Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02499/14.9BELSB 0655/18
Data do Acordão:02/14/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:ADMINISTRADOR DA INSOLVENCIA
APOSENTADO
ACUMULAÇÃO
PENSÃO
REMUNERAÇÃO
Sumário:No desempenho da actividade e funções disciplinadas no quadro do Código de Insolvências e Recuperação de Empresas [«CIRE»] e da Lei nº 32/2004, à data vigente e aqui aplicável, que estabelecia o então denominado «Estatuto dos Administradores de Insolvência» [«EAI»], os administradores de insolvência/administradores judiciais aposentados ou reformados constantes das listas oficiais não estão abrangidos pelos regimes de incompatibilidade e de cumulação de pensão e remuneração previstos, respectivamente, nos artºs. 78º e 79º do Estatuto de Aposentação na redacção que lhes foi introduzida pelo DL nº 137/2010, de 28 de dezembro.
Nº Convencional:JSTA000P24234
Nº do Documento:SA12019021402499/14
Data de Entrada:09/18/2018
Recorrente:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

A…………, residente na Rua …………, ……, Oeiras, interpôs junto do TAF de Sintra contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, a presente acção administrativa especial de impugnação, da decisão de suspensão do pagamento da pensão e de restituição, peticionando a anulação da decisão do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça de 30/06/014 que decidiu que a A. teria de lhe restituir as pensões recebidas nos anos de 2011 e 2012, no montante líquido de 52947,62€, por cumulação indevida da perceção da remuneração paga pelo IGFEJ com a pensão paga pela CGA.

Alegou, para tanto, em síntese, que o acto de suspensão do pagamento da CGA, é ilegal, porque as funções de administradora de insolvências não se enquadram no conceito de funções públicas do regime de incompatibilidades constante dos artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação [com a redacção dada pelo DL 137/2010, de 28/12].


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O TAF de Sintra, por sentença datada de 21.04.2016, julgou procedente a presente acção, e, em consequência, anulou a decisão impugnada que suspendeu o pagamento da pensão da A. e determinou a restituição das pensões recebidas nos anos de 2011 e 2012 pela A. no montante líquido de 52.947,62€.

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Interposto, pela autora, recurso jurisdicional para o TCA Sul, este, por acórdão datado de 06.12.2017, confirmou a decisão do TAF de Sintra, negando provimento ao recurso jurisdicional.

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A CGA, inconformada, interpôs o presente recurso de revista, para o que alegou tendo formulado as seguintes conclusões:

«1ª Verificam-se, no presente caso, os pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso de revista para o STA, nos termos do disposto no artº 150º do CPTA, já que, com a sua interposição pretende-se obter uma melhor interpretação e aplicação da lei, designadamente do disposto no nº 1 do artigo 78º do Estatuto da Aposentação, na redacção que a este preceito foi dada pelo Decreto-Lei nº 137/2010, de 28 de Dezembro.

2ª É essencial determinar qual o sentido e alcance da expressão “funções públicas remuneradas” constante do nº 1 do artigo 78º do Estatuto da Aposentação cuja interpretação seguida na sentença proferida em 2016-04-21, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, posteriormente confirmada pelo TCA Sul através do acórdão de que se recorre, é diferente da seguida na Sentença proferida em 2016-11-28, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, no âmbito do proc.º nº 878/14.0BEVIS em que foi Autor, B…………, confirmada posteriormente pelo TCA Norte através de acórdão de 3 de Novembro de 2017.

3ª Da redacção do artigo 78º do Estatuto da Aposentação resulta a impossibilidade de exercer funções públicas remuneradas junto de quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais e demais pessoas colectivas públicas.

4ª A lei não define o que são “funções públicas”, pelo que, recorrendo à jurisprudência, a título de exemplo ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 17 de Junho de 2016, proferido no âmbito do processo nº 1287/11. BEPRT, podemos, com segurança, afirmar que o conceito de exercício de funções públicas é um conceito abrangente e que vai para além do conceito de função pública, considerado este como um conjunto de indivíduos que de forma subordinada e hierarquizada prestam o seu trabalho, como profissionais especializados, no desempenho de funções próprias e permanentes dos serviços e pessoas colectivas que integram a Administração Pública.

5ª O exercício de funções públicas, por contraposição com funções privadas, encontra-se ligado aos fins prosseguidos com o que se denomina por administração pública em contraponto com a administração privada. Exercício de funções públicas diferencia-se, assim, pelos fins que prossegue e pelos meios que utiliza.

6ª O exercício de funções públicas tem como objectivo essencial promover a satisfação das necessidades colectivas e terá como finalidade a prossecução de um interesse público.

7ª Os administradores judiciais exercem funções públicas, unicamente subordinadas à prossecução do interesse público. Estamos perante o exercício de verdadeiras funções públicas, não reguladas pelo direito privado, antes pelo direito administrativo, de onde resultam amplos poderes de autoridade para a prossecução de um interesse público geral e judiciário.

8ª Em termos de vínculo laboral, os administradores judiciais não estão integrados na função pública, não têm uma relação de emprego público, mas o conceito “exercício de funções públicas” não é utilizado pelo legislador no artigo 78º do Estatuto da Aposentação nesta acepção restrita, mas sim na acepção mais ampla em que o exercício de funções públicas, por contraposição com exercício de funções privadas, se encontra ligado aos fins prosseguidos.

9ª A análise da actividade do administrador de insolvência – designadamente através da análise dos estatutos previstos na Lei nº 32/2004, de 22 de Julho, - permite concluir, contrariamente ao que decidiu o Tribunal Central Administrativo no acórdão recorrido, que os administradores judiciais exercem funções públicas e por isso estão abrangidos pelo regime de incompatibilidades previsto nos artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação».


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A autora, ora Recorrida A…………, apresentou contra alegações que concluiu da seguinte forma:

«1. Devem ter-se por não escritas, em nome do princípio do contraditório, as passagens da alegação do recurso de revista em que a recorrente cita um suposto acórdão proferido pelo TCA Norte em 3.11.17 no proc. 878/14, visto que não o junta com a alegação nem ele está consultável na internet.

2. O acórdão, também citado pela recorrente, nas suas conclusões mas não na fundamentação do recurso, proferido pelo TCA Norte em 17.6.16 no proc. 1287/11, respeita a peritos avaliadores, cuja situação jurídica não é comparável à dos administradores de insolvência pelas razões explanadas em A) destas contra-alegações, ainda que a recorrida discorde da bondade da decisão aí tomada.

3. O recurso de revista só será admissível pela relevância jurídica e social da questão nele posta, nos termos do art. 150-1 CPTA.

4. É suficiente a fundamentação do acórdão recorrido, considerando que fez sua a fundamentação, cuidada e minuciosa, da sentença da 1ª instância, a que só acrescenta de substancial um argumento de interpretação histórica retirado do preâmbulo do DL 137/2010, de 28 de dezembro, quanto a ter-se visado, com a alteração dos arts. 78º e 79º do Estatuto da Aposentação, eliminar a possibilidade de cumulação de “vencimentos públicos” com pensões do sistema público de aposentação.

5. É de inteiramente perfilhar, na decisão do recurso de revista, além deste, os fundamentos da sentença de 1ª instância, a que a 2ª instância aderiu.

6. As funções do administrador de insolvência na vigência do Estatuto aprovado pela Lei 32/2004, de 22 de julho, caracteriza o seu exercício como uma atuação desenvolvida no interesse dos credores da insolvência e remunerada pela massa insolvente.

7. O eventual pagamento pelo IGFEJ da remuneração devida ao administrador de insolvência, nos casos em que o ativo da massa insolvente não o permite, tem mera função de garantia, de natureza subsidiária semelhante à do Fundo de Garantia Automóvel, quando o responsável pelo acidente de viação não tem seguro obrigatório, ou à do Estado, quando este se substitui ao banco insolvente no reembolso dos depósitos até 100.000 euros, não cabendo no conceito de vencimento público ou de outras quantias pagas pelo Estado ou outra pessoa coletiva pública em remuneração direta de serviços que lhe são prestados.

