Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02030/15.9BEPNF 0702/18
Data do Acordão:10/03/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:ACÓRDÃO
INCUMPRIMENTO
Sumário:I - Se o STA considerou num seu anterior acórdão, proferido no âmbito do mesmo processo, que a questão do «caso julgado», tal como havia sido suscitada pelo recorrente podia e devia ser apreciada [era cognoscível] pelo TCA, este tribunal não pode, porque é um tribunal hierarquicamente inferior, contrariar tal decisão, transitada em julgado, violando assim o disposto no art. 212º, nº 1 da CRP e arts. 621º e 628º do CPC.
II – Tendo o TCA incumprido o dito acórdão do STA, deverá dar cumprimento efectivo ao determinado pelo tribunal superior.
Nº Convencional:JSTA000P24973
Nº do Documento:SA12019100302030/15
Data de Entrada:07/03/2019
Recorrente:CÂMARA MUNICIPAL DE SANTO TIRSO
Recorrido 1:SUMA - SERVIÇOS URBANOS E MEIO AMBIENTE,SA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. RELATÓRIO
O Município de Santo Tirso e o Agrupamento de Empresas CIA, formado por Rede Ambiente - Engenharia de Serviços, SA, e Ecorede - Engenharia e Serviços, Ld., interpuseram, na Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, distintos recursos de revista do acórdão do TCA Norte confirmativo da sentença em que o TAF de Penafiel, na acção de contencioso pré-contratual deduzida pelo Agrupamento constituído por Ferrovial Serviços, SA, e por Naturgreen, SA, contra aquele município e vários contra-interessados.
A sentença do TAF de Penafiel decidira em 08.11.2018, o seguinte: i) anular o acto de adjudicação praticado no âmbito do concurso para “a prestação de serviços de recolha de resíduos urbanos e limpeza urbana do concelho de Santo Tirso”; condenar a entidade demanda a solicitar, nos termos do disposto no art. 71º, nº 3 do CCP, esclarecimentos e elementos adicionais à CIA sobre o preço anormalmente baixo; iii) condenar esta Entidade a elaborar um novo relatório de avaliação das propostas que não reincidisse nas ilegalidades julgadas verificadas; iv) condenar a Entidade demandada a praticar novo acto de adjudicação expurgado de tais ilegalidades, prosseguindo o concurso até final, com as legais consequências; v) anular o contrato celebrado.

