Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01254/15
Data do Acordão:06/23/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:LEGITIMIDADE PASSIVA
PROVISÃO
DOTAÇÃO ORÇAMENTAL À ORDEM DO CSTAF
Sumário:I - O Presidente da Assembleia da República tem «legitimidade processual» para ser demandado em acção administrativa que visa a sua «intimação», bem como a do Primeiro-Ministro, a promover a «abertura de créditos extraordinários» nos termos do artigo 172º, nº7, do CPTA/2004;
II - O exequente de «crédito indemnizatório» devido por uma autarquia só pode pedir o pagamento do mesmo através da «dotação orçamental inscrita à ordem do Conselho dos Tribunais Administrativos e Fiscais» depois de ter esgotado as providências executivas para pagamento de quantia certa, previstas na lei processual civil, sem que tenha sido possível obter da entidade devedora o pagamento da quantia indemnizatória exequenda;
III - O exequente não é titular de um «direito subjectivo» que lhe permita exigir do Presidente da Assembleia da República e do Primeiro-Ministro a provisão bastante dessa dotação orçamental.
Nº Convencional:JSTA00069774
Nº do Documento:SA12016062301254
Data de Entrada:10/07/2015
Recorrente:A......
Recorrido 1:AR E PRESIDÊNCIA DO CM
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:ACÇÃO ADM COMUM
Decisão:IMPROCEDENTE
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACÇÃO ADM COMUM / INTIMAÇÃO
Legislação Nacional:CONST05 ART105 N4 ART268 N4
CPTA02 ART2 N1 ART9 ART10 ART170 N2 B ART172 N3 N4 N7.
L 67/07 DE 2007/12/31 ART3.
L 91/01 DE 2001/08/20 ART49 ART50 ART50-A ART51.
DL 214-G/15 DE 2015/10/02.
DL 256-A/77 DE 1977/06/17.

Referência a Doutrina:SANTOS BOTELHO - CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO ANOTADO 1995 PAG477
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório

1. A………… - residente na .............., Bombarral - intenta acção administrativa comum [AAC] pedindo a este Supremo Tribunal [STA] que intime o PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA [AR/P] e o PRIMEIRO-MINISTRO [PM] a promover, no prazo de trinta dias, a abertura de créditos extraordinários para que lhe seja paga a quantia de 133.828,91€, acrescida de juros de mora já vencidos, no montante de 16.059,47€, e dos que se vencerem até efectivo e integral pagamento, e a condenar os demandados no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no seu limite máximo, por cada dia de atraso no cumprimento da pretendida intimação.
Subsidiariamente, para a hipótese de haver algum motivo que impossibilite a abertura de créditos extraordinários no corrente ano, pede que as entidades demandadas sejam intimadas a promover a inscrição no Orçamento de Estado de 2016 de uma dotação suficiente ao pagamento da quantia que na altura lhe seja devida, ou, se isso não for feito, a promover nesse ano a abertura de créditos extraordinários para assegurar tal pagamento.
Fundamenta os seus pedidos, principal e subsidiário, em alegada violação, por parte das entidades demandadas, do dever - decorrente do artigo 172º, nº7, do CPTA - de promover - a solicitação do Presidente do CSTAF - a abertura de créditos extraordinários no caso de a dotação orçamental inscrita à ordem do CSTAF [Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais] ser insuficiente para o pagamento dos créditos acumulados e a aguardar a referida dotação.
Entende, ainda, que a omissão de inscrição - nos Orçamentos de Estado de 2013, 2014 e 2015 - das verbas necessárias a permitir o pagamento do montante que lhe é devido consubstancia uma violação do direito à tutela judicial efectiva - artigos 268º, nº4, da CRP, e 2º do CPTA - no tocante ao direito à execução das decisões dos tribunais.
2. Em contestação, a PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS [PCM] impugnou a tese jurídica da autora, advogando a total improcedência dos seus pedidos.