8. O administrador de insolvência não exerce função pública remunerada, pelo Estado ou outra pessoa pública, em sentido lato ou restrito, mas sim uma função ao serviço do coletivo dos credores da massa insolvente, que em princípio lhe paga, pelo que a sua atuação não se enquadra nos nºs 2 ou 3 do art. 78 do Estatuto da Aposentação.

9. O nº 2 deste artº 78 aplica-se ao reformado da Caixa Geral de Aposentações que exerce uma função pública, entendido o termo função no sentido lato que lhe é dado pelo nº 3, mas sem prescindir da subsequente verificação da natureza pública dessa função, a qual só é dada pelo estabelecimento duma relação jurídica direta com o Estado que implique a prestação a este dum serviço por ele, em 1ª mão (e não só subsidiariamente), remunerado.

10. É artificial, e não tem apoio na lei, a distinção entre a função pública e o seu exercício, não sendo conceitualmente defensável que o conceito de exercício de funções públicas extravase o de função pública.

11. Nem a nomeação do administrador de insolvência pelo juiz nem a sua equiparação ao agente de execução, que, tal como o advogado, é um profissional liberal, remunerado pelo exequente e só em caso de apoio judiciário pelo Estado, nem a sujeição do administrador de insolvência, tal como do perito da lei processual civil ou do árbitro, ao regime de impedimentos e suspeições do juiz, nem o exame de admissão a que está sujeito, nem a sua inclusão numa lista oficial, constituem achegas válidas para a caracterização do conceito de exercício duma função pública remunerada pelo IGFEJ.

12. A aplicação dos arts. 78º e 79º do Estatuto da Aposentação a reformados à data da sua entrada em vigor, nos termos do art. 8º do DL 137/2010, obriga, por imposição de princípios constitucionais, à interpelação do reformado para optar, com eficácia para o futuro, entre a pensão e o vencimento, o que implica que a situação de cumulação seja corretamente descrita no ato da interpelação, de modo a não se suscitarem dúvidas no aposentado sobre o entendimento da CGA quanto à aplicação dos arts. 78º e 79º à sua situação concreta.

13. A exigência desta interpelação prévia não é satisfeita, ofendendo o princípio da confiança, quando a CGA declara que o aposentado exerce uma função diferente da real e de natureza diferente desta, o reformado esclarece a CGA sobre esta situação e a CGA não lhe faculta de novo a opção, com base no entendimento de que também a situação real cabe na previsão do artº 78 do Estatuto, exigindo ainda por cima a restituição de pensões anteriormente vencidas e pagas.

14. A suspensão da pensão e a exigência da restituição das pensões pagas pela CGA após a entrada em vigor do DL 137/2010 não são cominação adequada ao silêncio do aposentado quando o valor das pensões que este perderá é em muito superior ao valor das quantias pagas pelo Estado ou pessoa pública durante o mesmo período, com a sua aplicação se violando o princípio da constitucionalidade.

15. A interpretação do art. 8º do DL 137/2010 como permitindo a atuação referida nas duas conclusões anteriores, é inconstitucional por ofender o direito fundamental do art. 63º CR e os referidos princípios da confiança e da proporcionalidade.

Por todas estas razões deve ser confirmado o acórdão recorrido, mantendo-se a anulação da decisão da recorrente de suspender o pagamento da pensão da recorrida, bem como a de lhe exigir a restituição das pensões por ela recebidas nos anos de 2011 e 2012.».


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O recurso de revista foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o artº 150º do CPTA] proferido a 12.07.2018.

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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

A matéria de facto fixada na 1ª instância é a seguinte:

«1) A Autora, A…………, reside na Rua ………, ……, Oeiras.

2) A Autora é reformada da função pública e recebeu, da Ré, Caixa Geral de Aposentações, nos anos de 2011 e 2012, pensões ilíquidas no montante de 71.858,80€ - docs 1 a 6 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3) A Autora tem sido nomeada como administradora de insolvências, [nos termos do art 52-1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)] - docs 1 a 6 da PI, referidos.

4) A Autora exerceu, a esse título, nos anos de 2011 e 2012, a função de administradora em liquidação do património privado de pessoas insolventes, sob a fiscalização das comissões de credores [artº 55 do CIRE], representando, além disso, os insolventes [artº 81-4 do CIRE] - docs 1 a 6 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

5) Para tal foi nomeada pelo juiz do tribunal de comércio [ou pelo juiz do tribunal cível, respectivo], o qual fiscaliza a sua atividade de administradora de insolvência [artº 58 do CIRE] - doc 1 a 6 da PI, já referidos.

6) Em 29/12/2010, entrou em vigor o DL 137/2010, de 28/12, cujo artigo 6 introduziu alterações, nomeadamente na redacção dos artigos 78 e 79 do Estatuto da Aposentação.

7) Nos anos de 2011 e 2012, a autora recebeu do IGFEJ, para pagamento do seu serviço de Administradora de Insolvência, as quantias totais de, respetivamente, 13.250€ e 16.660€, as quais dizem respeito e foram efetuados com atraso dos seguintes pagamentos:

- de 10.500€ no ano de 2011, respeitantes a serviços prestados em 2010 nos processos ……… (500€), ……… (2.000€), ……… (1.000€), ……… (3.000€), ……… (2.000€) e ……… (2.000€) – docs 1 a 6, acima referidos;

- de 2.600€ no ano de 2012, respeitantes a serviços prestados em 2005 no processo ……… (600€) e em 2008 no processo ……… (2.000€) - docs 7 e 8, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

8) Em 30/06/014, a Ré, a Direcção da CGA decidiu que a A. teria de lhe restituir as pensões recebidas nos anos de 2011 e 2012, no montante líquido de 52.947,62€, por cumulação indevida da perceção da remuneração paga pelo IGFEJ com a pensão paga pela CGA.

9) Em 30/07/014, a Ré, CGA, dirigiu à A. o ofício com a Ref UAC321CR526049-00, sob o «Assunto: Novo regime de incompatibilidades de remuneração e pensão. Reposição à CGA», registado e com A/R, de f 20, doc 9 da PI, e de f 40 do PA, anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, com Referência à «Carta de 2014-04-08» da Autora, junta a f 35 [e 36 e 38] do PA anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, que respondeu, por sua vez, ao ofício Ref UAC321TN526049/00, de 17/03/2014, de f 33 do PA, cujo igualmente teor se dá por integralmente reproduzido, o qual foi recebido a 15/07/014.

10) A presente acção deu entrada em juízo, no TAC de Lisboa, em 23/10/2014 — fls 2 e 3».


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2.2. O DIREITO

Como já se mostra referido, o objecto da presente acção administrativa especial intentada pela autora contra a CGA, consiste na impugnação da decisão de suspensão do pagamento da pensão e de restituição, peticionando a final a anulação da decisão do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça de 30/06/014, que decidiu que a A. teria de restituir as pensões recebidas nos anos de 2011 e 2012, no montante líquido de 52947,62€, por cumulação indevida da perceção da remuneração paga pelo IGFEJ com a pensão paga pela CGA.

O objecto da presente revista prende-se na sua essência em apurar se o exercício das funções de administrador de insolvência integra, ou não, o elenco de incompatibilidades previsto no artº 78º do Estatuto da Aposentação, com o efeito previsto no artº 79º do mesmo diploma, ou seja, na interpretação dos artºs 78º e 79º do EA, na redacção dada pelo DL nº 137/2010 de 28.12, designadamente quanto à noção de exercício de «funções públicas» e na correspondente qualificação, ou não, da actividade de administrador judicial de insolvência, exercida pela Autora, como função pública, no sentido material.

Alega, em síntese, a recorrente CGA que a “análise da actividade do administrador de insolvência – designadamente através da análise dos estatutos previstos na Lei nº 32/2004 de 22.07, permite concluir, contrariamente ao que decidiu o acórdão recorrido, que os administradores judiciais exercem funções públicas e, por isso, estão abrangidos pelo regime de incompatibilidades previsto nos artºs 78º e 79º do Estatuto da Aposentação – cfr. concussão 9ª.