O Município de Santo Tirso, tendo sido notificado do Acórdão proferido em segunda instância, e com o mesmo não se conformando, veio interpor Recurso de Revista nos termos do art. 150º do CPTA, apresentando alegações com o seguinte quadro conclusivo:
Questão prévia: Incumprimento pelo TCAN do acórdão do STA de 06/12/2018:
i. O douto acórdão ora recorrido surgiu em consequência de um outro do STA que decidiu o seguinte: “O TCAN poderá ter em consideração a questão do «caso julgado» autonomamente suscitada pelo Município de Santo Tirso”
ii. Perante isto, o TCAN, no último parágrafo da penúltima página (154) do douto acórdão ora recorrido respondeu o seguinte: “Está-nos, assim, legalmente vedado apreciar a questão do caso julgado — formado no processo n° 267/17- esta matéria não foi suscitada nos textos das alegações ou nas conclusões das apelações dirigidas a este TCAN, mas tão só numa “comunicação autónoma”, dirigida aos Senhores Conselheiros do STA; somos, pois, absolutamente incompetentes para a enfrentar”.
iii. O STA, quando escreveu que “o TCAN poderá ter em consideração a questão do «caso julgado» autonomamente suscitada pelo MST”, decidiu que o TCAN tinha competência e estava obrigado a decidir a questão do caso julgado, pelo que, este não pode, porque é um tribunal hierarquicamente inferior, contrariar tal decisão, violando assim o disposto no artigo 212° da Constituição da República Portuguesa.
iv. Pelo que, o TCAN incumpriu ostensivamente o acórdão de STA, impondo-se, sem mais, a revogação do acórdão ora recorrido e a baixa dos autos para apreciação da questão do «caso julgado», ou, dado tratar-se de uma exceção de conhecimento oficioso, ser decidida pelo presente STA, o que aqui expressamente se requer
Da admissibilidade do Recurso de Revista
v. É o próprio TCAN, na parte final no seu douto acórdão, que reconhece o “labor jurídico das alegações dos Recorrentes”, ou seja, de certa maneira, o próprio TCAN reconhece a necessidade da presente revista para uma melhor aplicação do direito.
vi. Por outro lado, o presente processo já foi objeto de dois recursos de revista para o STA, sendo este o terceiro, o que por si só demonstra a relevância jurídica e social das questões em causa e consequente necessidade de admissão do presente recurso para melhor aplicação do direito.
vii. As questões colocadas, principalmente, a questão sobre a existência de caso julgado, revela-se jurídica e socialmente relevante, sob pena de existirem decisões contraditórias, colocando em causa a unidade do sistema jurídico e a confiança nas decisões.
viii. Além disso, as questões estão relacionadas com os poderes legais da entidade adjudicante na valoração das propostas e na reserva da discricionariedade técnica do júri, na apreciação das justificações do PAB e na apreciação e avaliação das propostas.
ix De igual de modo, importa saber se a periodicidade, circuitos e os horários do serviço de limpeza urbana são condições de execução do contrato predefinidas no CE e impostas aos concorrentes ou se são aspetos da execução do contrato submetido à concorrência (atributos), em particular, saber se o douto acórdão do TCAN proferido nos autos n° 2037/15.6BEPNF tem força de caso julgado.
x. E, quanto ao afastamento do efeito anulatório, a questão de saber em que termos deve ser aplicado, quando o contrato está a ser executado há quase quatro anos e a autora perdeu o interesse direto e pessoal na ação, é de relevante importância jurídica e que pode surgir em múltiplos casos. Em particular saber se o acórdão proferido pelo STA nos autos n° 2037/15.6BEPNF, em relação a esta matéria, tem força de caso julgado.
Posto isto:
xi. As questões acima enunciadas versam sobre aspetos revelantes dos procedimentos da contratação pública, com forte probabilidade de replicação, tratando-se de questões em que a solução jurídica pode servir de referência para as decisões dos tribunais e de orientação para a administração e para os particulares no âmbito da contratação pública.
xii. Importa ainda realçar a relevância social da causa advinda das consequências económicas e financeiras e indiretas para os concorrentes, população e trabalhadores da CIA e pelos significativos valores que estão em causa.
xiii. Em face de todo o exposto, por estarem preenchidos os pressupostos para tal, deve o presente Recurso de Revista ser admitido e, em consequência, conhecido o seu mérito.
Do fundo das questões:
Da desnecessidade de esclarecimentos adicionais quanto à justificação do preço anormalmente baixo”
xiv. A primeira e segunda instância fizeram errada interpretação do disposto no artigo 71° do CCP, dado que este deve ser interpretado no sentido que as dúvidas têm de ser do júri e não do Tribunal e consequentemente a apreciação do júri é insindicável pelo Tribunal, a não ser em caso de erro grosseiro, crasso ou palmar, o que não é seguramente o caso dos autos.
xv. Fizeram ainda errada interpretação do conceito de preço anormalmente baixo, dado que, ao apreciarem as razões justificavas do PAB, não consideraram o preço globalmente proposto; a diferença irrisória em relação ao limiar do PAB, e bem como não tiveram em consideração que o preço base do concurso, atendendo ao valor médio das propostas apresentadas, foi muito alto.
xvi. O preço globalmente proposto pela CIA ficou apenas € 22.905,32 abaixo do limiar do PAB, o que corresponde apenas a 0,29% do preço base, o que é irrelevante em mais de OITO MILHÕES DE EUROS, pelo que, é manifesta a desnecessidade de abertura de um sub-procedimento para pedir esclarecimentos ou elementos adicionais ao CIA, pois que, o preço apresentado não pode ser considerado como anormalmente baixo.
xvii. Fez, pois, o TCAN errada interpretação do conceito de Preço anormalmente baixo (artigo 71º do CCP) e das razões justificativas apresentadas.
xviii. Tal norma deve ser interpretada no sentido de que o júri goza de ampla discricionariedade quanto à aferição da razoabilidade e pertinência dos esclarecimentos prestados, desde que respeite os princípios a que se subordina a contratação pública, nomeadamente, proporcionalidade, justiça, razoabilidade e concorrência, o que foi seguramente o caso.
Errada interpretação das peças procedimentais / violação do caso julgado
xix. O acórdão ora recorrido pronunciou-se no sentido de que a periocidade, circuito e horários constituem aspetos da execução do contrato, submetidos à concorrência pelo Cadernos de Encargos.
xx. Sucede que, paralelamente, aos presentes autos, correu termos os autos nº 2037/15.6BEPNF, intentado por outro concorrente, a SUMA, onde por douto acórdão do TCAN de 30/11/2016, já junto aos autos com as anteriores alegações para este tribunal, foi decidido, de forma definitiva, que a periodicidade, circuitos e horários da limpeza urbana são condições de execução do contrato predefinidas no Caderno de Encargos e assim impostas aos concorrentes e, por isso, suscetíveis de serem adotadas, por remissão ou transcrição, pelas concorrentes nas suas propostas.
xxi. Esta decisão constitui caso julgado material em relação aos presentes autos, pois que, as partes são as mesmas e há identidade de objeto.
xxii. Assim sendo, o acórdão recorrido, nessa parte, violou o caso julgado formado nos autos nº 2037/15.6BEPNF.
Errada interpretarão do conceito e âmbito de plano de trabalhos previsto na cláusula 13 do CE / Inexistência de erro na avaliação:
xxiii. Conforme resulta da transcrição / colagem acima feita da cláusula 13 do CE e constante do ponto F) da matéria assente, o plano de trabalhos é composto por seis sub-planos.
xxiv. O TCAN reduziu o plano de trabalhos ao sub-plano de limpeza urbana, o que é manifestamente errado, pois que não teve em consideração a composição do plano de trabalhos, tendo confundido o TODO (plano de trabalhos) com a PARTE (sub-plano de limpeza urbana) e ainda com a sub-parte (sub-planos de varredura e de lavagem).
xxv. Não se pode “pegar”, como fez a primeira instância e o TCAN, numa ínfima parte (varredura e lavagem) de um sub-plano (limpeza urbana), para concluir que houve erro grosseiro na avaliação do TODO.
Assim sendo,
xxvi. O TCAN fez errada interpretação da cláusula 13 do CE e acima transcrita, não havendo qualquer erro na avaliação, se mais não fosse, porque a Periodicidade (frequência), “Circuitos” e “Horários” do Serviço de Limpeza Urbana constituem condições de execução do contrato predefinidas no Caderno de encargos e assim impostas aos concorrentes, compatíveis, por isso, com a repetição nas propostas de tais condições, ou seja, não são atributos valorados autonomamente.
DA VIOLAÇÃO DA RESERVA DE DISCRICIONARIEDADE DO JÚRI:
xxvii. O TCAN na interpretação que fez da cláusula 13 do CE, ao reduzir o plano de trabalhos ao sub-plano de limpeza urbana, omitindo os demais sub-planos que o compõem, entrou na esfera de discricionariedade técnica do júri.
xxviii. Mas, tal invasão ficou ainda mais evidente e sem margens para dúvidas, quando o TCAN fez um exercício de avaliação da proposta da CIA, quanto ao subfactor “MT2 — Plano de Trabalhos”, dizendo que “nunca poderia ser superior a 1 ponto”, substituindo-se ao júri (vide páginas 131 e 137 do douto acórdão),
xxix. O TCAN cometeu um erro grosseiro na avaliação que fez do sub-factor “MT2 — Plano de Trabalhos”, reduzindo-o ao sub-plano da limpeza urbana, quando aquele é composto por mais cinco sub-planos, conforme transcrição / colagem acima feita da cláusula 13