3. Em contestação, a AR excepcionou a sua ilegitimidade para ser demandada nesta acção e pediu a sua absolvição da instância, bem como impugnou a tese jurídica da autora e pediu a sua absolvição do pedido.
4. A autora respondeu à matéria da excepção deduzida na contestação da AR, e defende que a mesma deverá ser julgada improcedente.
5. Notificadas nos termos e para os efeitos do despacho ínsito a folhas 292 dos autos, as partes na acção disseram não ver necessidade de realizar a audiência prévia [artigo 591º, nº1 alínea b), do CPC ex vi artigo 42º, nº1, do CPTA].
6. Cumpre proferir despacho saneador, destinado, além do mais, a conhecer da excepção dilatória que foi deduzida pela ré AR, e a conhecer imediatamente do mérito da causa uma vez que o estado dos autos o permite [artigo 595º, nº1 alíneas a) e b), do CPC, ex vi artigo 42º, nº1, do CPTA].

II. De Facto
São os seguintes os factos pertinentes e provados:
1- Desde 21.07.1975 a autora exerceu funções na Junta de Freguesia ……… [JF……..];
2- Em 22.04.1999 a JF…….. aplicou à autora a pena disciplinar de demissão;
3- Em 01.07.2010 foi proferido acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Norte confirmando a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra [TAF/C] que anulou a pena disciplinar que foi aplicada à autora [ver folhas 13 a 48 dos autos];
4- Em 20.04.2012, o TAF/C, em sede de execução desse julgado anulatório, condenou a JF………. a pagar à autora, no prazo de 90 dias, a quantia de 133.828,91€, acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação [ver folhas 49 a 63 dos autos];
5- Face ao não cumprimento desta sentença executiva, a autora requereu – ao abrigo do artigo 172º, nº3, do CPTA – que se desse conhecimento da inexecução ao CSTAF para este emitir, em 30 dias, ordem de pagamento por conta da dotação orçamental inscrita para tal efeito;
6- Por ofícios de 27.05.2013, 02.04.2014, e 21.04.2015, o CSTAF comunicou que a dotação inscrita à sua ordem – para efeitos do artigo 172º, nº4, do CPTA – era insuficiente para assegurar o pagamento da quantia exequenda, uma vez que o montante dos créditos acumulados era, em 2013, de 26.891.554,90€, em 2014 era de 33.046.642,73€, e em 2015 era de 30.023.445,24€, sendo certo que neste último ano a dotação orçamental inscrita era apenas de 5.000,00€ [ver folhas 64 a 116 dos autos];
7- Em 2013, 2014 e 2105, o Presidente do CSTAF comunicou aos demandados que havia sido judicialmente reconhecido à autora um crédito na quantia de 133.828,91€, acrescida de juros de mora, bem como para a necessidade de promover a abertura de créditos extraordinários a fim de assegurar o pagamento da quantia em causa;
8- Em 06.10.2015, a petição inicial desta AAC foi enviada aos serviços deste STA [ver folha 1 dos autos].
E é tudo quanto a matéria de facto.
III. De Direito
1. O Tribunal é competente. O processo o próprio e sem nulidades. As partes são dotadas de personalidade e de capacidade judiciárias, sendo a Autora e o demandado PM partes legítimas.
2. A demandada AR suscitou a questão prévia da sua ilegitimidade, que importa decidir. E, para além desta, não há qualquer outra questão que, a montante do conhecimento do mérito da causa, importe conhecer.
3. Como resulta da matéria de facto provada, o TAF/C condenou a JF……… a pagar à autora, dentro do prazo de 90 dias, e a título de indemnização, a quantia de 133.828,91€ acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação.
Face ao não pagamento espontâneo da quantia exequenda, a autora requereu ao TAF/C a execução judicial do seu crédito indemnizatório por via da utilização da providência executiva a que se refere o artigo 170º, nº2 alínea b), do CPTA, isto é o pagamento da dívida exequenda através da dotação orçamental inscrita à ordem do CSTAF.
