Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01073/11
Data do Acordão:12/14/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
ÓNUS DE ALEGAÇÃO DE FACTOS
EXCESSO DE PRONÚNCIA
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
CONHECIMENTO OFICIOSO
Sumário:I - Determina o artº 660º, nº 2 do CPC que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
II - Não tendo o reclamante invocado qualquer facto relativo à extinção da execução, motivada pela falta de averiguação de bens do falido e do responsável subsidiário após a declaração de insolvência, não podia o Juiz, oficiosamente, e sem qualquer facto inscrito no probatório sobre a omissão daquela averiguação, conhecer dessa questão.
III - Embora seja de conhecimento oficioso a questão da impossibilidade superveniente da lide, não pode o juiz, em processo de reclamação de decisão do órgão da execução fiscal, decretar oficiosamente a extinção da instância executiva nestes autos por impossibilidade superveniente da lide ocorrida na instância executiva.
Nº Convencional:JSTA00067315
Nº do Documento:SA22011121401073
Data de Entrada:11/25/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPC96 ART659 N3 ART660 N2 ART668 N1 D
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A Fazenda Pública veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Penafiel que declarou extinta a instância executiva em relação ao reclamante, nos termos do disposto no artº 287º, alínea c) do CPC, por impossibilidade superveniente da lide, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
A). Vem o presente recurso interposto da douta sentença que concedeu provimento à reclamação da decisão órgão de execução fiscal apresentada contra o despacho de indeferimento do pedido de pagamento em prestações e declarou extinta a instância executiva em relação ao reclamante, por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artº. 287°, alínea e) do CPC, aplicável por força do disposto no artº. 2.°do CPPT.
B). Do conspecto do douto petitório apresentado pelo reclamante, constata-se que o mesmo apenas invoca fundamentos atinentes à anulação do despacho de indeferimento do pedido de pagamento em prestações da divida exequenda, ora revertida contra o reclamante.
C). Não peticionou o reclamante a nulidade do despacho de reversão. Não peticionou o reclamante a extinção da execução que contra ele corre os seus termos, mas tão só a anulação de um despacho proferido pelo órgão de execução fiscal relativo a um pedido de pagamento em prestações da divida coerciva.
D). Como objectivo da reclamação por si interposta contra o despacho de indeferimento do pagamento em prestações da divida exequenda, pretende o reclamante o pagamento da divida exequenda em maior número de prestações que entende o órgão de execução fiscal, pretendendo assim o pagamento da divida que contra si impende e não a sua extinção.
E). Em ponto algum do seu douto petitório, invoca o reclamante a desconformidade com o ordenamento jurídico da reversão contra si efectuada ou da execução da divida em cobrança coerciva que contra si corre termos.
F). Com o devido respeito, que é muito, não poderia a Meritíssima Juiz decidir como decidiu, conhecendo de questão que não devia.
Ora,
G). De acordo com o artigo 668°, n.° 1, alínea d) do CPC, aplicável ex vi artº. 2°, alínea e) do CPPT, é nula a sentença quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
H). Resulta, efectivamente dos artºs 660° do CPC e 125° do CPPT, que o Tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sejam de natureza processual (artº. 660°, n°1 do CPC) ou substantiva, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artº 660°, n.° 2 do CPC), e deve limitar-se a tais questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artº. 660°, n.° 2 in fine).
I). Tem sido entendido pela doutrina que, questões para este efeito, são todas as pretensões formuladas pelas partes, que requerem a decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto especial, quando realmente debatidos entre elas, não podendo confundir-se as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões, argumentos e pressupostos em que fundam a respectiva posição na questão.
J). No presente caso, está fora de qualquer dúvida que o Tribunal a quo ao apreciar e julgar procedente a reclamação do despacho do órgão de execução fiscal, declarando nulo o despacho de reversão e extinguindo a execução relativamente ao reclamante, não conheceu da questão controvertida nos autos e do pedido formulado pelo reclamante, limitando-se a conhecer de questão que não lhe foi suscitada e formalizada como pedido da acção.
K). É patente, pois, que o respectivo julgador avançou para o conhecimento de uma questão não suscitada pelas partes, nem em concreto nem em abstracto, e da qual não poderia oficiosamente conhecer, dependendo antes da expressa arguição da parte a quem aproveita
Pelo que,
L). Tendo conhecido oficiosamente dos pressupostos da reversão efectuada e decidido extinguir a execução que corre termos contra o reclamante, sem que deste fosse pretensão, o Tribunal a quo excedeu os seus poderes, incorrendo a sentença recorrida na nulidade prevista no artº. 668°, n.° 1, alínea d) do CPC, não podendo assim a mesma manter-se
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.
2. O MºPº emitiu parecer no sentido do provimento do recurso e a baixa dos autos ao tribunal recorrido para conhecimento do vício imputado ao acto reclamado.
3. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância, os seguintes factos:
1.°) Em 13.10.2010, foi efectuada a citação pessoal do ora Reclamante, na qualidade de revertido no âmbito do processo de execução fiscal n.° 3565200801015478 e Aps, instaurado pelo Serviço de Finanças de Valongo -2, na qualidade de responsável subsidiário (gerente) pela dívida de 4.212,44 euros, referente a pagamento em falta de IVA relativo ao período 200806T, originalmente liquidada relativamente à sociedade B………, Ldª, NIF ……….
2.°) A executada originária foi declarada insolvente por sentença proferida em 2 de Setembro de 2008 no Proc.511/08.0TYVNG do 3° Juízo do Tribunal do Comércio, transitada em julgado em 23 de Outubro de 2008.
3º). O processo de insolvência foi encerrado em 9 de Fevereiro de
2010.
4.°) Os processos de execução fiscal não foram avocados nem remetidos para apensação ao processo de insolvência.
5.°) Não foram apreendidos quaisquer bens do Reclamante, nem da devedora originária posteriormente à declaração de insolvência.
6.°) Na mesma data foi também (o ora Reclamante) citado pessoalmente como responsável subsidiário pela dívida da mesma empresa relativa aos processos executivos n.°s 3565200501050214 e Aps., 3565200501041673 e Aps., e 3565200801059564.
7.°) A dívida exequenda revertida totaliza o montante de 27.607,77 euros.
8.°) Em 12.11.2010 deu entrada no Serviço de Finanças de Valongo -2, um requerimento apresentado pelo ora Reclamante a solicitar o pagamento em prestações da referida dívida, tendo igual requerimento sido também apresentado relativamente aos processos executivos enumerados
9.°) No pedido apresentado (constante de fls. 42 a 67 dos autos) foi requerida a autorização do pagamento da quantia de 27.607,77 euros, no prazo de 6 anos, sob a forma de uma prestação mensal única de 383,44 euros ou alternativamente, em 60 prestações de 460,13 euros, igualmente a repartir por todos os processos executivos.
10.°) Por despacho proferido pelo Chefe de Finanças de Valongo 2
em 26.11.2010, foi o requerido indeferido por falta de enquadramento legal
- cfr. doc. de fls. 70 verso.
11°) Alega no seu pedido, não ter condições, face à sua actual situação financeira e patrimonial, para efectuar o pagamento da dívida em 36 prestações.
12.°) O despacho foi notificado ao ora Reclamante através do ofício n.° 10334 de 26.11.2010, remetido sob registo postal com aviso de recepção, constando o mesmo assinado em 30.11.2010 - cfr. doc. de fls. 72 dos autos.
13.°) Em 10.12.2010, foi recebida no referido Serviço de Finanças via fax, relativamente ao despacho proferido em 26.11.2010, uma petição de reclamação nos termos do art. 276° e seguintes do CPPT - cfr. doc. de fls. 86 a 90 dos autos.
14.°) A mesma petição deu entrada via postal em 14.12.2010 - cfr. doc. de fls. 92 a 164 dos autos.
15.°) Relativamente à qual foi proferido o seguinte despacho:
"Pelo requerimento que antecede verifica-se que o executado não se conforma com a decisão de indeferimento do pedido de pagamento em prestações apresentado nos presentes autos.
Em circunstâncias normais as dívidas de IVA e IRS retido na fonte não podem ser regularizadas através de pagamento em prestações salvo se se demonstrar a dificuldade financeira excepcional e previsíveis consequências gravosas para o executado, situação em que poderá ser autorizado um regime prestacional até 12 prestações mensais, desde que cada uma delas não seja de valor inferior a l unidade de conta no momento da autorização.
Existindo somente duas situações de excepção à regra, uma quando se verifica o falecimento do executado, outra quando esteja em curso um plano de recuperação económica, e no âmbito deste se demonstre a imprescindibilidade da medida e se preveja a substituição dos administradores ou gerentes responsáveis pela constituição das dívidas.
Não estando o presente caso enquadrado em nenhuma das 2 situações de excepção, o revertido estaria ao contrário do alegado na reclamação apresentada, vinculado ao disposto nos n.°s 3 e 4 do artigo 196° do CPPT.
Por outro lado a audiência dos interessados pode ser dispensada sempre que a administração tributária, como na situação em apreço, apenas, aprecie os factos que lhe foram requeridos pelo contribuinte, limitando-se na sua decisão a fazer a interpretação das normas legais aplicáveis ao caso.