xxx. O sub-factor MT2 (Plano de Trabalhos) tem de ser avaliado como um todo, ou seja, têm de ser avaliados todos os sub-planos que o compõem (SEIS).
Sucede que:
xxxi. O TCAN atribuiu a pontuação de 1 no sub-factor MT2 (plano de trabalhos) devido ao fato de a proposta da CIA não definir a periocidade nem os horários de execução dos respetivos trabalhos de limpeza urbana, pelo que, está em causa apenas o sub-plano Limpeza Urbana, correspondente à alínea f) da cláusula 13 do CE (acima transcrita),
xxxii. Isto significa a contrário que, os restantes sub-planos (alíneas a) a e) da referida cláusula i teriam a classificação máxima de 10, pelo que, teríamos 50 pontos (5x10).
xxxiii. Considerando o ponto atribuído pelo TCAN ao sub-plano da limpeza urbana teríamos 51 pontos, dividindo por 6 (número de sub-planos que compõem o plano de trabalhos) teríamos a pontuação de 8,5, pelo que, mesmo arredondando para 8, a proposta da CIA ficaria em primeiro lugar — vide o último parágrafo da página 138,
xxxiv. Mas, se fossemos mais ao pormenor e avaliando cada um dos (sub) sub-planos que compõem o sub-plano de limpeza urbana da cidade Santo Tirso e da freguesia de Vila das Aves, a pontuação do sub-factor MT2 seria 9.57, com arredondamento teríamos a pontuação máxima de 10, pelo que, mesmo atribuindo a pontuação mínima nos (sub) sub- planos de varredura e de lavagem, a pontuação do sub-plano limpeza urbana seria sempre 10 e, de igual modo, seria a pontuação no sub-factor MT2 (plano de trabalhos).
Posto isto:
xxxv. O TCAN meteu a “foice em seara alheia”, entrando na esfera de discricionariedade técnica do júri, pois que, salvo melhor opinião, não tem conhecimentos e nem competência para avaliar o plano de trabalhos, na sua globalidade, dado a complexidade técnica dos planos ou sub-planos que o compõem.
xxxvi. Assim sendo, o TCAN na interpretação que fez dos seus poderes, violou grosseiramente o art. 111.º da CRP, que estabelece o princípio da separação dos poderes e bem assim do artigo 266.°, n.° 2 que estabelece o princípio da legalidade administrativa.
Do indeferimento do pedido de afastamento dos efeitos anulatórios
Da existência de caso julgado:
xxxvii. No âmbito do processo n° 2037/15.6BEPNF, intentado pelo Cl, SUMA, o presente STA, no âmbito do recurso n° 267/17, proferiu douto acórdão, já transitado em julgado, e pelo qual foi tomada seguinte decisão: “Conceder proveito aos recursos de revista do MST e do Agrupamento Ecorede e revogar no segmento impugnado o acórdão recorrido — assim julgando improcedente a ação — decidindo afastar, nos termos da P parte do n° 4 do artigo 283° do CCP, o efeito anulatório do contrato outorgado decorrente da ilegalidade do acto adjudicatário, por tal se revelar, no caso, como desproporcionado”.
xxxviii. O procedimento concursal é o mesmo, o acto de adjudicação e o contrato são os mesmos e as partes são as mesmas, pelo que, há claro caso julgado sobre a questão do afastamento do efeito anulatório do contrato — artigo 580º do CPC, que aqui expressamente se invoca.
xxxix. Aliás, exceção que já foi reconhecida, por douta sentença, já transitada em julgado, proferida pelo TAF de Penafiel em ação interposta pela Cl SUMA, SA no processo n° 800/17.2BEPNF - doc
Sem prescindir:
xl. O Recorrente entende que, quer a primeira quer a segunda instância, fizeram errada apreciação / ponderação dos interesses das partes e da gravidade dos vícios, face ao facto de a autora (terceira classificada) ter perdido o interesse direto e pessoal na manutenção dos efeitos anulatórios do contrato, pois que, ao ver indeferida a existência de erro grosseiro na avaliação da sua proposta e da Cl, SUMA (segunda classificada), deixou de ter necessidade de tutela jurisdicional que justifique a manutenção desses efeitos, pela simples razão de que nunca poderá ficar em primeiro lugar.
xli. Assim sendo, tendo a autora perdido o interesse direto e pessoal na manutenção dos efeitos anulatórios do contrato, justifica-se o afastamento desses efeitos.
xlii. No caso, a anulação do acto de adjudicação não irá trazer qualquer vantagem real ao autor da acção (terceira classificada), porque dela não decorrerá a alteração da classificação em termos de a sua proposta ficar melhor classificada e ordenada do que a proposta adjudicada.
xliii. Por outro lado, ao assinar o contrato, o adjudicatário vinculou-se a executar o contrato de prestação de serviços de acordo com as condições previstas nas Condições Jurídicas e Técnicas do Caderno de Encargos, o qual faz parte integrante do contrato, conforme se dispõe na al. c) do n.° 2 do artigo 96.° do CCP, sendo que, em caso de desconformidade entre o CE e a proposta adjudicada aquele prevalece sobre esta (art. 96.°, n.° 5, do CCP);
xliv. Assim sendo, os vícios ainda que geradores da anulabilidade do acto adjudicatório e consequentemente do contrato público celebrado, não deveriam ter sido considerados de relevante gravidade, pois na prática, e em sede de execução do contrato, o adjudicatário não tem como não proceder à execução do serviço de forma diferente daquela que está prevista no Caderno de Encargos, e de facto está o serviço a ser executado nos termos exigidos.
xlv. Seja como for, ainda que se registasse uma modificação subjectiva do contrato celebrado ou uma alteração do seu conteúdo essencial, poderá ser aplicado o n.° 4 do artigo 283.° do CCP quando, “ponderados os interesses públicos e privados em presença e a gravidade da ofensa geradora do vício do acto procedimental em causa, a anulação do contrato se revele desproporcionada ou contrária à boa fé”.
xlvi. No que concerne à ponderação judicial das condições assinaladas no n.° 4 do artigo 283.° do CCP, é importante também reter que a ponderação a realizar pelo julgador deve considerar não apenas o ocorrido na fase de formação do contrato mas, de igual forma, o que sucedeu já após a adjudicação do contrato: a circunstância de, por exemplo, o contrato já ter sido celebrado; de, inclusivamente, já estar a ser executado; o tempo que já decorreu desde o início da execução do contrato (ponderado o factor tempo com o tipo de contrato em causa).
xlvii. No caso, o contrato está a ser executado desde 15/12/2015, ou seja, a caminho dos quatro anos e tem por objeto a prestação de serviços púbicos essenciais (recolha do lixo), sendo que da continuidade da prestação resultará uma poupança para o erário público de € 870.000,00, que poderá ser aplicada no interesse da população local.
xlviii. Acresce que, os serviços contratados exigem uma série de equipamentos, mão-de-obra e infraestruturas para que os serviços possam ser prestados.
xlix. E também não parece haver dúvidas de que apenas o afastamento do efeito anulatório está em condições de assegurar a continuidade sem falhas da prestação dos serviços de recolha e limpeza e evitará o desemprego de dezenas de pessoas, que sem culpa veriam as suas vidas afetadas, o que seria um drama social, numa zona do país onde o desemprego é muito forte.
l. E, diga-se ainda, parece não haver dúvidas de que o retomar do procedimento concursal na fase da elaboração do relatório de avaliação e o eventual recurso a contratos temporários a celebrar por ajuste directo têm implicações e custos e entraves financeiros e administrativos que não podem ser negligenciados.
li. Por isso, será desproporcionado anular um contrato público que assegura os serviços de recolha de resíduos urbanos e limpeza nos termos previstos no CE, quando a alternativa é retomar o procedimento concursal com o pedido de esclarecimentos adicionais sobre o PAB e a elaboração de novo relatório de avaliação das propostas, sujeitando a população aos inconvenientes e perigos resultantes da descontinuidade, ainda que não muito significativa, da prestação dos serviços contratualizados, ou, em alternativa, recorrendo à celebração de contratos temporários por ajuste directo, o que, além de aumentar os custos para o erário público, dificilmente alcançará o objectivo de assegurar a continuidade sem falhas dos serviços de recolha e limpeza.
lii. De facto, ponderados os interesses da Administração, da concorrente a quem foi adjudicado o contrato de prestação de serviços e da contra-interessada autora da presente acção, a solução do afastamento do efeito anulatório é a que melhor se coaduna com as exigências da necessidade ou exigibilidade e da proporcionalidade em sentido restrito, sub-dimensões do princípio da proporcionalidade, na medida em que, respectivamente, se afigura a solução menos onerosa do ponto de vista pessoal e material, e porque, com base num juízo de ponderação custos-benefícios, pode concluir-se que os benefícios colhidos com essa solução superam, ou pelo menos equivalem-se aos prejuízos ou inconvenientes que dela decorrem.
liii. Assim sendo, seriam maiores os prejuízos para o recorrente do que os benefícios para a autora da acção e ora recorrida.
liv. Devendo, em consequência, ser revogado o douto acórdão do TCAN e decretado o afastamento do efeito anulatório do contrato.
Termos em que o presente recurso deve ser admitido e julgado por provado e procedente e em consequência declarada a nulidade do douto acórdão do TCAN ou o mesmo anulado ou revogado, declarando-se a validade do ato de adjudicação ou, pelo menos, decretado o afastamento do efeito anulatório do contrato, JUSTIÇA!


