numeradas do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

C- No relatório referido na alínea anterior foi aposto despacho pelo Sr. Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Coimbra, datado 06.07.2004, do qual se retira que: “Concordo com as propostas de correcção descritas no Parecer.

Concordo, ainda, com as seguintes correcções: a rt. 1-2. pág. 4:

Retenções não efectuadas:

IRS

Ano 2000 – 774,69€

Ano 2001 – 5.637,78 €

IRC
Ano de 2000 – 63.728,89 €

Ano de 2001 – 47.773,56 €

Notificar para o exercício do direito de audição [...]“ (cf. docs. a fls. não numeradas do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

D- Por ofício da Impugnada, datado de 05.07.2004, teve a Impugnante conhecimento do teor do documento referido nas duas alíneas anteriores, (cf. docs. a fls. não numeradas do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

F- Em 28.07.2004 foi elaborado «Relatório de Inspecção Tributária», do qual se extrai que:

“[...] III – 3.1 – Reintegrações e amortizações/Seguros, não aceites como custo Em Julho de 2000, a empresa contabilizou, através de um doc. interno, a aquisição da viatura ligeira de passageiros (Porsche), com a matrícula ………-PA, pelo valor de 112.229,53 € (22.500.000$). Foi mencionado como vendedor o sócio C………, tendo sido debitada a conta 42-imobilizado por crédito da conta 25512- C……….

Da análise ao título de registo de propriedade da referida viatura verificamos que nele constava como proprietário o Sr. C……….

Resumindo, a empresa não tem em seu poder qualquer documento legal comprovativo da aquisição da viatura e a mesma, nos anos em análise, encontrava-se registada em nome do Sr. C………, sendo assim propriedade do sócio e não da empresa.

Por outro lado, a empresa não nos comprovou que os encargos relacionados com esta viatura (………-PA) foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, salientando-se ainda que no ano de 2000, a empresa adquiriu, em sistema de aluguer, a viatura ligeira de passageiros (BMW) com a matrícula ………-QB, pelo valor de 110.733,13 € (22.200.000$).

[…]

III – 3.2 – Mais e menos-valias fiscais

No exercício de 2000, a empresa alien ou a viatura ligeira de passageiros ……..-JE, pelo valor de 17.457,92 € (3.500.000$), que tinha sido adquirida em 1997 pelo valor de 12.350.000$00.

Até ao ano de 2000, foram praticadas amortizações acumuladas (sobre o preço de aquisição) no valor total de 46.201,15 € ((9.262.500$= (12.350.000$*.25)*3)

No entanto, a empresa no apuramento efectuado no mapa e mais e menos- valias fiscais do exercício de 2000, não considerou, como devia (tendo em conta o estipulado nos referidos artigos), o valor das amortizações acumuladas praticadas.
Ao considerar indevidamente, no referido mapa, apenas o valor das amortizações acumuladas aceites para efeitos fiscais nos anos de 1997 a 1999, a empresa obteve uma menos valia fiscal de 23.655,49 € (4.742.500$).

Com o procedimento adoptado pela empresa não há qualquer penalização pelo facto de ter sido adquirida uma viatura ligeira de passageiros de valor superior a 29.927,87 € (6.000.000$), uma vez que o valor da menos valia agora obtido é coincidente com o valor que foi sendo tributado nos anos de 1997 a 1999. Haveria uma tributação antecipada de imposto, a qual seria anulada aquando da alienação da viatura. Pelo exposto, verificamos que da alienação da referida viatura resulta uma mais valia fiscal no valor de 1.287,51 € e não uma menos valia fiscal de 23.655,49 €, como foi declarado pela empresa no mapa das mais valias e menos valias fiscais.

[...]

171 – 3.3 – Descontos e abatimentos em vendas

ANO 2000

[…]

ANO 2001

Através do documento interno n.º 50136, em Outubro de 2001 foi transferido o saldo em dívida de 64.931 € (13.017.503$00) do cliente D……… LTD, da conta corrente (211252) para a conta de clientes de cobrança duvidosa (218521).

Embora tendo sido efectuado este movimento, não foi constituída qualquer provisão para este cliente (com sede em Londres – Inglaterra, n.º IVA 681594696).

Posteriormente, vem a empresa anular uma parte do referido saldo através da emissão do aviso de lançamento n.º 12078, datado de 31/12/2001, cujo descritivo é “desconto especial por acordo de pagamento”.