Esta questão, ou seja, saber se o exercício de funções de administrador de insolvência se inclui no elenco das incompatibilidades previstas no artº 78º do Estatuto da Aposentação (EA), na redacção dada pelo DL 137/2010 de 28.12 é questão que já se mostra analisada e tratada neste Supremo Tribunal Administrativo, designadamente no Acórdão proferido em 18.01.2018, no âmbito do proc. nº 353/17, no sentido decidido pelas instâncias.

Com efeito, consignou-se neste Acórdão o seguinte [a que aderimos na sua plenitude, por ser em todos os seus termos semelhante ao caso sub judice]:

«(…) Assim, e no que para aqui releva, extrai-se dos arts. 73.º e 74.º, n.º 1, do «EA» que com a passagem do interessado à aposentação o mesmo, enquanto aposentado, passa a ser titular do direito a uma pensão, continuando, todavia, «vinculado à função pública, conservando os títulos e a categoria do cargo que exercia e os direitos e deveres que não dependam da situação de atividade».

26. Temos, por sua vez, que o «EA» previu sempre, desde a sua versão primitiva, no seu art. 78.º um regime denominado de “incompatibilidades”, regime esse cujos termos e redação foram sendo, contudo, sucessivamente objeto de várias modificações até 2010 [vide, no caso, as alterações produzidas ao normativo pelo DL n.º 215/87, de 19.05, pelo DL n.º 179/2005, de 02.11, e pelo DL n.º 137/2010, de 28.12 - redação que se mostra em crise nos autos], e, inclusive, depois [cfr. a Lei n.º 11/2014, de 06.03, e a Lei n.º 75-A/2014, de 30.09], para além do próprio regime do art. 78.º do «EA», bem como do artigo seguinte, ter sido estendido aos beneficiários de pensões de reforma pagas pela Segurança Social ou por outras entidades gestoras de fundos de pensões ou planos de pensões [cfr. a Lei n.º 55-A/2010, de 31.12, a Lei n.º 11/2014, de 06.03, a Lei n.º 83-C/2013, de 31.12], e de também o referido DL n.º 137/2010 ter sido objeto de alteração [cfr. a Lei n.º 60-A/2011, de 30.11] e de interpretação [cfr. o DL n.º 68/2011, de 14.06].

27. Inicialmente, previa-se um impedimento aos aposentados de exercerem funções remuneradas ao serviço, mormente, do Estado, dos institutos públicos [incluindo os «organismos de coordenação económica»], das autarquias locais e das empresas públicas, excecionando-se apenas as funções prestadas em regime de prestação de serviços nas condições previstas na al. a) do n.º 2 do art. 01.º do «EA» e as demais permitidas por lei «quer diretamente quer mediante autorização do Conselho de Ministros» [cfr. n.º 1], constituindo uma proibição legal que fazia incorrer o interessado e demais responsáveis na obrigação de reposição dos valores pagos, bem como em responsabilidade disciplinar [cfr. n.º 2].

28. Através da alteração operada em 1987 pelo DL n.º 215/87 desapareceu o estabelecimento da sanção que se mostrava prevista no n.º 2 do art. 78.º, disciplinando-se igualmente, nomeadamente, que os aposentados não poderiam exercer funções públicas ou prestar trabalho remunerado nas empresas públicas, ou seja, não poderiam voltar a trabalhar para o Estado e demais entes públicos e deles receberem remuneração segundo o regime igual ou semelhante àquele por que se haviam aposentado, visando-se, assim, evitar que um mesmo beneficiário pudesse auferir do Estado, em duplicado, rendimentos provenientes do exercício de funções públicas exercidas no quadro de vinculação hierárquica e de disciplina.

29. Comportava tal regime regra de incompatibilidade, todavia, as exceções que se mostravam elencadas nas als. a) a c) do art. 78.º e que permitiam o exercício por aposentados de funções públicas em acumulação, figurando entre tais exceções as que o legislador haja previsto ou permitido noutros normativos [al. b)] e, bem assim, as que hajam sido autorizadas pelo Primeiro-Ministro, sob proposta do membro do Governo que detenha poder hierárquico ou tutelar sobre a entidade onde o aposentado vai exercer funções [al. c)].

30. Mais ainda as que consistam na prestação de serviço por parte do aposentado a qualquer entidade pública, atividade essa [intelectual ou manual] feita num quadro de total autonomia e visando proporcionar àquela entidade o efeito ou resultado pela mesma pretendido com a aquisição ou o fornecimento do serviço mediante a contrapartida da retribuição, e sem que houvesse um exercício de funções pelo aposentado num quadro de dependência, de controle, de orientação, de direção e de disciplina relativamente à entidade pública [al. a)].

31. Em todas as situações de acumulação do exercício de funções públicas ou prestação de trabalho remunerado por aposentados estes continuavam, nos termos do art. 79.º do «EA», a receber mensalmente e na sua integralidade a pensão de aposentação, sendo-lhes ainda abonado, por tal acumulação, uma terça parte daquilo que era a remuneração que cabia às funções concretamente exercidas pelos mesmos, salvo se o Primeiro-Ministro, sob proposta do membro do Governo que tivesse o poder hierárquico ou de tutela sobre a entidade onde o aposentado prestasse o seu trabalho, autorizasse um montante superior, que, todavia, nunca poderia ultrapassar aquilo que era o limite remuneratório legal previsto para tal função.

32. Com o DL n.º 179/2005 veio a proceder-se a uma nova alteração ao regime em matéria de incompatibilidades inserto nos arts. 78.º e 79.º do «EA», extraindo-se do respetivo preâmbulo, nomeadamente, por um lado, que «[o] exercício de funções públicas por aposentados ao abrigo do Estatuto da Aposentação justifica-se exclusivamente por razões de interesse público» e que o regime até aí vigente envolvia «uma significativa discricionariedade quer no que se refere à decisão em si mesma quer na definição do valor do abono devido por tal exercício» e, por outro lado, que a situação das contas públicas implicava «a adoção de critérios mais rigorosos em todas as áreas potencialmente geradoras de despesa pública» e de que a existência condigna dos aposentados era «garantida pela atribuição das respetivas pensões», pelo que quando lhes era «excecionalmente autorizado o exercício de funções públicas» de tal situação não deveria «decorrer a possibilidade de cumulações remuneratórias suscetíveis de pôr em causa elementares princípios de equidade».

33. Na concretização das linhas orientadoras explanadas no preâmbulo passou, por um lado, a disciplinar-se no art. 78.º do Estatuto que os aposentados não podiam «exercer funções públicas ou prestar trabalho remunerado, ainda que em regime de contrato de tarefa ou de avença, em quaisquer serviços do Estado, pessoas coletivas públicas ou empresas públicas», salvo quando houvesse lei que o permitisse ou, então, quando o Primeiro-Ministro expressamente o decidisse «por razões de interesse público excecional» [n.º 1] mediante despacho no qual o «interesse público excecional» carecia de ser «devidamente fundamentado, com suficiente grau de concretização, na justificada conveniência em assegurar por essa via as funções que se encontram em causa» [n.º 2], sendo que tal decisão tinha de ser precedida de proposta do membro do Governo com poder de direção, de superintendência, de tutela ou de outra forma de orientação estratégica sobre o serviço, entidade ou empresa onde as funções deveriam ser exercidas ou o trabalho deveria ser prestado [n.º 3], a mesma produzia «efeitos por um ano» salvo se fosse fixado «um prazo superior, em razão da natureza das funções ou do trabalho autorizados» [n.º 5 - ver ainda quanto às autorizações anteriores e existentes à data da vigência do diploma a disciplina inserta no art. 02.º do mesmo DL em termos de reapreciação/renovação] e não poderia ser tomada em relação a quem se encontrasse «na situação prevista no n.º 1 em razão da utilização de mecanismos legais de antecipação de aposentação» ou tivesse sido «aposentado compulsivamente» [n.º 4].