O Agrupamento de Empresas Rede Ambiente - Engenharia de Serviços S.A. e ECOREDE - Engenharia e Serviços LDA, recorre igualmente em Revista para esta Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, apresentando para o respectivo efeito alegações com as seguintes conclusões:
I. O Acórdão recorrido incorre em manifesto erro na apreciação do conceito de condições de execução do contrato predefinidas no Caderno de Encargos e na não aplicação do artigo 283°, n.° 4 do Código dos Contratos Públicos, erros juridicamente insustentáveis.
II. A intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, quanto a estas matérias, é essencial para a boa administração da justiça pelo que se justifica que o presente recurso seja admitido ao abrigo do artigo 150.° do CPTA.
lll. Aliás, o acórdão recorrido está em contradição com o decidido no Recurso de Apelação proferido pelo TCAN no âmbito do processo n.° 2037/15.6BEPNF, em 30/11/2016, já junto aos autos.
IV. Tal acórdão decidiu sobre o mesmo concurso público, tendo sido julgado de forma definitiva, que a periodicidade, circuitos e horários são condições de execução do contrato predefinidas no Caderno de Encargos e não atributos a que o Concorrente deveria dar resposta na sua proposta, entendimento totalmente oposto ao defendido no acórdão ora recorrido.
V. O acórdão ora recorrido viola o caso julgado material ao não ter decidido pelo afastamento do efeito anulatório do contrato, o acórdão recorrido respeitando a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, no referido processo n.° 2037/15.6BEPNF, em 20/06/2017 (Processo 0267/17, in www.dgsi.pt).
VI. Tal conceito é de grande relevância jurídica, para correta aplicação das normas do Código dos Contratos Públicos.
VIl. O recurso de revista deve ser admitido nos termos do artigo 150.° do CPTA pois impõe-se a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo quanto a esta matéria, havendo utilidade prática na apreciação desta questão para a boa administração da justiça e por ser necessária a sua orientação jurídica esclarecedora.
VIII. Foi submetida à apreciação do TCAN a inexistência de erro grosseiro na valoração da proposta do CIA Recorrente quanto ao sub-factor MT2, por não haver correspondência entre a apreciação realizada pelo Tribunal e as peças do procedimento.
lX. No entanto, e surpreendentemente, o TCAN entendeu que os elementos “Periodicidade” e os “Horários” do Serviço de Limpeza Urbana constituem, efectivamente aspectos de execução do contrato submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos.”
X. E concluiu que de forma inusitada que o Agrupamento Rede Ambiente não apresentou atributos para os aspetos da execução do contrato Periodicidade e Horários e que daqui decorre que não poderia ser-lhe atribuída a pontuação máxima de 10 pontos no sub-factor MT2.
XI. É posto em crise o Plano de Trabalhos (composto por seis sub-planos, sendo que o que aqui está em questão é constituído por sete sub-planos), que representa um dos documentos que integrava as propostas a apresentar pelos concorrentes e cuja apreciação integrava um sub-fator avaliado pela Entidade Adjudicante.
XII. É manifesto que a periodicidade e os horários definidos no Caderno de Encargos e nos anexos não foram fixadas por recurso a parâmetros, de modo a que os concorrentes definissem mais concretamente dentro daquilo que era proposto pela Entidade Adjudicante qual a concreta data e hora em que se propunham a proceder à limpeza de cada um dos circuitos.
XIIl. A periodicidade, os circuitos e os horários do serviço de limpeza urbana (varredura e lavagem) foram definidos pelo Caderno de Encargos e impostos aos concorrentes.
XIV. Os Anexos II A e lI B do Caderno de Encargos definem os Circuitos e a Periodicidade para os diversos serviços de limpeza, dispondo de forma gráfica a concreta periodicidade para cada uma das atividades de limpeza cuja execução é exigida pela Entidade Adjudicante para os locais definidos nos Anexos III A e B, onde estão definidas as várias áreas de delimitação da limpeza urbana por cores.
XV. Não existe assim qualquer variável dentro da qual o concorrente tivesse de definir o que quer que fosse, não existe a fixação de máximos e mínimos, em cujo intervalo a entidade adjudicante pretende que o concorrente se posicione, a fim de se vincular como cláusula contratual à data da celebração do contrato.
XVI. Não foram definidos parâmetros dentro dos quais os concorrentes deveriam definir o horário e periodicidade, a fim de obter a pontuação de 10 valores, conforme decidiu o Tribunal a quo, mas sim condições impostas aos concorrentes.
XVII. A imposição de um sentido interpretativo que não obtém correspondência com a redação efetivamente adotada pelas peças do procedimento não pode, nem do ponto de vista jurídico-formal, nem do ponto de vista dos interesses materiais da Entidade Adjudicante, constituir uma instrução para a apreciação das propostas.
XVIII. O TCAN não tem em consideração que a entidade adjudicante neste sub-fator pretendeu avaliar a coerência, a completude, a clareza ou outras características do modo como o concorrente descreve os termos ou condições em que se propõe executar o contrato - e não o mérito desses termos ou condições em si mesmos considerados.
XIX. O atributo é o “elemento ou característica” da proposta que visa responder a um fator ou sub-fator do critério de adjudicação — é o conjunto de informação que o concorrente apresenta num dado documento para avaliação global da sua memória descritiva ou plano de trabalhos, e não uma qualquer informação individualizada que a entidade adjudicante não pode nem quer avaliar de modo isolado.
XX. Não é o circuito, o horário, o método proposto que a Entidade Adjudicante pretende avaliar, mas antes o modo como, globalmente, eles são descritos e apresentados de uma forma mais ou menos integrada, credível e coerente.
XXI. Na apreciação desse fator ou sub-fator, a entidade adjudicante não atribuirá maior ou menor pontuação consoante se sinta mais ou menos atraída por um dado circuito, horário ou método propostos por cada concorrente; antes, uma vez que a pontuação incide sobre a globalidade (o conjunto) desse circuito, horário ou método, a maior ou menor pontuação resultará, simplesmente, do mérito ou demérito dessa descrição.
XXII. O acórdão recorrido, erradamente, entende a própria referência à “periodicidade”, aos «circuitos” ou aos “horários” do serviço de limpeza a propor por cada concorrente consiste num atributo.
XXlll. Este equívoco interpretativo quanto ao conceito e à natureza dos atributos da proposta no Direito Português é na verdade uma violentação da autonomia regulamentar da entidade adjudicante.
XXIV. Ao considerar atributos elementos individualizados que faziam parte de um atributo global está-se a forçar a entidade adjudicante a atribuir uma nova relevância (a relevância própria de atributos autónomos) a algumas das informações constantes das propostas que não foram consideradas na universalidade da avaliação das propostas em sede do concurso.
