Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0475/18
Data do Acordão:05/17/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
TRIBUNAL COMPETENTE
Sumário:Não é de admitir recurso de revista quando a única questão suscitada é a da competência material dos tribunais administrativos de decisão do TCA se estiver em causa apenas essa questão e o entendimento acolhido não evidenciar erro manifesto a exigir, por si só, a intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P23310
Nº do Documento:SA1201805170475
Data de Entrada:05/08/2018
Recorrente:UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DO ALTO MINHO
Recorrido 1:A............ E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO
A………… intentou, no TAF de Braga, contra a Caixa Geral de Aposentações (CGA) e USAM – Unidade Local de Saúde do Alto Minho, E.P.E., acção para reconhecimento de direito e interesse legalmente protegido pedindo:
“a) O reconhecimento do nexo de causalidade entre o acidente em serviço que sofreu, a lesão e as sequelas, bem como as respectivas incapacidades temporárias e a incapacidade permanente parcial;
b) O reconhecimento e fixação de incapacidade permanente parcial para o trabalho e a condenação na correspondente pensão ou indemnização, ao abrigo dos art.ºs 50º 34º, 38° e 45°, todos do Decreto-Lei n° 503/99, de 20/11;
c) A condenação na reparação e no pagamento, aí se incluindo a indemnização pela incapacidade temporária, a pensão pela incapacidade permanente parcial, os suplementos de carácter permanente, no período das faltas ao serviço motivadas por aquele acidente, a que acrescemos competentes juros de mora;
d) Com o cálculo a final da pensão/indemnização quanto às incapacidades temporárias, incapacidade permanente parcial e suplementos, nos termos da legislação em vigor, mas que nunca deverá ser inferior a 5.000,00 € quanto aos períodos de incapacidade temporária e não deverá ser inferior a 10.000,00€ quanto à incapacidade permanente parcial.”

O TAF julgou verificada a excepção dilatória de incompetência material e, consequentemente, absolveu as Entidades Demandadas da instância.

A Autora apelou para o TCA Norte e este, concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida.

É dessa decisão que vem a presente revista (art.º 150.º do CPTA).


II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A Autora intentou, no TAF de Braga, acção pedindo a condenação da CGA e da Unidade Local de Saúde do Alto Minho, E.P.E (1) a reconhecerem que o acidente sofrido durante o seu horário de trabalho naquela Unidade de Saúde era um acidente de serviço, (2) que dele decorreram as lesões e sequelas de que ainda sofre e (3) a pagarem-lhe uma indemnização que a ressarcisse desses danos.
O TAF julgou verificada a excepção dilatória de incompetência material desse Tribunal e, consequentemente, absolveu as Rés da instância por ter entendido que “o conhecimento da situação posta à consideração deste Tribunal Administrativo impõe a aplicação não de normas de direito administrativo mas sim de normas de direito de trabalho, uma vez que o acidente de trabalho se rege pelas normas do Código de Trabalho, isto é, não estamos perante “(...) um litígio emergente de relações jurídicas administrativas e ou uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo mas, tão só, um litígio no âmbito do regime de acidentes de trabalho, previsto rio Código de Trabalho”, nas próprias palavras do Acórdão supra transcrito.”

A Autora apelou para o TCA Norte e este concedeu provimento ao recurso. Para tanto ponderou:
“…. A dificuldade do tema advém da evolução legislativa que quebrou os limites tradicionais da distinção entre funcionalismo público e contrato de trabalho e fez emergir a figura híbrida do contrato de trabalho em funções públicas.
O TAF privilegiou como critério decisivo de distinção a natureza, administrativa ou laboral, das normas aplicáveis à situação dada e, considerando que se trata de um acidente de serviço (trabalho) disciplinado pelo regime de acidentes de trabalho previsto no Código de Trabalho, concluiu que se trata de uma relação laboral, de direito privado, excluída da competência material da jurisdição administrativa.
…..
Ora, no Acórdão 04/16 do Tribunal de Conflitos, de 07-06-2016, fez-se uma panorâmica de um litígio idêntico aos destes autos e concluiu-se que “A competência para dirimir litígios respeitantes à reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais dos trabalhadores em funções públicas pertence aos tribunais administrativos.”
Para tanto e além do mais aí se faz a dissociação entre a índole privada do regime jurídico aplicável e a natureza administrativa da relação jurídica em causa, asseverando que “o facto de ao acidente de trabalho configurado e sofrido pelo autor ser aplicável não o DL nº 503/99 de 20/11, mas sim o regime de acidentes de trabalho estabelecido no Código do Trabalho, por força do disposto no nº 4 do art. 2º do DL nº 503/99 e do art. 5º da Lei nº 35/2014 de 20/06 que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, não significa que por esse motivo seja o Tribunal de Trabalho o competente para decidir a acção sub judice”.
….
Em suma, tudo ponderado, concorda-se com a visão expressa neste acórdão do Tribunal de Conflitos cuja fundamentação se transcreve no seu trecho mais significativo:
«
Resulta do exposto que a LTFP é aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas nas entidades públicas empresariais, e que, nos termos do disposto nos respectivos Estatutos, hajam mantido o estatuto jurídico da função pública (cfr. nº 1 do artigo 13º do Decreto-Lei nº 183/2008, de 4 de Setembro, que aprovou os Estatutos da ULSBA, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 12/2015, de 26 de Janeiro) e que não tenham optado pelo regime do contrato de trabalho (cfr. nº 5 do artigo 13º do mesmo decreto-lei), como é o caso do trabalhador [em funções públicas] sinistrado/autor nos presentes autos.
Cremos, pois, que nesta nova redacção, o legislador pretendeu submeter as matérias de acidentes de trabalho e doenças profissionais dos trabalhadores em funções públicas, das entidades públicas empresariais, ao regime abrangido na Lei dos Acidentes de Trabalho – Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro -, regulamentado por força do disposto no artigo 284º do Código do Trabalho (aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro com as alterações subsequentes).
Concomitantemente, nos termos do disposto no artigo 12º da LTFP, sob a epígrafe «Jurisdição competente», “são da competência dos tribunais administrativos e fiscais os litígios emergentes do vínculo de emprego público”, como é o caso.
Resulta desta forma, expressamente, que a competência para dirimir litígios respeitantes à reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais dos trabalhadores em funções públicas pertence aos Tribunais Administrativos.”
…..
3. Pelo exposto, julga-se que a competência para a acção cabe aos tribunais administrativos.

3. Como se acabou de ver o que ora está em causa é a da identificação do Tribunal competente para apreciar uma acção que tem por objecto um acidente de trabalho sofrido por uma trabalhadora com contrato de trabalho em funções públicas numa entidade pública empresarial.
Todavia, esta questão – por si só - não justifica a admissibilidade da revista e isto porque, como esta Formação tem decidido em casos idênticos, não é de “admitir recurso de revista excepcional quando a intervenção do STA não seja a última palavra sobre a questão que lhe é colocada, como acontece neste caso. Na verdade, a intervenção deste STA nem sequer evita a possibilidade de posterior conflito negativo de competência. Não existe assim a vantagem inerente a este tipo de recursos que é a de contribuir para a pacificação da jurisprudência.” – Acórdão de 23/11/2017 (rec. 1254/17). No mesmo sentido podem ainda ver-se os Acórdãos de 4/01/2017, (rec. 962/17), de 9/02/2017 (rec. 94/17) e de 16/11/2017 (rec. 1226/17).

Face ao exposto não se admite a revista.
Sem custas.
Lisboa, 17 de Maio de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.