Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:017/18
Data do Acordão:07/05/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:INCUMPRIMENTO DE CONTRATO
INCENTIVOS FINANCEIROS
RESOLUÇÃO DE CONTRATO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23501
Nº do Documento:SA120180705017
Data de Entrada:02/19/2018
Recorrente:B... E OUTRA
Recorrido 1:INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

A…………. e B……….., devidamente identificadas nos autos, interpuseram, autonomamente, recurso de revista do aresto do TCA-Norte, datado de 07.07.17, que confirmou a decisão do TAF do Porto que julgou improcedentes as acções por elas deduzidas, e depois apensadas, onde as autoras impugnaram o acto do INSTITUTO DE EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P. (IEFP) que, no contexto do contrato de incentivos, converteu o “apoio não reembolsável em reembolsável” e decidiu a “resolução do contrato de concessão de incentivos por incumprimento injustificado e o reembolso imediato das verbas concedidas”.


*

A…………. alegou, apresentado as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:

«1ª. À luz do disposto no nº 1 do art. 150º do CPTA, afigura-se admissível o presente recurso de revista, porquanto não só estão em causa a apreciação de questões que, pela sua relevância jurídica e social, se revestem de importância fundamental, como, por outro lado, a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

2ª. Desde logo, porque nos presentes autos se discute a reposição de dinheiros comunitários que se consideram indevidamente recebidos, se escrutina a actuação de uma entidade pública e dos Tribunais que se considera lesiva de direitos fundamentais dos administrados e das partes num processo judicial com consagração na legislação ordinária e constitucional (violação do direito de participação, do direito à notificação das decisões administrativas, omissão de pronúncia) e se suscitam ilegalidades e inconstitucionalidades de algumas normas do contrato de concessão de incentivos celebrado com a sociedade C……….. e bem assim da Portaria nº 196-A/01, de 10.3 – cfr., art. 8º, 66º e 100º do CPA, arts. 20º, 267º, 5 e 268º, nº 3 da CRP;

3ª. Sendo que o Acórdão recorrido traduz-se numa flagrante injustiça e numa violação patente de normas procedimentais e de princípios fundamentais do Estado de Direito e revela erros ostensivos, designadamente, desconsidera em absoluto o facto de o procedimento administrativo ter corrido à margem da sociedade “C………..” e de a decisão final nele proferida não lhe ter sido notificada, para lá de omitir o conhecimento de questões que lhe foram colocadas e de adoptar entendimentos que vão ao arrepio da prática jurisprudencial mais enraizada;

4ª. Saliente-se que as questões suscitadas nos presentes autos não têm uma aplicação circunscrita à hipótese particular neles em equação mas, ao invés, têm um alcance geral, susceptíveis, pois, de serem aplicadas de um modo geral e repetido (vd., por exemplo, a necessidade de a entidade que outorga o contrato de incentivos e que os recebe participar no procedimento e ser notificada da decisão final).

5ª. Na douta sentença recorrida, o Tribunal a quo não se pronunciou, como data vénia lhe cumpria, sobre as questões deduzidas pela Recorrente elencadas em 3 supra e que aqui se transcrevem:

  • Que a douta sentença de 1ª instância assentava em fundamentação contraditória – a um tempo, nela se considerava que o contrato de concessão de incentivos foi celebrado entre o IEFP e a sociedade C………… e, a outro tempo, considerava-se que o contrato foi celebrado entre o IEFP e as recorrentes em nome próprio - o que, revelando alguma ambiguidade, tornavam ininteligível a decisão proferida e convocava a sua nulidade (cfr., art. 615º, nº 1, al. c) do Cód. Proc. Civil) – vd., Conclusão 5ª e
  • Que quando se entendesse que o nº 2 da cláusula 10ª do contrato convencionava uma responsabilidade solidária das recorrentes pelo cumprimento das obrigações da sociedade, era o mesmo ilegal por violar o regime legal constante do DL nº 132/99 e da Portaria nº 196-A/01, e, como tal, deverá ser desaplicada – vd., Conclusões 21ª e 22ª.
  • Que, sempre e em todo o caso, como daquela cláusula não se retirava qual o âmbito da responsabilidade solidária das recorrentes pois nela não são indicadas e identificadas as concretas e específicas obrigações da sociedade pelas quais poderiam ser chamadas a responder, é a mesma, em face da sua indeterminabilidade, nula (cfr., art. 280º, nº 1 do Cód. Civil) – vd., Conclusão 22ª;
  • Que a sociedade C………… não tinha sido, até à data, notificada de qualquer declaração resolutória do Contrato, nem da decisão administrativa que determinou a devolução das quantias, do que se seguia a sua ineficácia (cfr., art. 436º do Cód. Civil e, 268º, nº 3 da CRP, art. art. 55º e 66º do CPA), nem tinha sido notificada para exercer o direito de audição previsto nos arts. 8º e 100º do CPA, o que acarretava a invalidade insuprível da decisão proferida (cfr., art. 8º, 100º, 133º, nº 1, e nº 2, al. d) do CPA e art. 267º, nº 5 da CRP) – vd., conclusões 25ª, 26ª, 27ª, 28ª e 29ª;
  • Que a decisão administrativa impugnada não foi, até á data, notificada à recorrente – vd. Conclusão 31ª;
  • Que o art. 25º, nº 3 da Portaria nº 196-A/01 (e o art. 13º, nº 3 do Contrato) não respeita o princípio geral estabelecido no art. 22º, nº 4 do DL nº 132/99, de 21.4, diploma que consagra os princípios gerais de enquadramento da política de emprego os quais a Portaria em causa visava regulamentar e concretizar e, como tal, são ilegais e deverão ser desaplicadas –vd., Conclusões 33ª, 34ª e 35ª;
  • Que o disposto no art. 25º, nº 3 da Portaria nº 196-A/01 de 10.3, que consagra a obrigação de o beneficiário devolver todas as quantias recebidas, decretada que seja a resolução do contrato na sequência de um incumprimento injustificado, sem, por um lado, atender às concretas condições em que se verificou esse incumprimento e, por outro lado, desconsiderando o eventual cumprimento parcial do contrato que se tenha verificado, traduz uma violação do princípio constitucional da proporcionalidade estabelecido nos arts. 2º, 18º, nº 2 e, 266º, nº 1 e nº 2 da CRP – vd., Conclusão 36ª;
  • Que a decisão administrativa ao determinar a devolução da totalidade das quantias recebidas pela sociedade sem levar em linha de conta o facto de a sociedade ter criado e mantido os 5 postos a que se vinculou, fez uma interpretação inconstitucional do art. 22º, nº 4, do DL nº 132/99, de 21.4 e do art. 25º, nº 3 da Portaria nº 196-A/01, de 10.3 por violadora do princípio constitucional da proporcionalidade consagrado nos arts. 2º, 18º, nº 2 e, 266º, nº 1 e nº 2 da CRP – vd., Conclusão 37ª;

6ª. Como tal, o Acórdão recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia e, por isso, é nulo – cfr., arts. 615º, nº 1, al. d) e, 608º, nº 2, todos do Cód. Proc. Civil;

7ª. A conclusão 1ª das alegações do recurso interposto para o TCA Norte do Acórdão proferido em 1ª instância cumpre o disposto no art. 639º, nº 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, uma vez que por ela e através dela, ficou identificada e balizada a questão submetida àquele Tribunal, qual seja a da existência de omissão de pronúncia pelo Tribunal de 1ª instância em relação às questões elencadas no ponto 2 daquelas alegações;

8ª. Sempre e em todo o caso, considerando o Tribunal a quo que as conclusões eram deficientes, estava constituído no dever de convidar a recorrente a corrigi-las, sob pena de se verificar uma nulidade processual, que aqui se deixa invocada – cfr., art. 195º, nº 1, 639º, nº 3 do Cód. Proc. Civil.