XXV. Ao manter a condenação da Entidade Demandada a elaborar novo relatório de avaliação das propostas está-se a obrigá-la a proceder a uma nova decisão com base em novos considerandos que nunca previu nas peças e com as quais o mercado não poderia razoavelmente contar, em violação do princípio da “transparência” a que se refere o n.° 4 do artigo 1.º do CCP.
XXVI. O acórdão recorrido não apreciou devidamente o caderno de encargos, como projeto imperativo de contrato que a entidade adjudicante revela aos concorrentes (cfr. n.° 1 do artigo 42.° do CCP), cujas condições têm de ser integral e incondicionalmente aceites pelos interessados em contratar.
XXVII. A entidade adjudicante, aqui, pretende que o concorrente se vincule especificamente ao cumprimento de certos “termos ou condições”, propostos por si próprio, “relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos”.
XXVIII. O aqui Recorrente ao reproduzir nos documentos constitutivos da sua proposta praticamente todas as exigências fixadas no Caderno de Encargos, mais não fez do que expressar uma vontade firme de obedecer a todas as condições contratuais fixadas pela entidade adjudicante.
XXIX. Tal como evidenciam as alegações de recurso apresentadas pelo aqui Recorrente e de forma relevante, o douto acórdão do TCAN de 30/11/2016, no processo 2037/15.6BEPNF, ao contrário do entendido no acórdão ora recorrido, a Periodicidade e os Horários constituem aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência.
XXX. Termos em que é evidente que foi feita uma errada interpretação das peças do concurso pelo que a decisão proferida deveria ter revogado a sentença recorrida, que condenou a Entidade Adjudicante a, entre o mais, elaborar um novo relatório de avaliação das propostas.
XXXI. Cabe ao juiz o papel de avaliar os efeitos invalidantes, ou não, do contrato assente em acto adjudicatário inválido, ponderando os interesses em presença (as consequências antecipáveis para os mesmos) dentro dos limites traçados na norma.
XXXII. O artigo 283.°,n.° 4 do CCP determina que o efeito anulatório previsto no seu n.° 2 pode ser afastado por decisão judicial ou arbitral, quando ponderados: os interesses públicos e privados em presença e a gravidade da ofensa geradora do vício do acto procedimental em causa, se conclua que a anulação do contrato se revela desproporcionada ou contrária à boa-fé ou quando se demonstre inequivocamente que o vício não implicaria uma modificação subjectiva no contrato celebrado nem uma alteração do seu conteúdo essencial.
XXXIII. Decorre assim que, nem toda a invalidação do acto em que assenta a celebração do contrato provoca, necessariamente, a invalidação do próprio contrato.
XXIV. É imperativa a apreciação da consequência da invalidação do contrato à luz dos princípios da proporcionalidade e da boa-fé, considerando a ponderação de todos os interesses em presença e a uma realística relevância dos diferentes níveis de gravidade que pode apresentar um vício gerador de anulabilidade.
XXXV. Ora, apesar do acórdão recorrido considerar que do citado normativo resulta que se deve fazer um juízo de ponderação quanto aos interesses públicos e privados em presença, e sobre a gravidade da ofensa geradora dos vícios que conduziram à anulação do acto procedimental em causa, certo é que acaba por ter uma ponderação redutora e pouco consentânea com a realidade.
XXXVI. Por um lado, por não existir qualquer omissão na proposta do CIA quanto à indicação da periodicidade e horários, e por outro, atenta a reduzida expressividade que, se de facto existisse, tal omissão teria no âmbito do contrato celebrado entre o Município de Santo Tirso e o CIA.
XXXVII. O Tribunal recorrido efetuou uma total depreciação do interesse privado do CIA, o que é inconcebível, considerando que logo no início da execução de contrato, necessariamente, teve de proceder a avultados investimentos iniciais, em equipamentos e infra-estruturas.
XXXVIII. O Recorrente adjudicatário, CIA, teve de proceder ao fornecimento e instalação de novos contentores, papeleiras, guardas metálicas de proteção dos contentores e assegurar a aquisição de viaturas, máquinas e outros equipamentos, bem como os meios materiais adequados e necessários à execução do contrato, ficando ainda a seu cargo garantir o pessoal e instalações necessário para esse efeito. (Cláusula 1.º, 5.º 16.º 17. º das Cláusulas Jurídicas e Cláusula 5.º, 21.º 27.° e 29.º das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos).
XXXIX. Em cumprimento do Caderno de Encargos, no início da vigência do contrato, o adjudicatário teve de retomar uma varredora mecânica e 1880 contentores, de 800 litros e 1000 litros, existentes no concelho de Santo Tirso (Cláusula 29.° e 30.º das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos).
XL. É, pois, evidente, que o início de execução do contrato implicou avultados investimentos para o CIA, pelo que a anulação do contrato lhe traria graves prejuízos, de difícil recuperação, atenta a falta de retorno do investimento realizado.
XLI. Considerando os meios técnicos e humanos necessários para assegurar a execução do contrato, facilmente se percebe que só o afastamento do efeito anulatório do contrato garante a continuidade da prestação de serviços de recolha e limpeza, em todo o Município de Santo Tirso.
XLII. Mais se salienta que, em caso da anulabilidade do contrato vigente e em execução, desde 2015, as soluções alternativas com vista a manter os serviços de recolha e limpeza tem implicações negativas para o interesse público, pois aumentaria os custos e seria impossível evitar falhas na execução dos serviços, na totalidade do território do concelho.
XLIII. É assim, desproporcionado anular o contrato público em vigor, que está a ser executado em conformidade com o Caderno de Encargos.
XLIV. Ressalva-se a respeito da ponderação dos interesses envolvidos, o fraco interesse da Autora na anulação do contrato, já que atenta a decisão pela manutenção da avaliação da sua proposta, que ficou em 3.° lugar e da proposta da SUMA, que ficou em 2.° lugar, claramente se depreende que, de facto, não tem interesse na anulação do contrato.
XLV. A aplicação do artigo 283.°, n.° 4 do CCP não se coaduna com a interpretação realizada pela decisão recorrida pois, os critérios que determinam o afastamento do efeito anulatório não são cumulativos, e é evidente da leitura do artigo que a conjunção “ou” indica alternativa ou opcionalidade.
XLVI. Na verdade, a ponderação para a decisão de não afastamento do contrato deveria recair, de facto e de direito, apenas sobre os interesses públicos e privados em presença e a gravidade da ofensa geradora do vício do acto procedimental em causa e no facto da anulação do contrato se revelar desproporcionada.
XLVII. É assim imperativa a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo para a boa aplicação do direito, uma vez que não estão em causa só nos presentes autos, mas também em casos semelhantes.
XLVIII. Ora, um Tribunal de revista é um “tribunal cuja função própria e normal é restabelecer o império da Lei corrigindo os erros de interpretação e aplicação das normas jurídicas cometidos pela relação ou pelo tribunal da 1ª. instância, contribuindo para a uniformização da jurisprudência”