Através deste aviso de lançamento, foi debitada a conta “71822 – Descontos e abatimentos vendas – prod. Acab – Merc Intrac” por crédito da conta de cliente de cobrança duvidosa “218521” tendo assim sido diminuído o valor líquido das vendas e o saldo do cliente, em 40.040,54 € (8.027.408$).

[…]

Pelo exposto, vai ser acrescido ao lucro tributável de 2001 o valor de 40.040,54 € [...]” (cf. doc. a fls. não numeradas do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

G- No relatório referido na alínea anterior foi aposto despacho pelo Sr. Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Coimbra, datado 02.08.2004, do qual se retira que: Concordo com as conclusões do relatório e determino o(s) valor(es) proposto(s) para tributação” (cf. doc. a fls. não numeradas do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

H- Por ofício da Impugnada datado de 02.08.2004, a Impugnante teve conhecimento do despacho e do relatório referido nas duas alíneas anteriores (cf. docs. a fls. não numeradas do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

I- A Impugnante recebeu o aviso da compensação n.º 2005 00002579497, relativo à liquidação de IRC de 2001 n.º 2004 8510024373, dele resultando ter aquela que pagar o valor de € 12.182,11 (cf. doc. a fls. 13 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

J- Dá-se por integralmente reproduzido o documento intitulado «Requerimento-declaração para registo de propriedade» (cf. doc. a fls. 14 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

K- A impugnante intentou neste Tribunal processo de impugnação judicial que neste deu entrada em 01.03.2005 e deu origem ao Proc. n.º 148/05.5BECBR, não tendo sido nele proferida decisão final (cf. docs. a fls. 71 a 94 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

L- A petição inicial da presente impugnação deu entrada neste Tribunal em 23.02.2004 (cfr. fls. 2 a 21 dos autos).

M- O veículo de matrícula …………-PA foi utilizado em deslocações do interesse da Impugnante, como seja a clientes e bancos.

N- O desconto feito à empresa D………., Lda. foi celebrado em virtude da Impugnante não ter qualquer expectativa quanto ao recebimento do que lhe era devido por aquela.

O- Surgiu a proposta da empresa B……… de pagar 30% do valor devido pela D………., Lda. e a Impugnante tomou a decisão de aceitar o acordo».


7 – Decidindo

7.1. Da verificação dos pressupostos substantivos do recurso

Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), ao abrigo da qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.

Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão deste STA invocado como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito e, após – caso seja de reconhecer a existência de tal oposição –, verificar se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está ou não de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA, pois que apenas no caso de o não estar haverá que admitir o recurso, ex vi do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).

Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.

Portanto, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Ora, compulsadas as duas decisões em confronto, entendemos, ao contrário do Ministério Público junto deste STA, que não se mostram reunidos os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência, uma vez que a divergente solução dada em cada um dos arestos resulta do juízo formulado sobre a concreta situação fáctica dada como provada em cada um dos casos, e que é distinta.

Com efeito, a decisão arbitral recorrida julgou totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral interposto pela sociedade ora recorrida, anulando a liquidação de IRC sindicada e que resultara de diversas correcções ao lucro tributável do exercício de 2012 levadas a cabo pela Autoridade Tributária e Aduaneira – designadamente, uma correcção no montante global de EUR 3.066.927,43, referente aos seguintes valores parciais:

- EUR 2.815.878,34, correspondente ao valor de uma imparidade reconhecida no exercício de 2011 relativa a créditos (no montante total de EUR 3.266.927,43) detidos pela Recorrente sobre sociedades relativamente às quais decorriam processos judiciais de insolvência, tendo essa imparidade sido acrescida na Declaração Modelo 22 do IRC da Recorrente relativa àquele exercício de 2011.

Em 2012, os valores em dívida foram alienados pela Recorrente a um terceiro pelo valor global de EUR 200.000. Neste contexto, a perda decorrente da alienação dos créditos foi aceite para efeitos fiscais. Relativamente à imparidade, a Recorrente deduziu o valor de EUR 2.815.878,34 na Declaração Modelo 22 por entender que o rendimento resultante da reversão da imparidade (já tributada no exercício de 2011) não deveria agora concorrer novamente para a formação do seu lucro tributável.