Por ofícios de 2013, 2014, e 2015, o CSTAF comunicou à autora que a dotação inscrita à sua ordem para efeitos do artigo 172º do CPTA era insuficiente, e que havia oficiado ao Primeiro-Ministro e ao Presidente da Assembleia da República, no sentido de ser necessário promover abertura de créditos extraordinários, nos termos do nº7 desse artigo.
Porque até ao momento isso não foi feito, pelo menos de forma a poder solver o seu crédito indemnizatório, e porque entende que as entidades oficiadas não estão a cumprir o dever decorrente do artigo 172º nº7 do CPTA, antes estando a pôr em causa o seu direito à tutela jurisdicional efectiva, a autora vem pedir a tribunal, a título principal, que se intime as entidades demandadas a promover, no prazo de 30 dias, em cumprimento do disposto no artigo 172º nº7 do CPTA, a abertura de créditos extraordinários necessários para que lhe possa ser paga a referida quantia de 133.828,91€ acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação.
E vem pedir, ainda, a título subsidiário, e prevenindo a possibilidade de ocorrer motivo que impossibilite a abertura de créditos extraordinários no ano de 2015, que se intime as entidades demandadas a promover a inscrição, no Orçamento de Estado de 2016, de uma dotação suficiente para o pagamento da quantia de que ela seja credora, e, se isso não for feito, a promover, nesse ano, a abertura de créditos extraordinários para assegurar, e efectivar, tal pagamento.
4. Recordemos as normas jurídicas - constitucionais e legais - em que a autora baseia a sua pretensão, e as que, embora não tendo sido por ela referidas, devem ser chamadas à colação no presente caso:
- O artigo 268º, nº4, da CRP, sobre «Direitos e garantias dos administrados», estipula que «É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses […]».
- O artigo 2º, nº1, do CPTA, sobre a «Tutela jurisdicional efectiva» diz que «O princípio da tutela jurisdicional efectiva compreende o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão» [redacção aqui aplicável, anterior ao DL nº214-G/2015, de 02.10].
- O artigo 170º do CPTA, no âmbito da «Execução para pagamento de quantia certa», e sobre «Execução espontânea e petição de execução», diz, no seu nº2, que «Quando a Administração não dê execução à sentença no prazo estabelecido no nº1 [30 dias], dispõe o interessado do prazo de seis meses para pedir a respectiva execução ao tribunal competente, podendo, para o efeito, solicitar: a) A compensação do seu crédito com eventuais dívidas que o onerem para com a mesma pessoa colectiva ou o mesmo ministério; b) O pagamento, por conta da dotação orçamental inscrita à ordem do CSTAF a que se refere o nº3 do artigo 172º».
- O artigo 172º do CPTA, no âmbito da «Execução para pagamento de quantia certa», e sobre «Providências de execução», prescreve na parte ora pertinente o seguinte:
[…]
«3. No Orçamento do Estado é anualmente inscrita uma dotação à ordem do CSTAF, afecta ao pagamento de quantias devidas a título de cumprimento de decisões jurisdicionais, a qual corresponde, no mínimo, ao montante acumulado das condenações decretadas no ano anterior e respectivos juros de mora; 4. Quando o exequente o tenha requerido, o tribunal dá conhecimento da sentença e da situação de inexecução ao CSTAF, ao qual cumpre emitir, no prazo de 30 dias, a correspondente ordem de pagamento; 5. Quando a entidade responsável pelo pagamento seja uma pessoa colectiva pertencente à administração indirecta do Estado, as quantias pagas por ordem do Conselho Superior são descontadas nas transferências a efectuar para aquela entidade no Orçamento do Estado do ano seguinte ou, não havendo transferência, são oficiosamente inscritas no orçamento privativo de tal entidade pelo órgão tutelar ao qual caiba a aprovação do orçamento; 6. Quando a entidade responsável pertença à Administração autónoma, procede-se igualmente a desconto nas transferências orçamentais do ano seguinte e, não havendo transferência, o Estado intenta acção de regresso no tribunal competente; 7. No caso de insuficiência de dotação, o Presidente do CSTAF oficia ao Presidente da Assembleia da República e ao Primeiro-Ministro para que se promova abertura de créditos extraordinários; 8. Sem prejuízo do disposto no número anterior, o exequente deve ser imediatamente notificado da situação de insuficiência de dotação, assistindo-lhe, nesse caso, o direito de requerer que o tribunal administrativo dê seguimento à execução, aplicando o regime da execução para pagamento de quantia certa, regulado na lei processual civil» [redacção aqui aplicável, anterior ao DL nº214-G/2015, de 02.10].