XLIX. Para a uniformização das decisões quanto ao afastamento ou não do efeito anulatório, o Supremo Tribunal Administrativo deve determinar como relevante o tempo de vigência do contrato público, anulável por invalidade derivada, tendo, no entanto, especial atenção ao seu tipo e características intrínsecas, para efeitos de apreciação jurídica do afastamento do efeito anulatório do contrato.
L. A decisão recorrida não ponderou devidamente o concreto contrato público em causa e as obrigações assumidas pelas partes com vista à sua execução.
LI. A ponderação realizada foi de tal maneira generalista que, tanto valia estar em causa um contrato de empreitada, como um contrato de fornecimento de canetas ou de prestação de refeições numa cantina da escola, casos em que a cessação do contrato não comportaria grandes prejuízo.
Lll. Estamos aqui perante um contrato de Prestação de Serviços de Recolha de Resíduos Urbanos e Limpeza Urbana de um município, em que no âmbito da sua execução, o adjudicatário teve de proceder ao fornecimento e instalação de novos contentores, papeleiras, guardas metálicas de proteção dos contentores e assegurar a aquisição de viaturas, máquinas e outros equipamentos bem como os meios materiais adequados e necessários à execução do contrato, ficando ainda a seu cargo garantir o pessoal e instalações necessário para esse efeito. (Cláusula la, 5Y, 1e.a, 17. 20.a das Cláusulas Jurídicas e Cláusula 5Y, 21 27.° e 2 das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos.
Llll. Estas obrigações contratuais estabelecidas no Caderno de Encargos tiveram que ser assumidas pelo Recorrente Adjudicatário ab initio com a execução do contrato.
LIV. A ponderação realizada a este respeito pelo Tribunal a que partiu de premissas totalmente erradas, designadamente quanto à gravidade dos vícios.
LV. O artigo 283°, n.° 4 do CCP surge precisamente como válvula de escape para este tipo de situação propugnando pela efetiva ponderação dos interesses públicos e privados em presença, que não foram devidamente considerados.
LVI. Atendendo às precisas características do contrato celebrado, em que o Adjudicatário tem de fazer inicialmente grandes investimentos para a sua execução e em que a Entidade Adjudicante tem interesse grande interesse na continuidade da regular execução do serviço público em causa e na poupança aferida para o erário público com a celebração do contrato por contraponto aos interesses da Autora da ação de contencioso pré-contratual, que nem sequer tem qualquer interesse que devesse ser privilegiado em sede de ponderação, razoável seria sim entender como certa a decisão judicial pelo afastamento anulatório.
LVII. Estamos perante um serviço público essencial, de recolha de resíduos e limpeza urbana, que não pode ser de maneira nenhuma suspenso, pois tal poria em causa a salubridade do município e, naturalmente a saúde pública!
LVlll. A Entidade Adjudicante não tem meios próprios para realizar a limpeza urbana e recolha de resíduos, nem a execução deste serviço público pode estar sujeita às delongas decorrentes da realização de um novo contrato com outra prestadora de serviços, pois não pode ser posta em risco a salubridade e a saúde pública do município.
LIX. A demora inerente à realização de um novo relatório preliminar pelo júri, seguido por todas as formalidades adjudicatórias e pós-adjudicatórias, só poderia ser suportada por um contrato celebrado à margem da concorrência — exatamente aquilo que se pretendia evitar com o concurso vencido pelo Consórcio Adjudicatário
LX. De forma irreal, o acórdão recorrido considera não haver qualquer risco real, concreto de vir, efetivamente, a ocorrer alguma interrupção na prestação dos serviços adjudicados.
LXI. Todavia, são conhecidos os constrangimentos que as entidades públicas têm para proceder à contratação, seja pelas pressões orçamentais, seja pela necessidade de obterem o visto do Tribunal de Contas, pelo que não se afigura fácil perceber como é que o acórdão recorrido inferiu tal possibilidade como dado adquirido.
LXII. Com vista à efetiva uniformização da jurisprudência e boa aplicação do direito deve ser assente pelo Supremo Tribunal de Justiça que se tenha como premissa de aplicação do artigo 283°, n.° 4 do CCP, o tempo de vigência do contrato público, consoante o seu tipo e características intrínsecas, por forma a obstar a uma ponderação generalista a este respeito pelas instâncias.
LXIII. De facto, deve ser tido em consideração, o interesse do Município de Santo Tirso na continuidade das prestações de serviço público, desde a recolha dos diversos resíduos urbanos à limpeza de vias e ruas em prol do interesse público subjacente — a salubridade e saúde pública —, bem como o interesse económico derivado da proposta economicamente mais vantajosa para erário público;
LXIV. É de sopesar o interesse do Recorrente, a quem foi adjudicado o contrato de prestação de serviços, ressalvando o investimento realizado na aquisição dos diversos equipamentos e à implantação das infra-estruturas necessárias, a continuação da prestação de serviços e a consequente rentabilização dos investimentos, entretanto efetuados;
LXV. Mais se releva, não existir por parte da Recorrida qualquer interesse na anulação do contrato já que ficou em terceiro lugar, na ordenação das propostas.
LXVI. A ponderação responsável pelas instâncias, atentos os interesses públicos e privados em presença e a gravidade da ofensa geradora do vício do acto procedimental em causa logicamente implica que se conclua que a anulação do contrato público em crise se revela desproporcionada.
LXVII. A dilucidação desta questão reclama a intervenção deste Supremo Tribunal, enquanto órgão de cúpula da jurisdição administrativa, para que se proceda à correta aplicação dos critérios fixados na lei, concretamente no artigo 283.°, n.° 4 do CCP.
LXVIII. Face ao exposto, a decisão recorrida não pode manter-se, pois estão preenchidos os pressupostos para a aplicação do artigo 283.°, n.° 4 do CCP, pelo que consequentemente deve ser determinado o afastamento do efeito anulatório do contrato público em causa nos autos, atenta a ponderação dos interesses da Administração, do concorrente a quem foi adjudicado o contrato de prestação de serviços e da contra- interessada autora da presente ação, já a decisão neste sentido é a que melhor se coaduna com as exigências da necessidade ou exigibilidade e da proporcionalidade em sentido restrito.
PELO EXPOSTO E NO MAIS QUE VENHA A SER SUPRIDO POR V. EXAS:
a) POR SE VERIFICAREM OS SEUS PRESSUPOSTOS DEVE SER ADMITIDO O RECURSO DE REVISTA;
b) DEVE DAR-SE PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA NA PARTE DA ALTERAÇÃO DA AVALIAÇÃO DA PROPOSTA DO CIA, SUBSTITUINDO-SE POR OUTRA QUE DETERMINE A MANUTENÇÃO DA AVALIAÇÃO REALIZADA PELA ENTIDADE ADJUDICANTE QUANTO À PROPOSTA DO AQUI RECORRENTE;
e) SUBSEQUENTEMENTE, DEVE DAR-SE PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, SUBSTITUINDO-SE POR OUTRA QUE DETERMINE O AFASTAMENTO DO EFEITO ANULATÓRIO DO CONTRATO POR A ANULAÇÃO DO CONTRATO SE REVELAR DESPROPORCIONAL CONSIDERANDO OS INTERESSES PÚBLICOS E PRIVADOS EM PRESENÇA E A GRAVIDADE DA OFENSA GERADORA DO VÍCIO DO ACTO PROCEDIMENTAL EM CAUSA, ASSIM SE FAZENDO INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!

