Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0480/16 |
Data do Acordão: | 05/04/2016 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ARAGÃO SEIA |
Descritores: | PENHORA IMPUGNAÇÃO PAULIANA ADQUIRENTE CITAÇÃO |
Sumário: | Para que possa ocorrer a penhora e posterior venda de bem imóvel objeto de ação de impugnação pauliana oportunamente julgada procedente, é indispensável que o adquirente seja chamado ao processo de execução fiscal por via da citação a que alude o artigo 35º, n.º 2 do CPPT. |
Nº Convencional: | JSTA00069695 |
Nº do Documento: | SA2201605040480 |
Data de Entrada: | 04/14/2016 |
Recorrente: | A......, S.A. |
Recorrido 1: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | SENT TAF VISEU |
Decisão: | PROVIMENTO PARCIAL |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL. |
Legislação Nacional: | CCIV66 ART616 N1 ART818. CPC13 ART306 N2 ART735 N2. CPPTRIB99 ART35 N2. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A………., SA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu (TAF de Viseu) datada de 2 de Março de 2016, que indeferiu a reclamação por si deduzida na sequência da penhora que incidiu sobre o prédio misto constituído pelos artigos urbano 845 e rústicos 2503 e 3192, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº 5169, efetuada nos processos de execução fiscal identificados na impugnação pauliana nº 208/09.3TBTND-A, que correm termos no Serviço de finanças de Tondela. Alegou, tendo concluído como se segue: A. A Douta Sentença ora recorrida, salvo o devido respeito, é censurável do ponto de vista jurídico-legal porque entendendo aplicável aos autos a alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, fixa o valor da causa em €35.971.638,64, quando aos mesmos se deve antes aplicar a alínea e) do n.º 1 daquele artigo 97º-A do CPPT, nos termos do qual o valor da causa é de € 801,520,85. B. A alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do CPPT, norma usada pelo Tribunal a quo para fundamentar a fixação do valor da causa, determina este valor nos casos em que seja impugnada a liquidação. C. No caso em apreço, a ora Recorrente não impugnou a liquidação, pelo que nunca poderia ser invocada aquela norma para fundamentar o valor da causa da presente ação. D. No caso em apreço, a ora Recorrente reclamou de um ato concreto - a penhora de um imóvel - pelo que o valor da causa deveria - como deverá - ser fixado com fundamento na alínea e) do n.º 1 do artigo 97º-A do CPPT, que dispõe que o valor atendível deve ser o do bem objeto de penhora, isto , € 801.520,85. E. Por mero exercício de raciocínio, não se entendendo ser aplicável aquela alínea e) ao caso em apreço, seria então aplicável o n.º 2 do mesmo artigo 97º-A, segundo o qual o valor seria, no máximo, o valor da alçada da 1ª instância dos tribunais judiciais, ou seja, € 5.000,00. F. A Douta Sentença ora recorrida, ao fixar o valor da causa em € 35.971.638,64, quando está em crise apenas a penhora de um bem no valor de € 801.520,85, na sequência da Reclamação de uma entidade que não é parte nos processos de execução fiscal com aquele valor muito superior, nem sendo a tal entidade, ora Recorrente, responsável ou executável por aquele valor, é, manifestamente, uma decisão iníqua, injusta, desproporcional e altamente lesiva para a ora Recorrente. G. Pelo que o valor da causa no presente processo deve ser fixado em € 801.520,85, nos termos e para os efeitos da alínea e) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, H. Ou, em alternativa, em €5.000,00, nos termos do n.º 2 do artigo 97º-A do CPPT, I. Mas nunca em € 35.971.638,65, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do CPPT, tal como decidido pelo Tribunal a quo. J. Sem prescindir, a Douta Sentença em crise equivoca-se quando entende que a penhora do imóvel da ora Recorrente pode ser efetuada sem que esta seja parte do respetivo processo de execução. K. Na verdade, e em conformidade com o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 16-10-2014, “…só demandando o adquirente do bem imóvel na ação executiva poderá a exequente alcançar a satisfação do seu direito de crédito através daquele bem ou do seu equivalente.” L. Pelo que deve ser a Douta Sentença ora recorrida ser reformada, sendo decidido que a penhora efetuada nestes autos é legalmente inadmissível, por ter sido praticada numa execução não movida conta a ora Recorrente, enquanto proprietária do bem penhorado. Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas deverá dar provimento ao presente recurso, devendo ser preferido Acórdão que: 1. Fixe o valor da causa em €801.520,85; 2. Decida que a penhora efetuada nestes autos é legalmente inadmissível, por ter sido praticada numa execução não movida contra a ora Recorrente, enquanto proprietária do bem penhorado. Não houve contra-alegações. O Ministério Público, notificado, pronunciou-se pela fixação do valor da causa em € 801.520,85, de acordo com o entendimento da recorrente, bem como na improcedência do recurso quanto ao restante, pois entende que a reclamante se enquadra como interessada para intervir na execução fiscal. Cumpre decidir. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta: 1. Entre 2004 e 2008, a Administração Tributária, instaurou contra a sociedade comercial “B………, Lda.”, com o NIPC ……….., os processos de execução fiscal, abaixo discriminados, que correm termos no Serviço de Finanças de Tondela:
(cf informação de fls. 94 verso dos autos). 2. Por escritura de compra e venda de 11/08/2005, a executada “B…….., Lda” vendeu à Reclamante “A……….. SA”, o prédio misto constituído pelos artigos urbano 845 e rústicos 2503 e 3192 da extinta freguesia de ……….., concelho de Vila Nova de Gaia, que corresponde ao atual artigo urbano 12727 da União das Freguesias ……….., concelho de Vila Nova de Gaia e descrito na competente conservatória com o n.º 5169 (cf informação de fls. 82 dos autos). 3. O Ministério Público instaura uma ação de impugnação pauliana, em representação do Estado Português, contra as sociedades comerciais “B…….. Lda.” e “A………., S.A., a qual deu origem ao processo n.º 208/09.3TBTND-A, que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Tondela (cf doc de fls. 38 a 60 dos autos). 4. Por sentença proferida no processo identificado no ponto anterior (que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais), deu-se como provado que a Ré “B……….., Lda.” é executada por dívidas que ascendem a 35.971.638,64 (trinta e cinco milhões, novecentos e setenta e um mil, seiscentos e trinta e oito euros e sessenta e quatro cêntimos), em cobrança no Serviço de Finanças de Tondela, no âmbito dos processos de execução fiscal identificados no ponto 1, e que, a sociedade comercial “B……….., Lda.” vendeu à sociedade comercial “A……….., S.A.” pelo preço de €900.000,00 o prédio misto descrito no ponto 2, tendo-se concluído pela procedência da ação instaurada, declarando-se “ineficaz em relação ao A. o ato de compra e venda impugnado”, autorizando-se o Reclamado a “executar no património da Ré A……… o imóvel que lhe foi transmitido pela primeira Ré B………, Lda. para cobrança dos créditos em questão e apenas nessa medida” (cf. doc. de fls. 38 a 60 dos autos). 5. Inconformada com a decisão identificada no ponto anterior, a Reclamante interpõe recurso, da referida decisão, para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual, por Acórdão de 05/05/2015, julgou improcedente o Recurso interposto, confirmando a decisão proferida no processo nº 208/09.3TBTND-A, nos termos e com os fundamentos aí exarados e que aqui se dão por reproduzidos (cf. doc. de fls. 60 verso a 81 verso dos autos). 6. Em 30/10/2015, a Administração Tributária presta a seguinte informação: (cf. doc. a fls. 82 dos autos). 7. Por despacho, do Chefe de Finanças, de 30/10/2015, no “Processo de Execução Fiscal: Identificados na IMPUGNAÇÃO PAULIANA n.º 208/09.3TBTND-B” foi determinada a penhora do prédio identificado no ponto 2, nos seguintes termos: (cf. doc. de fls. 83 dos autos). 8. Naquele mesmo dia, a Autoridade Tributária emite o seguinte mandado de penhora: (cf. doc. de fls. 84 dos autos). 