9ª. No ponto 2 das alegações de recurso interposto do Acórdão do TAF Porto, a recorrente de modo suficiente, preciso e concreto as diferentes questões que, considerou que não foram apreciadas e enfrentadas na decisão proferida em 1ª instância e em relação às quais considerava existir omissão de pronúncia;

10ª. Retirando-se daquele ponto 2 das alegações de recurso, sem margem para dissídios, que a recorrente considerou que o Tribunal de 1ª instância não tinha apreciado determinadas questões por si suscitadas no âmbito da acção interposta, a saber:

  • A falta de notificação à sociedade C…………, Lda., entidade que celebrou o Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros a decisão administrativa impugnada;
  • A transmissão do contrato de concessão de incentivos das recorrentes para a sociedade C………..;
  • A falta de resolução pelo IEFP daquele contrato de concessão de incentivos;
  • A obrigação do IEFP, verificado o incumprimento daquele contrato e antes de promover a sua resolução – quando se admita que isso sucedeu -, fixar um prazo para a regularização da situação de incumprimento;
  • A falta de notificação à reclamante da decisão administrativa impugnada;
  • Que a decisão administrativa não foi notificada à A., apenas tendo-lhe sido remetido um resumo da mesma;
  • A ilegalidade e desaplicação do art. 25º, nº 3 da Portaria nº 196-A/2001, de 10.3 e, do nº 3 da cláusula 13ª do Contrato, por não prever, designadamente, a possibilidade de a parte ser obrigada apenas a uma restituição parcial
  • A inconstitucionalidade do art. 25º, nº 3 da Portaria nº 196-A/01, de 10.3 inconstitucional por violar os arts. 2º, 18º, nº 2 e 266º, nº 1 e nº 2 da CRP;
  • A inconstitucionalidade da interpretação sufragada na decisão administrativa do art. 22º, nº 4 do DL nº 132/99, de 21.4 e, do art. 25º, nº 3 da Portaria nº 196-A/01, de 10.3 por violarem o princípio constitucional da proporcionalidade consagrado nos arts. 2º, 18º, nº 2 e, 266º, nºs 1 e nº 2 da CRP.

11ª. Sendo que a referência à petição inicial constante do início do ponto 2 daquelas alegações de recurso mais não visou do que identificar a peça processual onde as questões em causa (específica e concretamente identificadas) tinham sido suscitadas, não constituindo, pois, qualquer remissão em bloco para aquela peça processual;

12ª. Está provado nos presentes autos:

  • que o Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros, a que se refere o ponto 3 da matéria de facto dada como provada, foi celebrado em 29 de Novembro de 2006 entre o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e a sociedade C………….., Lda., pessoa colectiva nº …………, com sede na Rua …….., nº ….., sala ….. – cfr., doc nº 1 junto com a petição inicial, fls. 111 e seguintes do PA;
  • que foi a sociedade C…………. que recebeu e fez seu o apoio financeiro atribuído nos termos daquele Contrato – vd., doc. nº 3 junto com a petição inicial e fls. … do PA;
  • que as notificações para o exercício do direito de audição foram feitas na pessoa da recorrente e da Sra. D. B………… nos respectivos domicílios – que não eram a sede da sociedade -, enquanto pessoas individuais e não nas vestes de representantes legais da sociedade C……….. – vd., 8. dos factos dados como provados, fls. 215 e ss do PA e 8 da contestação;
  • Que as notificações da decisão administrativa foram feitas na pessoa da recorrente e da Sra. D. B…………, nos respectivos domicílios – que não eram a sede da sociedade -, enquanto pessoas individuais e não nas vestes de representantes legais da sociedade C……….. – vd., 11. dos factos dados como provados e 11 da contestação;

13ª. Em face do exposto, a sociedade C……….., como parte outorgante do contrato de incentivos ao abrigo do qual lhe foi atribuído uma determinada verba e ao abrigo do qual lhe foram carregadas determinadas obrigações, carecia de ter sido ouvida no âmbito do procedimento que conduziu à (suposta) resolução do contrato com ela celebrado;

14ª. Como carecia de lhe ter sido notificada a decisão final proferida no âmbito daquele procedimento, mais a mais que era ela – sociedade C………… – quem estava, em primeira linha, constituída na obrigação de devolver as quantias reclamadas pelo IEFP.

15ª. A sociedade C……….. não foi notificada para exercer o direito de audição previsto nos arts. 8º e 100º do CPA, o que acarreta a invalidade insuprível da decisão proferida – cfr., art. 8º, 100º, 133º, nº 1, e nº 2, al. d) do CPA e art. 267º, nº 5 da CRP.

16ª. A sociedade C………… não foi, até à presente data, notificada de qualquer declaração resolutória do Contrato de concessão de incentivos que celebrou com o IEFP, nem da decisão administrativa que determinou a devolução das quantias reclamadas à recorrente, pelo que é mesma ineficaz e inoponível a quem quer que seja – cfr., art. 436º do Cód. Civil e 268º, nº 3, da CRP, art. art. 55º e 66º do CPA.

17ª. A personalidade jurídica consiste na possibilidade de ser sujeito de relações jurídicas, ou seja, de direitos e obrigações, sendo que as sociedades comerciais adquirem personalidade jurídica com o registo definitivo dos respectivos actos constitutivos (art. 5º do CSC); por seu turno, a personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte e quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária – cfr., art. 5º, nº 1 e nº 2 do CPC.

18ª. A recorrente e a Sra. D. B………… não subscreveram, nem pretenderam subscrever, o Contrato de concessão de incentivos, em seu nome pessoal, como não assumiram para si – nem pretenderam assumir - qualquer um dos direitos e obrigações que dele resultam, nem receberam, ao abrigo do mesmo, qualquer quantia do IEFP;

19ª. Refira-se que:

  • Foi a sociedade, conforme solicitado pelo IEFP, que emitiu, em seu nome, os recibos de quitação correspondentes às quantias entregues;
  • Foi à sociedade que foram carregadas as obrigações inerentes à concessão dos incentivos financeiros;
  • Foi a sociedade que, entre o mais, efectuou os investimentos previstos no processo de candidatura;
  • Foi a sociedade quem procedeu à criação dos postos de trabalho projectados;
  • Foi a sociedade que fez prova junto do IEFP de todas as condições estabelecidas no contrato para o recebimento dos apoios concedidos;
  • A própria decisão de aprovação do pedido de concessão dos incentivos financeiros em questão prolatada em 27 de Novembro de 2006, à semelhança dos demais documentos do processo, refere expressamente a sociedade C………… como sendo a entidade beneficiária dos incentivos e a entidade a outorgar o contrato subsequente - (cfr., doc. nº 5, junto com a petição inicial);

20ª. Tendo o contrato de concessão de incentivos sido firmado entre o IEFP e a sociedade C……….., Lda., o procedimento administrativo desencadeado pelo IEFP com vista à sua resolução e devolução das quantias entregues deveria ter sido desencadeado contra aquela sociedade, o que não sucedeu - cfr., art. 55º do CPA.

21ª. Não podendo o procedimento administrativo desencadeado contra a recorrente e a Sra. D. B………… produzir quaisquer efeitos no âmbito de um contrato no qual não intervieram em nome próprio e que teve a sociedade C……….., Lda. como outorgante.

22ª. O procedimento em causa bem como a decisão nele proferida, porque instaurado e tramitado à margem e à revelia da sociedade C……….., é inócuo e ineficaz, não sendo susceptível de produzir quaisquer efeitos e de afectar os direitos e obrigações que decorrem para aquela sociedade do contrato celebrado.

23ª. A decisão administrativa enferma de falta de fundamentação de facto e de direito, ou, pelo menos, esta é insuficiente e, como tal, é nula, ou no mínimo, anulável – cfr., art. 124º, 125º, 133º do CPA, 268º, nº 3 da CRP.

24ª. Dela não constam os concretos factos que suportam os juízos meramente conclusivos que a alicerçam, não constando a invocação de quaisquer factos susceptíveis de alicerçarem um juízo normativo de culpa, quer da recorrente ou da Sra. D. B…………., quer da sociedade C……….., no incumprimento imputado.