Por acórdão de 7 de Maio de 2019, o Supremo Tribunal Administrativo, em apreciação preliminar, acordou em admitir as revistas, no que agora interessa, nos seguintes termos:
«A acção dos autos – inserida no contencioso pré-contratual e relativa a um concurso aberto na CM Santo Tirso para o fornecimento de «serviços de recolha de resíduos urbanos e limpeza urbana» no respectivo concelho – foi interposta pelas autoras, unidas num agrupamento, contra o município agora recorrente, as outras recorrentes (constituintes do denominado Agrupamento CIA – que, «in fine» veio a ser adjudicatário) e outras concorrentes.
O acórdão do TCA, agora sob recurso, manteve a pronúncia anulatória – e os efeitos que dela precisamente decorriam – emitida no TAF.
Na sua revista, o Município de Santo Tirso imputa imediatamente ao aresto «sub specie» o incumprimento do acórdão que o STA, em 6/12/2018, proferiu nos presentes autos.
Note-se que este processo não é o único recaído sobre o concurso, pois já correu entre as partes uma outra acção a seu propósito. Por isso, o STA, nesse seu acórdão, disse que «o TCAN poderá ter em consideração a questão do “caso julgado” formado nesse outro processo». Ora, sobre isso, o aresto recorrido afirmou estar-lhe «legalmente vedado apreciar a questão do caso julgado» a que o STA se referira.
Donde se depreende, numa «brevis cognitio», que o STA encarou o problema do caso julgado como uma questão cognoscível; e que o TCA, ao invés, considerou que a questão não era cognoscível.
Sendo assim, está indiciado o incumprimento – da mencionada pronúncia do Supremo – que o município recorrente invoca na sua revista. E este simples pormenor justifica o recebimento dela, para se proceder a uma averiguação completa do assunto.
(…)».