9. Em 30/10/2015, pela Autoridade Tributária foi lavrado o seguinte auto de penhora, no “Processo de Execução Fiscal: Identificados na IMPUGNAÇÃO PAULIANA n.º 208/09.3TBTND-B”: (cf. doc. de fls. 84 dos autos). 9. Em 30/10/2015, pela Autoridade Tributária foi lavrado o seguinte auto de penhora, no “Processo de Execução Fiscal: Identificados na IMPUGNAÇÃO PAULIANA n.º 208/09.3TBTND-B”: (cf. doc. de fls. 85 dos autos). 10. Na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, pela AP 51, de 2005/06/23, foi registada a favor da sociedade comercial “A………, S.A”, a propriedade do imóvel identificado no ponto 2 (cf. certidão permanente junta aos autos a fls. 86 a 88). 11. Na conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, pela AP 1803, de 30/10/2015, foi registada a penhora da Fazenda Nacional para pagamento da quantia exequenda de 35.971.638,64€, em execução nos processos de execução fiscal identificados no ponto n.º 1 (cf. certidão permanente junta aos autos a fls. 86 a 88). 12. Pelo ofício n.º 1489, de 30/10/2015, da Autoridade Tributária, foi a Reclamante “A………, SA., na pessoa da sua administradora, notificada da penhora identificada nos pontos 7 e 9, nos seguintes termos: (cf doc. de fls. 89 dos autos). 13. O aviso de receção que acompanhou o ofício identificado em 12 foi assinado em 02/11/2015 (cf. AR junto a fls. 90 dos autos). 14. Através do ofício n.º 1490, de 30/10/2015, da Autoridade Tributária, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, foi a Reclamante A…………, SA, citada nos termos do artigo 35.º do CPPT, na qualidade de obrigado à restituição do bem, identificado no ponto 2, para proceder ao pagamento do montante de €35.971.638,64, no prazo de 30 dias, sob pena de execução do referido bem (cf. doc. de fls. 91). 15. O aviso de receção que acompanhou o ofício identificado em 12 foi assinado em 02/11/2015 (cf. AR junto a fls. 92 dos autos) [onde se lê 12 deve ler-se 14, tratando-se de um lapso de escrita]. 16. A presente reclamação foi apresentada sob registo postal de 12/11/2015 (cf. doc. de fls. 4 dos autos). Nada mais se deu como provado. Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido. A recorrente coloca duas questões no presente recurso: A primeira que se prende com a fixação do valor da causa, a segunda que se prende com a legalidade da penhora efetuada nos autos de execução de que estes autos são apenso. A primeira questão, conclusões A) a I). Tal como resulta da matéria de facto que vem alinhada no probatório da sentença recorrida, a aqui recorrente impugna por via deste meio processual a penhora que recaiu sobre um prédio de que é proprietária. É certo que a recorrente e impugnante não é a executada no processo de que estes autos são apenso, nem é a devedora das quantias em execução. Tal penhora recaiu sobre o imóvel que se encontra registado em seu nome por força da procedência de uma ação de impugnação pauliana que havia sido intentada contra si, na qualidade de compradora, e contra a executada, na qualidade de vendedora, do prédio objeto da penhora, procedência essa que ao produzir plenamente os seus efeitos permite que o credor, neste caso o exequente, execute o bem imóvel no património do terceiro comprador, cfr. artigo 616º, n.º 1 do Código Civil. Ora, é só nesta medida que o terceiro comprador vem aqui defender a sua “propriedade”, ou seja, com os efeitos limitados à penhora do seu prédio, não lhe sendo imputável, nem lhe interessando, as decorrências próprias do processo executivo, nem os bens que aí sejam dados à execução além do seu. Portanto, o terceiro comprador apenas responde perante o credor com o prédio, ou o correspondente valor que se lhe atribua, que adquiriu ao executado e que foi expressamente visado na ação de impugnação pauliana, estando, por conseguinte, a salvo de tal processo executivo o seu património restante que permanecerá intocado. Portanto, as obrigações do terceiro perante o credor estarão limitadas ao concreto valor monetário que o prédio possa gerar com a sua venda (existirá sempre a possibilidade de o terceiro adquirente proceder à entrega de um valor pecuniário correspondente àquele que o prédio geraria no âmbito da venda executiva). Assim sendo, o valor dos presentes autos, nos termos do disposto no artigo 97º-A do CPPT, apenas poderá ter como limite máximo o valor do prédio que se encontra penhorado e que é objeto do presente processo, cfr. n.