25ª. Sendo certo que dela não se alcança se o pedido formulado contra a recorrente assenta numa responsabilidade principal ou numa responsabilidade solidária paralela à da sociedade C………...

26ª. O regime jurídico que estabelece e regulamenta a concessão dos incentivos financeiros em causa nos presentes autos não prevê a responsabilidade solidária de quem quer que seja pelo cumprimento das obrigações assumidas pela entidade beneficiária – cfr., DL nº 132/99 e da Portaria nº 196-A/01.

27ª. Por isso que, quando se entenda que o nº 2 da cláusula 10ª do contrato convenciona uma responsabilidade solidária da recorrente e da Sra. D. B…………. pelo cumprimento das obrigações da sociedade C……….., é o mesmo ilegal por violar o regime legal constante do DL nº 132/99 e da Portaria nº 196-A/01, e, como tal, deverá ser desaplicada.

28ª. Sempre e em todo o caso, como daquela cláusula não se retira qual o âmbito da responsabilidade solidária da recorrente e da Sra. D. B……….., pois nela não são indicadas e identificadas as concretas e específicas obrigações da sociedade C………….. pelas quais poderiam ser chamadas a responder, é a mesma, em face da sua indeterminabilidade, nula – cfr., art. 280º, nº 1 do Cód. Civil.

29ª. Revestindo-se a maior parte das obrigações assumidas pela sociedade C……….. de um carácter de pessoalidade, fica por natureza, afastado o regime da solidariedade em relação às mesmas, não se inscrevendo, de qualquer modo, no âmbito daquela responsabilidade solidária a restituição de quaisquer quantias devidas pela sociedade por força e na sequência da resolução do contrato firmado.

30ª. Tanto quanto se alcança da notificação dirigida à recorrente da qual consta uma indicação resumida do conteúdo e objecto da decisão administrativa - a decisão administrativa não foi notificada à recorrente -, o Contrato não foi, até à data, resolvido (pelo menos não foi essa resolução notificada à sociedade C……….) e, como tal, falece ao IEFP o direito de converter em subsídio reembolsável o subsídio atribuído à sociedade, de declarar o vencimento da dívida e de exigir a devolução da totalidade das importâncias concedidas, consubstanciando, assim, a decisão proferida, uma violação de lei por subversão do regime legal instituído do que resulta a sua anulabilidade – cfr., art. 135º do CPA.

31ª. A decisão administrativa ao considerar verificada uma situação de incumprimento contratual determinando, sem mais, a conversão do subsídio atribuído em subsídio reembolsável, o vencimento imediato da dívida bem como ao exigir a devolução da totalidade do subsídio concedido, acrescido dos juros legais, sem dar cumprimento prévio ao disposto nas cláusulas 11º e 12º do Contrato, não se coaduna com o regime previsto no próprio contrato celebrado e é claramente violadora do princípio da proporcionalidade consagrado no art. 5º do CPA e padece, assim, de um vício de violação de lei que convoca a sua anulabilidade – cfr., art. 135º do CPA, art. 266º da CRP.

32ª. O art. 25º, nº 3 da Portaria nº 196-A/01 não respeita o princípio geral estabelecido no art. 22º, nº 4 do DL nº 132/99, de 21.4, diploma que consagra os princípios gerais de enquadramento da política de emprego os quais a Portaria em causa visava regulamentar e concretizar.

33ª. Pois enquanto que o art. 22º, nº 4 do DL nº 132/99, previa a possibilidade de a restituição dos apoios financeiros concedidos ser efectuada apenas de um modo parcial (“no todo ou em parte”), o art. 25º nº 3 da Portaria nº 196-A/01 estabelece de um modo fechado e exclusivo a obrigação da restituição in totum das quantias disponibilizadas.

34ª. Em face do regime regra estabelecido no art. 22º, nº 4 do DL 132/99, de 21.4, quer o art. 25º, nº 3 da Portaria nº 196-A/2001, de 10.3, quer mesmo o nº 3 da cláusula 13ª do Contrato, são ilegais e como tal deverão ser desaplicadas.

35ª. O disposto no art. 25º, nº 3 da Portaria nº 196-A/01 de 10.3, que consagra a obrigação de o beneficiário devolver todas as quantias recebidas decretada que seja a resolução do contrato na sequência de um incumprimento injustificado, sem, por um lado, atender às concretas condições em que se verificou esse incumprimento e, por outro lado, desconsiderando o eventual cumprimento parcial do contrato que se tenha verificado, traduz uma violação do princípio constitucional da proporcionalidade estabelecido nos arts. 2º, 18º, nº 2 e 266º, nºs 1 e nº 2 da CRP.

36ª. A decisão administrativa ao determinar a devolução da totalidade das quantias recebidas pela sociedade sem levar em linha de conta o facto de a sociedade ter criado e mantido os 5 postos a que se vinculou, faz uma interpretação inconstitucional do art. 22º, nº 4 do DL nº 132/99, de 21.4 e do art. 25º, nº 3 da Portaria nº 196-A/01, de 10.3 por violadora do princípio constitucional da proporcionalidade consagrado nos arts. 2º, 18º, nº 2 e 266º, nº 1 e nº 2 da CRP;

37ª. Na decisão recorrida, violaram-se as disposições legais supra citadas».


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B…………, alegou vindo a formular as seguintes conclusões:

«1) A intervenção do STA afigura-se de manifesta necessidade para a boa aplicação do direito, e como “válvula de segurança do sistema”, já que o Acórdão proferido pelo TCA Norte incorre em erro judiciário, ostensivo, incontroverso, porque viola de modo flagrante a lei aplicável, nomeadamente os artºs art.º 124º e 125º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e violou o desiderato da Portaria nº 196-A/2001 de 10 de Março, bem como não observou os deveres que se lhe impunham no CPA e viola os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da boa-fé, da justiça, da legalidade e da imparcialidade.

2) A dita sociedade C…………, LDA apresentou-se à insolvência em 18.12.2007, com base na sua iminência - no estrito cumprimento do prescrito no art. 18º, nº 4 do CIRE e sob pena de cair sob a alçada do mais preceituado no art. 186º e 189º do mesmo código, sendo que a mesma veio a ser efectivamente declarada por Douta Sentença proferida em 08.01.2008 – cfr. doc. nº 3 junto com a PI.

3) Por Douta Sentença proferida nos autos próprios de incidente de qualificação de Insolvência, oportunamente proferida em 27.11.2009, foi atribuído carácter fortuito à mesma, autos esses, já findos e arquivados.

4) Assim só por aqui bem se vendo que, muito ao contrário do R. presumido ou sugerido sob o art. 68º da sua douta contestação, o Despacho ora em crise não se mostra estribado na realidade dos factos, antes imputa incorrectamente e pressupõe a prática de actos de má gestão pela A. como causa do incumprimento das obrigações da sociedade C…………, LDA – o que, pelo que fica dito, já se viu não ter acontecido.

5) De tudo quanto fica dito e alegado, resultará já claro que o Douto Acórdão de que se recorre, que confirma a Sentença da 1ª Instância (TAF Porto) e Despacho objecto do mesmo em crise encerram em si mesmos vícios que o ferem e que não são de somenos monta, já que são feridos de violação de lei, devendo por isso ser nulo;

6) Verifica-se a ausência total de fundamentação do Despacho do IEFP de 22/07/2007, já que assentando numa realidade não subsumível aos preceitos que o R. alega sustentarem o mesmo, já que e como alegado sob o art. 49º da sua contestação e aceite pelo Acórdão de que se recorre, “(…) que apenas as situações de carácter excepcional (…)”, como já supra descrito, poderiam, em seu entendimento, justificar o incumprimento do contrato aqui em causa, devendo por isso ser declarado nulo.