Cumpre, agora apreciar e decidir

2. Os Factos
Nos termos dos artigos 663º, nº 6 e 679º do CPC, remete-se para a matéria de facto dada como provada nas instâncias.

3. O Direito
Na presente acção de contencioso pré-contratual Agrupamento de Empresas “Ferrovial Serviços, SA” e Naturgreen, SA demandam o Município de Santo Tirso (doravante MST), e as contra-interessadas Ecoambiente – Consultores de Engenharia, Gestão e Prestação de Serviços, SUMA – Serviços Urbanos e Meio Ambiente, SA, EGEO – Tecnologia e Ambiente, SA, Agrupamento de Empresas Rede Ambiente – Engenharia e Serviços, Lda, Ecorede – Engenharia e Serviços, Lda e RRI – Recolha de Resíduos Industriais, SA, no âmbito do concurso público internacional para a «Prestação de Serviços de Recolha de resíduos Urbanos e Limpeza Urbana» no concelho de Santo Tirso, publicitado por anúncio, nº 7079/2014, publicado no DR, 2ª série, nº 239, de 11.12.2014.
Formularam nessa acção, com fundamento em erro grosseiro na avaliação das propostas, os seguintes pedidos:
A) anulação do acto de adjudicação à contra-interessada adjudicatária (CIA) da prestação de serviços em causa, e se entretanto tiver sido celebrado o contrato, a anulação do mesmo por invalidade derivada;
B) condenação do MST a ordenar a prática dos actos necessários à reposição da legalidade, que se traduzem em ordenar ao júri do procedimento a elaboração de um novo relatório de avaliação das propostas, com vista à graduação da proposta do autor em 1º lugar e com ele celebrar o respectivo contrato.

O TAF de Penafiel julgou procedente a acção nos termos supra mencionados, por ter entendido que o Agrupamento vencedor, ora recorrente, apresentou “um preço anormalmente baixo” e sem justificação convincente, e que a respectiva proposta não contém plano de trabalhos que integre a “periocidade e horários” de varreduras e lavagens das vias e praças municipais, desobedecendo ao Caderno de Encargos, devendo, por isso, a proposta vencedora ser excluída (art. 70º, nº 2 do CCP).

Foram interpostos quatro recursos para o TCAN, que, por acórdão de 10.03.2017, negou provimento aos mesmos, confirmando a sentença recorrida.

Interpostos três recursos de revista, este STA, por acórdão de 08.02.2018, e conhecendo da revista interposta pelo MST, “declarou nulo o acórdão recorrido e determinou a baixa dos autos ao TCAN para conhecer do recurso efectivamente interposto pelo MST”, declarando ainda “sem efeito a pronúncia efectuada sobre o alegado recurso quanto a custas”.

O TCAN, por acórdão de 19.04.2018, manteve nos seus precisos termos o decidido no seu anterior acórdão.

Discordando do decidido foram interpostos dois novos recursos de revista independentes, vindo este STA, por acórdão de 06.12.2018, e conhecendo da revista do MST, a decidir revogar o acórdão recorrido determinando a baixa dos autos para ser dado cumprimento ao acórdão do STA de 08.02.2018 [por não terem sido conhecidas na sua especificidade as questões suscitadas pelo MST]. Referiu expressamente este acórdão que, “Sendo que, nesse conhecimento, o TCAN poderá ter em consideração a questão do «caso julgado» autonomamente suscitada pelo MST».

O TCAN, por acórdão de 25.01.2019, sobre a questão do «caso julgado», decidiu o seguinte:
«Está-nos, assim, legalmente vedado apreciar a questão do caso julgado – formado no processo nº 267/17 -; esta matéria não foi suscitada nos textos das alegações ou nas conclusões das apelações dirigidas a este TCAN, mas tão só numa “comunicação autónoma”, dirigida aos Senhores Conselheiros do STA; somos pois absolutamente incompetentes para a enfrentar”. Assim, julgou improcedentes as conclusões das alegações e negou provimentos aos recursos.

No presente recurso de revista vem o Recorrente MST invocar que o acórdão recorrido incumpriu o acórdão do STA de 06.12.2018.
Alega que o acórdão ora recorrido surgiu em consequência de um outro do STA que decidiu o seguinte: “O TCAN poderá ter em consideração a questão do «caso julgado» autonomamente suscitada pelo Município de Santo Tirso”. E que face a este acórdão o TCAN, no último parágrafo da penúltima página (154) do acórdão ora recorrido respondeu o que acima se encontra transcrito, no sentido de lhe estar legalmente vedado apreciar a questão do caso julgado.
Assiste razão ao Recorrente.
Com efeito, o STA, quando fez constar no referido acórdão que o TCAN poderá ter em consideração a questão do caso julgado suscitada pelo MST, decidiu que o TCAN tinha competência e estava obrigado a decidir a questão do caso julgado.
Como bem se fez notar no acórdão da formação preliminar que admitiu as presentes revistas, o STA considerou nesse seu anterior acórdão que a questão do «caso julgado», tal como havia sido suscitada pelo MST podia e devia ser apreciada [era cognoscível] pelo TCAN. E este Tribunal entendeu, em sentido oposto, que não podia dela conhecer.
Ora, o TCAN não pode, porque é um tribunal hierarquicamente inferior, contrariar tal decisão, transitada em julgado, violando assim o disposto no art. 212º, nº 1 da CRP e arts. 621º e 628º do CPC.
Assim, o TCAN incumpriu o dito acórdão do STA, impondo-se a revogação do acórdão ora recorrido e a baixa dos autos para apreciação da questão do «caso julgado», conforme determinara este STA no acórdão de 06.12.2018, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nas revistas.

Pelo exposto, acordam em revogar o acórdão recorrido e determinar a baixa dos autos ao TCAN para o efeito indicado supra.
Sem custas.

Lisboa, 3 de Outubro de 2019. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.