- O artigo 3º da Lei nº67/2007, de 31.12, no âmbito da «Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas», e sobre «Pagamento de indemnizações», diz o seguinte:
«1. Quando haja lugar a pagamento de indemnizações devidas por pessoas colectivas pertencentes à administração indirecta ou à administração autónoma, e a competente sentença judicial não seja espontaneamente executada no prazo máximo de 30 dias, o crédito indemnizatório só pode ser satisfeito por conta da dotação orçamental inscrita à ordem do CSTAF a título subsidiário quando, através da aplicação do regime da execução para pagamento de quantia certa regulado na lei processual civil, não tenha sido possível obter o respectivo pagamento junto da entidade responsável; 2. O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de o interessado solicitar directamente a compensação do seu crédito com eventuais dívidas que o onerem para com a mesma pessoa colectiva, nos termos do artigo 170º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sem necessidade de solicitar previamente a satisfação do seu crédito indemnizatório através da aplicação do regime da execução para pagamento de quantia certa previsto na lei processual civil; 3. Nas situações previstas no número 1, caso se mostrem esgotadas as providências de execução para pagamento de quantia certa previstas na lei processual civil sem que tenha sido possível obter o respectivo pagamento através da entidade responsável, a secretaria do tribunal notifica imediatamente o CSTAF para que emita a ordem de pagamento da indemnização, independentemente de despacho judicial e de tal ter sido solicitado, a título subsidiário, na petição de execução; 4. Quando ocorra a satisfação do crédito indemnizatório por via do Orçamento de Estado, nos termos do número 1, o Estado goza de direito de regresso, incluindo juros de mora, sobre a entidade responsável, a exercer mediante uma das formas seguintes: […]».
5. Assim enquadrados, quanto a «factos e a direito», comecemos por apreciar a questão da ilegitimidade passiva suscitada pela demandada AR, e que se baseia no entendimento segundo o qual ela «não é parte em qualquer relação jurídica administrativa» que a ligue à autora.
Como se sabe, o conceito de legitimidade está associado à presença, nos autos, dos verdadeiros titulares da relação jurídica litigada, que são aqueles que têm, por regra, interesse directo em demandar ou em contradizer nesse litígio [artigos 9º e 10º do CPTA].
E a relação jurídica litigada é manifestada, sobretudo, pelo pedido deduzido nos autos e pelos fundamentos de natureza factual e jurídica em que ele se baseia.
No caso, a autora demanda a AR por entender, com base no regulado no artigo 172º do CPTA, mormente no seu nº7, que daí decorre para tal entidade o dever de promover, dentro das suas respectivas competências, a abertura de créditos extraordinários. E decorre da lei, fundamental e ordinária, efectivamente, que à AR cabe a competência legislativa para «Aprovar as leis das grandes opções dos planos nacionais e o Orçamento de Estado, sob proposta do Governo» [artigo 161º, alínea g), da CRP], e, ainda, que as alterações orçamentais são da sua competência ou do Governo - artigos 105º, nº4, da CRP, 49º, 50º, 50º-A, e 51º, da Lei de Enquadramento Orçamental, aprovada em anexo à Lei nº91/2001, de 20.08, a qual, apesar de revogada pela Lei nº151/2015, de 11.09, se mantém em vigor pelo prazo de três anos no que respeita, entre outras, às normas relativas ao «processo orçamental, ao Orçamento de Estado, à execução orçamental e às alterações orçamentais» [seus artigo 7º e 8º].