34. E, por outro lado, em sede de cumulação de remunerações passou a disciplinar-se no art. 79.º que «[q]uando aos aposentados e reservistas, ou equiparados, seja permitido, nos termos do artigo anterior, exercer funções públicas ou prestar trabalho remunerado, é-lhes mantida a respetiva pensão ou remuneração na reserva, sendo-lhes, nesse caso, abonada uma terça parte da remuneração base que competir àquelas funções ou trabalho, ou, quando lhes seja mais favorável, mantida esta remuneração, acrescida de uma terça parte da pensão ou remuneração na reserva que lhes seja devida» [n.º 1], sendo que as «condições de cumulação referidas no número anterior são fixadas pela decisão prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo anterior» [n.º 2].

35. Temos, assim, que com o DL n.º 179/2005, e até à data do início de vigência do DL n.º 137/2010, procedeu-se à eliminação do elenco das exceções ao regime regra de incompatibilidade a prestação de serviço por parte do aposentado, já que apenas figuram como situações ressalvadas a existência de lei que o permita ou, então, a existência de despacho autorizativo do Primeiro-Ministro, sendo que tal incompatibilidade quanto ao exercício de funções públicas ou de prestação de trabalho remunerado em quaisquer serviços do Estado, pessoas coletivas públicas ou empresas públicas foi estendida, também, ao exercício em regime de contrato de tarefa ou de avença nos mesmos entes, para além de que nas situações em que aos aposentados era possível o exercício de funções públicas ou a prestação de trabalho/serviço remunerado era-lhes permitido, em matéria de cumulação de remunerações, ou manter a respetiva pensão a que se adicionava o abono de uma terça parte da remuneração base que competisse àquelas funções ou trabalho, ou, quando lhes fosse mais favorável, manter esta remuneração, acrescida de uma terça parte da pensão.

36. Com o DL n.º 137/2010 [publicado em 28 de dezembro], veio a introduzir-se uma nova alteração ao regime de incompatibilidades constante dos arts. 78.º e 79.º do «EA», o qual passou a vigorar no dia seguinte ao da publicação do diploma [cfr. n.º 1 do art. 10.º daquele DL], podendo ler-se no respetivo preâmbulo, nomeadamente e no que aqui ora releva, que «[n]o quadro de uma política comum adotada na zona euro com vista a devolver a confiança aos mercados financeiros e aos seus agentes e fazer face ao ataque especulativo à moeda única, o Governo Português reafirma o total empenhamento em atingir os compromissos assumidos em matéria de redução do défice orçamental em 2010 e 2011», pelo que «[p]ara o efeito, o Governo decidiu adotar um conjunto de medidas de consolidação orçamental adicionais às previstas no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) para 2010-2013 e às que venham a constar da lei do Orçamento do Estado para 2011 cujos efeitos se pretende que se iniciem ainda no decurso de 2010», representando tais medidas «um esforço adicional no sentido de assegurar o equilíbrio das contas públicas de modo a garantir o regular financiamento da economia e a sustentabilidade das políticas sociais», termos em que «as medidas adotadas concentram-se principalmente na redução da despesa de modo a reforçar e a acelerar a estratégia de consolidação orçamental prevista no PEC 2010-2013» e, assim, através deste diploma «elimina-se a possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação».

37. Daí que, de harmonia com o previsto no nº 1 do art. 06º do DL em referência, passou a estipular-se no art. 78º do «EA» que os aposentados «não podem exercer funções públicas remuneradas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas, exceto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excecional, sejam autorizados pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública» [nº 1], que «[n]ão podem exercer funções públicas nos termos do número anterior: a) Os aposentados que se tenham aposentado com fundamento em incapacidade; b) Os aposentados por força de aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva» [nº 2], sendo que «[c]onsideram-se abrangidos pelo conceito de exercício de funções: a) Todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração; b) Todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços» [nº 3] e que a «decisão de autorização do exercício de funções é precedida de proposta do membro do Governo que tenha o poder de direção, de superintendência, de tutela ou influência dominante sobre o serviço, entidade ou empresa onde as funções devam ser exercidas, e produz efeitos por um ano, exceto se fixar um prazo superior, em razão da natureza das funções» [n.º 4].

38. E no art. 79.º, com a epígrafe de «cumulação de pensão e remuneração», passou a preceituar-se que «[o]s aposentados (…), autorizados a exercer funções públicas não podem cumular o recebimento da pensão com qualquer remuneração correspondente àquelas funções» [nº 1], que «[d]urante o exercício daquelas funções é suspenso o pagamento da pensão ou da remuneração, consoante a opção do aposentado» [nº 2], sendo que «[c]aso seja escolhida a suspensão da pensão, o pagamento da mesma é retomado, sendo esta atualizada nos termos gerais, findo o período da suspensão» [nº 3] e que «[o] início e o termo do exercício de funções públicas são obrigatoriamente comunicados à Caixa Geral de Aposentações, I.P. (CGA, I.P.), pelos serviços, entidades ou empresas a que se refere o nº 1 do artigo 78.º no prazo máximo de 10 dias a contar dos mesmos, para que a CGA, I.P., possa suspender a pensão ou reiniciar o seu pagamento» [nº 4], para além de que «[o] incumprimento pontual do dever de comunicação estabelecido no número anterior constitui o dirigente máximo do serviço, entidade ou empresa, pessoal e solidariamente responsável, juntamente com o aposentado, pelo reembolso à CGA, I.P., das importâncias que esta venha a abonar indevidamente em consequência daquela omissão» [nº 5].

39. De notar que, nos termos do n.º 2 do art. 06.º do mesmo DL, «[o] disposto nos artigos 78.º e 79.º do Decreto-Lei n.º 498/72 (…) tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, gerais ou excecionais, em contrário, sem prejuízo do disposto no número seguinte» e que «[é] ressalvado do disposto no número anterior o regime constante do Decreto-Lei n.º 89/2010, de 21 de julho - [diploma no qual estava contido o regime excecional a que obedecia o exercício de funções públicas ou a prestação de trabalho remunerado por médicos aposentados em serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, independentemente da sua natureza jurídica] -, durante o período da sua vigência, que permite aos sujeitos por ele abrangidos cumular a pensão com uma terça parte da remuneração base que competir às funções exercidas ou, quando lhes seja mais favorável, cumular a remuneração base que competir a tais funções acrescida de uma terça parte da pensão que lhes seja devida» [n.º 3 do mesmo preceito].

40. Importando, ainda, ter em atenção o disciplinado no diploma em matéria de “aplicação da lei no tempo” no seu art. 08.º onde se estipulou que o regime introduzido pelo art. 06.º aplicava-se, por um lado, «aos pedidos de autorização de exercícios de funções públicas por aposentados que sejam apresentados a partir da entrada em vigor do presente decreto-lei» [n.º 1] e, por outro lado, «a partir de 1 de janeiro de 2011 aos aposentados ou beneficiários de pensões em exercício de funções que tenham sido autorizados para o efeito ou que já exerçam funções antes da entrada em vigor do presente decreto-lei» [n.º 2], pelo que «[n]o prazo de 10 dias contados da data referida no número anterior, os aposentados aí referidos comunicam às entidades empregadoras públicas ou à Caixa Geral de Aposentações, I.P. (CGA, I.P.), consoante o caso, se optam pela suspensão do pagamento da remuneração ou da pensão» [n.º 3], sendo que «[c]aso a opção de suspensão de pagamento recaía sobre a remuneração, deve a entidade empregadora pública a quem tenha sido comunicada a opção informar a CGA, I.P., dessa suspensão» [n.º 4] e que «[q]uando se verifiquem situações de cumulação e sem que tenha sido manifestada a opção a que se refere o n.º 3, deve a CGA, I.P., suspender o pagamento do correspondente valor da pensão» [n.º 5].

41. E, também, no que veio a preceituar-se no art. 173.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31.12 [diploma que veio aprovar o Orçamento do Estado para o ano de 2011], em que sob a epígrafe de «extensão do regime de cumulação de funções», se determinou que «[o] regime de cumulação de funções públicas remuneradas previsto nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação (…) é aplicável aos beneficiários de pensões de reforma da segurança social e de pensões pagas por entidades gestoras de fundos de pensões ou planos de pensões de entidades públicas, designadamente de institutos públicos e de entidades pertencentes aos setores empresariais do Estado, regional e local, a quem venha a ser autorizada ou renovada situação de cumulação», e, bem assim, ao estabelecido pelo n.º 2 do art. 10.º da Lei n.º 60-A/2011, de 30.11, onde se estipulou que «[a] alteração ao Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, prevista no artigo 8.º, reporta os seus efeitos a 1 de setembro de 2011».