- EUR 251.049,09, decorrente da remensuração e actualização do valor da imparidade e correspondente ao montante que a Recorrente adicionou a essa imparidade em 2012 (e que foi considerada como gasto fiscal nesse exercício de 2012).

Neste contexto, considerou a decisão arbitral recorrida que “sendo realizadas no exercício de 2012 menos-valias com a alienação de créditos relativamente aos quais não haviam sido anteriormente considerada qualquer relevância fiscal a título de perdas por imparidade, a dedutibilidade daquelas menos-valias como gastos daquele exercício apenas está dependente dos requisitos gerais previstos no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, designadamente serem comprovadamente «indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora». (…) No caso em apreço, (…) em face da situação económica difícil em que se encontravam as empresas devedoras dos créditos alienados, que já justificara a efectivação de uma avultada provisão no exercício de 2011, afigura-se que a alienação dos créditos por valor inferior ao valor nominal não deve deixar de ser considerada como um acto de gestão, praticado no interesse da Requerente. Aliás, a AT nunca colocou em causa o preço acordado, nem tampouco as regras de preços de transferência ou que a existência de alguma relação entre comprador e vendedor, pelo que não se coloca no processo a questão de o preço acordado não corresponder ao valor de mercado dos créditos”.

Diversamente, o Acórdão do STA invocado como fundamento negou provimento ao recurso interposto pelo contribuinte da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgara improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2001 e que resultara de diversas correcções ao lucro tributável desse exercício levadas a cabo pela Autoridade Tributária e Aduaneira – designadamente, o acréscimo ao lucro tributável de EUR 40.040,54 em virtude da anulação parcial de um saldo de dívida contabilizado na conta de clientes de cobrança duvidosa. Neste caso, o STA entendeu que a redução desse crédito decorreu do facto de a Recorrente não ter qualquer expectativa de receber o montante em dívida, tendo celebrado um acordo com uma “terceira sociedade, denominada “B…..”, que adquiriu a sociedade devedora” e que propôs pagar à Recorrente 30% do montante em dívida.

Neste contexto, por considerar que a “redução do crédito não constitui um desconto, mas antes uma anulação de crédito, um perdão de dívida” e uma vez que não foram “constituídas provisões para fazer face ao risco de incobrabilidade desse crédito”, o Supremo Tribunal Administrativo considerou que “o mesmo apenas poderia ser reconhecido directamente como custo para efeitos fiscais caso se verificassem os referidos requisitos do art. 39.º do CIRC – ou seja, que a incobrabilidade do crédito resultasse demonstrada de um processo especial de recuperação de empresa e protecção de credores ou de processo de execução, falência ou insolvência –, o que não sucede”.

Portanto, não resulta dos dois arestos em confronto qualquer divergência quanto à interpretação e aplicação do disposto nos artigos 23.º, 35.º, 36.º e 41.º do Código do IRC, uma vez que as diferentes soluções dadas aos litígios assentam, antes, numa clara e inultrapassável divergência de situações de facto.

No Acórdão Fundamento o que está em causa é a redução do valor nominal de um crédito mediante acordo entre o credor (Recorrente) e o futuro detentor das partes de capital do devedor. Nesta situação, o que se aprecia é a efectiva redução do valor nominal de uma dívida, razão pela qual a questão jurídica em análise se centra na dedutibilidade fiscal da perda resultante, para o credor, dessa redução de valor.

Diversamente, na decisão arbitral recorrida o que está em causa é a alienação de um crédito abaixo do par (isto é, abaixo do correspondente valor nominal), mas sem que exista qualquer perdão ou redução do valor nominal dos créditos, mantendo-se as sociedades devedoras obrigadas ao pagamento da totalidade do valor em dívida. Como tal, a questão jurídica em análise centra-se na dedutibilidade fiscal da menos-valia realizada pela Recorrente com a alienação de créditos abaixo do par, sem qualquer perdão ou redução do valor em dívida.

Inexiste, pois, oposição juridicamente relevante que justifique o presente recurso, já que não pode afirmar-se ter a decisão arbitral recorrida adoptado entendimento oposto ao do Acórdão fundamento no quadro de uma situação de facto similar.

Não se verificam, pois, os pressupostos de que depende o conhecimento do recurso.


- Decisão -

8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela Recorrente.

Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 26 de Setembro de 2018. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – António José Pimpão - José da Ascensão Nunes Lopes - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Pedro Manuel Dias Delgado - Ana Paula da Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.