7) Sendo que devem V. Exas., aplicando cabalmente a lei em vigor e os termos do contrato de concessão de incentivos, considerar que se encontram reunidos os elementos de facto e de direito para considerar que existe relativamente às AA. incumprimento justificado do contrato, fruto da obrigação legal de apresentação à insolvência da sociedade C…………. Lda. com base na sua iminência - no estrito cumprimento do prescrito no CIRE e sob pena de cair sob a alçada do mais preceituado no art. 186º e 189º do mesmo código, já declarada como fortuita, e não tendo a mesma sido culposa ou dolosamente provocada pelas AA. inexistiu qualquer acção ou omissão dolosa ou negligente das AA., considerando-se justificado o incumprimento que é alheio à vontade do promotor, até porque os riscos correm de igual forma para ambas as partes, tendo por isso o Despacho em crise violador, não só das disposições legais em vigor, como dos termos do próprio contrato de concessão de incentivos, facto que o torna ilegal e consequentemente nulo, nulidade que desde já se requer seja declarada, já que o R. Recorrido não procedeu a uma correcta e adequada leitura e subsunção dos factos à Lei, já que aplicou esta a uma realidade que não existia ou que era bem diversa da que teve em conta.

8) Na verdade, os factos que levaram ao incumprimento da manutenção da obrigação contratualmente assumida do nível de emprego – que é o que aqui está em causa – à época – 2007 – como presentemente, nada têm de “normal”, antes são claramente e para usar a terminologia do R., absolutamente excepcionais e de alteração de ordem pública, considerando-se até como razões de carácter excepcional.

9) Mas sendo que um organismo público como o R., que actua exactamente nessa área, não poderia, como não deverá e nem poderá, desconhecer a lei, o que tudo consubstancia, em consequência e nos termos e para os efeitos do previsto nos arts. 124º e 125º do CPA, falta de fundamentação do Douto Despacho ora em crise e a sua consequente nulidade.

10) Como se deixou dito, o R. celebrou o contrato aqui em causa com a sociedade C…………., LDA, tendo a A. outorgado o mesmo na qualidade de representante legal da mesma, e na qualidade de responsável solidária, nunca foi notificada, em frontal violação ao prescrito no art. 66º do CPA, à data, pelo menos enquanto garante solidária da obrigação assumida pela referida sociedade, não podendo o Despacho em crise produzir os efeitos pretendidos quanto à A. por violação de lei.

11) Existindo ainda no âmbito dos termos do Douto Despacho claro abuso de Direito, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 334º do Cód. Civil e que, nesses como nos mais prescritos no nº 6 do art. 91º do CPTA à data, ora se deixa expressamente invocados para todos os devidos e legais efeitos, devendo ser declarada a nulidade do mesmo.

12) Sendo que, nos termos e para os efeitos previstos no último dos citados preceitos legais, entende a A. que tudo quanto fica dito configurará seguramente alteração anormal das circunstâncias, nos termos e para os efeitos mais previstos no art. 437º do citado código, devendo, como ora expressamente requereu a A. na PI, ser-lhe concedido o direito à sua modificação, no sentido de não lhe ser exigível, nos termos da cláusula 10ª ou de quaisquer outras do contrato junto a fls …, a devolução dos subsídios aqui em causa e por tanto ser ofensivo da boa-fé e da cabal aplicação da lei e da subsunção dos factos ao direito, já que o incumprimento sempre terá que ser declarado como justificado.

13) Pois que, também o Douto Acórdão, de que se recorre, que confirma o Acórdão do TAF do Porto, limitando-se a aderir ao alegado pelo R. e não aplicando a lei ao caso concreto, jamais deveria ter absolvido o R. do pedido, bem como deveria ter declarado nulo o Despacho em crise, por ausência de fundamentação e de notificação à ora A., aqui recorrente.

14) O que levou a que no caso concreto, o Tribunal a quo e a 1ª Instância, tenham efetuado uma incorreta aplicação da lei e do direito, verificando-se a violação da lei substantiva».


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O INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I. P. contra-alegou, terminando a formular as conclusões seguintes:

«1.- O recurso de revista só é possível naquelas situações em que a questão a apreciar assim o imponha, devido à sua relevância jurídica ou social ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2.- A Jurisprudência desse colendo Tribunal, de forma constante, vem afirmando que o meio reativo, previsto no artigo 150º do CPTA, não pode ser considerado como um recurso generalizado de revista pois que, no sistema delineado pelo legislador, das decisões proferidas pelos venerandos Tribunais Centrais Administrativos, na sequência de apelação, não cabe recurso para o STA. Deverá, antes, ser entendido como um recurso verdadeiramente excecional, admitido apenas num número limitado de casos previstos nessa norma que se encontra redigida em termos fortemente restritivos.

3.- O recurso de revista não tem como objetivo a pesquisa casuística do erro e a respetiva correção, mas a procura de uma doutrina vinculante que esclareça a futura jurisprudência que se venha a debruçar sobre casos semelhantes.

4.- Destarte, as situações de natureza excecional, suscetíveis de impor a intervenção desse colendo Tribunal, não ocorrem no caso dos presentes autos.

5. - Nesta conformidade, não estão preenchidos os requisitos de admissão do Recurso de Revista, previstos no nº 1 do artigo 150º do CPTA.

6.- A alegada nulidade do douto Acórdão por omissão de pronuncia, por falta de fundamentação da decisão administrativa e falta de notificação da decisão administrativa à sociedade “C……………”, bem como se o incumprimento do CCIF deve ser considerado justificado, não são questões para serem julgadas em sede recurso de revista.

7.- As Recorrentes são solidariamente responsáveis juntamente com a sociedade “C………….” pela dívida ao Recorrido, sendo irrelevante que a insolvência da referida sociedade tenha sido declarada fortuita.

8.- As Recorrentes assinaram o Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros na qualidade de promotoras, sendo “solidariamente responsáveis, com a empresa e entre si”, nos termos da cláusula 10ª do aludido Contrato.

9.- As Recorrentes e a sociedade “C…………” foram notificadas em sede de audiência prévia e em sede de decisão final.

10.- O Contrato de Concessão e Incentivos Financeiros foi resolvido pelo facto de as Recorrentes não terem mantido os postos de trabalho apoiado pelo período a que se obrigaram, sendo o incumprimento injustificado.

11.- Não tendo as Recorrentes mantido os postos de trabalho pelo período a que se obrigaram o incumprimento ao CCIF tinha que ser considerado injustificado, não podendo ser parcialmente justificado.

12.- As dificuldades surgidas no mercado de trabalho local pelas razões apontadas pelas Recorrentes são complicações e riscos inerentes e específicos do negócio.

13.- O risco faz parte de qualquer atividade comercial ou negócio e esse risco corre por conta de quem exerce a atividade comercial, pelo que, assim como os lucros são da empresa, também os prejuízos, quando se verifiquem correm por conta da sociedade, não podendo a administração substituir-se aos promotores e suportar os respetivos riscos inerentes à atividade que desenvolvem.

14.- Cabe ao Recorrido avaliar se o incumprimento é injustificado ou justificado, e às Recorrentes apresentar os elementos que entendam necessários para comprovação dos factos.

15.- De salientar que, nunca as Recorrentes solicitaram ao Recorrido a suspensão do Contrato de Concessão de incentivos Financeiros, nem esta pode ser condição para que ocorra necessariamente a resolução.

16.- As Recorrentes foram notificadas de todos os elementos referentes ao procedimento, bem como da decisão administrativa que resolveu o Contrato de Concessão e Incentivos Financeiros, tendo ficado a saber a que se devia o incumprimento e a resolução do Contrato de Concessão e Incentivos Financeiros.

17.- Caso as Recorrentes tivessem tido alguma dúvida, poderiam ter solicitado à administração os respetivos esclarecimentos. “Tanto assim foi que as Recorrentes lograram, nos respetivos articulados, aduzir argumentos (independentemente da sua validade) pretendendo rebater os fundamentos usados para sustentar a posição tomada na decisão em crise.