º 1, al. e) parte final. Incumbindo ao juiz a fixação do valor da causa na sentença, cfr. artigo 306º, n.º 2 do CPC, o mesmo deve ser aferido pelo valor patrimonial que o bem, objeto da penhora que vem impugnada, apresente à data em que essa mesma penhora foi realizada, considerando que não se encontram disponíveis outros valores que possam ser considerados mais adequados ou que melhor correspondam à realidade física que constitui o prédio penhorado. Assim, na procedência desta concreta questão, fixa-se ao presente processo o valor de 801.520,85€. A segunda questão, conclusões J) a L). No essencial a recorrente entendeu que o seu bem não pode ser penhorado porque não foi demandada na execução, ou seja, não é parte na execução. E desde já se dirá que não é parte tal como a executada, nem tinha que ser, porque não está obrigada ao pagamento de qualquer quantia que se encontre em execução, precisamente porque não é devedora das mesmas, nem nessa medida figura do título executivo originário. A sua intervenção cinge-se, tão-só, aos efeitos “executivos” da sentença proferida nos autos de impugnação pauliana, cfr. artigo 616º, n.º 1 do CC, não lhe são reconhecidos quaisquer outros “direitos ou obrigações” no âmbito da ação executiva fiscal, que não sejam os decorrentes de tal decisão transitada em julgado (naturalmente conjugada com o título executivo originariamente dado à execução). Mas não se quer com isto dizer que a recorrente não deva ser chamada à execução, isto é, que a execução não deva ser movida contra ela. Na verdade, o disposto naquele artigo 616º, n.º 1 do CC (Julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição…), deve ser conjugado com o disposto no artigo 818º (O direito de execução pode incidir sobre bens de terceiro, quando estejam vinculados à garantia do crédito, ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que este haja procedentemente impugnado.) do mesmo Código e ainda com o disposto no artigo 735º, n.º 2 (Nos casos especialmente previstos na lei, podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra ele.) do Código de Processo Civil (ver também o artigo 35º, n.º 2 do CPPT). Da conjugação de todos estes preceitos legais resulta à evidência que, para que o bem do terceiro adquirente possa ser penhorado e vendido no âmbito da execução é preciso que o seu proprietário seja chamado à execução, isto é, seja chamado a intervir no processo executivo, assim se garantindo a sua legitimidade. Na verdade, o terceiro adquirente é sempre parte legítima na execução quando o credor pretenda pagar o crédito exequendo com o bem daquele, e para tanto deve ser expressamente chamado à execução, por via da citação, para defender os seus direitos. Resulta da matéria de facto que a recorrente foi efetivamente chamada à execução por via da citação nos termos do disposto no artigo 35º, n.º 2 do CPPT (A citação é o acto destinado a dar conhecimento ao executado de que foi proposta contra ele determinada execução ou a chamar a esta, pela primeira vez, pessoa interessada.), cfr. ponto 14 do probatório. Assim, e nesta medida é indubitável que o órgão de execução fiscal garantiu, nos termos legais, que a recorrente pudesse exercer todos os seus direitos no âmbito da execução, quer chamando-a à mesma, quer notificando-a da penhora do seu bem, pelo que, improcede este recurso que nos vem dirigido. Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência: -conceder parcial provimento ao recurso, na parte respeitante ao valor da causa, fixando o mesmo em 801.520,85€; - no mais, negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente em ambas as instâncias, tendo-se em conta o valor anteriormente fixado. D.n. Lisboa, 4 de Maio de 2016. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes. |