Temos, pois, que independentemente do bom fundamento ou não do pedido da autora, ele dirige-se, também, à entidade demandada AR, e escuda-se no dever que para ela surgirá de contribuir, dentro das suas competências, para abrir os créditos extraordinários que permitam solver a indemnização que lhe foi fixada.
No fundo, a autora arroga-se o direito a um comportamento da AR que entende indispensável para assegurar e efectivar o pagamento do seu crédito, fixado em sentença transitada em julgado.
E, nesta relação jurídica litigada, obviamente que a AR, independentemente da natureza da competência que deve exercer, é parte legítima na acção, segundo o pedido e a causa de pedir desenhadas pela autora.
Deste modo, decidimos julgar improcedente a questão da ilegitimidade passiva suscitada pela demandada AR.
6. Passemos ao mérito da acção, o qual contende com a qualificação da posição jurídica subjectiva da autora em ordem a formular os pedidos que deduz contra as duas entidades demandadas.
Essa posição jurídica subjectiva da autora pode ser avaliada em termos formais e em termos substantivos. Comecemos pela primeira abordagem.
Durante a vigência do DL 256-A/77, de 17.06, era obrigatório para as pessoas colectivas de direito público inscrever no respectivo orçamento «dotação destinada ao pagamento de encargos resultantes de sentenças de quaisquer tribunais». Tais dotações ficavam «à ordem do Conselho Superior da Magistratura, que emitia a favor dos respectivos credores as ordens de pagamento» requisitadas pelos tribunais, sendo que «no caso de insuficiência de verba» e enquanto a mesma «não fosse devidamente reforçada», deveria observar «a ordem do trânsito em julgado das sentenças» [artigo 12º, nº1 e nº2, do DL nº256-A/77, de 17.06].
Estávamos, como decorre do preâmbulo desse diploma, face a uma medida que visava reforçar a garantia dos particulares perante a Administração, pois que ao confiar o pagamento dos «encargos resultantes de sentenças» ao próprio poder judicial se procurou evitar possíveis obstáculos levantados pela Administração a nível de hipotéticas dificuldades de tesouraria [ver Santos Botelho, «Contencioso Administrativo Anotado», Almedina, 1995, página 477].
O requerimento desta medida era obrigatório para o interessado, o qual, só no caso de não obter o pagamento por essa via é que podia accionar nos tribunais comuns a competente execução judicial.
O CPTA, entrado em vigor em 01.01.2004, revogou aquele diploma de 1977, e, a partir de então, passou a vigorar no âmbito administrativo processo específico de «execução para pagamento de quantia certa», onde se inscrevem os artigos 170º e 172º que acima citamos.
Deles decorre, agora, que a dotação afecta ao pagamento de quantias devidas a título de cumprimento de sentenças passou para o Orçamento de Estado, e o pagamento de tais quantias, através dessa «dotação», passou a ser faculdade e não obrigação do cidadão exequente [artigos 170º, nº2 alínea b) e 172º, nº3 e nº4, do CPTA].
Efectivamente, ele, na execução, pode desde logo pedir o pagamento por conta da «dotação inscrita no Orçamento de Estado à ordem do CSTAF», mas também pode não o fazer, optando por solicitar a compensação, caso se verifiquem os respectivos pressupostos, ou pela «execução para pagamento de quantia certa regulada na lei processual civil».
