Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0181/12
Data do Acordão:03/26/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:REFORMA DE SENTENÇA
RECURSO JURISDICIONAL
PRAZO
Sumário:I. O despacho que indefere o requerimento de reforma da sentença, feito ao abrigo do disposto no artigo 669º nº 2 alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, (versão antiga) não é jurisdicionalmente recorrível.
I - Só há lugar à reforma da decisão nas situações de manifesto erro de julgamento de questões de direito quando esse erro for evidente, patente e virtualmente incontroverso.
Nº Convencional:JSTA000P17285
Nº do Documento:SA2201403260181
Data de Entrada:02/16/2012
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 - RELATÓRIO

A…………………., Lda, com o NIPC ……………. com sede em ……………, 2430 - ………….. Marinha Grande, após indeferimento de Reclamação Graciosa e indeferimento tácito do Recurso Hierárquico, deduziu impugnação judicial contra a liquidação do acerto de contas de IRC do exercício de 2003, resultante da não aceitação de custos de dívidas incobráveis da sociedade “B…………… Lda” e de custos de abates de juros registados na conta “4231- máquinas” do ano de 1991, e que só começaram a ser utilizadas (as máquinas) em 1992.

Por sentença de 14 de Junho de 2011, o TAF de Leiria julgou a impugnação improcedente.

A impugnante requereu a reforma da sentença (Cfr. pag. 358 ss)

Por despacho de fls. 415 o TAF de Leiria indeferiu o requerimento de reforma da sentença. É o seguinte o teor do referido despacho: “A impugnante pede a reforma da sentença. Todavia a matéria que invoca não se enquadra nos casos de reforma da sentença, a meu ver, e antes se quadram no juízo nela formulado pelo tribunal, sindicável apenas por via de recurso, tendo-se esgotado o poder jurisdicional (artº 666º -1, CPC). O art. 669-3, do CPC, por outro lado, exige que, cabendo recurso da decisão, o requerimento (da reforma) é feito na alegação (de recurso). Ora não foi interposto qualquer recurso. Assim, indefere-se o pedido de reforma. Notifique.”

A impugnante requereu a reforma deste despacho de fls. 415.

Por despacho de fls. 427 o TAF de Leiria indeferiu o pedido de reforma do despacho de fls. 415.

Reagiu a impugnante à prolação do despacho de fls. 427 interpondo o presente recurso, decidido por acórdão de 29/01/2014 no qual se decidiu: Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em, por extemporânea interposição, do presente recurso (extemporaneidade que resulta, desde logo, da inicial apresentação fora de prazo do requerimento de reforma da sentença apresentado em 04/07/2011) decidem não o admitir e em não conhecer do objecto do mesmo.

Notificada do nosso acórdão vem a recorrente requerer a reforma do mesmo sustentando que ao contrário do ali considerado apresentou o pedido de reforma da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria dentro do prazo legal que tinha para o efeito, ou seja 10 dias. Pede a reforma do acórdão deste STA por forma a que dele se faça constar que o pedido da recorrente de reforma da sentença proferida por aquele Tribunal de 1ª Instância foi apresentado dentro do prazo legal e que na sequência dessa rectificação se conheça do objecto do recurso interposto para este STA cujo pedido foi o seguinte:

Termos em que proferindo Acórdão que revogue o despacho recorrido de fls. 427 e o substitua por outro que, nos presentes autos, admita a reforma do despacho que indefere o pedido de reforma da sentença e por consequência reforme a sentença no sentido desta passar a considerar que não era obrigatório que a Recorrente tivesse constituído provisão para considerar directamente como custo do exercício de 2003 o crédito que detinha sobre a empresa B…………………., Lda, e por consequência julgue procedente a Impugnação Judicial deduzida pela Recorrente quanto à divida da empresa “B………………, Lda. “,
V. Exas. farão a tão costumada, JUSTIÇA!”

Não houve contra-alegações.

Com dispensa de vistos legais, dada a simplicidade da questão, cumpre decidir em conferência, tendo em conta que a reforma da sentença contemplada no art.º 616º do actual CPC é aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo por força do preceituado no art.º 666º, aplicável ex vi do art.º 685.º, ambos do actual CPC [aplicável ao contencioso tributário por força do art.º 2.º, alínea e), do CPPT)].