18.- Atendendo ao exposto, afigura-se-nos que o douto Acórdão andou bem ao considerar que o despacho do Recorrido de 22/07/2007 se acha suficientemente fundamentado, não violando os artigos 124º e 125º do Código de Procedimento Administrativo, bem como a Portaria nº 196-A/2001, de 10 de março, nem princípios constitucionais, e como tal, não padece do vício que lhe é apontado, pelo que deve manter-se na ordem jurídica.

19.- Em razão do que precede, afigura-se que o douto Acórdão fez uma correta interpretação e aplicação da lei, e dos princípios constitucionais, não merecendo qualquer censura, pelo que deve ser mantido na ordem jurídica».


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O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 6 do artigo 150º do CPTA] proferido a 25 de Janeiro de 2018.

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Os autos baixaram ao TCA Norte para conhecimento das nulidades assacadas ao acórdão recorrido, o qual por acórdão proferido em 04.05.2018, as julgou improcedentes, nele se tendo consignado:

«Em alegação no recurso de revista para o STA as Recorrentes vêm arguir a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia nas 5 e conclusões da sua alegação de recurso de revista.

Entende-se que o dever de pronúncia nos termos do artigo 617°/1 CPC se reporta à questão da nulidade do acórdão e, como tal, não é extensível à questão da conclusão 7, uma vez que aí se invoca a nulidade por omissão de formalidade processual (convite à reformulação das conclusões) prévia e extrínseca ao acórdão.

As Recorrentes deduzem na 5ª conclusão da alegação de revista oito causas de nulidade. Cumpre apreciar.

1. As Recorrentes invocam omissão de pronúncia sobre a questão colocada na 5 conclusão da alegação de apelação, cujo conteúdo transcrevem.

Essa questão traduz-se na invocação de uma causa de nulidade do acórdão do TAF, como se vê da referência à violação do artigo 615°/1/c) do CPC.

Ora, lê-se no acórdão do TCAN ora recorrido:

«...certo é que a sentença comporta razões de facto e de direito suficientes para justificar de modo silogístico, como é corrente dizer-se, a decisão proferida e portanto não incorre também em causa de nulidade enquadrável no artigo 6 do CPC.»

A questão foi resolvida.

2. Sobre a questão da responsabilidade solidária invocada nas conclusões 2P e 22 da alegação em apelação, lê-se no acórdão do TCAN em crise:

«O art° 26°, n° 3 da Portaria nº 196-A/2001, de 10 de Março, com as alterações introduzidas pela Portaria nº 255/2002, de 12 de Março, que se passa a transcrever, estabelece o seguinte: “(...) Em caso de incumprimento injustificado das obrigações assumidas através do contrato de concessão de incentivos, o promotor é obrigado a reembolsar o IEFP, nos termos do Decreto-Lei nº 437/78, de 28 de Dezembro. (...)”.

Isto resulta, aliás, do clausulado do Contrato de Concessão de Incentivos, mais concretamente do ponto 3 da Cláusula 13°, onde se diz que: “(...) No caso de incumprimento injustificado das obrigações assumidas, constantes do presente contrato de incentivos, da Portaria nº 196-A/2001, de 10 de Março (…) será resolvido este contrato (...) declarado o vencimento imediato da dívida, convertendo-se o subsídio não reembolsável em reembolsável e, consequentemente, exigida a devolução das importâncias concedidas (...)”».

Em suma, quer as Autoras, na qualidade de promotoras, quer a entidade criada para enquadrar os novos postos de trabalho a financiar, ou seja, a sociedade «C…………, Lda.», nos termos da lei e da Cláusula 10ª do Contrato, ficaram solidariamente responsáveis pelo cumprimento das obrigações assumidas.

Posto isto, considera-se a questão foi resolvida.

3. Não se trata aqui de uma questão nova, mas apenas de mais uma modulação argumentativa para rejeitar a responsabilidade solidária que foi concretamente imposta às Recorrentes e que a decisão judicial avalizou.

A crítica de que “não são indicadas e identificadas as concretas e específicas obrigações da sociedade pelas quais poderiam ser chamadas a responder...” é claramente inócua pela simples razão de que não incumbe aos Tribunais proferir estudos ou pareceres jurídicos a solicitação das partes, sobre as obrigações que hipoteticamente “poderiam ser chamadas a responder”, mas sim e apenas resolver os aspectos práticos e concretos do litígio. Era, portanto, às Recorrentes que cabia especificar as “concretas e específicas obrigações” pelas quais foram indevidamente chamadas a responder

Assim a crítica improcede.

4. A possibilidade de o credor exigir a prestação a qualquer dos devedores em regime de solidariedade decorre da lei - artigo 519°/1 do C. Civil — e, portanto, da afirmação da responsabilidade solidária das Autoras. A falta de notificação da sociedade “C…………., Lda.” resulta da opção do credor em exigir o reembolso dos incentivos às Autoras, que se vincularam contratualmente, como é amplamente explicitado no acórdão do TCAN. Consequentemente foram estas que reagiram judicialmente e o que está em causa é a relação jurídica que elas próprias, pessoalmente, estabeleceram com o IEFP, sendo portanto irrelevante invocarem que “a sociedade não foi notificada” para isto ou para aquilo.

De resto, como se lê no acórdão do TCAN “perante os factos assentes chega a ser risível a alegação de que “o Contrato não foi, até à data, resolvido” — cf conclusão 3ª da recorrente A……….. É claro que o contrato foi resolvido nos termos da Cláusula 1V, ao ser declarada a conversão do apoio financeiro em apoio reembolsável e o vencimento imediato da totalidade da dívida.”

Enfim, a crítica improcede.

5. Como se diz no Acórdão deste TCAN de 19-12-2014, Proc. 01291/10.4BEAVR (cf. sumário):

«1. A notificação do acto, imposta nos termos do artigo 66° do Código de Procedimento Administrativo, destina-se a levar o acto ao conhecimento do seu destinatário; é, portanto, uma formalidade que constitui um requisito de eficácia do acto (artigo 268°, n° 3, 1ª parte, da Constituição da República Portuguesa, e artigos 132° e 66° a 70º do Código do Procedimento Administrativo), pelo que a sua falta tem apenas como consequência a inoponibilidade do acto, em particular para efeitos de impugnação contenciosa; Daí que a omissão de notificação do acto não integre vício desse acto, por lhe ser algo externo e posterior»

Assim, a hipotética falta de notificação da “decisão administrativa impugnada” é irrelevante em sede de fiscalização judicial sobre a validade dessa decisão.

6. Mais uma vez as Recorrentes trasvestem argumentos em questões. A questão é a legalidade da restituição dos apoios financeiros, que foi resolvida pela afirmativa; a interpretação e alcance de cada norma invocada para boa solução daquela questão são argumentos. Note-se que, na solução das questões em litígio os Tribunais estão vinculados a aplicar o direito aos factos de modo a satisfazer ou negar as pretensões deduzidas, mas não a percorrer a “via sacra” argumentativa concebida pelas partes.

Assim, não há omissão de pronúncia.

7. “Que o art. 25°, n° 3 da Portaria n° 196-A/01, de - 10.3 é inconstitucional por violar os arts. 2°, 18°, n° 2 e 266°, n° 1 e n° 2 da CRP” foi questão suscitada a título de nulidade de omissão de pronúncia do acórdão do TAF e resolvida no acórdão do TCAN, no sentido de que a arguição de nulidade do acórdão improcede.

[Aproveita-se a oportunidade para esclarecer que há um manifesto “lapsus calami” no uso indevido de dupla negativa na página 19 do acórdão do TCAN, onde se diz «Assim a arguição de nulidade do acórdão não improcede”. Como decorre inequivocamente da racionalidade da fundamentação queria dizer-se que a nulidade “improcede”, ou em alternativa, que “não procede”, mas nunca que “não improcede”].