Quanto ao dever da administração fiscal de notificar o requerente para aperfeiçoar o pedido, não se aplica ao presente caso, tendo em conta que foi constituído mandatário, e o pedido foi feito com alusão ao diploma legal e artigos correctos - artigo 196° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Artigo 196° do CPPT, onde claramente no seu n.° 6 se dispõe que o n.° de prestações poderá ser alargado até 60 meses, em caso de notórias dificuldades financeiras mas só para valores da dívida exequenda superiores a 500 unidades de conta, não devendo o valor de cada prestação ser inferior a 10 unidades de conta, modalidade de pagamento que não se aplica porém quando a dívida exequenda é de IVA e de IRS retido na fonte como no caso concreto.
De salientar que mesmo o somatório das quantias exequendas dos quatro processos em que o requerente é executado por reversão (27.607,77 euros), não perfaz as 500 unidades de conta que o n.° 6 do artigo 196° impõe como condição para o alargamento do pagamento em prestações para os 60 meses.
Por outro lado não parece inocente o pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda apresentado autonomamente relativamente a cada processo executivo, com pedido de isenção de prestação de garantia, quando o que verdadeiramente se pretende é efectuar um único pagamento por conta mensal, e garantir simultaneamente a suspensão de todas as execuções.
De referir que na petição apresentada a mandatária do executado alega dificuldades económicas como factor impeditivo do pagamento da dívida em 36 prestações, pelo que se nos afigura inútil um deferimento do pedido em 12 prestações, conforme determina o n.°4 do artigo 196° do CPPT para o caso em apreço.
Não me parece pois que o acto reclamado mereça reparo, pelo que e face ao disposto no art.°278° do CPPT, e com vista a assegurar a utilidade da presente reclamação atendendo a que foi invocado prejuízo irreparável, determino a imediata remessa dos autos para o Tribunal - cfr. doc. de fls. 174 a 175 dos autos.
4. Cumpre agora decidir.
A recorrente imputa à decisão recorrida o vício de excesso de pronúncia porque o reclamante apenas pediu a anulação do despacho de indeferimento do pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda e não a anulação do despacho de reversão nem a extinção da execução. Assim sendo, não estando em causa matéria de conhecimento oficioso, o Mmº Juiz não podia dela ter conhecido, pelo que se mostra violado o artº 668º, nº 1, alínea d) do CPC.
A sentença recorrida, por sua vez, entendeu que “a sustação do processo deve ser decidida oficiosamente pelo que o prosseguimento indevido do processo de execução fiscal … constitui uma violação de lei que deve ser conhecida independentemente de arguição dos interessados”.
Vejamos então.
O artº 668º, nº 1, alínea d) do CPC determina que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não devia tomar conhecimento.
E determina o artº 660º, nº 2 do mesmo diploma que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Conforme resulta de fls. 19 e segs., o reclamante requereu ao órgão da execução fiscal o pagamento da dívida exequenda contra si revertida em 6 anos (artº 27º) ou em 60 prestações (artº 30º). – v. facto 9º do probatório supra.
Tal pedido foi indeferido por falta de fundamento legal, uma vez que se entendeu que a lei não permitia o pagamento no número de prestações solicitado. (facto 10º do probatório).
Em resposta a esse indeferimento, apresentou o executado a presente reclamação, na qual defende, essencialmente, que relativamente ao responsável subsidiário não é aplicável o limite máximo de 12 de prestações.
Em parte alguma do seu articulado o recorrido (reclamante) veio suscitar a questão de que a sentença se ocupou oficiosamente, isto é a da ilegalidade do despacho de reversão, por a Administração Tributária, posteriormente à insolvência, não ter apurado se a empresa, a falida ou o responsável subsidiário tinham adquirido bens.
Assim, não tendo tal questão suscitada pelo reclamante, não podia o Juiz dela conhecer, pelo que se mostram violadas as normas dos artºs 668º, nº 1, alínea d), 660º, nº 2 e 659º, nº 3, todos do CPC.
É certo que a impossibilidade superveniente da lide é de conhecimento oficioso. Porém, essa impossibilidade tem de reportar-se ao processo em que a mesma é decretada.
No caso dos autos, estamos perante um processo de reclamação de decisão do órgão da execução fiscal. Porém, o que se decretou foi a extinção da ”instância executiva em relação ao reclamante A………, nos termos do artº 287º, alínea e) do Código de Processo Civil por impossibilidade superveniente da lide, aplicável por força do artº 2º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Pelo que ficou dito, o juiz não podia conhecer oficiosamente da questão acima referida, nem decretar a extinção da instância executiva nestes autos de reclamação, com fundamento na impossibilidade superveniente do prosseguimento da execução.
5. Nestes termos e pelo exposto, anula-se a decisão recorrida e ordena-se a baixa dos autos ao tribunal recorrido para prosseguimento da tramitação da reclamação e conhecimento das questões aí suscitadas pelo reclamante.
Sem custas.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2011. - Valente Torrão (relator) - Dulce Neto – Lino Ribeiro.