Optando pelo pagamento através da dotação, o exequente solicita-o ao tribunal competente para a execução, tribunal este que passa a ser o único interlocutor do CSTAF, a quem dá conhecimento da sentença e da situação de inexecução a fim de ser emitida a respectiva ordem de pagamento [artigo 172º nº4 do CPTA]. Por sua vez, e no caso de insuficiência da dotação, o Presidente do CSTAF surge, na lei, como o único interlocutor do Presidente da AR e do PM, a quem oficia «para que se promova abertura de créditos extraordinários».
Constatada pelo CSTAF a «insuficiência da dotação», e notificada ao exequente, este tem o direito de requerer que o tribunal dê seguimento à execução para o pagamento de quantia certa aplicando o regime da lei processual civil [artigo 172º, nº8, do CPTA].
Resulta, assim, que o pagamento do crédito exequendo através da «dotação do Orçamento de Estado inscrita à ordem do CSTAF», tal como consagrado no CPTA, visa, sobretudo, facilitar e simplificar esse pagamento, disponibilizando ao exequente um mecanismo expedito de obter o pagamento coercivo do seu crédito, e ainda aliviando a entidade responsável pelo pagamento da possível complexidade das lides judiciais, pois que a sua responsabilidade será cobrada internamente.
A Lei 67/2007, de 31.12, veio alterar notoriamente esse mecanismo executivo de pagamento através da dotação do Orçamento de Estado inscrita à ordem do CSTAF, no tocante aos créditos executivos de natureza «indemnizatória».
Do seu artigo 3º, supra citado, decorre que em caso de pagamento coercivo de «indemnizações devidas por pessoas colectivas pertencentes à administração indirecta e à administração autónoma» o crédito indemnizatório só poderá ser satisfeito «por conta da dotação orçamental inscrita à ordem do CSTAF a título subsidiário quando, através da aplicação do regime da execução para pagamento de quantia certa regulado na lei processual civil, não tenha sido possível obter o respectivo pagamento junto da entidade responsável» [ver artigo 3º, nº1, da Lei nº67/2007, de 31.12].
Ou seja, «só depois de esgotadas as providências executivas» para pagamento de quantia certa «previstas na lei processual civil», sem que tenha sido possível obter da entidade responsável o pagamento da quantia indemnizatória exequenda é que pode e deve ser emitida a ordem de pagamento da indemnização através da dotação orçamental aqui em causa.
E tal emissão deve ser realizada independentemente de despacho judicial e de ter sido pedida pelo exequente na petição de execução, sendo suficiente para o efeito a notificação oficiosa da secretaria do tribunal ao CSTAF [artigo 3º, nº3, da Lei nº67/2007, de 31.12].
Deste modo, o pagamento do crédito indemnizatório das pessoas colectivas que pertencem à administração indirecta, ou à administração autónoma, mediante a activação da «dotação orçamental inscrita à ordem do CSTAF», deixa de ter por finalidade a simplificação que é essencialmente prosseguida no CPTA, passando antes a assistir-lhe, tudo indica, uma finalidade essencialmente garantística.
Na verdade, já não se visa «evitar as providências executivas», eventualmente complexas e morosas, do processo civil, para pagamento de quantia certa, pois que as mesmas devem ser esgotadas antes de se partir para o pagamento pela «dotação», visa-se antes que a dotação satisfaça subsidiariamente, o que pode significar após a «excussão do património privado» do devedor, a totalidade da dívida indemnizatória. Mais do que «simplificar ou facilitar» a vida ao exequente parece estar na mira do legislador defender a «imagem de uma Administração» cumpridora das obrigações indemnizatórias em que é condenada por sentença.
Embora, face à data da execução em causa, não seja aplicável o CPTA alterado pelo DL nº214-G/2015, de 02.10, importa sublinhar que a solução consagrada no artigo 3º, da Lei nº67/2007, e aí limitada ao pagamento de indemnizações, deixou de ter, nele, essa limitação [ver artigo 172º do CPTA, nomeadamente seus números 7 e 8, na redacção dada pelo DL nº214-G/2015 de 02.10].