De resto, como já se disse, a vinculação do Tribunal é relativa à resolução das questões, que são os enunciados pretensivos das partes e não os enunciados argumentativos, e o Tribunal resolveu. Leia-se no acórdão recorrido:

«Ora, não só estamos perante um incumprimento injustificado o que desde logo afasta o direito a qualquer restituição parcial, como sempre estava posta em causa a viabilidade do projecto já que o mesmo só tem sentido se o for para o referido prazo de quatro anos.

O projecto pura e simplesmente não foi cumprido.

Por grande maioria de razão será legítimo concluir nos presentes autos, em que o nível de emprego nem sequer foi mantido por um ano e meio, mas apenas por meio ano, que o contrato pura e simplesmente não foi cumprido e a decisão recorrida também neste aspecto fica incólume relativamente às críticas que lhe são dirigidas.»

8. Remete-se “mutatis mutandis” para o referido em 7.


*

Deste modo, não se verifica a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.

“En passant”, nenhuma destas questões sugere relevância significativa para a “justificação ou da injustificação do incumprimento” que subjaz racionalmente à admissão da revista.

(…)»


*

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

*

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

Mostra-se provada a seguinte factualidade:

«1. A promotora A…………, conjuntamente com B…………, apresentaram no Centro de Emprego em 29 de Maio de 2006, uma candidatura aos apoios previstos na legislação em epígrafe no âmbito das Iniciativas Locais de Emprego, para a qual criaram, posteriormente, a entidade, “C……….., Lda”, que mereceu despacho favorável da Senhora Directora, em 15 de Novembro de 2006, exarado na Informação nº 3940/DN/EOC, de 02 de Novembro de 2006 (cfr. fls. 2 e seguintes do P.A. apenso que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

2. Nos termos da sobredita Informação, para um investimento total de 41 737,52€, e pela criação de 5 postos de trabalho foi aprovado um apoio financeiro, atribuído sob a forma de subsídio não reembolsável, no montante global de 36.120,24€, dos quais:

- 34 731,00€, pela criação de 5 postos de trabalho;

- 1 389,24€, a título de majoração por se tratar de um desempregado de longa duração (cfr. fls. 98 e seguintes do P.A. apenso que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

3. Foi assinado o respectivo Contrato de Concessão de Incentivos e, oportunamente, pagos os valores supra referidos a título de subsídio não reembolsável (cfr. fls. 111 e seguintes do P.A. apenso que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

4. Entretanto compareceu, no Centro de Emprego, alguém que se intitulou como colaborador da empresa e responsável pela contabilidade da entidade promotora transmitindo a intenção das promotoras de encerrar a actividade.

5. Posteriormente, compareceram as promotoras, no Centro de Emprego confirmando a intenção de encerrar a actividade, por dificuldades económicas.

6. Em 7 de Agosto de 2007, deu entrada no Centro de Emprego uma carta das promotoras onde alegam que se encontram na impossibilidade física e legal, de cumprir com as obrigações assumidas, nos seguintes termos:

“36.º Desta forma, as requerentes encontram-se presentemente, e em absoluto, totalmente incapazes de solver os seus compromissos

37.º E, designadamente, de pagar os salários dos trabalhadores ao seu serviço, ou aos seus fornecedores, bem como impostos e outras obrigações legais.

(…)

41.º E assim também, justificando porque não poderão cumprir as obrigações contratualmente assumidas com o IEFP.

42.º Dado estarem assim absoluta e legalmente impedidas de cumprir com o mesmo, e designadamente de manter os postos de trabalho a que se obrigaram, pagando os respectivos salários.” (cfr. fls. 131 e seguintes do P.A. apenso que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

7. Em 10 de Agosto de 2007, foi analisada a pretensão das promotoras e tendo em conta o incumprimento declarado do contrato de concessão de incentivos firmado entre as promotoras e o IEFP, IP, foi consubstanciado na Informação nº 3277/DN-EOC/2007 o seguinte despacho proferido pela Directora do Centro de Emprego a 7 de Setembro de 2007:

“Concordo com o ponto 8 da presente informação, pelo que, entendo que o caso em apreço não traduz incumprimento justificado. Assim, nos termos do art. 100º do CPA, deverá a entidade ser notificada da intenção de converter o apoio atribuído sob a forma de subsídio não reembolsável em reembolsável e consequentemente o vencimento imediato da totalidade da dívida ou, obtida cobrança coerciva, se a mesma não for devolvida voluntariamente no prazo de 60 dias úteis a contar da data da respectiva notificação.” (cfr. fls. 223 e seguintes do P.A. apenso que aqui se dão por integralmente reproduzidos)”.

8. A 10 de Setembro de 2007, foi enviado o Ofício à promotora, ora Autora em sede de audiência prévia, nos termos e para os efeitos do art. 100º do CPA. (cfr. fls. 215 e seguintes do P.A. apenso que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

9. Em 26 de Setembro de 2007, deu entrada a resposta da Autora em sede de audiência prévia. (cfr. fls. 228 e seguintes do P.A. apenso que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

10. Por despacho de 22 de Novembro de 2007, exarado na Informação nº 4489/DN-EOC/2007, de 22 de Novembro, foi analisada a resposta das promotoras e tendo em conta o incumprimento injustificado das obrigações assumidas no Contrato de Concessão de Incentivos, foi:

- Declarada, nos termos da Lei, a conversão em reembolsável do apoio financeiro a fundo perdido que lhes foi concedido, o vencimento imediato da totalidade da dívida, no valor de 36.120,24€ e, consequentemente decidida a devolução imediata das importâncias concedidas e,

- Obtida cobrança coerciva nos termos do Decreto-Lei nº 437/78, de 28 de Dezembro, se aquela não fosse efectuada voluntariamente no prazo de 60 dias úteis a contar da respectiva notificação (Processo Administrativo, fls. 233 e seguintes).

11. A Autora foi notificada deste despacho, através do ofício nº 4491 /DN-EOC/2007, de 22 de Novembro.

12. Não tendo a Autora procedido à devolução de qualquer quantia, no sobredito prazo de 60 dias úteis, foi extraída certidão de dívida e enviado o processo para o competente serviço de finanças.


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2.2. O DIREITO

Em causa na presente acção administrativa especial, está o pedido de anulação/nulidade do despacho proferido a 22.11.2007 pela Directora do Centro de Emprego do Porto Ocidental relativo à conversão do apoio não reembolsável em reembolsável, à resolução do contrato de concessão de incentivos por incumprimento injustificado e ao reembolso imediato das verbas concedidas.

Em sede de petição inicial, alegam as AA que o acto impugnado interpreta mal as disposições da Portaria nº 196-A/2001, mais incorrendo no vício de falta de fundamentação e atentando contra os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, protecção dos direitos e deveres dos cidadãos, da igualdade e da proporcionalidade, boa fé, justiça e imparcialidade, colaboração com os particulares, participação e desburocratização.

Mais alegam que, na sua óptica, foi a sociedade “C……….., Ldª”, que constituíram, quem incumpriu e que este incumprimento foi justificado, atenta a insolvência entretanto declarada por decisão judicial e a sua impossibilidade de recorrer a crédito e fornecedores.

Por sua vez, em sede de contestação veio o R. (IEFP, I.P.) defender a manutenção do acto impugnado, alegando para o efeito que o mesmo foi proferido de acordo com a legislação aplicável, designadamente, a prevista na Portaria nº 196-A/2001, sendo que a própria legalidade e igualdade impunha a prática do acto ora impugnado, atentas as irregularidades detectadas.

O TAF do Porto analisando as questões suscitadas, jugou a acção improcedente, o que veio a ser mantido pelo Acórdão recorrido proferido em 07.07.2017 no TCAN.

Nesta sede de revista, vieram as AA/recorrentes, desde logo, imputar nulidades ao Acórdão recorrido, designadamente, por omissão de pronúncia.