42. Para além disso através do DL n.º 68/2011, de 14.06, em cujo preâmbulo consta, nomeadamente, que tendo este último diploma fixado uma «nova redação para os seus artigos 78º e 79º, relativos, respetivamente, a “incompatibilidades” e a “cumulação de remunerações”, com vista a eliminar a possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação» e em que a amplitude da «medida ficou, desde logo, consagrada no n.º 2 do seu artigo 6.º, conferindo ao regime natureza imperativa, que prevalece sobre quaisquer outras normas, gerais ou excecionais, em contrário», veio a afirmar-se no seu artigo único, sob a epígrafe de «norma interpretativa do Decreto-Lei n.º 137/2010 …», que «[a]s limitações ao exercício de funções públicas e à cumulação de pensão e remuneração impostas pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 137/2010 (…) não se aplicam aos deficientes militares abrangidos pelos regimes especiais constantes dos Decretos-Leis n.ºs 43/76, de 20 de janeiro, 314/90, de 13 de outubro, e 240/98, de 7 de agosto».

43. Temos, assim, que com as alterações produzidas pelo DL n.º 137/2010 no «EA», em concreto, nos normativos em referência, as quais gozam de natureza imperativa e prevalecem sobre quaisquer outras normas em contrário [sejam elas gerais ou excecionais], e da extensão de tal regime operada pela referida Lei n.º 55-A/2010, os aposentados e os reformados, salvo lei especial que o permita [v.g., quanto aos médicos (através do regime inserto no DL n.º 89/2010), e quanto aos deficientes das Forças Armadas abrangidos pelos DL’s n.ºs 43/76, 314/90 e 240/98 (cfr. DL n.º 68/2011), tendo ainda sido introduzidas ou aditadas posteriormente outras exceções (cfr. arts. 04.º e 05.º da Lei n.º 11/2014, de 06.03)] ou decisão autorizativa da autoria de membro do Governo responsável pelas áreas das finanças e da Administração Pública fundada em razões de “interesse público excecional”, não podem exercer “funções públicas remuneradas” para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas, considerando-se abrangidos pelo conceito de “exercício funções” remuneradas, aludido no n.º 1 do art. 78.º do «EA», todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração, bem como todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços [cfr. n.º 3 do mesmo artigo].

44. E nas situações em que os aposentados/reformados estejam autorizados a exercer tais funções os mesmos, ao invés do que era o regime até aí vigente, passaram, por força do previsto no art. 79.º do «EA», a não poder cumular o recebimento da pensão com qualquer remuneração correspondente àquelas funções, já que durante o exercício destas ficava suspenso, consoante a opção do aposentado/reformado, o pagamento da pensão ou da remuneração, reintroduzindo-se, ainda, a responsabilidade do dirigente máximo do serviço, entidade ou empresa, em termos pessoais e solidários com o aposentado, relativamente ao dever de reembolso à «CGA, IP» das importâncias que esta venha a abonar indevidamente em consequência da omissão do dever de comunicação estabelecido no n.º 4 do referido preceito.

45. Discute-se nos autos, em termos de ilegalidade material, da validade da inclusão e aplicação aos então denominados «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» aposentados/reformados inscritos numa das listas oficiais previstas, nomeadamente, nos arts. 52.º do «CIRE», 02.º e 05.º do «EAI», do regime constante dos arts. 78.º e 79.º do «EA» que foi feita através do ato impugnado, cabendo aferir e determinar, por um lado, se as funções pelos mesmos desempenhadas naquela atividade/qualidade correspondem ou se mostram abrangidas pelo conceito de exercício de “funções públicas remuneradas” previsto no n.º 1 do referido art. 78.º e se são prestados a serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas e, por outro lado, caso tal tenha sido determinado pelo legislador, se o regime normativo instituído se mostra ou não conforme com a nossa Lei Fundamental, nomeadamente, com o direito ao trabalho e à retribuição em articulação também com os princípios da igualdade, da boa fé e confiança, e da proporcionalidade [arts. 02.º, 13.º, 18.º, 47.º, 58.º, 59.º, 63.º, todos da CRP], e, bem assim, com a regra de reserva relativa de competência legislativa [arts. 54.º, 56.º e 165.º, n.º 1, al. b), da CRP].

46. Impõe-se, assim e antes demais, determinar o alcance ou âmbito do conceito de exercício de “funções públicas remuneradas” ali consagrado, para aferir, de seguida, da inclusão ou não da atividade dos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» constantes duma das referidas listas oficiais naquele conceito.

47. Refira-se, desde logo, que a determinação do alcance ou âmbito daquele conceito mereceu já decisão deste Supremo no seu recente Acórdão de 13.12.2017 [Proc. n.º 01456/16 - consultável in: «www.dgsi.pt/jsta» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário], posicionamento esse que aqui se reitera e se irá acompanhar de perto.

48. Assim, a alusão naquele preceito a exercício de “funções públicas” não constitui ou se mostra como um sinónimo de função pública, não se reconduzindo o seu âmbito tão-só àquilo que concetualmente se define, comummente, ou como função pública em sentido estrito, enquanto designando o conjunto de trabalhadores da Administração Pública cujas relações de emprego, de natureza estatutária, se mostram regidas por um regime específico de Direito administrativo, ou ainda a um sentido mais amplo de função pública, abarcando todas as relações/vínculos de emprego estabelecidas entre uma pessoa física com uma pessoa coletiva pública e cuja disciplina jurídica, podendo ser “jus-laboralísticas” ou “jus-administrativistas”, tenha, todavia, na base e enquanto denominador comum, um regime “jus-publicista”.

49. O uso no plural da locução “função pública” aponta, desde logo, no sentido de que ali se visou abarcar não apenas o sentido mais amplo de função pública atrás acabado de referir, ou seja, todo o tipo de exercício de funções no quadro de relações/vínculos de emprego estabelecidos com um empregador público, mas um sentido ainda mais amplo, abrangendo também o exercício de cargos públicos, mormente, daqueles que, fora de subordinação jurídica, exercem cargos diretivos ou são titulares de órgãos administrativos.

50. Mas, por outro lado, por força do previsto no n.º 3 do art. 78.º do «EA» e da enorme amplitude pelo mesmo aportada, mostram-se, ainda, incluídos no conceito de exercício de funções relevantes nesta sede, fazendo operar as incompatibilidades que impendem sobre aposentados e reformados, todos os tipos de atividade e de serviços [independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração], bem como todas as modalidades de contratos [independentemente da respetiva natureza - pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços] com quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas.

51. Não só os contratos de prestação de serviços, nas modalidades, mormente, de contratos de tarefa e de avença, não figuram entre o tipo de vínculos contratuais considerados excluídos do regime das incompatibilidades, como o legislador alargou, enormemente, o leque dos tipos de vínculos geradores de incompatibilidades para aposentados e reformados em termos de exercício de funções remuneradas para entidades ou pessoas coletivas públicas já que, independentemente da duração, regularidade e forma de remuneração, nelas passam a estar incluídos todos os tipos de atividade e de serviços, assim como todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, seja ela pública ou privada, seja ela laboral ou de aquisição de serviços.