Não há dúvida, portanto, que na altura em que a autora, enquanto exequente, requereu o pagamento da indemnização que lhe foi fixada por sentença, estava há muito derrogada a alínea b) do nº2 do artigo 170º do CPTA no que respeita às execuções para pagamento de indemnizações devidas por pessoas colectivas pertencentes à administração indirecta ou à administração autónoma. De facto, tal efeito derrogatório decorre da entrada em vigor do artigo 3º da Lei 67/2007, que se aplica à entidade devedora, a JF……., enquanto pessoa colectiva de direito público pertencente à administração autónoma territorial.
O pagamento do montante indemnizatório, e dos respectivos juros de mora, só poderia, destarte, ser feito através da dotação inscrita no Orçamento de Estado à ordem do CSTAF depois de esgotadas as providências executivas contra a JF…….., o que pode significar depois de excutido o património privado da mesma, e não antes.
De modo que, não assistindo à autora o direito de ver activado o pagamento da quantia indemnizatória exequenda através da «dotação orçamental» sem, antes disso, ter esgotado as providências executórias para esse pagamento «junto da entidade pública autónoma responsável», nunca lhe pode, logicamente, assistir qualquer direito a pedir a intimação das entidades demandadas, seja para abrir créditos extraordinários seja para prever ou para alterar o orçamento em ordem a permitir o pagamento integral do seu crédito indemnizatório.
Naturalmente que esta constatação não fere, de modo algum, o direito à tutela jurisdicional efectiva, dado que nada impede que a autora prossiga a execução, nos termos decorrentes da lei, contra a autarquia devedora.
7. Mas, mesmo em termos de posição jurídica substantiva, a autora «carecia do direito subjectivo» de exigir às entidades ora demandadas - Presidente da Assembleia da República e Primeiro-Ministro - que dotassem o fundo de que o CSTAF dispõe nos termos do artigo 172º, nº3, do CPTA.
Diferentemente do que ocorria no âmbito do DL nº256-A/77, de 17.06, em que o pagamento do crédito exequendo era realizado através de dotação inscrita no próprio orçamento da entidade devedora, no âmbito do CPTA, e do artigo 3º da Lei nº67/2007, de 31.12, o pagamento do crédito indemnizatório é realizado, a título subsidiário, por dotação inscrita no próprio Orçamento de Estado [OE].
Então, como agora, o despoletar desse pagamento é institucional, ou seja, é «o próprio tribunal da execução» que se constitui como interlocutor do CSTAF, e o Presidente deste Conselho como interlocutor do Presidente da AR e do Primeiro-Ministro.
Mas agora, e diferentemente de então, não é a dotação da entidade devedora a responder pelo pagamento do crédito indemnizatório exequendo, mas, antes, a dotação inscrita no Orçamento de Estado, constituída por entidade que «não se confunde com a entidade devedora», antes surge como «terceiro relativamente às partes», e de que o Presidente da AR e Primeiro-Ministro são interlocutores.
A autora não é, assim, titular de um direito subjectivo que lhe permita exigir de tais entidades - Presidente da AR e Primeiro-Ministro - a provisão bastante do fundo inscrito no OE de modo a poder ser pago o seu crédito indemnizatório, embora, é verdade, lhe assista o direito a ser paga através dessa dotação, se ela existir, e a título subsidiário.
A insuficiência da dotação para realizar o pagamento do crédito indemnizatório, muito embora sendo insusceptível de gerar na esfera jurídica da autora direito a exigir às entidades demandadas o comportamento activo solicitado nesta acção, certo é que poderá, eventualmente, traduzir-se numa «omissão de provisão da dotação» susceptível de causar danos…
Mas esta é uma causa de pedir estranha à presente AAE.

IV. Decisão
Nestes termos, decidimos julgar totalmente improcedente a presente acção, e, em conformidade, absolver as entidades demandadas do pedido.
Custas pela autora - fixando-se o valor da causa em 149.888,38€.

Lisboa, 23 de Junho de 2016. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.