Segundo a norma contida no nº 2 do art. 616º do CPC aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho [a que correspondia idêntica norma contida no art. 669º do anterior CPC), não cabendo recurso da decisão, é lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: «Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos» [alínea a)] ou «Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida» [alínea b)].
Tal possibilidade de reforma de sentenças/acórdãos, porque constitui uma excepção legal ao princípio do esgotamento do poder jurisdicional do juiz, é circunscrita às situações tipificadas na norma, tendo em vista o suprimento de erro de julgamento mediante a reparação da decisão pelo próprio juiz decisor nos casos em que, por manifesto lapso de determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica, a sentença tenha sido proferida com violação de lei expressa ou quando constem dos autos elementos documentais ou meios de prova plena que, só por si e inequivocamente, impliquem decisão em sentido diverso.
Deste modo, e como vem sendo reiteradamente salientado pela jurisprudência a possibilidade de reforma de uma decisão judicial ao abrigo do nº 2 do art. 669º do CPC (e do idêntico nº 2 do art. 616º do actual CPC) tem carácter de excepção, destinando-se unicamente a eliminar lapsos manifestos, erros evidentes, ostensivos, palmares, juridicamente insustentáveis e incontroversos - vide, entre outros, os seguintes acórdãos do STA: de 24/03/2010, no proc. nº 0511/06; de 26/09/2012, no proc. nº 211/12; de 21/11/2012, no proc. nº 155/11; de 19/12/2012, no proc. nº 740/12; de 13/03/2013, no proc. nº 822/12; e de 3/07/2012, no proc. nº 629/13.
O CASO DO NOSSO ACÓRDÃO
Ora, no nosso acórdão em questão, é certo que existe lapso manifesto quanto à consideração, de que o pedido da recorrente de reforma da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria foi extemporâneo.
Tal lapso, de que nos penitenciamos, consistiu no pressuposto/afirmação de que a notificação da sentença ocorreu no terceiro dia útil após 17/06/2011 que se tomou como sendo o dia da apresentação do expediente para notificação nos serviços postais, quando tal sucedeu efectivamente em 20/06/2011 conforme declaração da Estação de correios agora junta, que se aceita por vir esclarecer o teor de fls. 355. Fez-nos laborar em erro, a anotação aposta no ofício datado de 17/06/2011 que capeava a notificação da sentença, onde se lê: “após CTT” e que foi interpretada como “apôs CTT”, na referida data, o que nos levou a dispensar uma indagação mais rigorosa (e que os autos não patenteavam) da data do depósito nos CTTS do referido expediente para notificação da sentença.
Esclarecido o lapso assiste inteira razão à ora requerente no que respeita à tempestividade do seu requerimento de reforma da sentença de 1ª Instância.
Vejamos as consequências:
Apesar de se reconhecer agora que o pedido de reforma da sentença foi apresentado em tempo, o que impõe a reforma, nessa parte, do nosso acórdão, ainda assim as consequências não são as pretendidas pela sociedade recorrente.
É certo que o Mº Juiz devia ter tomado conhecimento, em substância, do pedido de reforma da sentença por tal pedido não ser extemporâneo. Mas fê-lo efectivamente, pois que o considerou em tempo, acabando por conhecer do mesmo em 22/11/2011, indeferindo-o, no entanto (vide fls. 415).
No caso, a agora recorrente, apresentou o pedido de reforma da sentença, sem interpor recurso jurisdicional de tal decisão. Assim, o requerimento de reforma da sentença não teve o condão de suspender qualquer recurso, porque inexistente ou inadmissível. E, é certo que do despacho de indeferimento do pedido de reforma da sentença não cabe recurso (artº 670º nº 2 do CPC na versão então vigente). E, também não podia recorrer do despacho que decidiu não reformar o despacho de fls. 415.
O que a recorrente podia ter feito, em alternativa ao que fez, era recorrer da sentença nos termos do artigo 280º nº 5 do CPPT no prazo de 10 dias contados da sua notificação que ocorreu a 24/06/2011.
O lapso principal que determinou a vinda do processo a este STA, onde nunca deveria ter chegado, foi a preocupação (louvável mas sem substanciação legal) manifestada pelo Mº Juiz de 1ª Instância no despacho de 06/01/2012 a fls. 442 e Vº em “não postergar quaisquer direitos da recorrente”, admitindo um recurso que não era admissível e que escapou à nossa sindicância, mercê da confusão e complexidade processual instalada para a qual contribuiu sobremaneira a recorrente.
Pelo exposto, deve ser reformado o nosso acórdão de 29/01/2014, expurgando do mesmo todos os trechos argumentativos e conclusivos sobre a, na altura, afirmada extemporaneidade da apresentação em 04/07/2011 do pedido de reforma da sentença de 1ª Instância, expressamente se reconhecendo e declarando, agora, que tal pedido foi apresentado em tempo, o que não acarreta consequências sobre a substância da decisão ali tomada de não admitir o recurso, com a fundamentação já então expressa de que não cabe recurso do despacho que indeferiu o requerimento de reforma e também do despacho que decidiu não reformar o despacho de fls. 415. A apresentação em 30/11/2011 de recurso do despacho de fls. 427 não é admissível ainda que tenha sido intitulado como “um recurso ao abrigo dos artigos 280º nº 5 e 284º, do CPPT”.

DECISÃO:
Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em, reformar o acórdão de 29/01/2014, expurgando do mesmo todos os trechos argumentativos e conclusivos sobre a na altura afirmada extemporaneidade da apresentação em 04/07/2011 do pedido de reforma da sentença de 1ª Instância, expressamente reconhecendo e declarando, agora, que tal pedido foi apresentado em tempo.
No mais, desatendem o requerido no pedido de reforma do acórdão mantendo a decisão de não admitir o recurso de fls. 431 e de não conhecer do objecto do mesmo.

Custas do incidente pelo decaimento parcial a cargo da recorrente, com 1 UC (uma unidade de conta) de taxa de Justiça.

Lisboa, 26 de Março de 2014. - Ascensão Lopes (relator) - Pedro Delgado - Valente Torrão.