52. De notar que, no ativo, os trabalhadores em funções públicas estavam, à data, e estão, ainda hoje, sujeitos uma regra de incompatibilidade com o exercício de outras funções [cfr. art. 26.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27.02 - atualmente art. 20.º da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas («LTFP»), aprovada e publicada como anexo à Lei n.º 35/2014, de 20.06], já que «[a]s funções públicas são, em regra, exercidas em regime de exclusividade», sendo que, à data, o exercício de funções em acumulação com outras funções públicas [cfr. art. 27.º da Lei n.º 12-A/2008] só poderia ocorrer se estas não fossem «remuneradas e haja na acumulação manifesto interesse público» ou quando, sendo remuneradas e existisse manifesto interesse público na acumulação, o exercício de funções em acumulação respeitasse a inerências, a atividades de representação de órgãos ou serviços ou de ministérios, ou se reportasse à participação em comissões ou grupos de trabalho, em conselhos consultivos e em comissões de fiscalização ou outros órgãos colegiais [neste caso para fiscalização ou controlo de dinheiros públicos], ou, então, em atividades de carácter ocasional e temporário que possam ser consideradas complemento da função, ou em atividades docentes ou de investigação [de duração não superior à fixada em despacho dos membros do Governo responsáveis pelas finanças, Administração Pública e educação ou ensino superior e que, sem prejuízo do cumprimento da duração semanal do trabalho, não se sobrepusesse em mais de um terço ao horário inerente à função principal], ou, ainda, na realização de conferências, palestras, ações de formação de curta duração e outras atividades de idêntica natureza.

53. E quanto à acumulação com funções privadas [cfr. art. 28.º da Lei n.º 12-A/2008] a regra era, também, a de que o exercício de funções públicas não poderia ser acumulado com o de funções ou atividades privadas, admitindo-se que a título remunerado ou não, em regime de trabalho autónomo ou subordinado, poderiam ser acumuladas, pelo trabalhador ou por interposta pessoa, funções ou atividades privadas desde que as mesmas não fossem concorrentes ou similares com as funções públicas desempenhadas e que com estas fossem conflituantes [cfr. n.º 2 do preceito e concretização do n.º 3], e que as mesmas não fossem legalmente consideradas como incompatíveis com as funções públicas, ou desenvolvidas em horário sobreposto, ainda que parcialmente, ao das funções públicas, ou que não comprometessem a isenção e a imparcialidade exigidas pelo desempenho das funções públicas, nem provocassem algum prejuízo para o interesse público ou para os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos [cfr. n.º 4 do mesmo preceito].

54. De notar, ainda, que, nos termos do art. 29.º daquele diploma, a acumulação de funções [públicas ou privadas] estava também ela dependente de autorização conferida pela entidade dotada de competência para o efeito.

55. Sendo aquele o quadro das incompatibilidades para aposentados e reformados que neste âmbito se mostrava definido importa, pois, caracterizar a natureza e tipo de atividade que é exercida pelos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» aposentados/reformados inscritos numa das listas oficiais previstas, nomeadamente, nos arts. 52.º do «CIRE», 02.º e 05.º do «EAI» [cfr., nomeadamente, os arts. 01.º, 02.º, 03.º, 04.º, 05.º, 06.º, 07.º, 08.º, 09.º, 12.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º a 24.º, 26.º e 27.º, todos do referido «EAI» em articulação com previsto, mormente, nos arts. 32.º e 33.º (relativos aos administradores judiciais provisórios), 36.º, 52.º e 54.º (sua nomeação pela sentença de declaração de insolvência e início de funções), 55.º (funções e seu exercício), 58.º e 60.º, 59.º, 56.º (sua fiscalização, responsabilidade e destituição), 57.º (registo e publicidade das funções em que são investidos), 60.º (sua remuneração), 61.º a 65.º e 79.º (deveres de informação e de prestação de contas, os poderes/intervenção em sede de assembleia de credores, sua convocação e reclamação de deliberações nela tomadas (arts. 72.º, 75.º, 78.º), de efeitos da insolvência sobre o devedor e outras pessoas (arts. 81.º e segs.) e sobre os negócios em curso (arts. 102.º e segs.), de verificação dos créditos e restituição e separação de bens (arts. 128.º segs.), de administração e liquidação da massa insolvente, incluindo sua apreensão (arts. 149.º e segs.), de pagamentos aos credores (arts. 172.º e segs.), de qualificação da insolvência (arts. 185.º e segs.), de plano de insolvência (arts. 192.º e segs.), de administração pelo devedor quando na massa insolvente esteja compreendida uma empresa (arts. 223.º e segs.), de encerramento do processo (arts. 230.º e segs.), todos do «CIRE»], presente que tais listas, enquanto atos de certificação, visam operar o reconhecimento, validação e habilitação/acreditação por parte dos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» que nelas figuram para o desempenho das competências e funções definidas no aludido diploma, e sendo que tais funções, salvo as situações excecionadas no art. 53.º do «CIRE», só podem ser exercidas por «administrador de insolvência»/«administrador judicial» que integrem aquelas listas oficiais [cfr. arts. 02.º do «EAI», 32.º e 52.º do «CIRE»], cientes de que o facto de serem aposentados ou reformados e possuírem mais de 70 anos de idade isso não os impede de serem inscritos na lista [cfr. al. e), do n.º 1 do art. 07.º do «EAI»], nem os conduz à sua necessária e automática exclusão daquelas listas, visto a exclusão apenas decorrerá do facto de o «administrador de insolvência»/«administrador judicial» que tenha completado 70 anos de idade não haver feito prova, através de atestado médico, de que possui aptidão física para o exercício de funções [cfr. arts. 12.º, 15.º, 16.º, n.ºs 5 e 6, e 18.º, do «EAI»].

56. Estes «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» constantes das referidas listas oficiais exercem, nos processos de revitalização e de insolvência para os quais são nomeados e presente todo o quadro normativo atrás apontado, funções de representação judicial e extrajudicial em vários domínios e níveis, de controlo, de coerção e de apreensão, de coadjuvação e auxiliar do juiz, de fiscalização, de gestão, liquidação e pagamento da massa, elaborando, produzindo e participando a vários títulos e em vários atos e diligências.

57. Da análise do regime normativo disciplinador das condições de exercício de funções de «administrador de insolvência»/«administrador judicial» constantes do referido «EAI» [cfr. nomeadamente, seus arts. 01.º, 02.º, 03.º, 04.º, 05.º, 06.º, 07.º, 08.º, 09.º, 12.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º a 24.º, 26.º e 27.º] na sua articulação com o «CIRE» e com aquilo que, à data, eram [cfr., mormente, arts. 01.º, 08.º, 09.º, 10.º, 11.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º e 24.º, todos da Lei n.º 12-A/2008] e, atualmente, são [cfr., nomeadamente, os arts. 06.º, 07.º, 08.º, 09.º, 10.º, 25.º, 33.º, 40.º, 41.º, 56.º, e 68.º da «LTFP»], as regras definidoras dos regimes de vinculação dos trabalhadores que exercem funções públicas, não resulta que, da inclusão numa das listas oficiais como «administrador de insolvência»/«administrador judicial», à data, após concurso, prestação de provas e graduação final [hoje, ainda, mediante formação inicial e estágio - cfr. arts. 03.º a 10.º da Lei n.º 22/2013 e DL n.º 134/2013], derivasse ou derive para aquele a constituição de um qualquer vínculo de trabalho subordinado de natureza administrativa, de algum vínculo de emprego público, porquanto, presente o próprio princípio da tipicidade dos vínculos jurídicos constitutivos das relações de emprego na Administração Pública, aquele ato nomeação não figura entre o leque dos atos jurídicos que, legalmente, conferiam tal vínculo [nomeação, comissão de serviço, ou contrato de trabalho em funções públicas], nem a relação que por efeito dele se estabelece envolve uma qualquer relação jurídica ou estatuto funcional de emprego público.

58. É que inexiste, in casu, uma atividade de prestação de trabalho subordinado, uma relação de dependência desenvolvida no quadro ou integrada numa estrutura organizacional e sujeita a uma direção e autoridade disciplinar, na certeza de que da celebração de contrato de prestação de serviços, mormente, nas modalidades de avença e de tarefa, não envolvendo uma situação de subordinação ou de dependência jurídica, não deriva também dela a constituição de um vínculo de emprego público [cfr., atualmente, o disposto no art. 10.º, n.ºs 3 e 4, da «LTFP»].