Sobre estas omissões de pronúncia, o TCAN voltou a pronunciar-se em sede de sustentação, tendo concluído pela inexistência de qualquer uma delas, conforme se constata do acórdão que constitui fls. 671 a 673, nos termos que supra demos por reproduzidos, atenta a concordância manifestada com o ali decidido, que não merece, por isso qualquer censura.


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Ultrapassadas e julgadas improcedentes as nulidades assacadas ao Acórdão recorrido [dado que sufragamos a argumentação aduzida pelo TCAN] vejamos agora do erro de julgamento que é apontado pelas AA/recorrentes ao Acórdão recorrido, o qual será tratado em conjunto, uma vez que, pese embora, as alegações terem sido apresentadas de forma autónoma, não deixam de apontar no seu conjunto as mesmas críticas.

*

Alegam as recorrentes que não outorgaram, por si e para si o Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros em causa nos presentes autos, que não se vincularam ao cumprimento das obrigações dele resultantes, não incumpriram e não assumiram a responsabilidade do seu incumprimento, pois tudo isso seria imputável única e simplesmente à sociedade «C………….», sociedade esta que as recorrentes apenas representaram na qualidade de gerentes e à qual foram concedidos os incentivos financeiros em causa.

E neste silogismo, reiteram neste recurso de revista que a sociedade «C………….» não foi notificada para exercer o direito de audiência prévia, nem de qualquer declaração resolutória do contrato; ou seja, neste âmbito, as recorrentes fazem incidir o núcleo das questões a decidir na consideração de que as partes contratantes foram o IEFP e a Sociedade “C……….., Lda.”, reafirmando que, no âmbito do procedimento administrativo que conduziu à resolução do contrato e consequente decisão de as obrigar a devolver a totalidade das quantias recebidas a título de incentivos, a Sociedade foi “excluída” e nunca, por algum acto formal foi ouvida ou interpelada, uma vez que as recorrentes sempre foram notificadas ou tiveram intervenção no processo em nome individual, nunca assumindo a qualidade de representantes legais da mencionada Sociedade “C………., Lda”;

Sobre este conjunto de questões, as instâncias foram unânimes na decisão, pese embora, com distinta fundamentação quanto à natureza do contrato de incentivos.

Assim, enquanto que, na 1ª instância se entendeu que o acto de atribuição de apoio é um acto unilateral autoritário, sendo as sanções pelo não acatamento das condições impostas fixadas normativamente, não evidenciando o termo de responsabilidade assinado pelos requerentes do apoio, um acordo de vontades gerador de efeitos jurídicos, mas tão só a aceitação das condições para aquela atribuição – cfr. neste sentido os Acs. deste STA de 16.12.2003, in proc. nº 01512/03 e de 19.09.2006, in proc. nº 01038/05 e, deste modo se concluiu que, no caso dos autos não estamos perante um contrato administrativo, pois não existiu um acordo de vontades gerador de efeitos jurídicos, mas apenas perante um acto unilateral e autoritário, o que exclui a possibilidade de qualificação do “contrato de concessão de incentivos” como um contrato administrativo, nos termos definidos no artº 178º do Código do Procedimento Administrativo, no Acórdão recorrido, ao invés, entendeu-se que a figura do contrato administrativo é a que surge como adequada.

Para tanto, argumentou-se que, considerando a evolução legislativa, o contrato em causa nos presentes autos, concretiza uma das situações em que se se implementam políticas da Administração [in casu, a política de emprego] de acordo com o disposto no artº 1º do DL nº 132/99 de 21 de Abril, em veste contratual mas sob a égide do Direito administrativo e segundo regras, no caso de natureza legislativa, rigidamente pré-estabelecidas.

E por isso «A necessidade de constituição de novas “entidades” é apenas mais um instrumento dessa política, na medida em que, ao serem integrados em estruturas societárias ou associativas supostamente estáveis, se admite que os novos empregos criados possam perdurar incondicionados às variadíssimas contingências de vida, vontade e disponibilidade pessoal dos promotores».

Com efeito, dispõe o artº 9º da Portaria nº 196-A/2001 de 10 de Março, [alterada e republicada pela Portaria nº 255/2002 de 12.03] sob a epígrafe: “Noção”:

«Consideram-se iniciativas locais de emprego, para efeitos do disposto no presente diploma, os projectos que dêem lugar à criação de novas entidades, independentemente da respectiva forma jurídica e que originem a criação líquida de postos de trabalho, contribuindo para a dinamização das economias locais, mediante a realização de investimentos de pequena dimensão».

E depois de, no nº 1 do artº 2º do mesmo diploma, se estatuir que «Podem candidatar-se aos apoios previstos no presente diploma pessoas singulares», o nº 4 refere que «Sempre que se trate de projectos de iniciativas locais de emprego ou de projectos de emprego promovidos por beneficiários das prestações de desemprego, os respectivos promotores devem obrigatoriamente proceder à constituição e registo da entidade a criar, nos termos legalmente exigidos, no prazo máximo de seis meses a contar da data de aprovação da candidatura».

Resulta desta conjugação de normas a consagração da distinção entre os “promotores” e a “entidade” a criar, sendo certo que, em caso de incumprimento injustificado das obrigações contratadas, não só a “entidade”, mas também os promotores ficam obrigados a reembolsar o IEFP.

Esta mesma conclusão resulta ainda do disposto no artº 25º “Contrato de concessão de incentivos”, da referida Portaria:

«1 - A concessão de apoios ao abrigo do disposto no presente diploma é precedida da assinatura de um contrato de concessão de incentivos entre os promotores e o IEFP, conforme modelo e conteúdo a aprovar por despacho do Ministro do Trabalho e da Solidariedade.

2 - O contrato de concessão de incentivos, previsto no número anterior deve conter, sempre que for caso disso, uma menção expressa ao co-financiamento comunitário dos apoios atribuídos nos termos do presente diploma.

3 - Em caso de incumprimento injustificado das obrigações assumidas através do contrato de concessão de incentivos, o promotor é obrigado a reembolsar o IEFP, nos termos do Decreto-Lei nº 437/78, de 28 de Dezembro».

Veja-se ainda o disposto no nº 1 do artº 6º do DL nº 437/78 de 28/12:

«No caso de aplicação indevida do apoio recebido ou incumprimento injustificado do determinado no despacho de concessão, e mediante despacho fundamentado das entidades que tenham subscrito o referido despacho de concessão, será declarado o vencimento imediato da dívida e obtida a cobrança coerciva da mesma, de acordo com o disposto neste diploma, se não for encontrada solução alternativa que assegure o nível de emprego».

A responsabilidade, no caso de incumprimento, resulta também do ponto 3 da Cláusula 13º do Contrato de Concessão de Incentivos, celebrado nos autos: «(…) No caso de incumprimento injustificado das obrigações assumidas, constantes do presente contrato de incentivos, da Portaria nº 196-A/2001 de 10 de Março (…) será resolvido este contrato (…) declarado o vencimento imediato da dívida, convertendo-se o subsídio não reembolsável em reembolsável e, consequentemente, exigida a devolução das importâncias concedidas (…)».

Ressuma do supra quadro legal e contratual, que quer as AA/recorrentes, quer a sociedade “C…………” criada para enquadrar os novos postos de trabalho a financiar, ficaram solidariamente responsáveis pelo cumprimento das obrigações assumidas, designadamente a de manterem durante o período de 4 anos, os contratos de trabalho correspondentes aos postos de trabalho financiados, sem qualquer intervenção [quanto mais em termos de prevalência] das normas de direito privado alegadas pelas recorrentes nos presentes autos.

Assim, é de concluir, como aliás se refere no Acórdão recorrido, que a relação jurídico-administrativa configurada é muito diferente do padrão privatístico e, portanto, caem por terra, todos os argumentos que as recorrentes invocam no sentido de endereçar para a sociedade “C……….. Ldª” todas as responsabilidades decorrentes do incumprimento do contrato.