59. E de tal inclusão como «administrador de insolvência»/«administrador judicial» numa dessas listas oficiais não resulta, de igual modo, a constituição de uma qualquer relação contratual laboral de natureza privatística, sujeita e disciplinada pelo Direito de trabalho [cfr., nomeadamente, para além do quadro normativo atrás convocado relativo ao «EAI», ainda os arts. 11.º e 139.º e segs., do Código de Trabalho/2009], já que inexiste, também aqui, uma prestação de trabalho subordinado no quadro de um contrato individual de trabalho que haja sido celebrado, com sujeição ou conformação, quanto ao modo como tal prestação se deve realizar, à autoridade e direção do empregador, à autotutela laboral disciplinar deste.

60. Aliás, o regime legal estatutário dos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» expressamente dispõe no n.º 6 do art. 05.º que «[a] inscrição nas listas oficiais não investe os inscritos na qualidade de agente nem garante o pagamento de qualquer remuneração fixa por parte do Estado».

61. Presente o quadro normativo posto em referência temos, assim, que o exercício de funções como «administrador de insolvência»/«administrador judicial» integrante duma das listas oficiais no âmbito dos processos judiciais de revitalização e de insolvência disciplinados no «CIRE» corresponderá ao exercício de uma tarefa que reveste de manifesto interesse público, já que corresponde ao exercício, em múltiplos planos, de funções variadas no quadro de processos de revitalização ou de insolvência [esta enquanto execução universal tendo por finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência – cfr. art. 01.º do «CIRE»] por sujeito privado, por um particular, de um determinado serviço por tempo indeterminado e sem limite máximo de processos [cfr. n.º 1 do art. 03.º do «EAI»] e não conferidor de qualquer vínculo de subordinação [cfr., nomeadamente, n.º 6 do art. 05.º do mesmo Estatuto], para que foi investido, em decorrência do mesmo mostrar-se dotado de especiais conhecimentos e qualidades que o habilitam à realização daquele serviço, por ato procedimental ou processual [de nomeação ou de indicação].

62. Com efeito, não envolvendo a constituição de um qualquer vínculo de subordinação jurídica e hierárquica no quadro de relação de emprego [público ou privado], deverá entender-se como um exercício por conta própria, enquanto sujeito privado/particular, de funções no quadro de uma prestação dum serviço, que se estabelece, em termos ocasionais, através de atos de indicação e de nomeação proferido pelo juiz do processo [cfr., arts. 32.º, 36.º, e 52.º do «CIRE»], sem qualquer regularidade, e que está sujeita a regime privado de responsabilidade civil pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem definido pelo art. 59.º do «CIRE».

63. E pela prestação ou exercício daquelas funções, realizadas mediante sucessivas intervenções judiciais e extrajudiciais, orais e escritas, nas várias fases e momentos de cada processo de insolvência, é devida remuneração variável, fixada de modo diverso e por diferentes sujeitos em função também dos múltiplos tipos de situações do insolvente e da sua massa e da complexidade do processo, bem como são reembolsadas as despesas necessárias ao cumprimento das mesmas funções [cfr. arts. 19.º a 24.º, 26.º e 27.º do «EAI», 32.º, n.º 3, 53.º, n.º 1, 55.º, n.º 7, 60.º, 155.º, n.º 1, al. d), e 220.º, n.º 5, todos do «CIRE», 16.º, n.º 1, als. h) e i), 17.º, 25.º, n.º 2, al. c), e 26.º, todos do «RCP»].

64. Tal atividade e exercício de funções no âmbito de processo judicial corresponde ao «desempenho de uma função jurisdicional por particulares», de auxiliares dos tribunais na realização da justiça já que «a esses particulares não está de facto entregue um poder decisório, mas apenas o encargo de coadjuvar ou auxiliar as autoridades judiciais o exercício da sua função», sendo que «[e]mbora conexas com o exercício da função jurisdicional, as tarefas dos auxiliares ou colaboradores não são jurisdicionais» [cfr. Pedro Costa Gonçalves in: “Entidades privadas com poderes públicos”, págs. 560/561, 578 e segs.].

65. Assim, no contexto de tudo o atrás exposto afigura-se-nos como dado adquirido o de que a atividade dos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» constantes de uma das listas oficiais, exercendo essas funções no âmbito de processos de revitalização e de insolvência, não corresponde ao exercício de um qualquer cargo público, nem envolve a constituição de um qualquer vínculo subordinado de emprego [público/privado] que os faça integrar num qualquer conceito de função pública nalgum dos sentidos a que supra se fez referência.

66. Como já anteriormente referido o conceito de exercício de “funções públicas remuneradas”, ou melhor, aquilo que se entendeu ou considerou como devendo ter-se nele incluído em termos de definição do estatuto de aposentados e de reformados ao nível do regime de incompatibilidades e de cumulação de pensão e remuneração inserto nos arts. 78.º e 79.º do «EA», sofreu um inequívoco alargamento com a alteração operada pelo DL n.º 137/2010, face à amplitude de situações jurídicas e/ou de tipos de atividades, serviços e contratos tidos por abrangidos, amplitude essa que certamente esteve na origem, ou não é alheia, àquilo que é, hoje e após 2014 com a alteração operada nos citados preceitos pela Lei n.º 75-A/2014, de 30.09, a própria terminologia legal empregue com apelo à expressão de “atividade profissional remunerada”.

67. Com efeito, para a exclusão do seu âmbito não basta a demonstração de que a atividade concretamente desenvolvida por aposentado ou reformado não corresponda a exercício de funções públicas remuneradas no quadro de vínculo de emprego [público/privado num qualquer serviço da administração central, regional e autárquica, numa qualquer empresa pública, entidade pública empresarial ou que integre o setor empresarial regional e municipal, ou ainda numa qualquer outras pessoa coletiva pública], ou que, fora de uma situação de subordinação jurídica, a mesma atividade não represente o exercício de um cargo público [no caso, não se trata de cargo diretivo ou de titularidade de órgão administrativo].

68. É que, face à vasta amplitude de atividades, serviços e vínculos abrangidos no conceito de exercício de funções geradoras de incompatibilidades para aposentados e reformados tal como o mesmo se mostra definido pelo n.º 3 do art. 78.º do «EA», impunha-se que as concretas funções desempenhadas por aposentados e reformados, enquanto «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» inscritos numa das listas oficiais, não se integrassem no aludido conceito.

69. E, na verdade, (…) elas não se integram.

70. Temos, desde logo, que, na atividade que tais «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» desempenham, os mesmos não desenvolvem a sua função no âmbito ou enquanto sujeitos integrados em qualquer dos sujeitos ou entes previstos no n.º 1 do art. 78.º do «EA» ou que os mesmos prestem um qualquer serviço que, concretamente, os beneficie ou se destine aos mesmos na prossecução das suas atribuições e funções, pois, inexiste no caso uma prestação de função para qualquer daqueles sujeitos ou entes.

71. É que aqueles são nomeados pelo juiz do processo, dispõem de independência funcional, já que designados de entre uma lista oficial de cidadãos sujeitos a inibição e impedimentos vários, sendo-lhes exigida a emissão e prática de vários atos e diligências que nada têm que ver com o exercício de uma função para um concreto serviço dos identificados no n.º 1 do art. 78.º do «EA» e que exigem dos mesmos a detenção de especiais e elevados conhecimentos técnicos e garantias de idoneidade [cfr., nomeadamente, arts. 06.º a 11.º do «EAI»].

72. Trata-se, assim, de exercício de funções de grande responsabilidade, corporizando uma atividade funcionalizada à realização de vários interesses, mormente públicos, prosseguidos nos processos de revitalização e de insolvência nas suas várias fases, confirmada pelos referidos requisitos habilitacionais e garantias de imparcialidade e de idoneidade não só para a sua seleção e inclusão numa das listas oficiais, mas, também, para o exercício de funções.

73. Assim, ainda que a atividade de «administrador de insolvência»/«administrador judicial» se mostre desenvolvida por particulares e seja feita no quadro de tarefa ou incumbência que é também pública, já que finalizada ou revertível à prossecução de interesses gerais da coletividade, temos, todavia, que tal atividade não resulta integrada na previsão do n.º 1 do art. 78.º do «EA», porquanto não estamos em face do exercício de uma função remunerada para algum dos sujeitos ou entes elencados no preceito e no desenvolvimento, quadro e funções por estes prosseguidas.