E assim sendo, é manifesto que não se verifica a alegada preterição do direito de audiência prévia, em relação à sociedade “C………..”, pois, tendo sido as sócias gerentes desta sociedade notificadas nessa qualidade, mostra-se devidamente cumprido o disposto nos artºs 100º e 101º do CPA.

Mas, vem ainda, suscitado um outro vício, referente à falta de fundamentação do acto impugnado, que igualmente improcede, dado que, nos termos previstos no artº 125º do CPA, a fundamentação, ainda que sucinta, deve ser expressa e suficiente, de molde a permitir que o interessado fique na posse de todos os elementos necessários de facto e de direito, para poder, entre o mais, impugnar o acto. Foi o que sucedeu nos autos, não se demonstrando que as autoras/recorrentes não tivessem percebido o itinerário cognoscitivo e valorativo e, que de alguma forma, tivessem ficado limitadas no exercício do seu direito de impugnação.


*

Aqui chegamos, analisemos agora a alegação das AA/recorrentes no segmento referente à impugnação da situação de incumprimento injustificado do contrato, por erro nos pressupostos, quer por a Administração não ter atendido às concretas condições desse incumprimento, quer por desconsiderar um eventual incumprimento parcial, quer ainda, por verificação de uma hipotética verificação de alteração anormal das circunstâncias, nos termos constantes do artº 437º do Código Civil.

Resulta, inclusive, do Preâmbulo da Portaria nº 196-A/2001 que o legislador pretendeu “…a criação de novas entidades, independentemente da respectiva forma jurídica e que originem a criação líquida de postos de trabalho, contribuindo para a dinamização das economias locais, mediante a realização de investimentos de pequena dimensão”- cfr. ainda o disposto no artº 9º.

Ora, o acto impugnado de devolução das verbas em causa, assenta no incumprimento em que ocorreram as promotoras (AA) no âmbito do projecto financiado.

Alegam as mesmas que tal incumprimento não lhes pode ser imputado, dado que se deveu a uma impossibilidade física e legal que teve a sua génese na insolvência em que incorreram e que foi declarada pelo Tribunal.

Ora, para além do disposto no artº 25º, nº 3 da Portaria nº 196-A/2001 que supra se deixou transcrito, bem como, o ponto 3 da Cláusula 13º do Contrato de Concessão de Incentivos, que igualmente se transcreveu, temos, ainda, como relevante as linhas de orientação previstas no Manual de Procedimentos do Programa de Estímulo à Oferta de Emprego – Regulamento Específico - disponível na internet, referindo no seu ponto 29, respeitante a “Incumprimento” o seguinte:

«29.1 Incumprimento injustificado e incumprimento justificado

Considera-se incumprimento injustificado das obrigações assumidas através do contrato de concessão de incentivos, aquele que pode ser imputado ao promotor, por acção ou acção dolosa ou negligente. Considera-se incumprimento justificado aquele que é determinado por facto alheio à vontade do promotor.

29.2 Reembolso das verbas concedidas – Incumprimento injustificado

O incumprimento injustificado implica o reembolso imediato da totalidade das verbas concedidas, no prazo de 60 dias úteis a contar da respectiva notificação, acrescido de juros legais, findo o qual é desencadeado o processo de cobrança coerciva da dívida, sem prejuízo de eventual procedimento civil ou criminal a que haja lugar.

29.3 Incumprimento justificado – Cálculo a efectuar para a reposição dos apoios

Em caso de incumprimento justificado, deve o IEFP atender à regra da proporcionalidade, no cálculo da reposição dos apoios, isto é, tomar em linha de conta quer o número de postos de trabalho não preenchido, quer a duração efectiva dos mesmos, relativamente ao projecto inicialmente aprovado».

Face a tudo quanto se deixou exposto, cremos que o acto impugnado não padece do erro nos pressupostos de direito que lhe é assacado pelas AA/recorrentes, pois, uma vez verificado pelo réu o incumprimento das prerrogativas constantes da legislação supra mencionada e das regras do contrato de incentivos, outra solução não lhe restaria que não fosse a resolução do contrato, não se lhe exigindo que optasse nem pela renegociação, nem pela suspensão do contrato como previsto nas cláusulas 11ª e 12ª e pretendido pelas AA, sem que a opção tomada viole quaisquer dos princípios legais e constitucionais pelas mesmas alegados [boa fé, proporcionalidade e justiça] – cfr. Ac. deste STA de 03.02.2011 in proc. nº 0474/10.

É verdade que se desconhecessem os motivos que levaram a sociedade “C………..” à situação de insolvência, com excepção dos fundamentos alegados que respeitam “à situação de inactividade e impossibilidade de cumprir as suas obrigações legais, bem como à alegada profunda crise económico-financeira na qual Portugal mergulhou, muito particularmente na área da actividade económica, não conseguindo obter crédito na banca e tendo cessado os pagamentos a entidades terceiras/fornecedoras”; só que, a considerarem-se estes fundamentos como válidos e não imputáveis às sócias gestoras da sociedade, estaria aberta a porta para qualquer sociedade beneficiar de incentivos financeiros e não cumprir justificadamente as cláusulas contratuais a que se obrigaram por via desse contrato.

Acresce, como muito significativo no caso dos presentes autos, que o presente contrato de incentivos foi celebrado em 29.11.2006 [para vigorar durante 4 anos], e logo, em Agosto de 2007, passados cerca de 9 meses, deu entrada no Centro de Emprego uma carta das promotoras a confirmar a declaração já anteriormente comunicada no sentido da impossibilidade de cumprimento e da intenção de cessar a actividade – cfr. pontos 4, 5 e 6 da factualidade provada.

Por outro lado, os fundamentos alegados para o incumprimento do contrato são demasiado genéricos para poder justificar o mesmo; 9 meses não terão sido suficientes para que se atribua toda a fundamentação numa crise que mergulhava o país, com dificuldades de acesso ao crédito, uma vez que esta situação já devia ser do prévio conhecimento dos outorgantes, que com ela deviam ter contado. Além do mais, inexiste nos autos, qualquer registo de actividade da sociedade comercial em causa, que permita ao julgador, perceber, pelo menos, em termos comparativos, se existiram efectivamente causas objectivas e concretas que determinaram o incumprimento.

Por outro lado, os riscos normais da actividade económica terão de caber na esfera económica dos respectivos agentes, uma vez que, sendo a criação de postos de trabalho o pressuposto essencial para a concessão de apoios neste domínio, não pode ser invocada, sem adição de outros factos concretos, a alegada crise económica [que aliás, já se verificava em geral] como factor justificativo do incumprimento contratual.

A não se entender desta forma, estaria franqueada uma via para muitas empresas, invocando esta generalidade de fundamentos, obterem do Estado fundos e incentivos e depois incumprirem as obrigações que haviam assumido, sem que lhes pudesse ser assacada qualquer responsabilidade, e deste modo, destruírem também as capacidades financeiras do Estado.

Igualmente, não restam dúvidas, que no caso presente, era às AA que cumpria o ónus de justificarem o incumprimento, aduzindo factos concretos que lhes diminuísse a culpa dos acontecimentos, para assim poderem beneficiar de uma mera restituição parcial, se fosse o caso.

Deste modo, não assiste razão às recorrentes quanto à impugnação da situação de incumprimento injustificado do contrato, por erro nos pressupostos de facto, quer por a entidade demandada não ter atendido às concretas condições desse incumprimento [que como se viu são genéricas], quer por ter desconsiderado um eventual incumprimento parcial [que no caso também não se mostrava ser a medida adequada] quer por qualquer alteração anormal de circunstâncias [que também não foram alegadas e provadas].

Por último, verificando-se uma situação de incumprimento, não faz sentido apelar à aplicação de medidas como a suspensão do contrato, uma vez que este tem subjacente uma situação de regularização e no caso dos autos, já nada havia para regularizar.


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3. DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento aos recursos.

Custas a cargo das recorrentes, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que foi concedido à recorrente B………….

Lisboa, 05 de Julho de 2018. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – António Bento São Pedro – José Augusto Araújo Veloso.