74. É que, se à luz do n.º 3 do art. 78.º do «EA» se mostram irrelevantes a duração, regularidade e forma de remuneração da atividade e serviço ou a natureza pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços do concreto vínculo contratual, temos que aquela atividade ou serviço desenvolvido pelos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» terá de se integrar ou de aproveitar/beneficiar os entes/sujeitos públicos previstos no n.º 1 citado preceito, naquilo que sejam as concretas atribuições e funções pelas mesmas prosseguidas ou desenvolvidas.

75. Inexistindo uma tal integração ou aproveitamento/benefício não poderemos falar num exercício de funções para qualquer daqueles entes/sujeitos públicos, mas, no fundo, para o assegurar nos processos de revitalização e de insolvência da promoção ou realização da função jurisdicional efetuada através dos tribunais, na certeza de que todo o regime de disciplina da exigência e pressupostos da autorização a conferir pelo membro de governo responsável pelas áreas das finanças e da Administração Pública [cfr. arts. 78.º, n.ºs 1, 4, 6 e 7, e 79.º, do «EA»], enquanto exceção à regra da incompatibilidade, revela-se como dificilmente conciliável, até como mesmo oposto, face àquilo que é a função das listas oficiais e, bem assim, àquilo constituem as competências e o regime insertos no «CIRE» quanto à indicação e à nomeação dos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» para o exercício das funções de que são investidos no âmbito daqueles processos judiciais, mormente, daquilo que são as competências de juízes e de outros atores e intervenientes no quadro dos referidos processos, tal como também ao próprio regime de incompatibilidades, de impedimentos, de suspeição e de idoneidade, da sua arguição e declaração constantes do «EAI» e na sua articulação com o «CIRE».

76. Mas, para além disso, exigia-se ainda para o preenchimento da previsão da incompatibilidade de funções por parte de aposentado/reformado que as mesmas sejam remuneradas, sendo que tal remuneração de funções carece de ser feita com dinheiros públicos para que opere uma tal incompatibilidade no estatuto daquele.

77. No contexto do regime normativo em referência e dos fins pelo mesmo prosseguidos, ou dos interesses que com o mesmo se visam promover ou acautelar, apenas faz sentido o estabelecimento duma tal incompatibilidade quando a remuneração das funções exercidas seja feita com recurso a dinheiros públicos, já que do que falamos, ou o que está em causa, prende-se com realização de despesa pública, com o dispêndio de dinheiros provenientes de orçamentos públicos nos pagamentos de pensões/reformas a aposentados/reformados e das funções/tarefas ou atividades pelos mesmos desenvolvidas em acumulação para sujeitos ou entidades públicas.

78. Foi essa, aliás e como vimos supra, a motivação alegada pelo legislador no preâmbulo do aludido DL n.º 137/2010 justificadora da alteração do regime legal do «EA» nesta matéria, ou seja, a eliminação da possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação norteada pelas necessidades de redução da despesa pública e do reforço/aceleração da estratégia de consolidação orçamental.

79. Ora as funções dos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» atrás explicitadas constituem atividade/serviço remunerado tal como se extrai do cotejo e da análise do regime inserto nos arts. 60.º do «CIRE», 19.º a 24.º, 26.º e 27.º do «EAI» em articulação com a Portaria n.º 51/2005, de 20.01, 16.º, n.º 1, als. h) e i), 17.º, 25.º, n.º 2, al. c), e 26.º, todos do «RCP».

80. Da análise deste regime ressalta que a remuneração dos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» inscritos numa das listas oficiais no quadro dos processos de revitalização e insolvência e ainda as despesas pelos mesmos havidas para a realização da sua atividade não se pode concluir como claro e inequívoco que venham ou tenham de ser suportados em termos finais com recurso a dinheiros públicos.

81. Se na sequência do atrás referido não se poderá, com propriedade, afirmar que estamos perante uma remuneração devida por uma atividade ou um serviço prestado a um ente ou sujeito previsto no art. 78.º, n.º 1, do «EA» já que nos movemos num quadro de atividade ou exercício de funções ou serviço prestado à e na realização da função jurisdicional, temos também que a remuneração e despesas havidas não terão de ser suportados necessariamente por dinheiros públicos.

82. Desde logo, existem diferenças nos regimes remuneratórios dos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais», nomeadamente, quanto à sua estrutura, composição, e momento, em função de serem nomeados por juiz ou nomeados pela assembleia de credores ou a massa insolvente compreender a gestão de estabelecimento [cfr. arts. 20.º, 21.º e 22.º do «EAI» em articulação com a Portaria n.º 51/2005], sendo diverso o regime de remuneração da elaboração do plano de insolvência [cfr. art. 23.º do «EAI»] e do administrador judicial provisório [cfr. art. 24.º do «EAI»].

83. Depois, nos termos do previsto nos n.ºs 1 e 4 do art. 26.º do «EAI», a remuneração do «administrador da insolvência»/«administrador judicial» e a remuneração pela gestão, e, bem assim, o reembolso das despesas são suportados pela massa insolvente tanto mais que as mesmas são dívidas da massa insolvente [cfr. al. b) do n.º 1 do art. 51.º do «CIRE»], sendo que tal remuneração e as provisões das despesas são adiantadas também pela mesma massa [cfr. n.ºs 5 e 6 do mesmo preceito], e os credores podem, igualmente, assumir o encargo de adiantamento daquela remuneração ou das respetivas despesas, adiantamento esse a ser reembolsado depois pela referida massa [cfr. n.ºs 9 a 11 do citado preceito].

84. Deste regime regra ressalvam-se apenas as situações de insuficiência da massa insolvente e de encerramento por insuficiência da massa insolvente [cfr. arts. 39.º e 232.º do «CIRE» e 27.º do «EAI»] em que a remuneração e reembolso de despesas é suportado pelo IGFEJ.

85. Por outro lado, os custos havidos com adiantamentos de remunerações daqueles administradores e das despesas por estes realizadas no exercício das suas funções no âmbito dos processos de revitalização e de insolvência constituem despesas e encargos e, como tal, depois entram em regra de custas, como encargos a imputar na conta de custas, para serem pagos pela massa insolvente dado se tratarem de suas dívidas [cfr. arts. 527.º, 529.º, 532.º, 533.º, todos do CPC, 24.º, 25.º, 26.º, 29.º e 30.º do «RCP», 32.º, n.º 3, 51.º, 248.º e 304.º do «CIRE»].

86. Daí que não possamos afirmar que as despesas destinadas ao pagamento dos custos havidos com o exercício de funções pelos «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» seja feita sempre e necessariamente com dinheiros públicos, não podendo o Estado, através do IGFEJ, deixar de liquidar a remuneração e despesas devidos a tais administradores quando aposentados/reformados, ao arrepio de todo o regime de custas, regime este que nem contém normas que possam contender com o que se disciplina no «EA».

87. Mas também aqui o regime previsto nos arts. 78.º e 79.º do «EA» quadra mal com aquilo que constitui o regime próprio disciplinador do exercício de funções dos referidos administradores abrangidos pelo «EAI» e «CIRE», porquanto tal implicaria que a autoridade judiciária pudesse ou tivesse competência para “excluir” das listas oficiais de «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» os aposentados/reformados designando para o efeito apenas os administradores ainda no ativo.

88. Nessa medida, em consonância com tudo o atrás exposto, os «administradores de insolvência»/«administradores judiciais» integrantes de uma das listas oficiais previstas no «EAI» e «CIRE» para o exercício de tais funções no âmbito dos processos de revitalização e insolvência disciplinados pelo «CIRE» não estão abrangidos pelo regime incompatibilidade definido nos arts. 78.º e 79.º do «EA», padecendo o ato impugnado, já que prolatado em infração do disposto nos referidos artigos na sua articulação com o demais quadro normativo convocado, de ilegalidade geradora de mera anulabilidade [cfr. art. 135.º do CPA].

Atento o supra transcrito, com o qual concordamos e aderimos na íntegra, dispensando-nos de outros considerandos, por desnecessários, impõe-se negar provimento ao recurso interposto pela recorrente CGA.


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3. DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2019. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) - António Bento São Pedro – José Augusto Araújo Veloso.